1999 Atualizado todo dia. Se você quiser escrever para o 1999 sobre QUALQUER coisa que tenha a ver com música (um show legal que você viu, um carinha que você conseguiu entrevistar, um disco que você queria mostrar pras outras pessoas, qualquer tipo de teoria, contar qualquer parte da história do rock), basta escrever para a gente. 27.AGO.1999 RESENHASManu Chao Clandestino Por Matias Maximiliano Como e quando o Mano Negra acabou são questões que permanecem na incerteza. A banda formada em 1986 nos guetos parisienses lançou quatro álbuns (Patchanka, Puta's Fever, King of Bongo e Casa Babylon), uma coletânea (Amerika Perdida), um disco ao vivo oficial (In The Hell of Patchinko, gravado no Japão) e (neste ano) um Best Of. Os três primeiros discos da banda foram gravados cm uma mesma formação, o "Dirty Dozen". Nessa época ficaram conhecidos mundialmente pelo seu talento e suas ousadas turnês. Em 1992 eles percorreram a costa do Atlântico num cargueiro, ancorando em vários portos pela América e realizando memoráveis shows, sempre acompanhados de uma trupe teatral. Em seguida eles percorreram a Colômbia num trem, aonde tocaram para "los milicos", "los índios", "los campesinos", "la guerrila" e "los narcos", sem distinção. No entanto, após a viagem à Colômbia a banda desetabilizou-se e perdeu vários membros. No entanto o espanhol Manu Chao o vocalista e letrista da banda, junto de Argentino Fidel (do "Todos Tus Muertos") e novos integrantes gravaram em 1995 "Casa Babylon", um disco fantástico tão pop quanto experimental. Em seguida a banda acabou. Manu Chao passou por um período de viagens (ele chegou a morar no Rio de Janeiro, em Santa Tereza) e projetos paralelos; montou uma rádio, organizou festivais, integrou-se companhias de teatro e circo, mas não era suficiente... No início do ano, de surpresa, lançou Clandestino - Esperando la Ultima Ola, seu primeiro álbum solo, que em seguida tornou-se fenômeno de vendas por toda Europa e mundo latino. Com exceção do Brasil, aonde sequer foi lançado. São desseseis faixas, coladas umas nas outras, sempre com curiosas inserções como a narração de uma partida de futebol (de algum radialista brasileiro), recados da secretária eletrônica de Manu e fragmentos do manifesto zapatista de Subcomandante Marcos (que encerra com o pedido de "passem este manifesto adiante"). Onipresente nas músicas do disco está um preciso artefato que Manu consegiu em suas viagens pela América Latina: sons tirados de um legítimo chaveirinho paraguaio (aquele com barulhos de tiros e bombas)! Para completar, Manu cita mais de uma vez, músicas do próprio disco, dando ainda mais a impresão de que é tudo uma coisa só. Se com Mano Negra Chao fundia inúmeros ritmos, latinos, europeus, africanos e árabes com as boas vibrações da Jamaica e o peso e a garra do punk rock, em Clandestino a latinidade é reforçada e o peso vai todo para as letras. As duas primeiras faixas do álbum "Clandestino" e "Desaparecido", praticamente se completam, narram histórias de nômades dos tempos modernos, imigrantes ilegais e viajantes sem rumo. As letras de alto teor ácrata questionam o mundo moderno: por que ele é o clandestino? Por que não leva documentos? Por quebrar a lei? Por consumir maryjuana? Qual o sentido disso tudo? Manu ao final da segunda faixa assume-se "perdido no século... século vinte... quase vinte e um... até onde chegarei?" Em seguida "Bongo Bong", uma nova versão de King Of Bongo, mais lenta e com um coro de mulheres levando o coro do refrão. Mesmas mulheres que cantam parte da faixa seguinte, "Je Ne T'Aime Plus", onde Chao mais uma vez brinca com a cultura francesa (fez o mesmo em "Drives Me Crazy" faixa do Casa Babylon, e em outras ocasiões). Em seguida uma série de faixas mais simples, em algumas vezes apenas violão, voz. Em letras bem trabalhadas, modernas mas melodiosas e panfletárias ou tradicionais, chao firma-se como um cancioneiro moderno. Essa fórmula atinge seu auge em "El viento", faixa que encerra o álbum a faixa certamente mais pesada do disco apenas com violão, voz e ruído de vento. O peso não está no som em si, mas nos 23 simples e repetitivos versos que a compõe, e que contam o exílio do homem, em fuga fome e em direção à Babilônia. Mítico, se não se tratasse de uma realidade do terceiro mundo, o exôdo rural e a necessidade da reforma agrária. Mas não só de panfletos é feito "Clandestino". Em "Welcome to Tijuana", ele canta a explosiva fronteira Estados Unidos - México, da maneira que esta costuma ser cantada, com folclore e preconceitos ("welcome to tijuana, tekila, sexo, maryjuana"). No entanto a faixa que mais causará espanto e risadas no ouvinte brasileiro é "Minha Galera". Cantada num tosco português, a música retrata bem diretamente como foi a vida de Manu Chao no Rio de Janeiro... ( "...minha galera/ minha torcida/ minha capoeira/ minha menina/ minha maconha/ minha maloca/ minha larica/ minha cachaça/ minha cadeia/ minha vagabunda..."). Em entrevista para uma revista espanhola Manu disse que o maior artista de world music que o mundo já teve foi Bob Marley. Mesmo não sendo um rótulo muito sério, o homem que é sinônimo de reggae o merece, e Manu Chao não fica muito atrás. "Clandestino" pode ser local no Harlem, no Brixton, em Tijuana, nos confins da Patagônia, na amazônia colombiana, na Cidade de Deus e até no Posto 9. Então por que diabos não lançam esse disco por aqui? Porque o disco lota prateleiras latinas e européias e não as nacionais? Vai entender este país. Jason
pelo Nordeste 1999 é feito por Alexandre Matias e Abonico Smith e quem quer que queira estar do lado deles. Os textos só
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