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Pavement - Red Hot Chili Peppers - Underworld - Prodigy - Hojerizah
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PAVEMENT
Por Alexandre Matias

Então é sério. O rock alternativo dos anos 90 está tão disposto a transformar o som que durante os anos 80 foi sua influência (do hardcore ao pop inglês, da SST à Creation) em clássico quanto os anos 70 fizeram com suas raízes de três décadas anteriores. Aos poucos assistimos discos serem desenterrados dos anos 80, verdadeiras jóias passadas ao longo em sua existência, sermos alardeados como novos clássicos e a era que inclui o punk, a new wave e o pós-punk parece um período de fruição tão intenso quanto o modernismo.

E desde que Butch Vig envernizou o som do Nirvana em Nevermind, a nova geração do rock independente, agora batizada de "rock alternativo", passou a reverenciar seu passado. Cada um escrevia sua própria história de acordo com seus parâmetros pessoais; Smashing Pumpkins, Sebadoh, Pearl Jam, Sonic Youth e outros nomes do novo gênero, sobreviventes, cada um a seu modo, do indie rock dos anos 80, passaram a lustrar os troféus que guardavam em suas discotecas que carregavam no cérebro.

O Pavement sempre fez isso, mas optou pela terceira via. Criou boatos e expectativas em todos os momentos de sua carreira: a ascenção como um pequeno culto feita com velhos vinis em branco com apenas o nome da banda ("Calçada") escrito com pincel atômico, o baterista maluco (Gary Young, um hippie velho tratado como um semideus do rock), as gravações vagabundas, os créditos (SM, Spiral Stairs). Tudo era pensado como um falso documentário de uma banda indie perfeita. Se divertindo à medida que eram levados a sério, o grupo passou de banda cult a fenômeno underground, excursionando no Lollapalooza, ouvindo boatos sobre brigas com Jason Priestley (o Brandon, do Barrados no Baile) e emplacando até um hit - Cut Your Head - internacional.

O grupo porém viu-se longe da piada original em Crooked Rain Crooked Rain, quando repetia a fórmula do sucesso de Slanted & Enchanted em grande estilo. Caindo numa fórmula previsível - embora eficaz - o Pavement decidiu partir para outras áreas. Tentou a ramificação de estilos em Wowee Zowee e a melodia compacta em Brighten the Corners. As duas mudanças de rumo encontram um equilíbrio no novo disco do grupo, Terror Twilight (Matador, importado), onde tanto a vontade de soar diferente quanto a procura pela canção perfeita encontram-se em forma de rock clássico.

Parte deste novo aspecto vem com a varinha de condão do produtor Nigel Godrich, o mesmo de OK Computer, do Radiohead, e Mutations, de Beck. Como nestes outros discos, o tratamento é de superprodução, mas a ênfase está na melodia, no centro da faixa. É o primeiro disco que o Pavement grava em 24 canais e o som é propositadamente vigoroso, forte e cheio. As guitarras estão em primeiríssimo plano, rugindo rock mesmos nos momentos mais psicodélicos do disco. A voz de Stephen Malkmus vem doce e cheia de personalidade, a voz de um beatle, onde o tom sarcástico pode ser entendido como simples humor juvenil.

O disco abre com Spit on a Stranger, uma balada psicodélica que dá a terceira dimensão que o Pavement precisava para se tornar claro. As paisagens líricas descritas por Malkmus não tem significado específico, é nonsense pelo prazer de criar imagens novas, cenas surreais que funcionam com perfeição.

O banjo que abre a rancheira Folk Jam mostra que a genealogia do grupo não fica apenas em modernistas como Velvet Underground, Joy Division, Fall ou Yo La Tengo - parte de sua ascendência vem do folk rock de gente como Fairpoirt Convention, Flying Burrito Brothers, Groundhogs e Creedence Clearwater Revival. Mas nenhum dos dois lados vence este cabo de guerra. A graça está em ouvir como todas as canções podem se desdobrar em outras diversas músicas diferentes - regadas sempre pelas duas correntes que dão origem ao som do Pavement.

You Are a Light descende diretamente de Type Slowly, do disco anterior, e hipnotiza o ouvinte com um refrão derramando doçura, uma guitarra rock brincando com ruídos esquisitos e um duelo final entre vocal e guitarra que cresce em intensidade à medida que a música chega ao fim. O clima denso e sonolento continua em Cream of Gold, que ganha em paranóia o mesmo tanto que You Are a Light tinha de mágica, e estoura em quantidade de energia perto do final.

Neste pequeno trecho instrumental que fecha Cream of Gold, vemos que não há ironia quando a banda batizou o seu site oficial na internet de www.pavementtherockband.com. Eles não fingem ser uma banda de rock, eles realmente o são. O duelo de guitarras entre Malkmus e Scott Kannberg é digno de bandas que são sinônimo de rock clássico, uma tensão rocker não vista desde os tempos do Hüsker Dü.

Mas virando a cada esquina improvável, o Pavement nos recebe com Major Leagues, um passeio preguiçoso e relaxado pelo imaginário ensolarado de Malkmus. Ele não se preocupa sequer com a rima e completa o segundo verso com "hey, hey, hey". "Bring on the major leagues", canta sem preocupar-se com o fato de estar num disco ou não.

Platform Blues novamente muda o rumo por completo e, depois de uma introdução humilde e singela, somos empurrados no meio de uma jam de rock tradicional, com baixo solando, gaita e tudo mais. No meio da música, caímos de novo em outra jam, esta com vocais, do próprio Pavement fingindo ser uma banda de hard rock e soando como os Smiths soariam se tivessem garra (vocês me entenderam).

Ann Don't Cry acalma os nervos: "O dano foi feito e eu não estou mais me divertindo". Num instante a banda esquece do disco que estavam gravando e voltam para o começo dos anos 90, fazendo referência aos primeiros LPs do grupo. O clima continua feliz em Billie (que abre com "la-la-la"), mas logo uma tempestade de nervos e guitarras transforma uma balada sorridente num pesadelo épico, um naufrágio noturno musical que, ao entrar num pôr-do-sol bucólico e guitarreiro consegue captar exatamente o sentimento que o grupo propunha no começo da canção: não era alegria, era alívio.

Alívio por estar vivo depois de tudo, de ter passado a adolescência sem queimar-se ou tornar-se um chato. O Pavement não está mais nessa pelo rock, mas pouca gente está. O que importa é, importando-se ou não com o produto final, ele não pode parecer forçado ou fingido. Estão fazendo o que sempre quiseram fazer - sendo uma banda de rock perfeita -, mas não querem mais ser isso. Então aproveitam enquanto o sonho de outrora ainda lhes dá prazer. Terror Twilight caminha nesse compasso. Não é sério, mas também não é engraçado; se diverte, mas não está lá pra isto. Assiste a vida passar sem se preocupar que fim vai dar, fazendo o que dá vontade. O que nos leva à seqüência final do disco.

Speak, See, Remember começa acústica demais, perfeita para um Unplugged, e tem seu desleixo entregue ao vocal de Malkmus, que, aos poucos, vai tirando o ritmo da canção e entregando a guitarra de Scott ao improviso, seguido por toda a banda, inclusive o vocalista, que batiza o disco num sussurro. A faixa é reconstruída sobre um dedilhado na guitarra que aumenta o volume no limite e assume o comando com raiva. O grupo volta ao tema inicial da canção só para lembrar que a música acaba ali.

Entra The Hexx, conhecida dos shows do grupo, pela primeira vez num disco oficial. Tenebrosa e sombria, ela é pura psicodelia metal, um riff repetido diversas vezes (com andamento alternado), deixando a banda à vontade para improvisos lentos e tensos. ...And Carrot Rope termina o disco num clima pra cima, num clima beatle que, se não filtra todo o disco, atravessa-o como um karma ao contrário.

Terror Twilight não é apenas o melhor disco do Pavement como o que eles mais se divertiram fazendo. Lá se foram as brincadeiras na capa e no encarte, as piadas internas transformadas em pistas e as referências disfarçadas. "Estudantes de arquitetura são como virgens/ têm uma coceira que não passa", cantam em The Hexx, "Nunca vão construir um prédio até os 50 anos/ Que espécie de vida é essa?". Eles estão com seus trinta anos e não querem esperar mais vinte para construir suas vidas. Se no próximo disco (se houver próximo, afinal, o fim é o novo boato) eles soarem tão naturais quanto Terror Twilight, teremos enfim a grande banda de rock dos anos 90.

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© 1999

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