1999 ...mudou de novo. Agora ficou mais fácil ainda. E melhor pra todo mundo. Todas as seções deixaram de ser páginas pra se tornar meros temas. Todo dia tem um texto novo, sobre qualquer coisa que tenha alguma coisa a ver com música. A página do 1999 agora é só uma: a mesma, sempre. Acostume-se. Um dos editores do 1999 Se você quiser escrever para o 1999 sobre QUALQUER coisa que tenha a ver com música (um show legal que você viu, um carinha que você conseguiu entrevistar, um disco que você queria mostrar pras outras pessoas, qualquer tipo de teoria, contar qualquer parte da história do rock), basta escrever para a gente. 14.AGO.1999 COLUNISTAS MARRETA? (agosto) por Simone do Vale O jazz morreu Tem um viciozinho gagá da mídia que não entra na minha cabeça: essas declarações compulsivas sazonais de que o rock morreu. Se avaliarmos todos os tipos de música, de acordo com esses mesmos critérios, pode então ir liberando certidão de óbito pra tudo. O samba morreu. O ska morreu. Os ritmos regionais, tão decantados pela mesma mída, estão mortos. A música clássica, pobrezinha, essa aí então está fedendo a carniça faz séculos. Essa avidez de ouvidos moucos pela novidade que vai enterrar o rock de vez não enxerga que, por mais que a tecnologia avance, no sentido de enriquecer a qualidade e favorecer a criatividade do músico, a música do futuro não existe. O futuro nunca chega, porque amanhã já é hoje. Esse discurso aliás muito me lembra aquela cena caricata de Liquid Sky, quando aquela garota canta Me & My Rhythm Box. O ouvido ocidental aceita uma limitação de combinações de acordes, harmonias, compassos e pra ser absolutamente contemporânea, de loops, blips e tonhonhóins. O próprio techno, ou seja, música composta através de meios eletrônicos, já deu o que tinha que dar - se aceitarmos aqui os mesmos argumentos que a mídia usa pra enterrar o rock. Dizer que no futuro toda música será eletrônica também é bobagem. Pode até ser que sim, num futuro esquema Matrix, mas pode ser que o futuro seja Mad Max e aí só quem vai conseguir fazer música é o Hermeto Paschoal e o Uakti. Chemical Brothers e Fatboy Slim são ótimos, mas chega uma hora, que nem foi com o Bo Didley e com o avô do Little Richard, que os barulhinhos e os beats vão se restringir a uma série aceitável pelo ouvido e pelos quadris. E essa série que eles reinventaram, a partir de tudo o que ouviram desde molequinhos, vai ser reinventada um dia por outras pessoas, que terão outras referências e que, do mesmo jeito, não conseguirão fugir delas. Ou você vai tentar me convencer que esses caras nunca ouviram falar em Kraftwerk?! Existem convenções, existem clichés, existem safras ruins. Mas existe gosto pra tudo. Hoje a gente vê a garotada chacoalhando ao ritmo alucinante de Cherry Poppin' Daddies e Brian Setzer Orchestra, curtindo o som classudo do Squirrel Nut Zippers e correndo atrás de velhos discos de Dixieland e da sempre incomparável Billie Holliday. A molecada zona sul carioca indo pra bailão de forró arrastar os "pé" e descobrindo Luiz Gonzaga. Música é música, e as pessoas são livres dos limites espaço-temporais para ouvirem e dançarem o que bem entenderem.As pessoas são livres pra gostarem de Picasso e Rembrandt. De Camões e Fernando Pessoa. De Coca-Cola e Mineirinho. E cada ritmo tem a sua dramaticidade, a sua métrica própria, que por si só delimita o espaço onde você vai aplicar a sua criatividade. Se não fosse assim, um ritmo só bastaria a toda a civilização ocidental. Um ritmo de cada vez, uma moda a cada dia. Existe música para todos os estados de espírito, e nehuma música, nenhum ritmo, está realmente morto se as pessoas apreciam e continuam a experimentá-lo. Compondo ou ouvindo. O axé e o samba, por exemplo. Tem música mais limitada que axé e samba? Os caras fazem tudo tão certinho que parece que compõem as músicas com régua! Algum dia alguém vai conseguir reinventar essa joça e tornar essa merda criativa? Um penny pra quem introduzir algum elemento novo e interessante no pagode, além de bundas gordas espremidas em meias-calças Vivarina. Mas isso não é o suficiente pra laudo cadavérico de nenhum tipo de música. O Manguebit usa Jackson do Pandeiro. Quem vai ter a ousadia de declarar que Jackson do Pandeiro está morto? Aliás eu encontrei com ele ontem, num supermercado em Memphis, Tenessee. Tava até mais gordinho. Não é de bom tom dizer que o jazz morreu, mas é chique matar o rock. É adulto. E essa é a prova mais contundente de que o rock é um dos ritmos mais vivos do planeta, porque o rock não envelheceu. Ele continua incomodando os carecas barrigudos, que pararam em Jimi Hendrix e The Doors. E se ele não sofreu nenhum desastre de moto ou capotou numa corrida de dragster, então o rock está mais vivo do que nunca. Como o Jazz, o Funk, a Disco, o Jungle, o Samba, o Pagode, o Blues... Simone do Vale é baixista dos Autoramas. Rolling
Stones 1999 é feito por Alexandre Matias e Abonico Smith e quem quer que queira estar do lado deles. Os textos só
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