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01.03.1999

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A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO NORTE-AMERICANO
Por Cassiano Fagundes

COM A LINGUA NA BOCA QUENTE DO ROCK EM NYC

Um dia desses eu estava trabalhando no Lobby da Life, distribuindo panfletos e desejando boa noite para glam-rockers, punks e outros freaks. Já desejei boa noite, por exemplo, para o Dee Dee Ramone, Billy Duffy, Naomi Campbell, Joe Pesci e outras celebridades - esse bico de distribuidor de panfletos poderia ser muito proveitoso se eu tivesse uma camera fotográfica na mão, mas optei há muito tempo por ser um cara legal.

Este é o lugar certo para se estar na cidade se você quer ver as entrelinhas do rock com os próprios olhos. Nas noites de quarta-feira, Jayne County, a travesti que deu conselhos fashion para o David Bowie e co-inventora do look Ziggy Stardust, é o DJ da casa. Já é tradição nova-iorquina a associação de travestis e bichas em geral com musica pauleira: ver no bar um motoqueiro malvado ensaiando passos de swing com uma boneca sem tensão de qualquer tipo no ar ilustra bem o fato. Aqui New York Dolls se criaram, e por conseqüência, toda uma leva de caras que achavam legal se enfeitar como poodles de madames da Park Avenue e dizerem que eram bissexuais.

Por sinal, minha companheira de trabalho naquela noite era Champagne, um travesti que veio do Wyoming alguns anos atras para tentar a sorte com sua banda tipo Stooges. Eu havia chegado atrasado e ainda não sabia quem iria tocar.

- Você viu quem entrou há 2 minutos ou perdeu a visão?

Ela estava se referindo a Keith Richards, em pessoa. O sujeito havia passado pelas minhas costas sem que eu percebesse. Aquela era uma noite especial. As Ronettes, aquelas que cantavam "...be my little baby..." estavam promovendo sua festa anual na Life, que traz

todo ano pelo menos uma carta na manga. Dessa vez eram duas. Não pude assistir aos shows inteiros porque tinha que ficar naquela de ser simpático com bêbado safado. De qualquer maneira, ver Keith Richards ao lado das Ronettes, com participação especial de Joey Ramone valeu os poucos minutos que fiquei na sala de shows.

Depois da apresentação, voltei ao meu posto, extasiado. Uns 15 minutos depois, dois seguranças mal-encarados abriram passagem no meio de toda aquela gente, eu e Champagne apenas, para Keith passar. A um metro e meio de distancia do homem, desejei boa noite e ele retribuiu com um sinal positivo. Aquele tampinha.

Algumas horas depois, era a vez de Joey Ramone, sem seguranças, com sua mulher e um amigo. Ele havia deixado seu casaco no guarda-volumes - por isso, enquanto sua mulher foi buscá-lo tive a oportunidade de trocar algumas palavras com o figura. Joey estava meio torto (bem, ele sempre foi), meio esquisito (idem) e parece que ficou com seqüelas depois de problemas de saúde. Mas continua o mesmo cara legal que você sempre imaginou que era.

Terminei a noite bebendo cerveja irlandesa ao som de New York Dolls, Amboy Dukes e de outros pedidos solicitados a Jayne, enquanto um cara chamado Grath usando vestido de garota Deadhead e barba de Jerry Garcia me explicava porque sua vestimenta não tinha nada ver com viadagem e sim com o fato de ser um monge da seita Ishtar.

Não há lugar mais rock do que esse no mundo.

NEW YORK CITY - DIGITAL DELAY E MIJO CONGELADO.

"Olhe meu filho, com todos esses anos nas minhas costas, se tem uma coisa que eu entendo é de tendências"

Esse é Doctor Minnesota, um senhor de 72 anos que por 30 deles consertou amplificadores e pedais de efeitos para uma cambada de músicos, em uma oficina do Harlem. Aposentado e quase totalmente cego, Minnesota hoje passa boa parte do seu tempo tocando uma Gibson Les Paul 72 coberta de papel laminado em estações de metro. O seu repertório é único. O ultimo numero que entrou na semana passada foi um das Spice Girls. Ele ainda não sabe se vai tocá-la antes ou depois do seu set de Muddy Waters ou se a coloca no meio de "Superfly", de Curtis Mayfield.

- ...e eu te digo uma coisa: a tendência agora vai ser Delay.

- Delay?

- Digital Delay, eco, repetição, entende? Digital Delay na voz, na guitarra, na bateria, em tudo. Digital Delay na Drum Machine. Jungle com saturação de Delay. Sacou?

Dois dias depois eu estou no Cyclone Room do Coney Island High, um porão tradicional nova-iorquino, em busca de alguma pista boa que me levasse a algo efervescente, o que vinha fazendo ha meses sem sucesso, e veja so o que acontece dessa vez, e eu juro. malandros, isso não tem nada a ver com o numero de Guiness que eu tomei com minha namorada durante os shows: Delay, muito Delay.

Perdidas no meio das seis bandas da noite, duas pérolas. A primeira, Moneyshot, é liderada por aquele tipo de cara que fede como popstar, um magrão coberto de lantejoula com um vozeirao rasgador-de-coracoes-adolescentes e uma atitude cabaret/MC5, Darwin o seu nome, uma criatura um tanto hermafrodita, eu diria. A baterista, uma garota com braços de garoto e sorriso de pugilista, certeira. Um baixista competente e um guitarrista depravado que estuprava sua guitarra com muito...muito...Delay...Digital Delay! É como se o The Edge do U2 resolvesse montar uma banda com o Jarvis Cocker, do Pulp, e a Biba, do De Falla.

Moneyshot, teria me esquecido deles se não houvesse comprado o seu CD, porque a banda que veio depois, Paint, meu Deus! o que é isso? Quatro caras vestidos com macacões brancos da Nasa tomam o palco e eu sinto a sensação de que estou presenciando um momento histórico, como se os homens da lua pisassem na terra pela primeira vez para fincarem sua bandeira, que por acaso é a mesma que a expedição da Apollo 11 fincou em solo lunar, so que invertida. Neil Armstrong do mundo bizarro empunha um violão plugado e embebido em éter, feedback e...Digital Delay! E o guitarrista, o astronauta cubano que deixaria os caras do Spacemen 3 com inveja, fazia algo muito estranho jorrar dos alto-falantes, inacreditável o que a atitude certa aliada a pedaleira certa pode fazer. Paint é indescritível, pode-se traçar um feeling nova-iorquino-CBGB inconfundivel, a originalidade do Velvet Underground em nova roupagem, mas o som é definitivamente britânico. Decididamente, esses caras devem ter todos os discos do Spiritualized.

- Achou melhor do que o Ride? - foi o que o vocalista me perguntou após o set.

Se depender do Paint, 1999 vai ser mais psicodélico do que 69. Como previu Timothy Leary. Ha.

A cena rave nova-iorquina está há anos-luz da britânica. É bem pior. Aqui tudo se resume em negócio, puro negócio. Grandes clubes faturam 30 mil dólares em uma noite. Os seguranças são toscos. O clima lá dentro, apesar da aparente liberdade sexual e a vista-grossa da gerência em relação as drogas, está mais para azaração colegial. Na segunda-feira, metade do publico vai para o curso de finanças sonhando com a sua fatia de Wall Street. Salvam-se as festas promovidas por pools de DJs dos dois lados do atlântico, em lugares menores e sem divulgação, mas para cair numa dessas tem-se que estar ligadíssimo. Ou é melhor deixar de lado essa historia de vida noturna e acordar antes do sol se por, o que acontece tão cedo no inverno que é muito fácil ficar dias sem ver o fulano.

Para quem quer dar um tempo dos clubes ou, como eu, simplesmente ainda acredita no rock’n’roll, é importante estar atento para não descobrir na ultima hora que sua banda predileta já está no palco do outro lado da cidade. Se isso acontecer, vale a pena ir nos porões para tentar a sorte. Algumas festas mensais são notórias plataformas de lançamento de coisa legal, como a Pop Art Experimental Party. A quarta-feira rock da Life é outro esquema. Travestis balançam a cabeleira ao som dos Stooges e outros sons, pilotados pela DJ Jayne County, travesti lendário do underground nova-iorquino que já foi estrela de Andy Warhol. A Life tem trazido a tona bandas submergidas desde o apogeu da new wave, como The Dickies e The Voivods, além de promover festas onde Keith Richards divide o palco com as Ronettes enquanto Joey Ramone aplaude, ao lado de Donovan Leitch, que mantém o espirito cool de seu pai nas sobrancelhas. New York City vibrando a 300 quilômetros por segundo, e eu ainda fico nessa de prestar a atenção no meu mijo, que congela todas as noites no asfalto gelado depois de uma noitada braba.

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