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DO ROCK
FICÇÃO RESENHAS
 

Mercenárias
Por
Bruno Saito

Aqui nem tudo se copia. Enquanto na Inglaterra e nos EUA há uma verdadeira redescoberta do rock dos anos 80, com bandas como Radiohead e Pavement declarando seu amor ao Joy Division e ao Echo and the Bunnymen, no Brasil, a tendência não se repete.

Algumas bandas até tentaram. Chico Science chegou a regravar "Criança de Domingo", do Funziona Senza Vapore, grupo que Cadão Volpato formou logo após o Fellini. Mas em nenhum momento houve uma reavaliação mais séria a respeito do valor dessa primeira geração de bandas e selos independentes brasileiros.

O rock feminino (termo um tanto desgastado) teria muito a ganhar se bandas como As Mercenárias tivessem gerado escola. Hoje poucos grupos com mulheres no vocal se destacam. Avanços pequenos nesse sentido podem ser observados. A qualidade do trabalho de bandas já conhecidas como Pato Fu e Pin Ups continuaram no mesmo nível ou até evoluíram quando as mulheres assumiram os vocais.

O clichê que pode ser aplicado às Mercenárias é o mesmo válido à geração independente dos 80s : é uma das bandas mais injustiçadas do período. Riot Grrrls antes do termo ser inventado, não podem ser jogadas no mesmo caldeirão simplista de bandas punks que surgiam a cada momento. Além dos problemas habituais para conseguirem divulgar o trabalho, o fato de ser composto apenas por mulheres ( no início, Edgard Scandurra foi o baterista) aumentava as dificuldades. A baixista Sandra Coutinho fazia questão de frisar que procuravam engordar e ficarem feias ao máximo para que as pessoas prestassem atenção à música produzida e não ficassem procurando menininhas bonitinhas pelo palco.

Antes do primeiro registro em vinil em 86 com Cadê as Armas? , elas percorreriam um período de quatro anos de shows. Um produtor de uma gravadora profeticamente anunciou que o Brasil ainda não estava preparado para as suas músicas.

Na capa e no encarte do disco, novamente o desprezo à imagem, e aparecem apenas silhuetas das integrantes empunhando seus instrumentos. No show de lançamento, foram ao palco com uma metralhadora e um revóver calibre 38 verdadeiros, negociados previamente em uma delegacia. Lou resumia o processo: "Mulher que faz arte não tem muito referencial".

Gravado pelo selo Baratos Afins, (em 95 foi relançado em CD com algumas faixas bônus ) o disco registra com fidelidade a urgência e a vitalidade dos shows. A precariedade técnica era minimizada com o poderoso discurso, curto e grosso, e a poesia por trás da raiva. Foi bem recebido pela crítica, pelos fãs, mas ignorado pelas rádios. Participações de Edgard Scandurra, João Gordo e Vange Leonel mostravam como havia um espírito mútuo de colaboração entre as bandas. Seria a Academia Pégaso de Musculação e a Academia Shao-Lin de Kung Fu, presentes nos créditos de agradecimentos, locais onde se prepararam para lutar contra as instituições?

Em 45 rpm, Cadê as Armas trazia "Me Perco Nesse Tempo", que seria regravado pelo Ira! quase dez anos depois, no álbum 7, tornando-se quase um hit. Era o tributo tardio prestado pelo sobrevivente grupo contemporâneo.

As letras surpreendem pela atualidade. Antes de padres Marcelo e bispos Macedo, Sandra cutucava a "Santa Igreja" : "o jovem rebelde e criativo / questiona e desobedece o poder / daí encontra com Jesus/ e a verdade cristã vai obedecer / vai se fuder / salve, salve a Santa Igreja". Na única letra de Lou, a baterista, ela brada o "Amor Inimigo" e declara: "a solidão é um fato".

Oportunistas desde aquele tempo, os Titãs estourariam mais tarde com Cabeça Dinossauro, em que aproveitariam a temática de "Polícia" e "Santa Igreja". Começava aí o império titânico que hoje fatura milhões vendendo volumes e volumes de versões acústicas de seus hits.

Em 88, lançam o segundo e último trabalho, Trashland. Contratadas por uma grande gravadora, a Odeon, superaram os problemas técnicos do primeiro disco. Com liberdade para escolherem os produtores, convocaram novamente Scandurra e Thomas Pappon, então no Fellini. A sofisticação estava presente também na música. Menos berrado, mas não menos contundente, o colorido da capa parecia anunciar o conteúdo, num quase psicodelismo, não hippie, mas sim de bandas como Cure e Echo.

As críticas às instituições continuavam, mas de uma maneira menos "punk". Como em "Provérbios do Inferno", onde musicavam o conhecido poema de William Blake. Ou então, como dizia um crítica da época: "Trashland é a reversão da esterilidade por uma música fálica, que faz brotar da terra uma arte que é palavra, é verdade, luz e memória, firmemente oposta ao turvado campo do esquecimento". Oitentices à parte, Trashland também não foi tocado nas rádios, confirmando as realistas previsões das integrantes à época do lançamento. Sabiam que entrar numa grande gravadora não significava sucesso imediato.

A banda acabaria pouco tempo depois junto com o sonho de um rock feito por mulheres, com uma das melhores baixistas da época, e com letras inteligentes, poéticas e não-conformistas. Sandra, que chegou a integrar o Smack (que ainda contava com os incansáveis Scandurra e Pappon) na mesma época, mudou-se em 91 para a Alemanha. Nesse período, fez apresentações solo pelo país, pela França e Polônia, com o One Woman Show. Seus projetos constituem-se de música experimental, e performances multimídia, bem distante do que impera nas FMs de hoje.

Em 96, de férias no Brasil, Sandra chegaria a se tornar uma Mercenária novamente, por uma noite. Sem Ana Rosália e Lou, que desistiram da carreira musical, tocaria ao lado de Voluntários da Pátria e do Smack em um show revival.

Nesse final de década de 90, os eighties parecem cada dia mais longíguos. As Mercenárias são de um tempo em que não havia MTV, Internet, a democracia voltava lentamente, termos como "globalização" e era uma dificuldade conseguir um disco importado dos Buzzcocks.

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