Lobão é um ser marginal por excelência. Há muito tempo
à margem do mercado não exatamente por opção ou maneirismo, mas uma simples e
natural conseqüência da postura radical de não se curvar frente a modismos ou vontades
de gravadoras e seus empresários, o grande lobo vem colecionando grandes elogios desde o
lançamento de seu úlimo álbum, Noite, no qual põe a música brasileira para dançar ao
som das quebradas loucas do drumnbass e da electronica. Apesar do
reconhecimento de público e crítica, Lobão não está satisfeito com as vendagens do
álbum. Saiba o porquê no divertido bate-papo que segue abaixo.
1999 - O disco Noite é o segundo disco de uma trilogia que iniciou
com Nostalgia Da Modernidade. Já existe algum trabalho para fechar essa
trilogia?
Lobão - Eu já estou praticamente com o material pronto praticamente e vou ver
se já toco alguma coisa do disco nos shows. Eu tenho nove músicas inéditas, mas
trabalho ainda não tem data. Neste disco eu espero coletar um número de músicas muito
maior do que eu fiz nos dois primeiros. Quero fazer pelo menos umas vinte músicas e
selecionar o meu repertório. Eu não quero fazer um disco enorme porque fica um pouco
maçante por você ouvir muita informação. O que espero é ter a possibilidade de
engendrar todo o conceito deste terceiro disco, que provavelmente será uma síntese
destes dois.
1999 - O primeiro álbum foi marcado pelo samba e o segundo pelos sons
eletrônicos. O terceiro vai ter elementos dos dois discos?
Lobão - Tudo indica que sim. Pelo que eu estou fazendo, o aspecto sombrio não
me abandonou, não. Mas é tudo muito mais lento, mais arrastado, o que não significa que
ele não seja pesado. Tem uma mistura muito grande de músicas acústicas com
eletrônicas, o que eu explorei pouco no Noite.
1999 - O espaço na mídia tem sido bom?
Lobão - Noite vendeu o dobro do que Nostalgia, mas a gravadora
abandonou o disco no segundo mês depois que ele saiu. O espaço na crítica têm sido
excelente, ele foi chamado o disco do ano... O trabalho todo foi muito respeitado pelo
meio artístico e pela crítica.
1999 - E a gravadora não tem ajudado?
Lobão - Não porque eu estou longe de ser um vendedor de 500 mil cópias. Eu
vendi 40 mil no primeiro mês. Para mim foi ultra-satisfatório, mas a gravadora não
investiu e agora estamos à beira de uma rescisão.
1999 - Seu público tem se renovado?
Lobão - Ele é muito heterogêneo e isso é muito bom. Eu encontro pessoas
muitos jovens e muito velhas e de várias classes sociais também. Isso deixa o meu
público sem tribo definida.
1999 - Mas existe uma turma que quer ouvir no seu show músicas do começo de
sua carreira...
Lobão - Só um projeto extraordinário excluiria isso de qualquer artista. Eu
pego sempre as músicas que o meu repertório me fornece dentro das características que
eu quero traçar os shows. Por exemplo, no Nostalgia Da Modernidade eu pegava os
lados B de todas as minhas fases. Neste show, eu pego as músicas que sejam convergentes
ao tema Noite. Então eu pego as músicas ou pela temática, ou pela formação
da composição, ou pelas duas coisas. É impossível pensar em fazer um show inteiramente
inédito, se bem que o meu show é generosamente inédito. Das onze músicas do disco, eu
toco oito e mais duas inéditas. Isso vai sendo pincelado com as músicas que as pessoas
conhecem e eu continue gostando de tocar.
1999 - Noite conseguiu resgatar o Nostalgia?
Lobão - Todo mundo que falou do Noite agora falaram do Nostalgia com
adjetivos de excelente e incompreendido, inclusive porque o som daquela época agora virou
um status quo, todo mundo quer fazer aquele tipo de som. E o que também está sendo meio
inadmissível é o fato das pessoas acharem que eu fiz um disco de direita.
1999 - Como é a sua fase atual?
Lobão - Estou numa fase muito produtiva. mas já passei um tempão, entre 1991 e
1995, sem fazer nada porque não tinha inspiração. Aí bolei um sistema acústico para
fazer uma releitura das minhas coisas. Isso naquela época também era inadmissível fazer
algo acústico. Agora querem que eu faça um disco assim numa hora em que eu não tenho
interesse.
1999 - Você se considera à frente do que as pessoas pensam?
Lobão - Eu não sei se eu estou à frente, eu sou é inquieto. Agora que eu
componho com mais liberdade, estou muito mais satisfeito com o ofício de compor. É
difícil ficar encarcerado e é doloroso o fato de ter o relançamento de minhas
coletâneas terem muitas vezes uma divulgação muito superior que os meus discos
recentes.
1999 - Por quê?
Lobão - Porque eu sei que estes últimos dois discos são os melhores da minha
carreira. São de uma geração infinitamente superior aos anteriores em tudo. Tanto pela
qualidade da realização, da produção e do próprio conteúdo. Isso me aflige. Eu odeio
nostalgia no sentido da saudade, eu não odeio o Nostalgia (risos), muito pelo
contrário...
1999 - Seu trabalho ainda tem a prioridade de falar do Brasil para o Brasil?
Lobão - Sou um cara que penso constantemente na minha realidade, que é
fecundada por uma geografia eminentemente brasileira em seus problemas. Se faço as minhas
letras e minhas músicas, eu estou falando de meu país. O revestimento musical que estou
dando para ele não é gratuito. Brinco e percebo as contradições que a nossa próprria
cultura nos impõe. Como é que pode um cara que no momento está avesso ao samba e ao
futebol querer construir uma música de identidade brasileira sem utilizar este padrão?
Isto é um dilema interessante. No próximo disco tem muita coisa espanhola, flamenca, que
eu associo com coisas da cultura brasileira, porque o violão também é brasileiro. Mas
são todas com conexões oblíqüas e eu acho que dificilmente as pessoas vão continuar
admitindo isso. Mas isso não me frustra o suficiente para me desestimular. Pelo
contrário, dá vontade de fazer cada vez mais.
1999 - Na nossa última conversa, você comentou que estava se sentindo
supersozinho mas encontrava a felicidade no seu próprio desamparo...
Lobão - Isso acontece porque ao mesmo tempo que me sinto só, me sinto livre. Eu
aguardo com tranqüilidade que parcerias virão, sem a menor ansiedade. Descobri que sou
bastante imune às rejeições do momento. O tempo tem corroborado, pois a aceitação vem
com um determinado atraso que me fortifica e me dá coragem de presumir que daqui a pouco
as pessoas vão apreciar melhor o meu trabalho.
1999 - Não existe nada apontando para uma parceria breve?
Lobão - Eu estou compondo músicas para a Cássia Eller. Isso é um deleite,
pois eu adoro ela. Musicalmente, eu me sinto muito à vontade. O problema é que se não
encontro pessoas com a mesma velocidade do meu pensamento, prefiro ficar com a minha
velocidade. Não posso ficar fora de sintonia com as minhas idéias. Acho que não tenho
muito tempo a perder.
1999 - Suas letras atuais têm sido influenciadas por alguma leitura?
Lobão - Tenho me concentrado na minha alegria, pois paradoxalmente eu me sinto
muito feliz. Tratar com a tristeza e a dor é o princípio do nascimento da tragédia do
Nietzsche, quando você entende os limites da alam humana que é a dor e a alegria, a
gente realmente consegue ser feliz. Agora estou terminando a saga do Proust, Em Busca
Do Tempo Perdido, que é um Camel Trophy (risos) e estou maravilhado. Tenho lido
muita poesia com Yeats, Mallarmé, Cortazar, Borges, Tolentino, João Cabral de Mello
Neto. Leio Proust de manhã e poesia depois do almoço. Tenho escutado muita música
também, música barroca, espanhola, arábe, eletrônica, contemporânea, erudita.
Trabalho 24 horas por dia, até no lazer. Tudo me serve como fonte de pensar, de
inspiração. Tudo está referenciado na cadeia de pensamento relacionada à minha
produção.
1999 - Seu dia-a-dia é intenso, então...
Lobão - Eu acordo impreterivelmente as 5h12 e às 5h40 estou na praia. Volto
para casa às 7h e leio até ao meio-dia. Depois vou para a cozinha preparar o almoço.
Sou o Rei da Cozinha, tenho feito pratos incríveis. Aí fico saboreando um bom vinho e de
tarde vou ler. Depois da digestão, vou trabalhar, das 15h às 21h, compondo. Depois vou
passear, vou ao cinema ou a um show, e no jantar eu não como muita coisa não. Estou
adotando esta rotina, pois aproveito muito meu tempo. Durmo muito pouco, só três a
quatro horas por noite. E aproveito as vinte que me restam da melhor forma possível. Eu
estou numa fase muito legal, criativa e me informando muito. Consigo dividir bem o meu
tempo e exerço o meu lúdico. É uma existência muito prazerosa.