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CANALHA! Por Leonardo DeBiaseHOJE É UM NOVO DIA DE UM NOVO TEMPO QUE COMEÇOU "E perplexo percebo que já um quarto dela se passou em felicidade
desapercebida" Não adianta disfarçar. São essas porras que fodem a minha vida. Não sou eu quem preciso delas, são elas que precisam de mim para continuarem vivas. Ontem eu peguei uma fita adesiva e numerei todos os remédios da minha casa. Vinte caixas de pílulas ou frascos diferentes, espalhados pela casa - isso sem sequer passar pela caixa de remédios. Puto da vida, peguei todas as caixas e comecei a grudá-las umas às outras, sem saber se estavam cheias ou vazias. Quando terminei, tinha criado uma parede de caixinhas listradas, a maioria alternando branco com outra cor. Esta "instalação" bate no meu peito em altura e, de longe, no fundo do meu apartamento, parece um Miró. É engraçado. E foda. Foda porque todo esse Miró alopata tinha entrado ou iria entrar dentro do meu corpo, por uma via ou outra. Bolas pra acordar, outras pra almoçar, outras pra dormir, colírio pra ficar acordado, mais bolas pra conseguir trabalhar de ressaca e a maior parte delas por pura diversão. E de um jeito é uma visão aterradora - mais que com qualquer outra droga. Se simplesmente espalhássemos as pílulas como na capa do CD do Killing Chainsaw, daria uma pilha menor que a quantidade de cocaína que muito neguinho enfia nariz (ou outra coisa) adentro. Mas as caixas dão volume, transformando os pequenos remedinhos e pedaços de um grande transformer, um monstro robô pronto para destruir seu cérebro. Não vou desfazer o Miró. Nem vou enquadrá-lo. Ele vai ficar ali, deitado naquele sofá que ninguém tem coragem deitar como símbolo da minha mudança. É isso aí. Meu pai me falou que eu talvez nem perceba que essa é a melhor época da minha vida. Talvez ele tenha razão e estou lhe dando - a ele e a todos que pregam a caretice - o voto de confiança. Talvez passar limpo seja melhor. Preciso arrumar um emprego decente. Viver de bico não dá: conto carros pra prefeitura hoje, amanhã vendo umas calças, depois dou uma de balconista no xerox da faculdade. Dinheiro que vai pra cinco lugares: aluguel, outras contas (luz, condomínio, TV a cabo, internet, telefone), roupa, comida e CD. O que sobra vira bola. Virava. Como eu virava noites pelas farmácias do Rio. Criei uma teoria que as farmácias ficam abertas vinte e quatro horas apenas para abastecer os doidões e não pra salvar vidas numa emergência. Eu saía na noite, tomava todas e ia voltando pra casa pagando pedágio nas farmácias. O máximo de emergência que eu vi em uma farmácia foi uma mulher dando a luz. O marido dela ficou meio descontrolado e não sabia o que fazer, foi na farmácia. Eu nem tinha entrado, tava passando, tinha acabado de sair da padaria e tava chupando um picolé quando eu vi aquela gritaria toda. A cabeça pipocando os gomos do cérebro, ficava viajando no gosto do picolé e nos gritos horríveis da mulher, que ficavam mais forte com as bolas - eu acho. E foi só. Vi alguns assaltos, mas nunca um sujeito procurando um remédio pra salvar a mulher de uma doença rara. Isso só deve acontecer em filme. Via a fauna de doidões que freqüentavam as farmácias. Os velhinhos bonachões, as empregadas domésticas mais velhas, adultos esquisitões, guitar bands inteiras, punks, darks e garotinhas riot, moleques skatistas e alguns geração MTV: todos perambulam pelas farmácias pra comprar remédio que não acaba com doença nenhuma. Eu era das guitar bands. Nunca toquei em banda nenhuma, mas tava sempre ali. O visual era - é - típico: franja nos olhos, cabelo curto, camisa de flanela, calça rasgada, tênis All Star. O ar inglês ficava com a minha magreza e meu dente da frente, que é torto a la Johnny Rotten. Mas o beiço e a cor da pele entregam meu ar brasileiro. Talvez você já tenha me visto rodando por aí. Mas acabou, não vou rimar coisa nenhuma, agora vai como sair. Mudei de ares, mudei de cabeça, mudei de vida. No More Mr. Bad Guy, Hello Mr. Nice. Bossa Nova Blues Madrugada de verão Essa luz do calçadão Atravesso o asfalto, ninguém vê Quero estar só mas a noite é má O calor do meu colchão A luz que ilumina a escuridão Leonardo DeBiase é carioca Os textos só
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