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WILCO
Por Alexandre Matias

As comparações de Beck com Dylan têm fundamento quando falamos de formato e estética. Os dois mudam o tempo todo, testam possibilidades sonoras diferentes e criam imagens tão surreais quanto exatas com suas letras. Mas quando falamos em conteúdo, Beck disfarça. Prefere empilhar rimas pelo simples fato de vê-las se segurando uma nas outras do que procurar um sentido. Dylan fala de pessoas comuns, de um cotidiano que parece não passar nunca, medindo sentimentos e experiências como se pudesse desvendar o ser humano pelos olhos de outras pessoas - normalmente, do povo.

Quem surge reivindicando esta vaga é Jeff Tweedy, líder do Wilco. Embora desde os tempos do Uncle Tupelo ele fale sobre gente simples, dos operários que erguem os Estados Unidos como formigas, preocupados apenas com suas vidas, ele não se preocupava com a forma que as canções tinham. Apenas as paria, sem parar para lapidar o que poderia se tornar algo mais poderoso.

A mudança aconteceu nos últimos anos. Ao ser atirado no alto das paradas com o excelente Being There, de 96, o grupo atingiu um grau de maturidade em que as canções significavam muito mais que simples histórias. Com outro discaço, Mermaid Avenue, onde, ao lado do bardo inglês Billy Bragg, o grupo recriava canções inéditas do pai do folk, Woody Guthrie, assimilando cada vez mais a importância que músicas populares têm - e como elas podem ser elevadas a um patamar artístico impecável.

O resultado desta evolução acontece no magistral Summer Teeth (Reprise, importado). Aqui, Tweedy não se limita a descrever a vida de personagens como um documentário narrado em primeira pessoa. Óticas diversas sobre vidas desesperadas, cuja única esperança (e motivo de desespero) é a estabilidade de uma relação amorosa, são listadas por um autor expressionista, que prefere chocar com os pedaços de sua obra do que prender-se em um sentido.

Por choque, não entenda apenas o confronto. Ele ousa ao abaixar a cabeça e admitir erros, confissões duras e ásperas ditas por pessoas que não têm certeza do que estão fazendo. Desabafos que preferem fazer com que o ouvinte preste atenção em cada verso do que tente desvendar o porquê por trás de tudo aquilo. Os personagens que choram suas tristezas pela voz de Tweedy não sabem porque estão falando aquilo. Simplesmente dizem.

O sentido por trás de Summer Teeth é a atmosfera casual, um som tão pop quanto enraizado nos costumes musicais de uma América para quem a cidade ainda é a última opção, o refúgio para os perdedores. Uma vibração positiva, mas ao mesmo tempo triste e melancólica. O oposto do Wilco que vinha aos poucos vinha se estabelecendo como uma banda de rock tradicional no meio dos anos 90.

A banda, completada por Jay Bennett (guitarra), John Stirratt (baixo) e Ken Corner (bateria, estes dois últimos remanescentes do Uncle Tupelo), está mais entrosada do que nunca. As músicas se desenvolvem com uma maciez próxima à perfeição e o casamento dos instrumentos parece nunca ter acontecido - como se eles todos sempre já fossem um só, desde o começo. Mesmo a inserção de instrumentos que contrastam diretamente com o som do grupo (como Moog, sintetizadores, Casiotone, guitarras e-bow, trumpetes e vibrafones) não alteram a coesão da sonoridade das canções, que parecem melhorar a cada audição.

Mas apesar do disco soar belíssimo, as letras não cantam sobre coisas bonitos. Uma nuvem negra repousou sobre as letras de Jeff, fazendo-as falar sobre situações que mexem com a vida de qualquer um - e sempre partindo do princípio que a relação amorosa é o único rumo que qualquer pessoa pode colocar em sua vida.

Can’t Stand It abre o disco como o sol abre o dia (forte, vivo e claro). Mas o tema da canção é a separação. "Você sabe que está começando/ A parecer que vai acabar", canta como se estivesse olhando nos olhos de alguém chorando, "nossas preces nunca mais serão atendidas". Can’t Stand It também nos apresenta a duas novas descobertas do compositor - a repetição de frases como forma de fixação de determinadas idéias e o jogo de palavras, letras e fonemas, que formam belas imagens e sons, como "speakers are speaking in code" (que perde o impacto em português - "caixas de som falando em código" -, mas preste atenção na forma que os fonemas "s", "k" e "in" se encaixam com precisão).

She’s a Jar continua o clima ameno e matinal que parece preencher todo o CD traz um narrador disposto a provar seu amor, como se este pudesse justificar a violência. O belo refrão traz um simples mas lindo pedido de casamento - "Apenas suba/ Em um dos galhos/ da minha frágil árvore genealógica (que, novamente, soa melhor em inglês - "fragile family tree")/ E me veja flutuar algumas polegadas/ sobre as pessoas lá embaixo". No fim, o interlocutor explica a confissão amorosa com o pesar de quem fez o que não queria - "ela implorava para que eu não batesse nela".

De repente, vem a ressaca vem com força (sonora e poética) em A Shot in the Arm ("O cinzeiro diz/ Que você esteve acordado à noite inteira"), que passa a descrever os momentos seguintes ao fim de um relacionamento. Logo, o vocalista decide apelar ("talvez o que eu precise seja um pico no braço"), mas ele não quer qualquer morfina pra aplacar sua dor ("algo nas minhas veias/ Mais sangue que o sangue"). A sensação de desespero é ampliada pela repetição feroz dos versos anteriores. A conclusão que a canção chega é a mesma do disco: "Você mudou". Ou melhor, sua vida só muda graças às relações amorosas. We’re Just Friends é quase silenciosa (mesmo com vários instrumentos) e nos remete ao Brian Wilson de Pet Sounds, só que mais velho. O título - somos apenas amigos - parece ser dito novamente frente a alguém que não consegue aceitar esta situação.

O clima muda radicalmente com o pop delicioso de I’m Always in Love, acompanhado por um Moog insistente, mas se no começo da canção o personagem principal faz questão de dizer que "estou esnobando: estou sempre apaixonado", no fim, ele passa a admitir que, não está tirando onda, mas "preocupado: estou sempre apaixonado". Mas já que estamos na parte mais feliz do disco - meio-dia -, ele aproveita pra cantar que "nada vai estar no meu caminho de novo", pra provar que ele realmente ama em Nothingisevergonnastandinmyway(again). E mesmo sabendo que "um beijo é tudo que precisamos", ele ainda lamenta o amor - "é duro quanto o amor é um mato/ Cresce dentro de mim".

Pieholden Suite encontra-se novamente com Brian Wilson - aqui mais presente que em todo o resto da carreira de Tweedy. "Há um sussurro/ Que eu queria respirar/ Dentro de seu ouvido/ Mas tenho muito medo/ Que ele chegue muito perto/ De você nesse instante/ Pois existem sonhos/ Que dividimos/ Que ainda me preocupo/ E eu ainda te amo/ Mas você sabe como tenho sido infiel". É o fim de tudo, acabou, mas ele consegue lembrar dos melhores momentos com exatidão, numa belíssima estrofe - "No começo/ Fechávamos os olhos/ Sempre que nos beijávamos/ Estávamos tão surpresos/ Em encontrar tanto por dentro". O clima Pet Sounds é completo com doces backing vocals e um final colorido por trumpetes.

How to Fight Loneliness, como o título diz, apresenta algumas dicas pra viver através da solidão. "Sorria o tempo todo/ Escancare seus dentes até perder o sentido/ E afie-os com mentiras". Mas o clima cínico da canção mostra que não há remédio para estar sozinho: "Ria de todas piadas/ Abrace cegamente o cobertor/ Encha seu coração de fumaça/ E a primeira coisa que você quer/ Vai ser a última que você vai precisar". Novamente a repetição ajuda a narrativa e cada vez que ele canta "Just Smile All the Time", você tem certeza que a fórmula é só uma válvula de escape pra não se enfrentar a realidade.

"Sonhei que matava você de novo noite passada/ E eu me sentia bem/ Morrendo nas margens dos céus de Embarcadero/ Sentei-me e te vi sangrar/ Te enterrei viva numa grade de fogos de artifício/ Chovendo sobre mim/ Seu quente sangue frio corria de mim pro mar". Sem pedir licença, o narrador de Via Chicago confessa o desejo de matar aquela que ele ama, mas sabe que não consegue se livrar assim - então vai embora, "procurando um lar/ via Chicago". A letra mais pesada do disco vem acompanhada de um instrumental soturno e amedrontado. Que é interrompido pelo clima ensolarado da firme ELT, que confessa o erro de não prestar atenção em todas as pequenas coisas que a amada lhe mostrava.

My Darling é uma maravilhosa canção de ninar de autoria de Jay Bennett, que faz uma criança dormir ouvindo que ela é o melhor que o amor de um casal pôde fazer, "somos uma família/ desde o começo". O clima é sombrio e doce ao mesmo tempo e alguns vocais reluzem como um sol poente a iluminar o começo de noite a quem é dedicada à canção.

A noite cai e Tweedy tira todas as máscaras, contando seu segredo de compositor em When You Wake Up Feeling Old. "Quando você acorda se sentindo velho/ Neste piano cheio de almas/ (...) Você pode estar onde quiser/ Andar em qualquer rua/ Que encontrar/ Olhar em qualquer relógio/ E dizer as horas". Sim, ele apenas contava histórias pra ver como é andar nos pés de outra pessoa, "uma estranha pessoa que te chama de lar".

A faixa-título funciona como outra conclusão finge dizer que a inspiração vem pra qualquer um, basta perceber - coisa que o personagem não faz: "É só um sonho que ele sempre tem/ E parece não significar nada". O disco termina aconselhando-nos a fazer o futuro, pois "o dia vai chegar/ Quando o vento decidir correr/ Balançar escadas e atacar paredes/ E virar uma página pra uma era futura". Afinal, "algumas árvores vão entortar/ Outras cair/ Mas no fim das contas/ Nós também/ Então vamos direcionar nossas preces/ Para ousadias ultrajantes/ E marcar nossa página/ Numa era futura". O disco acaba (sem contar as faixas escondidas, uma delas outra versão pra Shot in the Arm) e o Wilco consegue passar a sensação de positivismo mesmo depois de falar de assassinato, surras, divórcios, solidão, fingimento, decepções, frustrações e arrependimentos. E isso não é pra qualquer um.

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© 1999

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