logo06.JPG (17693 bytes). INFORMAÇÃO COLUNISTAS BR-116 HISTÓRIA
DO ROCK
FICÇÃO RESENHAS
 

Sugar Hill Records
Por
Abonico Smith

"A hip-hop/ The hi-be/ To the hi-be/ The hip-hip-hop/ You don't stop rockin'". Assim começava o falatório de Master Gee, Big Bank Hank e Wonder Mike. Mês: setembro. Ano: 1979. O trio: Sugarhill Gang. A música: "Rapper's Delight", feita a partir das linhas de baixo e guitarra do hit "Good Times", que eternizara um pouco antes um dos maiores grupos disco da história, o Chic. O balanço com o sobreposto canto falado dos guetos negros nova-iorquinos passariam a não conhecer mais fronteiras sociais, raciais ou mesmo geográficas. O estrago estava feito. Os mais altos degraus das paradas eram pouco. Surgia o rhythm'n'poetry. Ritmo e poesia. O rap apresentava suas primeiras armas para varrer o mundo de assalto. O selo Sugar Hill teve para o rap o mesmo significado que a Sun Records para o rock'n'roll ou a Stax para o soul. Catalisou o movimento negro urgente do caos urbano das ruas e soube codificá-lo o suficiente para levar ao mundo um novo gênero musical. Tornou-se a raiz de tudo, a matriz que, ao mesmo tempo, deixou o mundo boquiaberto e o fez mexer as cadeiras em nome da festa, da alegria e da música. E do dinheiro, também. Afinal, cabe ao pioneiro o mérito de contabilizar muitas verdinhas antes da chegada de discípulos e copiadores.

O nome Sugar Hill introduziu no mainstream de rádios e paradas as jams, gírias e musicalidade que rolavam direto nas block parties do Bronx, bairro negro nova-iorquino. A marca Sugar Hill foi a precursora de samplers e traquitanas digitais, largas e coloridas roupas esportivas e aqueles acessórios indispensáveis como penduricalhos no pescoço, bonés e tênis espalhafatosos. Casa, rua e palco passaram a se confundir na mesma personalidade. Não havia mais limites para frear a diversão.

E foi tudo idéia de uma mulher - a origem coloca por terra toda a imagem de misoginia espalhada por muitos artistas posteriores do gênero. Sylvia Robinson, com a ajuda do marido e do filho, arregaçou as mangas e foi à luta tendo como munição sua larga experiência como cantora e vendedora de discos de rhythm'n'blues nas comunidades negras da grande metrópole dos anos 70. (Vale lembrar que nesta época o som negro tinha sua difusão solenemente barrada nos meios de comunicação, que apenas se limitavam a refletir a expressão da realidade e da sociedade de outras pessoas - leia, nas entrelinhas, o domínio dos brancos. Artistas negros sobreviviam na raça, com esquemas paralelos e independentes de divulgação dentro de seus próprios bairros e regiões.)

Até que o primeiro disquinho da Sugarhill Gang começou a abrir as portas, as mesmas que foram arrombadas anos depois por outro selo, o Def Jam, que transformou nomes como Run DMC, LL Cool J, Public Enemy e Beastie Boys em ídolos mundiais. Assim o rap começou a se espalhar pelo mundo e passou a fabricar novos milionários em série. Os dois pioneiros superstars do gênero saíram da própria Sugar Hill. No mesmo ano de "Rapper's Delight", o DJ Kurtis Blow levou ao estúdio a mesma vibração funky de suas discotecagens. Acrecsentou a verborragia por cima e fez de "The Breaks" o maior compacto de rap de todos os tempos. Ganhou fama meteórica e tornou-se o primeiro artista do segmento a assinar com uma grande gravadora - sem obter, entretanto, o mesmo sucesso dos tempos independentes.

Coube, então, a verdadeira glória para um time. Surgido em 1981, o Grandmaster Flash & The Furious Five veio para marcar traços determinantes na cara do rap. O DJ Grandmaster Flash era um super-herói. Personificava a máquina sonora do grupo tendo em mãos apenas duas picapes. Nelas, botava dois discos iguais para rodar, inventando uma técnica de repetir os mesmos trechos e grooves, chamada back to back. Outra parte importante da posse era Melle Mel, MC de fala macia e língua afiada. O grande hit de Grandmaster Flash & The Furious Five veio um ano depois. "The Message" procurava levar o rap para outras direções. As linhas funky de guitarra passavam para o segundo plano. Junto com a batida, mais desacelerada, vinham linhas e riffs de teclados - o que viria a desembocar logo depois no electro, subvertente que teria em Afrika Bambaataa seu maior representante.

Mudança maior, porém, vinha na letra. Os versos de "The Message" atiravam para o outro extremo da festa promovida pelo rap até então. O clima sombrio dava o tom nos versos trágico-dramáticos. Melle Mel contava a história de um cidadão nova-iorquino que se sente acuado pela pressão da grande metrópole, tenta sobreviver no submundo do crime e das drogas, vai parar na cadeia e acaba abreviando a trajetória com um suicídio. Estava plantado o embrião do gangsta, que passaria, anos depois, a associar o nome do rap com armas e violência. E o nome da faixa deixava para o sempre a função que a grande maioria dos rappers se obrigam a ter: passar mensagens.

Esta coletânea chega no vácuo da recente descoberta do rap pela grande massa brasileira. É falha, sobretudo por não trazer qualquer rastro de Kurtis Blow e artistas de peso no elenco do selo, como Whodini e Davy DMX. Mas tem seu valor por contar o primeiro capítulo da história da combinação ritmo e poesia. E por fazer com que os mais novos e recentes adeptos saibam que um dia houve alegria infinita e pureza de espírito nesta mistura. Como mostram a jam Funky 4 + 1 ("That's The Joint", provavelmente um dos hits de cabeceira de Fernanda Abreu), o trio feminino The Sequence ("Funk You Up"); os electros turbinados da dupla West Street Mob ("Break Dance-Electric Boogie", com show de scratches, riffs funky, vozes metalizadas pelo vocoder e muita batida para dançar break), Crash Crew ("On The Radio") e Mean Machine ("Disco Dream"); a new wave disfarçada do Treacherous Three ("Whip It", um pré-Run DMC) e singles secundários de Grandmaster Flash & The Furious Five e Sugarhill Gang.

Tudo produzido em apenas cinco anos, entre 1979 a 1984. Depois da chegada da gangue do Sugar Hill, o rap não seria mais o mesmo. Brancos e negros americanos - bem como todo o planeta, posteriormente - saberiam muito bem.

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