Se você quiser escrever para o 1999 sobre QUALQUER coisa que tenha a ver com música (um show legal que você viu, um carinha que você conseguiu entrevistar, um disco que você queria mostrar pras outras pessoas, qualquer tipo de teoria, contar qualquer parte da história do rock), basta escrever para a gente.

04.OUT.1999

RESENHAS
TRICKY / DJ MUGGS
Juxtapose
(Island)
Por Alexandre Matias

Você consegue imaginar um disco que reuna Tricky e o DJ Muggs, do Cypress Hill? De um lado, os climas tortuosos e a atmosfera free funk do autor de dois dos principais discos da década, Maxinquaye e Pre-Millenium Tension. Do outro, o baixo astral do gueto transformado em filme de terror para o encontro das vozes bizarras de B-Real e Sen Dog. A fusão parecia parir um universo tenso, sombrio e assustador, onde músicas e melodias só existem para justificar a existência deste meio. Mas Juxtapose (Island, importado) o disco em que os dois ases põem suas habilidades para trabalharem lado a lado, não é um disco estranho. Sombrio sim, mas passa longe da organização do caos sonoro que os dois fazem em seus discos. Juntos, Muggs e Tricky olham para o mesmo lado: o hip hop.

Apesar dos dois serem músicos que vieram da rua, sua associação com o gênero quase nunca é lembrada. Muggs é, ao lado de Dr. Dre, Prince Paul e Timbaland, o principal instrumentista do hip hop nos anos 90, mas sua influência é sempre ofuscada pelo assunto principal de sua banda, a maconha. E Tricky, por ser inglês e soar esquizóide, nunca teve seu reconhecimento rapper, tendo que se contentar em ser trip hop - rótulo que tira toda a estranheza de seu som.

For Real, o primeiro single tirado de Juxtapose, dá o tom do disco. A letra é simples e continua o protesto antigravadora iniciado por Tricky em seu último disco, o subestimado Angels with Dirty Faces: “Você assiste muitos filmes/ Muitos filmes são pra valer/ Você leva muita coisa a sério/ O seu contrato de discos/ Um contrato paga contas/ Alimenta famílias”, balbucia Tricky sobre uma base deliciosamente soul com algumas referências rock, “não me leve a mal por você usar armas/ E você não tem medo de usá-las/ Mas ao lado destas armas dinheiro é feito/ Ou vidas são perdidas?”.

Tricky aponta o dedo e fala com donos de gravadoras como se estes fossem gangsters: “Ninguém canta o blues/ Apenas o greens (green em inglês é verde, a cor dos dólares)/ Alguém te disse pra ficar de olho no prêmio/ Como se perde um sonho?”. Com pianos, guitarras, bateria, baixo e cítaras para enfeitar, o primeiro encontro de Tricky com Muggs prova que eles podem soar esquisitos até mesmo quando são fáceis.

A próxima música do disco nos apresenta ao terceiro nome deste encontro, um intruso chamado Grease. Produtor de Ma$e e amigo pessoal de Puff Daddy, Grease é liso como seu nome parece dizer e ele ajuda Bom Bom Diggy a soar como um trip hop gangsta. A faixa também abre espaço para um dos primeiros vocalistas convidados: o raggaman Mad Dog, que salpica seu palavreado ágil por cima do boogie nervoso da canção.

Um violão abre outro belo momento do disco, Contradictive, outro soco na indústria do entretenimento, desta vez no estrelismo. “Estereotípico/ Quase mítico/ Como Mickey Mouse”, canta Tricky entre as risadas de Muggs, “Músicos barra-pesada com imagem?”, pergunta, ironizando. She Said é descendente do último disco de Tricky: um funk hermético e sincopado, cercado por riffs de guitarra. I Like the Girls volta ao clima de Bom Bom Diggy, chamando Mad Dog de volta para a metralhadora ragga.

Hot Like a Sauna é outra música boa para exemplificar o teor do disco. Apesar da primeira parte meter medo (é um dos momentos mais Cypress Hill do disco), o refrão, doce e malandro na voz da cantora Kioka, nos coloca de volta ao soul hip hop que parece ser central no disco. Call Me, com a cantora D’Na se   espreguiçando no decorrer da canção mantém este astral com ritmo, enquanto Tricky volta aos vocais com a melancólica Wash My Soul. Uma versão Metal Mix (com mais riffs de guitarras comprimidos) de Hot Like a Sauna precede a ótima Scrappy Love, que encerra o disco deixando gosto de quero mais.

Fácil demais para os dois autores, Juxtapose nos convence do contrário à cada audição. Nascidos com um dia de diferença do outro (Tricky é do dia 27 de janeiro, Muggs do dia 28), os dois transformaram a indecisão típica dos trinta anos - que levou Goldie ao insuportável Saturnreturnz - em afirmação, acariciando seus
principais mestres: o funk, o soul e o hip hop. E prometem mais colaborações juntos. Tomara.

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