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05.04.1999

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BOB DYLAN - 1966
Por Abonico R. Smith

Foi tudo muito rápido, até meio sem querer. O destino, entretanto, escreve certo por linhas tortas. Certo, certíssimo. Se Bob Dylan não cravasse seu nome na história da música mundial nos primeiros anos de efervescência cultural na década de 60, afinal, muita coisa teria sido diferente. Os Beatles não teriam aberto os olhos para apurar letras e arranjos, Sex Pistols e Nirvana talvez não levassem o underground para a eternidade, muito menos Green Day e Offspring conquistariam adolescentes de todo o planeta posando de rebeldes.

A Bob Dylan pode muito bem ser creditada a culpa de muitas revoluções. Oriundo de uma família classe média de uma cidadezinha do interior do estado do Minesotta, Robert Allen Zimmermann decidiu se mandar (em 1961, aos 20 anos) para Chicago e, logo depois, Nova York. Entregou-se ao futuro incerto na grande metrópole de mala, cuia e a idéia fixa de trilhar o mesmo caminho de glórias musicais de seus ídolos. Na sua bagagem, muito folk e blues (Muddy Waters, Hank Williams, Jesse Fuller e, sobretudo, Woody Guthrie, quem procurou visitar logo ao chegar ao destino final). Não demorou muito para gravar os primeiros discos e abrir seu próprio nicho.

A consagração não tardou a vir. Os Estados Unidos andavam carentes de ídolos musicais. O sonho da primeira safra do rock'n'roll havia terminado. Elvis Presley largara a carreira para se alistar no exército, Jerry Lee Lewis e Chuck Berry foram postos fora de circulação por causa de escândalos sexuais, Little Richard trocara as plumas e paetês do showbusiness para louvar a Deus na igreja e um acidente aéreo tratara de encerrar prematuramente a trajetória ascendente de Buddy Holly e Ritchie Valens. O vácuo foi mais do que propício para que uma pungente (e urgente) turma cruzasse o oceano e tomasse a América de assalto. Precisava-se urgente de um herói nativo para combater de frente a invasão britânica proposta por Beatles, Rolling Stones, Kinks, Animals e outros grupos menores.

Bob Dylan era a pessoa certa, na hora certa, no lugar certo. Sofrendo de lucidez crônica, ele extravasava lirismo por todos os poros e carregava uma verve crítica capaz de inquietar os fãs e a si mesmo. De poeta, cantor e compositor, logo passou à condição de trovador idolatrado pelos universitários. A política estudantil e a crescente movimentação da esquerda - que recuperava-se a pleno vapor do pesadelo maccarthista de anos atrás e começava a construir um dos pilares da contracultura 60s - trataram de endeusá-lo. Dylan transformou-se na grande bandeira ambulante do boom da luta pelos direitos humanos.

O ano era 1965. Dylan já arrastava multidões de jovens, que enxergavam em seus simples shows uma versão multiplicada de comícios políticos. Suas letras, fantásticas historietas carregadas de emoção, reflexão e questionamentos sócio-político-filosóficos, já tinham cara de hinos continentais. Grandes álbuns como The Times Are A-Changin e Bringing It All Back Home deram-no em apenas dois anos uma popularidade anteriormente só alcançada por um outro americano. Dylan, porém, tinha plena vantagem.

Enquanto reluzia uma incansável consciência de enxergar e refletir sobre as belezas e cruezas do mundo, Elvis, já dando seus primeiros sinais de decadência, mostrava-se um caipirão que não fazia questão de se desfazer de seu lado bronco, rude e conservador - sem contar a eterna postura de marionete rigidamente controlada pelo empresário. Nem todos os pré-requisitos exigidos aos candidatos a mitos estavam completados, porém.

Faltava um grande marco, um acontecimento capaz de ser o divisor das águas da carreira.

Não tardou a acontecer. Grande atração do festival de Newport do mesmo ano, Dylan estremeceu as estruturas do famoso evento anual que reunia admiradores e artistas de folk music vindos dos quatro cantos do território americano. Com a maior cara-de-pau, subiu ao palco com sua banda e, pasmem, deixando o clássico violão de lado. Empunhando uma guitarra elétrica, elemento até então completamente intruso em um mundo de plena soberania acústica, ligou o instrumento e começou a tocar alto, muito alto. Organizadores do festival se viam malucos nos bastidores e tentavam, sem muito sucesso, convencer o astro a abrir mão do barulho no meio do show.

Enquanto isso, a platéia, quase toda formada por caretões radicais, vaiava Dylan incessantemente. Nesta época Dylan produzia sem parar. A velocidade paranóica regia sua vida. Regado a caminhões de anfetaminas, ele procurava excursionar sem parar de um lado a outro da América. Nos intervalos, o descanso era trocado por mais música. Dylan se trancava em estúdio para gravar mais discos e assim surgiam, em menos de doze meses, mais dois discos áureos de sua carreira, Highway 61 Revisited e Blonde On Blonde. Toda esta intensidade conquistada antes do vigésimo quinto aniversário.

E é justamente por este auge de carreira que reside a extrema importância do álbum duplo que sai agora como o quarto volume de uma série criada para "oficializar" os mais clássicos discos piratas de Bob Dylan (Live 1966, reproduz na íntegra o famoso concerto dado em Manchester, considerado até hoje pelos fãs como o maior pirata do artista; em 33 anos, a gravação deste show pode ser considerada um grande best-seller do mercado negro fonográfico). O disco, hoje digitalmente tratado e fielmente capturado de uma tosca gravação em três pistas feita pela gravadora Columbia, flagra a realidade nua e crua de um artista que, depois de conquistar todos os corações e mentes deste lado do Atlântico, aproveitava para atacar pelas bandas européias. Mal sabia ele que, depois de escandalizar meio mundo em Newport, esta performance entraria para a história como um istmo, uma pequena e conturbada continuação da relação de amor e ódio que sua obra e postura ousada provocaria nos fãs devotadamente apaixonados.

Aquela noite de terça-feira, 17 de maio de 1966 apontava que a extensa turnê estava enfim por terminar. As lotações estavam esgotadas nas catorze datas reservadas para o Reino Unido - o confronto com algumas manifestações contrárias à eletrificação ("abaixa isso!", chegavam a gritar os mais exaltados) era o que Dylan encontrava a cada parada. No Royal Albert Hall, porém, tudo parece estar nos eixos. O trovador sobe ao palco, solitário, trazendo apenas violão e harmônica. Prepara um set acústico com músicas extraídas dos últimos clássicos álbuns. ("Just Like A Woman", "Fourth Time Around" e "Visions Of Johanna" antecipavam aos britânicos um pouco de Blonde On Blonde, até então só lançado em território americano) O ápice da primeira parte acontece em duas músicas do álbum Bringing It All Back Home, as afiadamente executadas "It's All Over Now, Baby Blue e "Mr Tambourine Man" (que pouco tempo depois viraria hit na gravação psicodélica dos Byrds). A platéia ouvia tudo mui respeitosamente e se limitava a aplaudir Dylan nos pequenos intervalos.

Na metade final (leia-se o segundo disco), Dylan bota para quebrar. Chama sua banda de apoio - que anos depois decolaria em "carreira solo" com o singelo nome de The Band - para eletrificar o proibido. Órgão, baixo, a bateria selvagem de Mickey Jones (substituto do membro original Levon Holm, que não agüentou o pique até o final), o duelo das guitarras dos dois Roberts (o astro principal e o quase desconhecido Robbie Robbertson). Sem descaracterizar o folk, o intimismo anterior é substituído pela energia roqueira. O barulho toma conta do Free Trade Hall em mais oito músicas. Dylan, que também opta por dividir o repertório pinçando faixas de seus últimos trabalhos, comanda a grande ousadia sonora, chegando a anunciar no microfone a mudança radical dos arranjos. Muitos insatisfeitos, em sinal de protesto, passam a puxar na platéia palmas mais ritmadas, conquistando mais adesões a cada música. A guerra é declarada. Dylan passa a murmurar frases e histórias completamente inaudíveis enquanto seu público rebelde não o deixa continuar, fazendo mais e mais barulho.

E se passam grandes composições como "Just Like Tom Thumb's Blues", "One Too Many Mornings", os blues-based "Leopard-Skin Pill-Box Hat" e "Ballad Of A Thin Man", mais "Baby, Let Me Follow You Down", gravada cinco anos antes, em seu primeiro disco. Até que chega o grande clímax do concerto levado na mais pura tensão entre os dois lados. "Judas!", grita um dos fãs mais exaltados, arrancando o apoio de parte da audiência. "Não acredito em você! Você é mentiroso!", responde Dylan de bate-pronto, antes de emendar o gran finale com o eterno hino "Just Like A Rolling Stone". Um mês depois Dylan sofreria a grande conseqüência das turbulências e atribulações nas quais vivia há algum tempo, quase morrendo em um grave

acidente de moto. O pescoço quebrado o obrigaria a dar um tempo. Raramente ele voltaria a brindar os fãs com mágicos e divinos momentos de inspiração.

E é exatamente por isso que este Live 1966 - The Bootleg Series Vol. 4 possui suma importância história. Ouvir a inquietação de Dylan em seu auge é como ter tido a sorte de ver o Nirvana tocando nos primeiros meses de vida do álbum Nevermind ou presenciar o nascimento do punk em Nova York, nos shows do CBGB em meados dos anos 70.

Os textos só poderão ser reproduzidos com a autorização dos autores
© 1999

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