logo06.JPG (17693 bytes). INFORMAÇÃO COLUNISTAS BR-116 HISTÓRIA
DO ROCK
FICÇÃO RESENHAS
 

"KURT & COURTNEY"
Por Marcus Marçal
Bílis

Ainda que sem muito alarde local, o famigerado "Kurt & Courtney", filme dirigido por Nick Broomfield chegou às telas cariocas numa única exibição ocorrida no final de maio/99. O filme é um amadorístico semi-documentário qu especula sobre a morte de Cobain. Apesar do alarde da imprensa internacional, o filme não acrescenta muita coisa ao baú de Cobain. O que confere à obra um caráter sensacionalista são os depoimentos de alguns personagens, muitos deles um tanto duvidosos.

Isso não significa que a obra não apresente algumas imagens interessantes. O filme começa com depoimentos da tia de Cobain, a primeira incentivadora das incursões musicais do líder do Nirvana. Infelizmente, não foi permitida a inclusão de nenhum trecho de canções do cantor. Uma pena já que a tia coruja iria apresentar a 1ª demo de Kurt, que foi gravada em seu porta-estúdio. De qualquer forma, esse material é encontrável em alguns piratas pelo mundo afora.

Uma parte interessante é a que a titia apresenta ao diretor um áudio gravado quando Cobain tinha dois anos. Hilário. O moleque ficou falando ao microfone enquanto sua tia brincava com delays e reverbs, enquanto o menino pensava estar falando com seu amigo invisível Bodha - a quem teria sido dirigida sua suposta carta de suicídio. Em certo momento, o pequeno Kurt começa a cantar docemente para de repente explodir em berros que hilariamente lembram algumas passagens vocais que ele faria no Nirvana: "Ih alá, Smell Like Teen Spirit", brincava algum bobalhão na platéia.

O pequeno auditório, com capacidade para 50 lugares, estava repleto de pessoas assim - ao ponto de eu (um rapaz super-calmo, diga-se) me enfezar quase ao ponto de mandar um deles calar a boca porque não queria ficar limitado às legendas improvisadas pela produção local. Eu queria escutar o áudio e tinha que aturar babaquinha fazendo piada. É uma pena que havia uma fila enorme no lado de fora de gente que queria assistir ao filme, mas não havia conseguido ingresso. Devia ser a mesma galera que na ocasião do Hollywood Rock não entendeu o humor escroto da banda, que entoava seu maior sucesso acompanhado por um trumpete mal-tocado e nos presenteava com duas músicas inéditas (em "avant premiére") enquanto o cantor cuspia na cara de uma medusa também conhecida como vênus platinada. "He's the one who likes all that pretty songs and he likes to sing, but he don't know what it means", "I take pride as the king of the illiterature, I'm very ape and very nice" berrou o que restou das cinzas do cantor, que só não se mexeu no caixão porque havia sido cremado.

Mas divergências comportamentais a parte, vamos ao filme que faz uma panorâmica da cidade de Seattle ao som da banda "Earth", do suposto melhor amigo de Cobain: Dylan Carlson, um heroinômano com a maior cara de sangue-suga. Os depoimentos do cara são patéticos, o cara não falava coisa com coisa - o que causou risadas de boa parte da audiência, que nunca tiveram contato com junkies de verdade e a tristeza dessa realidade pois só estão acostumados com a imagem estereotipada de drogado propagada pelo cinema e afins. Com relação à parte musical, temos uma pérola: o filme abre com uma versão de "Where did you sleep last night", cantada pelo também heroinômano e amigo de Cobain Mark Lannegan, dos Screaming Trees. Mas era só um trechinho da canção, já que nessa versão elétrica e pesada conta com a participação do próprio Cobain berrando a parte final da música e impedimentos legais não deixaram que a platéia soubesse disso. Caro leitor, procure esta versão em algum pirata do Nirvana. Vale a pena porque é muito foda!

O grande trunfo do filme são os depoimentos do detetive Tom Grant (a quem Courtney encarregara a tarefa de encontrar Cobain, então foragido da clínica de Reabilitação para dependentes químicos "Exodus") e Hank Harrison (pai de Courtney). Ambos escreveriam posteriormente livros sobre o suposto assassinato de Cobain. Mas foi o detetive quem ficou na pior. Por causa disso, ficou com o nome tão queimado na praça ao ponto de levar seu escritório à falência.

Já no caso de Harrison, é pública e notória a relação doentia que ele mantém com a filha. Ele inclusive mostra um poema da então adolescente Courtney que demonstra sua sança pela fama e fortuna. O poema tem um título que se refere à palavra "star" (não me lembro exatamente o título), então podemos perfeitamente conjecturar que a canção "Nothern Star" do Hole é como uma resposta a esse tal poema, escrito quando ela perambulava atrás de seus ídolos do Echo & The Bunnymen. O texto inclusive contém uma frase que a cantora incluiria na canção "Malibu" - ".....The one I love I should destroy....." - e demonstra um pouco do ódio que Love tinha pelos homens.

O filme também apresenta um ex-namorado de Courtney, super-recalcado, que afirma que ela sempre fora interesseira, disparando em seguida alguns impropérios dirigidos à ela. O cara era cantor de uma banda inexpressiva de glam rock e tinha como ídolo David Bowie, que imitava até no corte do cabelo e vestuário. O filme é entrecortado por algumas canções de bandas obscuras de Seattle, com um repertório que condiz com o clima tosco do 'documentário'. Várias dessas canções falam de heroína e assassinatos, diga-se.

Mas os momentos mais vexatórios do filme se referem às tentativas da equipe produtora do filme em entrevistar Courtney. É de um amadorismo atroz. Os caras conseguem chegar até o estúdio onde o Hole começa a ensaiar para a turnê de "Celebrity Skin" e...... desistem. Os caras conseguem levar um papo não filmado com Courtney mas...... o gravador estava com problemas e, consequentemente, nenhum registro foi feito. Eles penetram na festa do Oscar e só conseguem um depoimento de uma Courtney deslumbrada zoando o lifestyle grunge.

A equipe só consegue falar com a cantora num debate sobre liberdade de expressão. Mas na hora "H", o entrevistador amarela em frente a Courtney Love - com os olhos arregalados e ironicamente com um "cacoete" de ficar passando a mão no nariz, seguido de uma fungada. O diretor quase mata o indivíduo só no esporro e isso faz parte do filme. Mas o "grand finalle" deste episódio estava por vir. O diretor sobe no palanque após o discurso demagogo de Courtney, dispara farpas contra a cantora e é expulso do recinto junto com sua equipe. Desastroso!

Mas independente da qualidade ou importância, o filme é um documento sobre o Nirvana e como a brincadeira sensacionalista pode chegar a pontos lamentáveis. O filme ainda mostra depoimentos de Tracy Marander, namorada de Cobain no início do Nirvana. Ela mora ainda no mesmo casebre onde Kurt se abrigara durante um certo tempo, sendo sutentado por ela. Várias pinturas do cantor são mostradas, em especial uma contendo um feto no útero da mãe - bem ao estilo da capa e arte da coletãnea "Incesticide". Pinturas tão toscas quanto um solo de guitarra improvisado pelo guitarrista. Amparada pelas afirmações de outras pessoas, Tracy supõe que foi musa inspirada da canção "About a Girl". Ela lembrou que certa vez pressionou Kurt a procurar um emprego, mas ele desesperadamente convenceu-a de que o seu negócio era a música. Chego a intuir que a obscura canção do Nirvana "Everything and Nothing" - ou então "Sappy" ou "Verse, Chorus Verse", como mais tarde seria regravada e reconhecida - trata desse episódio. Sei que é uma intuição irrelevante, mas creio que se tratava de uma canção especial para o cantor, pois podemos encontrá-la em várias versões e com letras diferentes. Esta música chegou a ser tocada em alguns shows da turnê européia do Nirvana - a última da banda.

O filme desmistifica um pouco a boa índole do cantor, em particular na cena em que Victoria Clark (uma jornalista que estava escrevendo um livro sobre o Nirvana no auge dos ataques da imprensa contra Courtney) apresenta um recado em sua secretária eletrônica onde Cobain a ameaça, caso ela fale mal de sua esposa. Enfim, não se levando em conta alguns escorregões, "Kurt & Courtney" é uma coleção de curiosidades - algumas delas um tanto discutíveis - a respeito da grande banda dos 90.


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