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01.03.1999

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BLUR
SENTIMENTO SONORO
Por Alexandre Matias

Dá até pra ver a cena: Damon Albarn catando os pedacinhos de notas que formam a principal melodia do primeiro single e faixa de abertura do novo disco do Blur, 13 (Parlophone, importado), num violão surrado. Sua cabeça está abaixada, como se estivesse acabado de decorar a seqüência. Ele está com uma daquelas camisetas cinzas com gola preta e só mostra a cara quando começa a cantar, depois de toda banda e alguns aplausos entrarem sobre o frágil violão do início

"Tenro é o toque/ de alguém que você ama muito/ (...) Tenro está meu coração/ Pois estragou minha vida/ Deus, preciso achar alguém pra curar minha mente". Ele canta com gosto de cabo de guarda-chuva, aquela ressaca depois daquela pessoa te deixar pra sempre, que pedimos pra acordar antes que morramos durante um sono que não está acontecendo. Ele tenta descrever o que acontece consigo mesmo, procurando parâmetros pra a dor que está experimentando - quando deixa escapar um choro bêbado e desesperado: "Oh my baby/ Por quê? Por quê?". O som é um soul arrastado, daqueles pra cantar juntos e bater palmas em volta de uma fogueira, mas para Albarn é apenas um blues.

Até o coral da London Community, uma igreja no norte de Londres, despejar o refrão: "Come on, come on, come on/ atravesse isto", fazendo Damon levantar-se e sobriamente, com seu famoso grave, atestar que "o amor é o mais importante". Sim, ele está contando pro público o que está acontecendo com ele - não está mais contando histórias. Sua namorada, Justine Frischmann, o deixou e ele sente-se na obrigação de cantar sobre isso, como se pudesse exorcizar aquele sentimento.

E é isso que é 13. Um grande exorcismo masculino pra se recuperar do fato de sua mulher ter te deixado. E, acompanhando a vibração amarga deixada no ar pelo carismático vocalista, o grupo se une para transformar aqueles sentimentos em um sentimento sonoro, uma microfonia emocional, que percorre o disco do começo ao fim.

A segunda faixa, Bugman, é o oposto do clima de confraternização universal com o pobre coitado de Tender - aqui ele assume a culpa e troca a pena pela raiva numa versão Sonic Youth de uma canção de David Bowie da época de Ziggy Stardust - talvez Sufragette City. O clima ao mesmo tempo descontraído e robótico (aliado a backing vocals inofensivos e extremamente pop) é quebrado por uma avalanche de ruídos capaz de fazer qualquer fã de noise sorrir. A única vez que havíamos visto o Blur por baixo de tanta sujeira foi em Bustin’ + Dronin’, o disco de remixes do ano passado, nas faixas remixadas por William Orbit (que ajudou Madonna a acender seu Ray of Light ano passado).

Não é mero acaso encontrarmos o mesmo William Orbit no comando de 13. Não foi ele o motivo do grupo romper seu longo e duradouro casamento musical com o produtor Stephen Street, que não apenas acompanhou o grupo a criar o britpop entre Modern Life is Rubbish e Park Life, como deu dicas boas o suficiente para se tornar um quinto integrante do conjunto. Mas o Blur achava mais saudável procurar outras possibilidades sonoras - outro sintoma da fase de renascimento que Albarn vem se impondo.

Para o Blur, Orbit é "mais arquiteto que produtor", encontrando grutas e montanhas sob e sobre as canções iniciais, como se desse a elas uma terceira dimensão. Neste novo caminho musical, o Blur se entrega a incursões sonoras intermináveis - jam sessions de três horas no estúdio de onde as canções foram tiradas. Se qualquer um estivesse tocando qualquer instrumento, a ordem era gravar, e Orbit o tempo todo dizia ao grupo que estava editando um documentário sobre o que estava acontecendo dentro daquelas paredes. Um documentário que só assistiriam na estréia. Os novos caminhos mostrados por Orbit mexeram tanto na cabeça do grupo que encontramos Albarn ao fim de Bugman gritando em falsete o lema do jazzeiro Sun Ra - "Space is the Place" ("O espaço é o lugar").

Coffee & TV mostra que o guitarrista Grahan Coxon cada vez mais se especializa em pequenas composições pop, como esta pequena pérola que Lou Barlow, do Sebadoh, assinaria se nascesse na Inglaterra. Também cantada por Coxon, a bela canção só não ganha ares de hit se a banda não quiser. O clima parece ficar ainda mais doce pelo órgão de entrada da faixa seguinte, que se cala subitamente para a entrada de uma levada soturna e mórbida, ainda que assobiável. É 1992, o coração e o cérebro brigando para aceitar uma separação, traduzindo-se sônicos. Aqui, as guitarras percorrem caminhos inéditos em composições do grupo, transformando a microfonia em prece e o barulho em consolação - psicodelia sentimental.

Tanto Swamp Song (com mais toneladas ruído e terminando ironicamente com la-la-las) como B.L.U.R.E.M.I. (baixo seco, guitarras impossíveis de se capturar, vocoder, vozes comprimidas) são frutos da ida sonora aos Estados Unidos em seu último disco, Blur. Neste disco, o grupo descobriu que distorção e microfonia não são sinônimos de agressão musical, mas de vazão de sentimentos através de um instrumento. E assim as duas são compostas - golpes secos e atravessados para espantar a depressão.

Battle, composta na Indonésia, é o maior épico atravessado pelo grupo. Ao lado de uma melodia doce e frágil, guitarras são empilhadas como um castelo de cartas de baralho, entrelaçando-se entre si como um caleidoscópio noise, que resvala nas paisagens glaciais desenhadas pelo ambient e nas paredes de som erguidas pelo pós-rock.

Mellow Song começa triste e desolada, só com Damon ao violão, mas vai enchendo-se aos poucos, como um balão, e à medida que infla ganha conforto e consolo, passando de um clima azedo para um sonífero. Trailerpark seria incluída na trilha sonora do desenho South Park, mas foi deletada por não parecer com Song 2 (o motivo que fez eles serem convocados). A faixa é um trip hop com guitarras psicodélicas, um órgão de sonho, batidas pesadas, Damon rapeando "freestyle" e cantando que perdeu sua garota para os Rolling Stones.

Caramel se perde de propósito e toda banda é convidada ao improviso, com a cozinha formada pelo baixo de Alex James e pela bateria - jazzeira - de Dave Rowntree mostrando serviço. A guitarra de Coxon parece crescer a cada canção, assim como o cantor - não o compositor - Albarn, que simplifica suas participações para transformar sua voz em instrumento.

Trimm Trabb parte novamente de uma canção simples para experimentações sônicas - quietas até a metade da música, deixando apenas a voz de Damon, um violão insistente e percussão em primeiro plano. As segunda e a terceira partes exploram a mesma melodia com distorção em todos os instrumentos - aumentando cada vez mais - para mostrar que a única coisa importante é a melodia central.

No Distance Left to Run encerra o disco com a aspereza e realidade de um Johnny Cash urbano, londrino e pós-adolescente, acompanhado de uma guitarra só: "Acabou/ Não precisa me falar/ Espero que encontre alguém que te faça sentir segura em seu sono/ Quando me ver, vire as costas e vá embora/ Não quero mais te ver". Depois do choro e do desabafo, um lenço e uma penitência musical, a triste e agonizante Optical 1, que tampa o disco como os créditos de um filme.

Em nenhum momento esbarramos com aquele Blur que conhecíamos, inglês até a medula, emulando Human League e Paul Weller ao mesmo tempo para tirar o sumo da britanicidade em canções e baladas arrasadoras como Girls and Boys, This is a Low, The Universal, End of the Century e London Loves. Aqui, o Blur é uma banda interessada no novo e como mexer com este novo - semelhante aos turistas acidentais do disco anterior. Mas a desolação de Damon Albarn levam a banda a um outro universo, o da experimentação com emoção, transformando 13 não num amuleto da sorte, mas um patuá contra maus olhados. Mais um motivo pra se animar com 1999.

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