Por ocasião do show bem sucedido no Ballroom, três
integrantes do Hojerizah me concederam esta entrevista reveladora das intenções da banda
- Tony Platão só não participou porque era seu aniversário. Aqui eles infelizmente
disseram que não possuem nenhuma aspiração a voltar com o grupo. Os dois shows feitos
recentemente foram apenas uma desculpa para quatro camaradas se encontrarem e voltassem a
sentir o prazer de lembrar o que foi parte da vida deles. Eles revelaram que não possuem
grandes esperanças que a BMG relancem seus discos integralmente. Na verdade eles não
estão nem aí com isso porque qualquer compromisso tira o tesão deles em tocar seu
material antigo. A vida continuou e todos eles tocaram à frente seus projetos paralelos.
Logo após o fim do Hojerizah, o baixista Marcelo Larrosa e o batera Álvaro de
Alburquerque formaram a cozinha da banda que acompanhava o ex-Picassos Falsos Humberto
Effe. Em 95, o guitarrista e compositor Flávio Murrah apareceu com sua nova empreitada -
a banda Hordha, que segue à risca o receituário do Hojerizah. Um bom tempo depois do fim
deste trabalho, o baixista Marcelo voltava a cena udigrudi carioca com o excelente da
banda Nave, que chegou a ser contratada pelo selo Grita - subsidiária latina da Epitaph
Records. Mas devido a imbróglios musicais referentes à associação com o selo acabou
precipitando o fim da banda. Se você sente alguma nostalgia - mesmo que tímida - daquele
tempo, dê uma conferida na entrevista abaixo e saiba o que rolou com os caras após o
Hojerizah. Certas passagens são um acerto de contas entre velhos e bons amigos.
O Hojerizah iniciou atividades em 82, quando o rock brasileiro começou a dar
as caras. Você tinham a pretensão de estourar comercialmente (já que a maioria das
bandas conhecidas naquela época eram marcadas pela irreverência e pela sonoridade
básica)?
Marcelo - A gente tinha fé de que a proposta da banda era boa. Desde o começo mesmo, o
Flávio apresentava as músicas dele e nós às vezes nem tínhamos competência musical
pra fazer o que a gente pensava. A gente teve três bateristas antes do Álvaro e eles
não eram lá grande coisa... Mas a banda sempre soube que as composições eram boas e
que as letras eram bem legais. Algumas nós fazíamos em conjunto. Cada um falava uma
parada. Mas ficava legal, sacou? E aí cada um foi fazendo as suas e mostrando.
E qual foi a 1a reação quando vocês se depararam com as composições do
Flávio? Falo isso porque elas não eram uma coisa muito usual. A digestão foi fácil?
Marcelo - No começo elas eram mais cruas, mas já eram melódicas. A base na verdade
acabava ficando meio punk - mas sem o timbre punk. Na verdade, uma coisa bem crua.
Álvaro - O engraçado é que eu conhecia eles porque eu dava aula de bateria pro
baterista deles, o Rogério. Eu morava com os meus pais na época e, no meu quarto, eu
fazia um estudiozinho de ensaio. Então eles começaram a ensaiar lá em casa. Foi assim
que eu conheci os caras. Eu achava o som deles cru. Tinha uma sofisticação melódica,
lírica mas a base... (falando com os amigos de banda) basta ver quando a gente ensaiou
"Você não gosta de mim" ou "Que Horror". Era uma coisa bem crua.
Quando eu entrevistei o Flávio, ele reclamou que a imprensa, na época, não
deu não deu muita atenção pra vocês porque eles incensavam muito as bandas paulistas.
Pra vocês, isso realmente procede?
Marcelo - Rolou mesmo deles não darem atenção pra gente. Mas, na verdade, eu não me
lembro de ter sentido isso na época.
Flávio - Eles ignoravam um pouco a gente.
Marcelo - Isso porque o trabalho era malfeito. A gravadora contratou 500 bandas...
Flávio - Mas por exemplo, até quando a gente gravou o 1º disco não houve uma crítica
construtiva ou então que pudesse realçar a banda como nome. Não havia aquele incensar
todo que era feito com as bandas paulistas. Nunca fizeram isso com a gente. Agora, pelo
menos nesses dois shows que a gente fez, tá rolando uma divulgação que não existia na
época.
Marcelo - Tem um negócio. As pessoas queriam o tipo de música que a gente fazia. A
própria mídia queria, só que era uma coisa mais underground, mais poética e
hermética. E 90% das bandas que faziam esse tipo de som eram de Brasília, São Paulo e
tal. Nego não entendia e achava que com o carioca não era a mesma coisa. Achavam que
não devia ter profundidade.
Flávio - O que aconteceu foi o seguinte: a gente fez um show no Madame Satã e nessa
noite tocaram o Hojerizah, o Tal & Qual e o Lado B. Aí saiu uma matéria falando
sobre esse concerto. E aí qual a banda que se destacou? O Lado B. Não estou falando mal
dos caras, mas o público ali mesmo mostrou que não era isso.
Álvaro - Em São Paulo, o pessoal ignorava legal. Era ruim da gente conseguir tijolinho
falando sobre os nossos shows. É engraçado.
Flávio - Não é nada contra São Paulo. A minha banda preferida é o Ira!, mas isso
acontecia... E era uma revista que tinha uma hegemonia na época.
Álvaro - A gente se identificava muito mais com o Ira! ou com Fellini do que com os
Paralamas ou o Kid Abelha que personificavam o rock carioca, então a tendência seria da
imprensa paulista ficar atenta com a gente. Mas isso não acontecia. Por que? Será que o
pessoal achava que os cariocas não poderiam fazer um rock mais hermético. Não sei, não
tenho explicação.
Marcelo - Isso rolou muito com a gente porque nós fomos pioneiros nisso. O Picassos
Falsos só apareceu muito depois. Na verdade, quem ralou nesse lado da coisa poética foi
o Hojerizah. O Cazuza também, mas com outro tipo de poética.
Para muitos a música "Te Procurar" foi o auge do show no Ballroom.
Por que ela não foi gravada em disco?
Álvaro - Antes de mais nada, obrigado. Isso não aconteceria se não fosse a minha
insistência... É o seguinte: Essa música é de uma demo que a gente gravou pra
apresentar o repertório à RCA - que depois virou BMG.
Marcelo - Só que depois a gente mudou o arranjo e ficou uma merda.
Álvaro - Eu guardei essa fita e casualmente redescobri essa música maravilhosa. Os caras
não gostavam dela, tinham enjoado da música. Aí eu deixei o show ficar prontinho e no
penúltimo ensaio, eu falei: "Vamos ouvir!". Aí neguinho ficou amarradão e a
gente foi e tirou a música. Só tocamos ela no último ensaio, na véspera do show.
Marcelo - Ela era uma música datada. A gente já a tocava antes de chegar na gravadora,
na época do Mamão com Açúcar (badalado point dos 80). Quando a gente começou a gravar
o LP, nós já tínhamos coisas mais rebuscadas e ela era muito simples - apesar dela ter
um lirismo que chama a atenção das pessoas. Ela sempre foi boa em show desde a 1ª vez
que a gente tocou. Mas quando a gente foi gravar o disco, ela era uma música muito velha.
Flávio - Nós tocamos ela no Mamão com Açúcar e era muito legal. A galera se amarrava.
Marcelo - Era o bicho. Cinco mil pessoas, neguinho delirando. E o Álvaro nem era o nosso
baterista, na época era o Rogério. Quando o Álvaro entrou, ela já era coisa velha.
Álvaro - Mas pra mim, não. Eu sempre tive um carinho com essa música. Pra mim ela não
tava desgastada.
Então no show do Ballroom, rolou o arranjo da demo?
Álvaro - Esse arranjo está registrado nessa demo que eu descobri. Só que nessa versão
tinha um cara tocando sax. Mas no show foi basicamente o arranjo da demo sem o sax.
A letra dela demonstra uma certa fragilidade emocional. Quem fez a letra?
Flávio - Cara, esse negócio de explicar as letras é digestão. Você saca as paradas
aí, liga as antenas....
Tem a ver com experiências suas vividas na época?
Flávio - Não sei. Nunca parei pra analisar por esse lado.
Ela tem uma parte falando sobre noitadas...
Flávio - Na época até tinha a ver (risos). Agora não. Essa música é muito antiga.
Álvaro (falando com Wagner - o organizador dos dois últimos shows flashback do
Hojerizah, na Fundição e no Ballroom) - Ele achou que "Te Procurar" foi o
ponto alto do show.
Wagner - É, várias pessoas falaram isso.
Eu vi várias pessoas cantando. E a música nem foi lançada em disco.
Flávio - Eu vou falar um negócio: Esse arranjo do show ficou maneiro. Eu gostei.
Marcelo - É ficou legal. Teve peso.
Álvaro - Sabe uma coisa? Não tenho certeza, mas eu cheguei a tocar "Te
Procurar" ao vivo. Mas eu acho que a gente nunca tinha tocado com esse arranjo. Esse
arranjo a gente fez pra demo que o Ricardo Hint gravou.
Flávio - Não. Foi diferente. Você tá falando é a armação da música.
Álvaro - Então, eu acho que a gente nunca tinha tocado ela ao vivo com esse arranjo.
Flávio - É, pintou um solo que existia. O solo ficou maneiro.
Álvaro - É, no final da música. Ficou legal.
Marcelo - Pra acabar, ela não entrou no disco porque era velha.
Voltando ao passado, o Jamari França tinha uma seção no programa Shock (da
TV Manchete) em que ele quebrava os disco de bandas que ele não gostava. Apesar dele ter
sido o produtor do 1º disco de vocês, ele quebrou o 2º disco (Pele) porque ele tinha
entrevistado o Flávio e ele não explicou o sentido das letras pra ele. Rolou algum
ressentimento?
Marcelo - Não. Cara, o negócio é o seguinte: ele não tinha função alguma na
gravadora, nem no nosso disco.
Álvaro - A gravadora queria pegar um padrinho pra criança. A verdade foi essa.
Marcelo - E ele ficou enchendo o nosso saco na gravação. E todos nós ficamos
"bodados" com ele e vice-versa. Foda-se! Todo mundo ficou de saco cheio.
Flávio - Pra mim é o seguinte, agora eu analiso friamente. Na época, eu não fiquei
aborrecido, não. Sabe? Isso não me influencia nada. Parece que não existe nenhum
crítico no Brasil que saque mais de rocknroll do que eu. Não falo de
conhecimento.... de lado B, etc. Mas que sinta o lance rocknroll como eu.
Então, eu estou acima de todos esses caras, entendeu? Agora eu não vejo mal nisso. Não
fico mais grilado porque o meu som não mudou. A fórmula é a mesma, cara. Existem uns
caras aí que falam: "Ah, o fulano agora é techno". Peraí, cara (rindo).
Álvaro - O problema do Jamari é que ele caiu meio de pára-quedas. Ele era um fã do
Hojerizah e a RCA queria, por questões mercadológicas, que a banda tivesse um padrinho
na imprensa. Ele ficou envaidecido com o convite, mas devia ter se ligado que não teria
nada a acrescentar ao som da banda. E teve uma hora que ele queria palpitar quando a gente
já tinha o Marcelo Sussekind na produção executiva enchendo o nosso saco.
Flávio - Para porque aí vai ficar foda (risos gerais).
Marcelo - Aí criou-se um entrevero. Não tinha nada a ver o Jamari estar ali. E com
certeza, nego começou a detonar ele porque começaram a perguntar: "Como é o Jamari
no estúdio?" E neguinho falou que ele tava sobrando. Isso deixou ele magoado. E
quando ele quebrou o 2º disco, eu duvido que aquilo tenha sido um gesto autêntico.
Flávio - Cara, vamos continuar. Não vamos mais falar nisso, não.
Tu já tinha falado isso pra mim numa outra entrevista. Agora é a vez dos
caras (risos).
Flávio - Cara, esquece isso (rindo).
Álvaro - Cara, eu estou falando a verdade. Foi isso mesmo o que aconteceu. Meu coração
tá até leve de estar falando isso.
Flávio - Cara, sabe porque eu estou falando isso? É porque tinha uma pessoa sinistra na
parada. Eu não vou nem falar o nome dela. Aquilo era obra do Satã. Aquilo era o Satã,
era uma rede de Satã.
Marcelo - Eu cansei de tomar chope com o Jamari depois disso. Não tenho menor problema
com ele. Era uma coisa de egos, de vaidades que pintam na hora.
Algum tempo depois do 2º disco, foi publicado na imprensa que os problemas com
o Flávio levaram ao fim da banda. A banda acabou exatamente por causa disso ou vocês já
andavam um pouco desmotivados, sem perspectivas?
Marcelo - Não, cara. Na verdade tinham outras coisas que estavam pesando na época.
Diferenças musicais?
Marcelo - Não, não. Tinha acabado o contrato com a gravadora e a gente já sabia que ela
não iria lançar o 3º disco. Então a gente foi correr atrás de outra gravadora. Cara,
(suspira) até onde rola fofoca, neguinho boicotou a gente com outras gravadoras. Gente da
própria gravadora. É tudo uma parada só.
Neguinho da própria gravadora?
Marcelo - É, e aí a gente ficou meio assim: "Pegar um empresário pra bancar um LP
independente". Fomos ver isso, vimos uns produtores, mas não rolou. E o clima tava
pesado entre a gente também. Uma porrada de coisas.
Álvaro - Foi uma conjunção de fatores. A gente já tava junto há muito tempo e isso
consistia numa constante administração de egos.
Flávio - Pô, todo mundo fala isso.
Álvaro - Mas é verdade.
1999 - Aí o problema do Flávio com o pessoal do Uns e Outros foi a gota
dágua...
Flávio - Cara, não faz essas perguntas, não. Senão acaba a entrevista (risos). (Nota:
O estranho é que o próprio Flávio falou abertamente sobre isso numa entrevista que fiz
com ele individualmente).
Wagner (chegando na sala) - Tá engraçado o negócio aí? Já chegou na parte engraçada
da história?
Outro dia na imprensa, o Tony falou que não voltaria a tocar mais com a banda.
Ele chegou até a dizer numa entrevista: "Deus me livre de voltar ao estúdio com o
Flávio". Trabalhar com esse cara (Flávio) era muito difícil?
Marcelo - Trabalhar com a gente era difícil. Com qualquer um de nós.
Wagner (se dirigindo a mim) - Tu tá brincando com fogo! Deixa eu sair daqui (risos)
Marcelo - Todo mundo era difícil. Não tinha ninguém fácil. Era complicado não só
entre os quatro, mas quanto aos malucos que nos cercavam também... produtor de disco,
empresário. Na verdade, ninguém era lá muito são (rindo).
Eram quatro personalidades fortes que em determinado momento se chocaram.
Álvaro - Chega num ponto em que você cansa. É aquela coisa: Você pode amar a tua
mulher mas chega uma hora que você se pergunta: "É conveniente continuar? As dores
de cabeça compensam? Os prazeres?". E chega uma hora que você acha que não
compensa. É isso. Não é a questão de ter uma pessoa mais difícil ou não. Até porque
às vezes você pode estar tendo um relacionamento com uma pessoa difícil, mas em
compensação isso pode ser extremamente enriquecedor. E você às vezes pode estar se
relacionando com uma pessoa muito fácil, mas pobre. Então eu prefiro ter qualquer tipo
de relacionamento - seja profissional ou amoroso - com uma pessoa difícil, mas
enriquecedora. Só que vai chegar uma hora que eu vou ver se vai valer a pena eu ficar com
mais cabelos brancos ou não. Acho que é meio por aí.
1999 - Eu sei que essa pergunta que eu vou fazer agora é um pouco delicada. Eu até
gostaria de pedir permissão a você (Flávio), no caso de você não querer que os caras
respondam.
Flávio - Manda aí! Manda aí!
É o seguinte: Como é que vocês lidaram com os problemas de internação do
Flávio?
Flávio - Pô cara, não! Isso é coisa do passado e eu tô vivendo no presente. Não sou
museu (aborrecido).
Marcelo - A única coisa que eu posso falar é até algo que eu nunca falei com o Flávio:
Eu fui até meio omisso. Eu acho que todos nós fomos porque, eu, na verdade, fiquei um
tempo sem falar com a galera. Não fiquei nem sabendo que o Flávio havia sido internado.
Só fiquei sabendo disso depois que ele tinha saído. Eu não tive a experiência. Eu não
lidei com o problema.
Flávio - Pode falar aí, cara! (saindo da sala)
(Faço um sinal perguntando se eu peguei pesado. O baixista Marcelo acha que não tem
problema)
Álvaro - Até porque a gente já tava tão desgastado...
Marcelo - E chega a um ponto que quem tem de fazer alguma coisa é a família. E eu acho
que a gente meio que tirou o time de campo não de propósito ou por rancor, nem nada. A
gente já não tinha era diálogo porque tava (pausa) ruim mesmo. E foi isso, acho que a
gente não deu suporte ali. Não sei se era preciso. Eu acho que, na época, eu estava
até certo porque era a família mesmo que tinha que dar este suporte. E foi isso. Fiquei
sabendo de internação já depois. Foi quase na época em que a gente foi fazer o show no
Fun Club em 94 (nota: show de comemoração do lançamento da coletânea em CD
"Hojerizah e Picassos Falsos"). Foi ali que eu fiquei sabendo da história.
Álvaro - Da real, de como tinha sido pesado. Eu vim saber de detalhes agora, comentando
com a gente.
Marcelo - Também. A gente não tinha mais contato, não nos encontrávamos. A gente
simplesmente perdeu o contato com ele.
(Chegam algumas cervejas e, logo depois, Flávio reaparece)
Esse show do Ballroom não deixou vocês com vontade de voltar com a banda? Eu
vi muita gente emocionada. Tinha até algumas pessoas chorando.
Marcelo - Tinha várias pessoas chorando.
Álvaro - (para Flávio) Você viu uma garota que tava bem na sua frente, uma menininha...
Ela chorou pra caralho. Não parava de chorar o tempo todo.
Flávio - A mãe dela veio falar comigo depois. Me pediu autógrafos.
Marcelo - Várias pessoas vieram falar pra mim que a gente salvou a vida delas.
Quêisso?!
Marcelo - Sério! É muito forte isso.
Álvaro - O engraçado é que eu falei pro Tony: "Você viu a menina que estava
chorando?" Ele falou: "Eu vi, sim. É porque tinha um cara pisando no pé dela o
tempo todo". (risos)
Não dá vontade de efetivar a banda novamente. Isso não é forte o suficiente
pra persuadir vocês?
Marcelo - Eu tenho lá as minhas dúvidas.
Álvaro - O show foi tão prazeroso que a gente não tem que ficar pensando em voltar.
Qualquer compromisso tira o prazer.
Marcelo - E eu não quero jamais na minha vida ver qualquer babaca da imprensa dizer que a
gente voltou por dinheiro, pra caçar níquel - que é o que eles falam de todo mundo que
voltou. Cara, cada tem seu momento. Então se a gente volta é porque a gente tá afim. E
eu não estou afim de ler esse tipo de coisa. Nós sempre tivemos uma postura forte com
relação às nossas idéias - não só em termos de letras, mas com relação a postura
séria da banda - e eu não estou afim de macular, de detonar essa história. Então é
por isso que eu prefiro não pensar em fazer outros shows.
Álvaro - Tem outra coisa. Pode ser até preconceito meu, mas quando eu vejo um dinossauro
desses voltando, a primeira coisa que eu penso é: "Os caras tão voltando por causa
de grana". Quando você vê o Deep Purple voltando a tendência é você achar isso.
E às vezes não é isso. É porque o cara tá afim de ter prazer tocando com velhos
camaradas. A causa maior da gente não voltar é que nenhum dos quatro tá afim de assumir
algum compromisso: "Ah, vamos voltar".
Marcelo - Com certeza. Tu pega uma entrevista com o Roger Glover e você vê que o cara
tá fazendo aquilo porque tá com tesão. O cara não tá nessa só pelo dinheiro porque o
cara tem dinheiro pra caralho. São trinta anos de dinheiro pra cacete no
rocknroll. Então existe esse preconceito e o maior preconceito é o da
imprensa. A imprensa até que deu bastante espaço pra gente em função desse show no
Ballroom, mas pode ser que no próximo ela venha nos detonar. E aí eu ficaria com cara de
bunda, entendeu? Eu não estou afim disso. De repente pinta um show maneiro, num lugar
maneiro - um show que a gente sabe que vai ter uma puta infra, que vai ter um puta som...
Eu me preocupo muito com isso.
Por enquanto ainda é muito desgaste pra pouco tempo de satisfação.
Marcelo - Eu acho que é por aí. Quando tiver aí alguma data, coisa do tipo
neguinho reunir 500 bandas dos anos 80. Se a gente ficar fazendo um show
atrás do outro, eu acho que a mídia nunca vai dar esse espaço de novo. Tanto espaço em
jornal com tudo e tudo. Se a gente resolve voltar hoje, eu não sei se isso duraria dois,
três meses. As rádios, hoje, não tem a menor vontade de tocar esse tipo de música. As
gravadoras muito menos, nem de gravar ou de reeditar os nossos discos em CD e botar a
gente na estrada para uma turnê de lançamento em CD. Se isso tivesse dando grana pra
eles, eles fariam. Como não está dando e esse pessoal de gravadora nunca perde grana.
Quem perde grana é o público.
Álvaro - A causa maior é que nenhum de nós quatro quer assumir um compromisso:
"Ah, vamos voltar?"
Marcelo - O Tony tá gravando o 2º disco dele, produzido pelo Dado Villa Lobos - que é
um cara criativo pra caramba. Eu ouvi o CD-demo e a pré-produção tava muito boa. A fita
toda era ele, o Dado e um computador. O Dado tocou o baixo e as guitarras. O resto tudo
eram loops e tal... Inclusive a versão que eles fizeram de Dentes da
Frente é muito boa. É a 1ª regravação de material nosso que eu tenho dúvida se
não é melhor que a original. É techno ou algum desses ritmos mais modernos aí, tipo
trance.
Álvaro - Voltando ao Hojerizah. Com relação aos discos, eu lembro que eu fiquei muito
tempo se, ouvir os discos do Hojerizah. Muito tempo mesmo. A 1ª vez que eu ouvi os nossos
discos foi em 94 e a nossa banda acabou em 89. Foi quando a gente foi fazer um show no Fun
Club. E eu posso dizer tranqüilamente que eu fiquei uns três anos sem escutar nada do
Hojerizah. E, nessa ocasião, eu fiz uma audição crítica e ouvi aqui uma vacilação no
andamento, aqui uma virada mal-feita, aqui uma frase de baixo meio mastigada, uma guitarra
assim aqui, uma voz mal colocada ali... E eu tomei um susto. Talvez a gente estivesse numa
fase muito detalhista.
Mas tem também uma coisa: rock bom tem falhas.
Álvaro - Veja bem: Eu não estou fazendo nenhuma restrição à composição e arranjos.
Estou falando sobre a execução e o processo de gravação.
Marcelo - O processo de produção, também. No 2º disco, eu me lembro que o som tava
perfeito, mas na hora de passar pro vinil o som ficou magro.
Álvaro - Mas em termos de execução, o 2º disco é muito superior ao 1º.
Marcelo - Porque no 1º disco a produção foi a toque de caixa. No 2º, a gente parou um
pouquinho no estúdio.
Flávio - É, eu fiquei não sei quantas horas mixando "Fogo".
Álvaro - "Fogo" era uma música pra ser maravilhosa. A gravação de "A
Lei" também é maravilhosa. Não existe um ai pra falar mal delas, ou de
"Belos e Malditos". É muito bom, mas no 1º disco...
Flávio - "Canção da Torre Mais Alta" é a música que eu mais gosto naquele
disco.
Marcelo - É, concordo. Ela é muito boa.
Flávio - Cara, é o Stairway to Heaven" brasileiro. Eu não tenho aquele solo
magistral, mas é o nosso "Stairway to Heaven" (risos). Mas não foi a
intenção de fazer algo parecido com "Stairway to Heaven. Eu morava na
Constante Ramos e tava lá de bobeira tocando... E nessa época, eu tinha a idéia de
musicar alguma coisa do Rimbaud. "Canção da Torre Mais Alta" é a música que
eu mais gosto no 2o disco. Eu havia lido dois livros dele -
"Iluminações" e "Estadia no Inferno" - e achei muito maneiro. E eu
sempre falava pro Tony: "Um dia ainda vou musicar um poema do Rimbaud". E eu
estava lá, burilando uma canção e percebi que ela tinha uma parte tipo
"Roundabout" do Yes. Eu bolei a melodia e aí um dia eu peguei o livro, abri
numa página no meio e vi "Canção da Torre Mais Alta". O título já é lindo!
(risos) Eu já havia bolado a harmonia, a melodia e o poema se encaixou perfeitamente.
Não sei direito como aconteceu. Foi uma coisa sobrenatural. Aconteceu isso também com
uma música que eu toco no Hordha (nota: a nova banda do Flávio) - "Flertes
Imaginários". Ela foi psicografada do Jim Morrison. Eu demoro muito pra escrever e a
letra do Jim Morrison veio direto. Eu tenho a maior preguiça pra escrever e ela encaixou
perfeitamente. E não tem nada a ver com o meu estilo. Deus falou e veio. Eu afirmo.
Apesar dessas paradas de internação, isso não é loucura! (enfático) Tem também uma
passagem numa música minha, inédita. Eu tava fazendo a música e faltava uma parte. Aí
Deus me falou: "Kurt Cobain quer falar contigo". E encaixou o que faltava. Dois
fraseados dele e eu fechei a música. Uma música linda! Não tem letra ainda. Só a
melodia e a harmonia estão prontas. Isso aconteceu três vezes. Eu sei, cada compositor
tem o seu próprio processo - é uma coisa digestiva, orgânica... Então você saca
quando existe aquela verdade dentro de você. Você sente que não está totalmente
viajando, entendeu? E com "Canção da Torre Mais Alta" foi assim. Coisas que
tinham que acontecer.
Todo o lado B do "Pele" é maravilhoso, quase furei o meu disco de
tanto de ouvir. O grande trunfo do disco estava na parte acústica.
Flávio - Isso é muito difícil. Você pega, por exemplo, o 1º disco dos Secos e
Molhados, eles encaixaram aqueles versos numa perfeição incrível. Eles sabiam burilar
as canções e isso era muito difícil. Isso provem somente do contínuo trabalhar da
canção. E eu sou muito preguiçoso. Eu sou muito preguiçoso. Eu faço uma música em 3
ou 2 horas. Faço dez ao dia. Eu não paro. Se eu estivesse numa de estar gravando... Eu
tenho o prazer de ver a coisa pronta - a música lá registrada. Não por direito autoral,
mas o som tá ali, aquela coisa. Eu gosto disso, isso me envolve. Os Beatles largaram
aquela coisa toda para se dedicarem exclusivamente ao trabalho no estúdio. Isso é
interessante.
Nesses dois últimos shows, algumas pessoas perceberam uma ligação forte
entre o Flávio e o Tony. É o seguinte: No 1º show (na Factoring) dava pra perceber que
o Tony estava um pouco chateado com o Flávio porque ele tava meio inseguro... E nesse
show do Ballroom, o Tony parecia até entusiasmado porque o Flávio estava segurão.
Flávio - Na Factoring, ele não tava chateado, não. A gente sempre teve essas paradas.
Marcelo - O som é que tava ruim mesmo. O som do palco tava ruim, a gente não conseguia
se ouvir direito. (pensativo) Eu particularmente, nesse show da Factoring, me lembro de
ter me desconcentrado várias vezes por causa do som. Eu só ouvia o eco de volta e
acabava errando. Rolou isso direto - acho que com todo mundo.
Álvaro - Não foi nem um pouco prazeroso fazer esse show. Toda a expectativa que a gente
tinha de voltar a tocar junto foi por água abaixo.
Marcelo - Foi brochante.
Flávio - Mas teve um punk que veio falar comigo. E ele se amarrou naquele show. É um
cara lá da minha rua (rindo).
Álvaro - Não é isso. As pessoas gostaram.
Flávio - Tudo o que emociona um punk é maneiro (risos gerais).
Mas, em compensação, no Ballroom o som tava impecável.
Marcelo - A gente teve tempo pra passar o som. Não tinha aquela roubada de ser um lugar
que durante o dia e estando vazio é um som e durante a noite é outra coisa completamente
diferente. No Ballroom você pode passar o som à tarde e pode mantê-lo à noite. Eu acho
que o som tava bem legal, as pessoas adoraram a qualidade do som. A maioria da galera que
falou comigo ficou impressionado com o fato de 3 malucos - ou seja, a base - fazerem
aquele esporro tão coeso, consistente, cheio de detalhes de arranjo. Eu acho que o som
contribuiu porque eu me senti a vontade no palco. Eu nem me confraternizei muito com o
Tony nesse show, nem com o Flávio. Eu fiquei um pouco na minha e meio ligado no Álvaro.
Mas é assim mesmo, a cozinha é pra isso.
Pra vocês não rolava um pouco de incômodo pelas atenções estarem
direcionadas mais ao Tony e ao Flávio?
Marcelo - Nunca incomodou nem um pouco. A gente sempre soube ter o nosso espaço. Eu falei
que todo mundo tinha um jeito forte na banda. Todo mundo sempre soube se afirmar um com
outro, ter seu espaço. A gente sempre teve uma coisa dividida porque é isso. A gente
fazia uma cozinha legal, encaixadinha, trabalhada e as pessoas que gostavam e entendiam de
música sacavam isso.
Com o fim do Hojerizah, vocês (Álvaro e Marcelo) tocaram um pouco com o
Humberto Effe. Queria que vocês falassem um pouco sobre essa época.
Marcelo - Pra mim foi uma época muito complicada. Mas foi uma época que eu aprendi muito
como músico. Eu só tinha tocado rocknroll básico a minha vida toda.
Flávio - O Humberto era um cara talentoso.
Marcelo - Eu basicamente só havia tocado com a banda. Eu comecei a tocar já dentro do
Hojerizah, aprendendo com o Flávio. E quando eu fui tocar com o Humberto, foi uma
descoberta de outros ritmos - uma coisa muito diferente: misturar baião com o rock. O
Humberto era um visionário no sentido dessa fusão de coisas nordestinas com o rock. Ele
já fazia isso desde os tempos dos Picassos Falsos. Foi um aprendizado legal, mas rolou
num momento complicado da minha vida porque eu não tinha dinheiro. E eu tinha que correr
atrás de grana. Eu tinha montado uma confecção e eu não tinha tempo porque ela ficava
numa outra cidade e eu ficava no ping-pong. Eu chegava a ficar quinze dias por lá. O
Humberto começou a acelerar o processo de ensaios. Ele queria ensaiar mais vezes por
semana e eu não podia fazer isso. Eu tinha que correr atrás de grana. O meu filho tinha
nascido, eu tava duro e não tive como dar continuidade ao trabalho. O Álvaro ficou
bastante tempo, até o disco. Concluindo, foi muito bom trabalhar com o Humberto. Foi
bacana.
Álvaro - Para mim, trabalhar com o Humberto foi extremamente prazeroso porque eu já
estava querendo tocar outras coisas sem ser o rocknroll. O Flávio, o Marcelo
e o Tony ficaram sempre trabalhando entre eles, mas eu sempre tive outros trabalhos.
Neguinho ficava até me sacaneando, não é (dirigindo-se para os outros)? Às vezes eu
tinha três ensaios com pessoas diferentes. A prioridade era sempre o Hojerizah, mas eu
nunca deixei de tocar com outras pessoas e quando o Hojerizah acabou foi meio: "Ah
que bom que eu vou parar um pouco de tocar rocknroll". Então pra mim, o
Humberto caiu como uma luva. O cara é maravilhoso, extremamente talentoso. Eu tenho
gratíssimas recordações e posso dizer que quando o trabalho do Humberto acabou, eu
senti mais tristeza do que quando o Hojerizah acabou. Porque com o Hojerizah já havia um
desgaste. E com o Humberto, não. Então foi muito triste. Era um trabalho musicalmente
maduro.
Queria que você, Álvaro, falasse um pouco dessa coisa que a gente tava
falando antes da entrevista a respeito da base sólida, orgânica, do som do Humberto ter
ficado relegada a segundo plano quando ele começou a se utilizar mais da eletrônica.
Álvaro - Ele não perdeu solidez. Ele optou em fazer uma coisa. Ou ele fazia o disco
daquela forma ou então ele não fazia. Então é isso: Provavelmente eu teria feito a
mesma coisa que ele fez. Digo isso porque o trabalho de composição dele é muito legal.
Então ele poderia fazer daquela forma ou somente voz e violão que de qualquer forma
ficaria muito bom. Foi uma opção. A partir dela, os shows tiveram que der em cima do
disco. Depois para os shows, a gente teve que rearranjar as músicas, entendeu? Mas foi
muito legal também. Foi como se a gente tivesse ido para um lado antes do disco e depois
ido para outro lado por causa do disco. Por essa razão, isso também foi muito
enriquecedor.
Marcelo - E o disco, apesar de ser totalmente diferente do que era antes de ser gravado,
continua sendo muito bom. Falo em termos sonoridade... Acho que o disco se resolveu muito
bem dentro da proposta de se fazer uma coisa mais eletrônica, com samplers e tal. Eu
gosto muito desse trabalho.
Álvaro - É o seguinte: Quem não conhecia o show e só conhece o disco, conheceu um
trabalho de excelente qualidade. O que se pode dizer é que quem conhecia o trabalho dele
solo e depois foi escutar o disco pode ter estranhado um pouco. Alguns gostaram mais,
outros gostaram menos. Acho que é por aí. É um trabalho de qualidade, mas eu,
pessoalmente, acho que teve músicas ali que realmente perderam. Você havia falado em
"Os Dois Lados de Tudo". Com certeza. A coisa virulenta que existia ao vivo, foi
uma pena que tenha se perdido. Até mesmo o arranjo que a gente fez para a música do
João Bosco "De Frente pro Crime" era muito melhor o que gente fazia ao vivo do
que o que foi gravado em estúdio, pro disco. Mas, por outro lado, teve músicas que
ficaram bacanas.
Você acha que essa foi uma saída correta para ele na época?
Álvaro - Acho que sim. Era isso ou ele não faria o trabalho. Não se trata do
"correto" ou do "não correto", foi uma opção. E não foi uma má
opção, foi até boa.
Você havia falado numa frustração de quando o trabalho acabou.
Álvaro - É que eu tava pegando quase desde o iniciozinho da carreira dele. Acho que
comecei a trabalhar com o Humberto uns três meses depois do trabalho ter sido iniciado.
(para Marcelo) Quanto tempo vocês ficaram tocando com o Abílio antes de eu entrar.
Marcelo - Foram uns dois meses.
Álvaro - Então, de repente, foi todo um processo de criar os arranjos juntos.... e na
hora de colocar em CD aquilo, eu percebi que eu não ia poder ter o peso que eu tava tendo
quando a gente tava só fazendo show, entendeu? É porque entra produtor, condições de
gravação... o Chico Neves (nota: produtor do disco solo de Humberto Effe) tava fazendo
nome com um trabalho baseado em samplers e tal. Então foi uma frustração. Foi como se
eu tivesse criado um filho de criação e de repente o filho fosse estudar em outro lugar.
É por aí.
Queria que vocês lembrassem de algumas coisas legais. Tipo "Chá das
Cinco" (programa da Transamérica FM onde as bandas de rock tocavam ao vivo no
estúdio) ou o especial da Manchete.
Álvaro - A melhor lembrança que eu tenho do Hojerizah são os shows no Circo Voador.
Isso simboliza.
Marcelo - Eu tenho boas lembranças de todas as fases, desde os primeiros shows no Western
Club. Os shows no Mamão Com Açúcar também marcaram muito. Foi a primeira grande
platéia que a gente pegou. O mínimo de platéia que assistiu a gente ali foi de 4 500
pessoas. É isso. Boas lembranças!