Chico Xavier / Emmanuel
Apesar de acostumados ao
espetáculo permanente da chegada de estrangeiros à cidade,
dada a sua privilegiada situação no deserto, os transeuntes de
Palmira notaram, com profundo interesse, a passagem daquele
beduíno seguido de humilde serviçal a puxar um mísero camelo
arquejante de cansaço. Sem dúvida, reconheceram-lhe o perfil
de judeu nos traços característicos do rosto, na energia
serena que lhe transparecia do olhar.
Saulo, por sua vez, transitava com ar indiferente, como se
convivesse naquele cenário, de há muito tempo.
Ciente de que o irmão do antigo mestre era ali negociante dos
mais conhecidos e abastados, não teve dificuldade em obter
informações de um compatrício, que lhe indicou a residência.
Acomodando-se numa estalagem comum para refazer-se das fadigas
da viagem, consultou a bolsa para regular o seu programa. O
dinheiro esgotava-se, mal chegaria para remunerar o
companheiro dedicado que lhe fora amigo fiel em toda a penosa
viagem. Depois de informado do “quantum” a pagar, verificando
a insuficiência dos recursos, falou-lhe com humildade:
— Judá, de momento não tenho o bastante para compensar melhor
o serviço que me prestaste. Entretanto, dou-te metade da
importância e mais o camelo em pagamento do restante.
O próprio servo comoveu-se com o tom humilde da proposta.
— Não precisa tanto, senhor – respondeu confuso, – o valor do
animal basta e sobra. Desse modo, não ficará desprevenido.
Contento-me com algumas moedas, apenas o necessário para
custear a volta.
Saulo teve para ele um olhar de reconhecimento e, alegando a
impossibilidade de o reter por mais tempo, despediu-o com
expressões de conforto e votos de feliz regresso a Damasco.
Depois, recolhendo-se ao quarto pobre que tomara, entrou a
meditar, acuradamente, nos últimos acontecimentos da sua vida.
Estava só, sem parentes, sem amigos, sem dinheiro. Pouco antes
daquela resolução de partir no encalço de Ananias, não
vacilaria em decretar a morte de quem profetizasse o futuro
que o esperava. Sua existência, seus planos, estavam
transformados nos detalhes mais íntimos. Que fazer agora? E se
não encontrasse em Palmira o socorro de Gamaliel, conforme
aguardava em suas esperanças secretas? Considerou a extensão
das dificuldades que se desdobravam a seus olhos. Tudo
difícil. Estava como o homem que houvesse perdido a família, a
pátria e o lar. Profunda amargura ameaçava invadir-lhe o
coração. Repentinamente, porém, recordou-se do Cristo e a
lembrança da visão gloriosa encheu-lhe de conforto o espírito
desolado. Confiando muito mais naquele que lhe estendera as
mãos, do que em suas próprias forças, procurou acalmar os
sobressaltos íntimos, dando repouso ao corpo fatigado.
No dia seguinte, manhã alta, saiu à rua preocupado e ansioso.
Obedecendo aos informes recolhidos, parou à porta de
confortável edifício, à frente do qual funcionavam grandes
lojas comerciais.
Procurando Ezequias, foi logo atendido por um homem idoso, de
semblante risonho e respeitável, que o saudou com muita
simpatia. Tratava-se do irmão de Gamaliel, que, logo se
familiarizando com o patrício recém-chegado de longe,
proporcionou-lhe confortadora palestra. Buscando informar-se,
delicadamente, a respeito do venerável rabino de Jerusalém.
Saulo obtinha de Ezequias os esclarecimentos necessários,
tomado de profundo interesse:
— Meu irmão – dizia ele preocupado – desde que chegou a
Palmira pareceu-me muito diferente. É possível que a mudança
de Jerusalém tenha influído para essa profunda transformação.
A diferença de ambiente social, a alteração de hábitos, o
clima, a ausência dos trabalhos usuais, tudo isso pode ter-lhe
prejudicado a saúde.
— Como assim? – perguntou o moço sem dissimular a estranheza.
— Passa dias e dias numa cabana abandonada que possuo, à
sombra de algumas tamareiras, num dos muitos oásis que nos
rodeiam; e isso, veja, tão só para ler e meditar um manuscrito
sem importância, que não consegui compreender. Além disso,
parece-me desinteressado de nossas práticas religiosas, vive
como que alheio ao mundo.
Fala em visões do céu, refere-se constantemente a um
carpinteiro que se transformou em Messias do povo e
alimentava-se de coisas imaginárias, de sonhos irreais. As
vezes, é com profundo pesar que lhe observo a decadência
mental. Minha mulher, porém, tudo atribui à idade avançada e
eu quero crer seja antes, ou, pelo menos, em grande parte,
devido à intensidade do estudo, das meditações prolongadas.
Ezequias fez uma pausa, enquanto Saulo fixava nele o olhar
percuciente e significativo, compreendendo a condição do velho
mestre.
A uma nova observação do moço tarsense, continuava o outro,
loquaz:
— No seio de minha família, Gamaliel é tratado como se fora o
nosso pai.
Aliás, devo meu início de vida às suas imensas dedicações
fraternais. Por isso mesmo, eu e minha mulher combinamos com
os filhinhos, relativamente à atmosfera de paz que deverá
cercar aqui o prezado e nobre enfermo. Quando ele discorre
sobre as ilusões religiosas que o empolgam no seu
desequilíbrio mental, ninguém nesta casa o contradiz. Já
sabemos que não fala mais por si.
A mentalidade poderosa esmaeceu, a estrela se apagou.
Considerando essas penosas circunstâncias, ainda rendo graças
a Deus que mo trouxe aqui, para terminar seus dias aquecido
pelo nosso afeto familiar, e indene do escárnio de que talvez
pudesse ser objeto em Jerusalém, onde nem todos estão à altura
de lhe compreender e honrar o passado ilustre.
— Mas a cidade sempre venerou nele um mestre inesquecível –
ajuntou o rapaz como se quisesse defender seus próprios
sentimentos de amizade e admiração.
— Sim – esclareceu o negociante, convicto, – um homem do seu
nível intelectual estaria preparado a entender tudo, mas os
outros? O senhor não ignora, naturalmente, a perseguição
implacável, movida pelas autoridades do Sinédrio e do Templo,
contra os simpatizantes do famoso carpinteiro nazareno.
Palmira teve notícias dos fatos, por intermédio de inúmeros
patrícios pobres, que deixaram Jerusalém à pressa, ameaçados
de prisão e morte.
Ora, foi justamente com a personalidade desse homem que
Gamaliel deu as primeiras demonstrações de fraqueza mental. Se
estivesse por lá, que seria da sua velhice desamparada?
Naturalmente muitos amigos, como o senhor, estariam a postos
para a defesa; mas, o caso podia tomar aspectos mais graves,
surgirem inimigos políticos reclamando medidas ingratas. E de
nossa parte nada poderíamos tentar para restabelecer a
situação, por que, na verdade, a sua loucura é pacífica, quase
imperceptível e de maneira alguma conseguiríamos suportar sua
apologia ao celerado que o Sinédrio mandou à cruz dos ladrões.
Saulo sentia extremo mal-estar ouvindo aquelas observações,
agora tão injustas e superficiais a seu ver. Compreendia a
delicadeza do momento e a natureza dos recursos psicológicos a
empregar, para não se comprometer, agravando, ainda mais, a
posição do mestre ilustre.
Desejando imprimir novo rumo à conversa, perguntou com
serenidade:
— E os médicos? Qual a opinião dos entendidos?
— No último exame a que se submeteu, por insistência nossa,
descobriram que o estimado doente, além de perturbado, padece
de singular astenia orgânica, que lhe vai consumindo a s
últimas forças vitais.
Saulo fez ainda algumas observações, contristado, e, depois de
reconsiderar as primeiras impressões relativamente à amável
hospitalidade de Ezequias, auxiliado por um pequeno servo da
casa, demandou o local, onde o antigo mentor o recebeu com
surpresa e alegria.
O ex-discípulo notou que Gamaliel, com efeito, apresentava
sintomas de profundo abatimento. Foi com infinito júbilo que o
apertou afetuosamente nos braços, osculando-lhe, amoroso, as
mãos encarquilhadas e trêmulas. Seus cabelos pareciam mais
brancos; a epiderme sulcada de rugas veneráveis dava impressão
do alabastro uma palidez indefinível.
Falaram longamente das saudades, dos sucessos de Jerusalém,
dos amigos distantes.
Depois dos preâmbulos afetuosos, o moço tarsense relatou ao
mestre venerando as graças recolhidas às portas de Damasco. A
voz de Saulo tinha a inflexão vibrante da paixão e da
sinceridade que costumava imprimir às emoções próprias. O
velhinho ouviu-lhe a narrativa com indizível espanto; nos
olhos vivos e serenos, rorejavam lágrimas de emoção, que não
chegavam a cair. Aquela prova enchia-o de profundo consolo.
Não havia aceitado, em vão, aquele Cristo sábio e amoroso,
incompreendido dos colegas. Ao término da exposição, Saulo de
Tarso tinha o olhar velado em pranto. O bondoso ancião
abraçou-o comovidamente, atraindo-o ao coração.
—Saulo, meu filho – disse exultante, – bem sabia que me não
enganava a respeito do Salvador, que tão profundamente me
falou à velhice exausta, através da luz espiritual do seu
Evangelho de redenção. Jesus dignou-se estender as mãos
amorosas ao teu Espírito dedicado.
A visão de Damasco bastará para a consagração de tua
existência inteira ao amor do Messias. É verdade que muito
trabalhaste pela Lei de Moisés, sem hesitar na adoção de
medidas extremas, na sua defesa. Entretanto, é chegado o
momento de trabalhares por quem é maior que Moisés.
— Sinto-me, porém, grandemente desorientado e confundido –
murmurou o jovem de Tarso, cheio de confiança. Desde a
ocorrência noto que estou sendo objeto de singulares e
radicais transformações. Obediente ao meu feitio absolutamente
sincero, quis começar meu esforço pelo Cristo, em Damasco, e,
no entanto, recebi dos nossos amigos, dali, as maiores
manifestações de desprezo e ridículo, que muito me fizeram
sofrer. Repentinamente, vi-me sem companheiros, sem ninguém.
Alguns componentes da reunião do “Caminho” consolaram minha
alma abatida com as suas expressões de fraternidade, mas não
foram suficientes para ressarcir as amargas desilusões
experimentadas. O próprio Sadoc que, na infância, foi pupilo
de meu pai, cobriu-me de recriminações e zombarias. Desejei
voltar a Jerusalém, mas, através do quadro da Sinagoga de
Damasco, compreendi o que me esperava em grande escala junto
às autoridades do Sinédrio e do Templo.
Naturalmente, a profissão de rabino não me poderá interessar o
espírito sincero, porque, de outro modo, seria mentir a mim
mesmo. Sem trabalho, sem dinheiro, acho-me num labirinto de
questões insolúveis, sem o auxílio de um coração mais
experiente que o meu. Resolvi, então, demandar o deserto e
procurar-vos para o socorro necessário.
E concluindo a rogativa, com os olhos súplices, revelando as
ansiedades tormentosas que lhe povoavam a alma, exclamou:
— Mestre amado, sempre enxergastes as soluções do bem, onde
minha imperfeição não devassava senão sombras amargurosas!…
Amparai meu coração mergulhado em dolorosos pesadelos. Preciso
servir Àquele que se dignou arrancar-me das trevas do mal, não
posso dispensar vosso auxílio neste transe difícil da minha
vida!…
Essas palavras eram ditas com inflexão profundamente
comovedora. Olhos firmes, embora iluminados de intensa
ternura, o generoso velhinho acariciou-lhe as mãos e começou a
falar comovidamente:
— Examinemos tuas dúvidas, de maneira particular, a fim de
estudarmos uma solução adequada a todos os problemas, à luz
dos ensinamentos que hoje nos iluminam.
E, após uma pausa em que parecia catalogar os assuntos,
continuava:
— Falas do desprezo experimentado na Sinagoga de Damasco; mas,
os exemplos são claros e convincentes. Também eu, atualmente,
sou considerado como louco pacífico, no ambiente dos meus. Em
Jerusalém, viste Simão Pedro vilipendiado por amar os pobres
de Deus e dar-lhes acolhida; viste Estevão morrer sob pedradas
e que mais? O próprio Cristo, redentor dos homens, não se
furtou aos martírios de uma cruz infamante, entre malfeitores
condenados pela justiça do mundo. A lição do Mestre é grande
demais para que seus discípulos estejam a espera de dominações
políticas ou de altas expressões financeiras, em seu nome. Se
ele que era puro, e inimitável, por excelência, andou entre
sofrimentos e incompreensões, neste mundo, não é justo
aguardemos repouso e vida fácil em nossa miserável condição de
pecadores.
O moço tarsense ouvia aquelas palavras mansas e enérgicas, com
a alma dolorida, mormente no que se referia às perseguições
infligidas a Pedro e no capítulo das lembranças de Estevão, às
quais o velho amigo tinha a delicadeza de não aludir
nominalmente ao verdugo.
— A respeito das dificuldades que dizes experimentar depois
dos sucessos de Damasco – prosseguia Gamaliel serenamente, –
nada mais justo e natural a meus olhos experimentados nos
problemas do mundo. Nossos avós, antes de receber o maná do
céu, atravessaram tempos sombrios de miséria, escravidão e
sofrimento. Sem as angústias do deserto, Moisés jamais
encontraria na rocha estéril a fonte de água-viva. E talvez
ainda não tenhas meditado melhor nas revelações da Terra
Prometida. Que região seria essa, se, guardando a compreensão
mais vasta de Deus, descobrimos em todos os pontos do mundo
mananciais de sua proteção? Há tamareiras, frondosas e amigas,
medrando nos areais ardentes. Essas árvores generosas não
transformam o próprio deserto em caminhos abençoados, cheios
do pão divino para matar nossa fome? Nas minhas reflexões
solitárias, cheguei à conclusão de que a Terra Prometida pelas
divinas revelações é o Evangelho do Cristo Jesus. E a
meditação nos sugere comparações mais profundas. Quando nossos
ascendentes mais corajosos trabalhavam por conquistar a região
privilegiada, numerosas pessoas tentavam desanimar os mais
pertinazes, asseverando que o terreno era inóspito, que os
ares eram insalubres e portadores de febres mortais; que os
habitantes eram intratáveis, devoradores de carne humana; mas
Josué e Caleb, num esforço heroico, penetraram a terra
desconhecida, venceram os primeiros obstáculos e voltaram
dizendo que dentro da região manavam leite e mel. Não temos aí
um símbolo perfeito? A revelação divina deve referir-se a uma
região bendita, cujo clima espiritual seja feito de paz e luz.
Adaptarmo-nos ao Evangelho é descobrir outro país, cuja
grandeza se perde no Infinito da alma. Ao nosso lado
permanecem aqueles que tudo fazem por nos desanimar na empresa
conquistada. Acusam a lição do Cristo de criminosa e
revolucionária, enxergam no seu exemplo intuito de
desorganização e de morte; qualificam um apóstolo, como Simão
Pedro, de pescador presunçoso e ignorante; mas pensando na
quela estupenda serenidade com que Estevão entregou a alma a
Deus, vi nele a figura do companheiro corajoso e digno, que
voltava das lições do “Caminho” para nos afirmar que na Terra
do Evangelho há fontes do leite da sabedoria e do mel do amor
divino. É preciso, pois, marchar sem repouso e sem contar o s
obstáculos da viagem. Procuremos a mansão infinita que nos
seduz o coração.
Gamaliel fizera uma pausa em suas expressões amigas e
altamente consoladoras. Saulo estava admirado. Aquelas
comparações tão simples, aquelas deduções preciosas do estudo
da Antiga Lei, com relação a Jesus, deixavam-no perplexo. A
sabedoria do ancião renovava-lhe as forças.
— Alegas tua estranheza – continuou o venerando amigo,
enquanto o jovem o fixava com interesse crescente – com a
mudança de profissão e a falta de dinheiro para as
necessidades mais imediatas… Entretanto, Saulo, basta meditar
um pouco na realidade dos fatos, para que vejas claramente. Um
velho, como eu, está na situação de Moisés contemplando a
Terra Prometida, sem poder alcançá-la. Mas, quanto a ti, é
preciso convir que estás ainda muito moço. Podes multiplicar
as energias com o adestramento de tuas forças e penetrar o
terreno das aspirações do Salvador, a nosso respeito. Para
isso, é indispensável simplificar a vida, recomeçar a luta.
Josué não poderia ter vencido os óbices do caminho tão só com
a leitura dos textos sagrados, ou com os favores de quantos o
estimavam. Certamente, manipulou instrumentos rudes, aplainou
estradas onde havia abismos, à custa de esforços
sobre-humanos.
— E que me aconselhais neste sentido? – interrogou o rapaz com
profunda atenção, enquanto o velho mestre fazia longa pausa.
— Quero dizer que conheço teu pai, bem como sua situação de
abastança.
Naturalmente, nas suas expressões de afeto, não se negaria a
te prestar todo o auxílio, nesta emergência.
Mas teu pai é humano e pode ser chamado amanhã à vida
espiritual. Seu amparo, portanto, seria valioso, mas não
deixaria de ser precário, se não cooperasses com teu esforço
próprio na solução dos teus problemas. E vives uma fase em que
todo trabalho enérgico se faz indispensável. Examinada a
questão de família, vejamos tua condição profissional. Até
agora foste rabino da Lei, preocupado com os erros alheios,
com as discussões da casuística, com a situação de evidência
entre os doutores; ganhavas dinheiro na vigilância dos outros,
mas Deus te chamou à verificação dos teus próprios desvios,
como chamou a mim mesmo. A Terra Prometida desenha-se aos
nossos olhos. É preciso vencer os obstáculos e marchar.
Como doutor da Lei, isso não mais te seria possível. Então é
necessário recomeçar a tarefa como o homem que procurava
inutilmente o ouro no lugar onde ele não existia. O problema é
de trabalho, de esforço pessoal.
O moço de Tarso demorou o olhar úmido de emoção no velho
generoso e exclamou:
— Sim, agora compreendo…
— Que aprendeste na infância, antes da posição conquistada? –
perguntou o ancião previdente.
— Consoante os costumes da nossa raça, meu pai mandou-me
aprender o ofício de tecelão, como sabeis.
— Não podias receber das mãos paternas dádiva mais generosa –
acrescentou Gamaliel com um sorriso sereno; – teu pai foi
previdente, como todos os chefes de família do povo de Deus,
procurando afeiçoar tuas mãos ao trabalho, antes que o cérebro
se povoasse de muitas ideias. Está escrito que devemos comer o
pão com o suor do rosto, O trabalho é o movimento sagrado da
vida.
Fazendo um intervalo, como que procurando refletir mais
profundamente, o velho mentor da mocidade farisaica voltou a
dizer:
— Foste humilde tecelão antes de conquistares os títulos
honoríficos de Jerusalém…
Agora que te candidatas a servir ao Messias, na Jerusalém da
Humanidade, é bom que voltes a ser modesto tecelão. As tarefas
apagadas são grandes mestras do espírito de submissão. Não te
sintas humilhado regressando ao tear que nos surge,
presentemente, qual amigo generoso. Estás sem dinheiro, sem
recursos materiais… À primeira vista, considerando tua
situação de realce no mundo, seria justo recorrer a parentes
ou amigos. Mas não estás doente, nem envelhecido. Tens a saúde
e a força. Não será mais nobre convertê-las em elemento de
socorro a ti mesmo? Todo trabalho honesto está selado com a
bênção de Deus.
Ser tecelão, depois de ter sido rabino, é para mim mais
honroso que descansar sobre os títulos ilusórios, conquistados
num mundo onde a maioria dos homens ignora o bem e a verdade.
Saulo compreendeu a grandeza dos conceitos e, tomando-lhe a
mão, beijou-a com profundo respeito, murmurando:
— Não esperava de vós senão esta franqueza e esta sinceridade
que iluminam meu espírito. Aprenderei, de novo, o caminho da
vida, encontrarei no ruído do tear os estímulos brandos e
amigos do trabalho santificante.
Conviverei com os mais desfavorecidos da sorte, penetrarei
mais intimamente nas suas amarguras de cada dia; em contacto
com as dores alheias hei de saber dominar meus próprios
impulsos inferiores, tornando-me mais paciente e mais humano!…
Tomado de grande alegria, o sábio velhinho acariciou-lhe os
cabelos, exclamando emocionado:
— Deus abençoará tuas esperanças!…
Longo tempo ficaram em silêncio, como desejosos de prolongar,
indefinidamente, aquele instante glorioso de compreensão e
harmonia.
Foi Saulo quem, denotando no olhar as muitas preocupações
íntimas, quebrou o silêncio, dizendo receoso:
— Pretendo retomar o ofício da primeira idade, mas estou sem
dinheiro para a viagem. Se fosse possível, exerceria a
profissão aqui mesmo, em Palmira…
Falava hesitante, deixando perceber ao venerável amigo a
vergonha que experimentava com o fazer-lhe essa confissão.
— Como não? – obtemperou Gamaliel solícito – considero que as
dificuldades da volta não seriam pequenas. Entretanto, não
incluo nos obstáculos os problemas do dinheiro, porque, de
qualquer forma, poderíamos obtê-lo para as despesas mais
urgentes. Refiro-me simplesmente aos perigos da situação que
passou. Acho justo que regresses a Jerusalém ou a Tarso,
plenamente integrado nos teus novos deveres. Toda planta é
frágil quando começa a crescer. As tricas do farisaísmo, a
falsa ciência dos doutores, as vaidades familiares poderiam
abafar a semente gloriosa que Jesus te lançou no coração
ardente, O rebento mais promissor não se desenvolverá se o
cobrirmos de detritos e lama. É bom que voltes ao berço, aos
nossos companheiros e à família, como árvore frondejante,
honrando a dedicação do Divino Cultivador.
— Mas que fazer? – tornou Saulo preocupado.
O antigo mestre refletiu um instante e esclareceu:
— Sabes que as zonas do deserto são grandes mercados dos
artigos de couro, O serviço de transporte depende inteiramente
dos tecelões mais hábeis e dedicados. Assim o compreendendo,
meu irmão estabeleceu diversas tendas de trabalho nos oásis
mais distantes, para atender às necessidades do seu comércio.
Conversarei com Ezequias a teu respeito. Não direi que se
trata de um grande chefe de Jerusalém, que pretende exilar-se
por algum tempo, não pelo receio de envergonhar teu nome ou
tua origem, mas por julgar útil que proves a humildade e a
solidão no teu novo caminho. As considerações convencionais
poderiam perturbar-te, agora que necessitas exterminar o
“homem velho” a golpes de sacrifício e disciplina.
— Compreendo e obedeço em meu próprio benefício murmurou Saulo
com atenção.
— Aliás, Jesus exemplificou tudo isso, permanecendo em nosso
meio, sem que o percebêssemos.
O moço tarsense pôs-se a meditar na elevação dos alvitres
recebidos.
Iniciaria uma existência nova. Tomaria o tear com humildade.
Alegrava-se, ao recordar que o Mestre não desdenhara, por sua
vez, o banco de carpinteiro. O deserto lhe proporcionaria
consolação, trabalho, silêncio. Ganharia não mais o dinheiro
fácil da admiração indevida, mas os recursos necessários à
existência, com o subido valor dos obstáculos vencidos.
Gamaliel tinha razão. Não era lícito rogar o favor dos homens
quando Deus lhe havia feito o maior de todos os favores,
iluminando-lhe a consciência para sempre. É verdade que em
Jerusalém havia sido cruel verdugo, mas contava apenas trinta
anos. Buscaria reconciliar-se com todos a quem havia ofendido
no seu rigorismo sectário.
Sentia-se jovem, trabalharia para Jesus enquanto lhe restassem
energias.
A palavra carinhosa do ancião veio arrancá-lo das profundas
cismas.
— Tens o Evangelho? – perguntou o velhinho com bondoso
interesse.
Saulo mostrou-lhe a parte fragmentária que trazia,
explicando-lhe o trabalho que teve, em Damasco, para copiá-la
dos manuscritos do generoso pregador que lhe curara a cegueira
repentina. Gamaliel examinou-a com atenção e, depois de
concentrar-se longo tempo, acrescentou:
— Tenho uma cópia integral das anotações de Levi, cobrador de
impostos em Cafarnaum, que se fez Apóstolo do Messias –
lembrança generosa de Simão Pedro à minha pobre amizade:
presentemente não necessito mais desses pergaminhos, que
considero sagrados. Para gravar na memória as lições do
Mestre, procurei copiar todos os ensinos, fixando-os na
retentiva, para sempre. Já possuo três exemplares completos do
Evangelho, sem a cooperação de escriba algum. Desse modo, por
considerar a dádiva de Pedro como santificada relíquia de
nobre afeição, quero depô-la em tuas mãos.
Levarás contigo as páginas escritas na igreja do “Caminho”,
como fiéis companheiras do teu novo trabalho.
O ex-rabino escutava-lhe as declarações afetuosas, tomado de
profunda emoção.
— Mas, por que desfazer-vos de uma lembrança carinhosa, por
minha causa? – perguntou sensibilizado. –Ficaria muito
contente com uma das cópias feitas por vossas mãos!…
O velho mestre fixou o olhar tranquilo na paisagem e murmurou
com voz profética:
— Cheguei ao fim da carreira, devo esperar a morte do corpo.
Se hei de abandonar a dádiva de Pedro a pessoas que lhe não
podem reconhecer o valor que lhe atribuímos, é justo
entregá-la a um amigo fiel, que pode ajuizar do seu caráter
sagrado. Além disso, tenho a convicção de que não mais poderei
voltar a Jerusalém; neste mundo, não me será possível qualquer
entendimento direto com os Apóstolos Galileus, a respeito das
luzes que o Salvador derramou em meu espírito. E temo que os
adeptos de Jesus te não possam compreender de pronto, quando
regressares à cidade santa. Terás, então, esta lembrança para
te apresentares a Pedro em meu nome.
Aquele tom profético impressionava o moço tarsense, que baixou
a cabeça, de olhos úmidos.
Depois de longo intervalo, como que procurando recompor as
ideias com perfeita sabedoria, Gamaliel continuava solícito:
— Vejo-te, no futuro, dedicado a Jesus, com o mesmo zelo
ardente com que te conheci consagrado a Moisés! Se o Mestre te
chamou ao serviço é porque confia na tua compreensão de servo
fiel. Quando o esforço das mãos te haja granjeado a liberdade
para escolheres o novo caminho a seguir, Deus há de
abençoar-te o coração, para difundires a luz do Evangelho
entre os homens, até ao último dia de vida aqui na Terra.
Nesse labor, meu filho, se topares incompreensão e luta em
Jerusalém, não desesperes nem esmoreças.
Semeaste por lá certa confusão nos espíritos, é justo recolhas
os resultados.
Em toda tarefa, porém, lembra-te do Cristo e passa adiante com
o teu esforço sincero. Não te perturbem as desconfianças, a
calúnia e a má-fé, atento a que Jesus venceu galhardamente
tudo isso!…
Saulo sentia profundo descanso naquela exortação amorosa,
terna, leal.
Ouvindo-a, deixou-se ficar, longo tempo, entre lágrimas
ardentes que testemunhavam o arrependimento do passado e as
esperanças do futuro.
Naquela tarde, Gamaliel deixou a rústica choupana,
dirigindo-se com o ex-discípulo à casa do irmão, que acolheu,
desde então, o jovem tarsense sob o seu teto, com
indisfarçável contentamento.
A inteligência fulgurante e a juventude comunicativa do
ex-doutor da Lei conquistaram Ezequias e os seus, numa bela
expressão de amizade espontânea.
Nessa mesma noite, concluídas as cerimônias domésticas da
última colação habitual, o velho rabino de Jerusalém expôs ao
negociante a situação do seu protegido. Explicou-lhe que Saulo
fora seu discípulo, desde menino, exaltando-lhe o valor
pessoal e concluindo com a exposição de suas necessidades
econômicas, verdadeiramente críticas. E diante do próprio
interessado, que acentuava sua admiração por aquele velhinho
sábio e generoso, esclareceu que ele tencionava trabalhar como
tecelão nas tendas do deserto, rogando a Ezequias auxiliasse,
com sua bondade, tão nobres aspirações de trabalho e esforço
próprios.
O comerciante de Palmira admirou-se.
— Mas o rapaz, de modo algum – advertiu atencioso –
necessitará insular-se para ganhar a vida. Tenho meios de
localizá-lo aqui mesmo, na cidade, onde ficará em contacto
permanente conosco.
— Entretanto, preferiria vosso amparo generoso lá no deserto –
acentuou Saulo em tom significativo.
— Por quê? – indagou Ezequias interessado – não compreendo
mocidade como a tua exilada nos estendais de areia
intermináveis. Os imigrantes do êxodo de Jerusalém, na
condição de solteiros, não toleraram os elementos que lhes
ofereci nos oásis distantes.
Apenas alguns casais aceitaram as propostas e partiram. Quanto
a ti, com os teus dotes intelectuais, não compreendo como
preferes ser tecelão humilde, segregado de todos…
Gamaliel compreendeu que a estranheza do irmão poderia levá-lo
a suposições errôneas, acerca do jovem amigo, e, antes que
alguma suspeita injusta se lhe esboçasse ao espírito
indagador, ponderou com prudência:
— Tua pergunta, Ezequias, é natural, pois as resoluções de
Saulo inspiram estranheza a qualquer homem prático. Trata-se
de um moço cheio de talento, credor de belas promessas e, ao
demais, muito instruído. Os menos avisados poderão chegar ao
extremo de presumirem na sua atitude o desejo de fugir a
consequências de algum crime. Mas não há tal. Para ser mais
franco, devo dizer que meu antigo discípulo quer consagrar-se,
mais tarde, à difusão da palavra de Deus. Achas, então, que
Saulo se elegesse a carreira da mocidade triunfante, da nossa
época, preferiria Palmira a Jerusalém? A situação, portanto,
não é apenas de necessidade pecuniária, é também de carência
de meditação nos problemas mais graves da vida. Bem sabemos
que os profetas e homens de Deus foram aos lugares ermos, a
fim de sentirem as reais inspirações do Altíssimo, antes de
ministrarem, com êxito, a santidade da palavra.
— Se é assim, replicou o outro, vencido.
E
após meditar alguns momentos, o negociante voltou a dizer: —
Na região que conhecemos por “oásis de Dan”, daqui distante
mais de cinquenta milhas, precisamente, instalei há cerca de
um mês um jovem casal de tecelões que chegou na última leva de
refugiados. Trata-se de Áquila, cuja mulher, de nome Prisca,
foi serva de minha esposa, quando menina, é órfã desamparada.
Esses bons operários são, atualmente, os únicos habitantes do
oásis. Saulo poderá fazer-lhes companhia. Ali há tendas
próprias, casa confortável e teares indispensáveis ao serviço.
— E qual o sistema do trabalho? – interrogou o jovem tarsense
interessado pela nova tarefa.
— A especialidade desse posto avançado – esclareceu Ezequias
com certo orgulho – é a preparação de tapetes de lã e dos
tecidos resistentes de pelo caprino, destinados a barracas de
viagem. Esses artigos são fornecidos por nossa casa comercial,
em grande escala, mas, situando a manufatura desse trabalho
tão distante, tive em vista as necessidades urgentes dos
grupos de camelos de minha propriedade, empregados no meu
tráfico comercial com toda a Síria e pontos outros mais
florescentes, do comércio em geral.
— Tudo farei por corresponder a vossa confiança – confirmou o
ex-rabino confortado.
A palestra prosseguiu ainda, longo tempo, no comentário das
perspectivas, das condições e vantagens do negócio.
Daí a três dias, Saulo despedia-se do mestre, debaixo de
profunda comoção. Figurava-se-lhe que aquele abraço afetuoso
era o último e, até que os camelos da caravana largassem em
direção da imensa planície, o jovem envolveu o venerando
ancião nas vibrações caridosas do angustioso adeus.
No dia imediato, os serviçais de Ezequias, ladeando a extensa
fila de camelos resignados, deixavam-no com vultosa carga de
couros, na companhia de Áquila e sua mulher, no grande oásis
que florescia em pleno deserto.
Os dois operários da pequena oficina receberam-no com as
melhores mostras de fraternidade e simpatia. Saulo reconheceu
neles, de relance, as mais nobres qualidades espirituais. A
mocidade do generoso casal expandia-se em formosas expressões
de trabalho e bom ânimo. Prisca desdobrava-se em atividades
para assinalar em tudo as preciosidades do seu carinho. Suas
velhas canções hebraicas ressoavam no grande silêncio como
notas de soberana e harmoniosa beleza. Terminados os serviços
domésticos, ei-la junto do companheiro, nas lides do tear, até
as horas mais avançadas do crepúsculo.
O marido, por sua vez, parecia um temperamento privilegiado,
desses que se movimentam sem a presença do aguilhão.
Plenamente integrado nas responsabilidades que lhe competiam,
Áquila trabalhava sem descanso à sombra das árvores
acolhedoras e amigas.
Saulo compreendeu a bênção que havia recebido. Tinha a
impressão de encontrar naquelas duas almas fraternas, que
nunca mais se haviam de separar espiritualmente da grandeza de
sua missão, dois habitantes de um mundo diferente que, até
então, não lhe fora dado conhecer na vida.
Áquila e Prisca, antes que esposos, pareciam verdadeiros
irmãos. No primeiro dia de esforço conjunto, o ex-doutor da
Lei observou-lhes o respeito mútuo, a perfeita conformidade de
ideias a elevada noção de deveres que lhes caracterizava as
menores atitudes e, sobretudo, a alegria sã que irradiava dos
seus menores gestos. Seus costumes puros e generosos
encantavam-lhe a alma desiludida das hipocrisias humanas. As
refeições eram simples; cada objeto tinha o seu aproveitamento
e lugar adequado, e as palavras, quando saíam do círculo da
alegria comum, jamais incidiam em maledicência ou frivolidade.
O primeiro dia correu com agradabilíssimas surpresas para o
ex-rabino, sequioso de paz e solidão para os seus novos
estudos e meditações. O companheiro de trabalho desfazia-se em
gentilezas para atender-lhe às pequeninas dificuldades no
mister que há longo tempo deixara de praticar.
Áquila estranhou, naturalmente, as mãos delicadas, as maneiras
diferentes, em nada semelhantes às de um tecelão comum; mas,
com a nobreza que o caracterizava, nada perguntou
relativamente aos motivos do seu insulamento.
Naquela mesma tarde, cessada a tarefa, o casal acomodou-se ao
pé de frondosa palmeira, não sem lançar, ao novo companheiro,
olhares indagadores, que traduziam indisfarçável inquietude.
Silenciosos, desenrolaram uns velhos pergaminhos e começaram a
ler com muita atenção.
Saulo percebeu aquela atitude receosa e aproximou-se.
— De fato – disse carinhoso – a tarde no deserto convida à
meditação…
O lençol infinito de areia parece um oceano parado, a aragem
branda representa a mensagem das cidades distantes. Tenho a
impressão de estarmos num templo de paz imperturbável, fora do
mundo…
Áquila admirou-se daquelas imagens evocativas e experimentou
maior simpatia por aquele rapaz anônimo, segregado talvez dos
afetos mais caros, a contemplar a planície sem-fim, com imensa
tristeza.
— É verdade – respondeu atencioso, – sempre acreditei que a
Natureza conservou o deserto como altar de silêncio divino,
para que os filhos de Deus tenham na Terra um local de
perfeito repouso. Aproveitemos, pois, nosso estágio na
solidão, para pensar no Pai justo e santo, considerando sua
magnanimidade e grandeza.
A esse tempo, Prisca debruçava-se sobre a primeira parte do
rolo de pergaminhos, absorvida na leitura.
Lendo casualmente, de longe, o nome de Jesus, Saulo
aproximou-se ainda mais e, sem conseguir ocultar seu grande
interesse, perguntou:
—Áquila, tenho tanto amor ao profeta nazareno que me permito
indagar se tua leitura sobre a grandeza do Pai Celestial é
feita pelos ensinamentos do Evangelho.
O jovem casal experimentou profunda surpresa em face do
inesperado de semelhante pergunta.
— Sim, – esclareceu o interpelado hesitante, – mas, se vens da
cidade, não ignoras as perseguições movidas a quantos se
encontram em ligação com o “Caminho” do Cristo Jesus…
Saulo não dissimulou sua alegria, verificando que os
companheiros, amantes da leitura, estavam em condições de
permutar mais elevadas ideias do novo aprendizado.
Animado pela confissão do outro, sentou-se nas pedras rústicas
e, tomando os pergaminhos com interesse, perguntava:
— Anotações de Levi?
— Sim, esclareceu Áquila mais senhor de si e certo de se
encontrar em face de um irmão de ideal, copiei-as na igreja de
Jerusalém, antes de partir.
Num instante, Saulo buscou a cópia do Evangelho que constituía
para seu coração uma das mais preciosas lembranças da vida.
Conferiram, satisfeitos, os textos e os ensinos.
Tomado de sincero interesse fraternal, o ex-rabino interrogou
com solicitude:
— Quando saíram de Jerusalém? Folgo imensamente quando
encontro irmãos que conhecem de perto nossa cidade santa.
Quando saí de Damasco, não previa que Jesus me reservasse tão
gratas surpresas.
— Faz meses que de lá saímos, explicou Áquila, agora cheio de
confiança na espontaneidade das palavras ouvidas. — Fomos
compelidos a isso pelo movimento das perseguições.
Aquela referência brusca e indireta ao seu passado, perturbava
o jovem tarsense no mais recôndito do coração.
— Chegaste a conhecer Saulo de Tarso? – perguntou o tecelão
com uma grande ingenuidade a transparecer-lhe dos olhos.
Aliás, continuava, enquanto o interpelado buscava o que
responder, o célebre inimigo de Jesus tem nome igual ao teu.
O ex-rabino considerou que seria melhor seguir à risca o
conselho de Gamaliel. Era preferível ocultar-se, experimentar
a reprovação justa do seu passado condenável, humilhar-se ante
o juízo dos outros, por mais implacáveis que fossem, até que
os irmãos do “Caminho” lhe comprovassem plenamente a
fidelidade do testemunho.
— Conheci-o, replicou vagamente.
— Pois bem – prosseguia Áquila, iniciando a narração das suas
vicissitudes, – é bem possível que, pela tua passagem em
Damasco e Palmira, não tivesses conhecimento perfeito dos
martírios que o famoso doutor da Lei nos impôs, muitas vezes,
arbitrariamente. Talvez o próprio Saulo, segundo creio, não
pudesse saber as atrocidades cometidas pelos homens
inescrupulosos que tinha às suas ordens, porque as
perseguições foram de tal natureza que, como irmão do
“Caminho”, não posso admitir que um rabino educado pudesse
assumir a responsabilidade pessoal de tantos feitos iníquos.
Enquanto o ex-doutor procurava, em vão, uma resposta adequada,
Prisca entrava na conversa, exclamando com simplicidade:
— É claro que o rabino de Tarso não podia conhecer todos os
crimes cometidos em seu nome. O próprio Simão Pedro, na
véspera de partirmos, ocultamente, à noite, nos afirmou que
ninguém devia odiá-lo, porque, não obstante o papel que
representou na morte de Estevão, era impossível fosse o
mandante de tantas medidas odiosas e perversas.
Saulo compreendia, agora que ouvia os mais humildes, a
extensão da campanha criminosa que desencadeara, dando
ensanchas a tantos abusos de subalternos e apaniguados.
— Mas, – perguntou admirado, – sofreste tanto assim? Foste
condenado a alguma pena?
— Não foram poucos os que sofreram vexames Iguais aos que
experimentei murmurou Áquila explicando-se, – dado o
condenável procedimento de uns tantos energúmenos fanáticos,
escolhidos como auxiliares prestimosos do movimento.
— Como assim? Inquiriu Saulo sumamente interessado.
— Dar-te-ei um exemplo. Imagina que um patrício de nome
Jochal, várias vezes interpelou meu pai relativamente à
possibilidade da compra de uma padaria em Jerusalém. Eu
cuidava de minha tenda; meu velho genitor, de seus serviços.
Vivíamos felizes e, considerando nossa paz, apesar das
investidas do ambicioso, meu pai jamais pensou em alienar a
fonte dos seus recursos.
Jochaí, entretanto, logo no início das perseguições, logrou
posição de realce.
Em tais feitos, os caracteres mesquinhos sempre levam a palma.
Bastou lhe dessem um pouco de autoridade e o invejoso logo
expandiu seus criminosos desejos. É verdade que eu e Prisca
fomos dos primeiros a frequentar a igreja do “Caminho”, não só
por afinidade de sentimento, como por dever a Simão Pedro a
cura de antigos males que me vinham da infância. Meu pai, no
entanto, apesar da simpatia pelo Salvador, sempre alegava
estar bastante idoso para mudar de ideias religiosas. Aferrado
à Lei de Moisés, não podia compreender uma renovação geral de
princípios em matéria de fé. Isso, todavia, não invalidou os
instintos perversos do ambicioso. Certo dia, Jochaí nos bateu
à porta acompanhado de escolta armada, com ordem de prisão
para os três. Era inútil resistir. O doutor de Tarso lançara
um edito em que toda resistência significava morte. Lá fomos
nós para a prisão. Em vão meu pai jurou fidelidade à
Lei. Depois do interrogatório, eu e Prisca recebemos ordem de
regressar a casa, mas o velho foi encarcerado sem com paixão.
Os bens modestos foram-lhe imediatamente confiscados. Depois
de muitas providências de nossa parte, conseguimos voltasse
ele à nossa companhia e o valoroso velhinho, cujo único arrimo
era a minha dedicação filial, na sua senectude e viuvez,
expirou em nossos braços no dia imediato ao livramento por nós
ansiosamente esperado. Quando nos reveio parecia um fantasma.
Guardas caridosos trouxeram-no quase agonizante. Ainda lhe
pude ver os ossos quebrados, as feridas abertas, a epiderme
lanhada de açoites. Em palavras titubeantes, descreveu as
cenas lamentáveis do cárcere. O próprio Jochaí, rodeado de
sequazes, foi o autor dos últimos suplícios. Não podendo
resistir aos sofrimentos, entregou a alma a Deus!
Áquila estava profundamente comovido. Furtiva lágrima viera
associar-se às penosas recordações.
— E a autoridade do movimento? – perguntou Saulo emocionado ao
extremo – estaria alheia a esse crime?
— Creio que sim. A crueldade foi demasiada para que se lhe
atribuísse tão só a punição por motivos religiosos.
— Mas não te valeste de alguma petição de justiça?
— Quem se atreveria a fazê-lo? – perguntou o empregado de
Ezequias com admiração.
— Tenho amigos que chegaram a recorrer, mas pagaram com
castigos mais violentos o desejo de justiça.
O ex-rabino compreendeu a justeza dos conceitos. Somente agora
tinha bastante largueza de vistas espirituais para avaliar a
velha cegueira que lhe negrejara a alma. Áquila tinha razão.
Muitas vezes fora surdo às rogativas mais comovedoras.
Invariavelmente, mantinha as decisões mais absurdas dos seus
prepostos inconscientes. Recordava-se do próprio Jochaí, que
lhe parecia tão prestimoso nos dias de ignorância.
— E que pensas de Saulo? – perguntou bruscamente.
Longe de saber com quem permutava as ideias mais íntimas,
Áquila respondeu sem titubear:
— O Evangelho manda considerá-lo irmão extremamente
necessitado da luz de Jesus Cristo. Nunca o vi, mas, temendo
as iniquidades praticadas em Jerusalém, aqui vim parar em fuga
precipitada, e tenho orado a Deus por ele, esperando que um
raio do céu o esclareça, não tanto por mim, que nada valho,
mas por causa de Pedro, que considero um segundo pai muito
querido.
Acredito que se operariam maravilhas se a igreja do “Caminho”
pudesse trabalhar livremente. Julgo que os Apóstolos Galileus
são dignos de um campo sem espinhos para a sementeira de
Jesus.
Dirigindo-se à esposa, enquanto o moço de Tarso silenciava, o
tecelão exclamava com interesse:
— Lembras-te, Prisca, como se exorava pelo perseguidor nas
preces íntimas da igreja?
Muitas vezes, para esclarecer nosso espírito, fraco no perdão,
Pedro nos ensinava a considerar o implacável rabino como a um
irmão que as violências obscureciam. Para que nossos
ressentimentos mais vivos se desfizessem, historiava o seu
passado, dizendo que, também ele, por ignorância, chegara a
negar o Mestre, mais de uma vez. Salientava nossas fraquezas
humanas, induzia-nos a melhor compreensão. Certo dia chegou a
declarar que toda a perseguição de Saulo era útil, porque nos
levava a pensar em nossas próprias misérias, a fim de estarmos
vigilantes nas responsabilidades com Jesus.
O ex-discípulo de Gamaliel tinha os olhos úmidos.
— Sem dúvida, o famoso pescador de Cafarnaum é um dos grandes
irmãos dos infelizes, murmurou convictamente.
A palestra desviou-se para outros comentários, depois da
intervenção de Prisca nas derradeiras notas do assunto,
revelando conhecer muitas mulheres de Jerusalém, que, tendo
marido e filhos encarcerados, pediam sinceramente a Jesus pela
iluminação do célebre perseguidor do “Caminho”. Em seguida,
falaram do Evangelho.
O manto de estrelas cobriu suas grandiosas esperanças,
enquanto Saulo bebia a longos haustos a água pura da amizade
sincera, naquele novo mundo tão reduzido.
Nessas palestras carinhosas e fraternais, os dias se foram
passando rápidos. De quando em quando, chegavam de Palmira
reforços de abastecimentos e outros recursos. Os três
habitantes do oásis silencioso entrelaçavam aspirações e
pensamentos em torno do Evangelho de Jesus, o único livro de
suas meditações naquelas paragens tão remotas.
O ex-rabino modificara o próprio aspecto, ao contacto direto
das forças agressivas da Natureza. A epiderme queimada pelo
sol dava a impressão de um homem acostumado à inclemência do
deserto. A barba crescida transformara-lhe o semblante. As
mãos afeitas ao trato dos livros tornaram-se calosas e rudes.
Entretanto, a solidão, as disciplinas austeras, o tear
laborioso, lhe haviam enriquecido a alma de luz e serenidade.
Os olhos calmos e profundos atestavam os novos valores do
espírito. Entendera, finalmente, aquela paz desconhecida que
Jesus desejara aos discípulos; sabia, agora, interpretar a
dedicação de Pedro, a tranquilidade de Estevão no Instante da
morte ignominiosa, o fervor de Abigail, as virtudes morais dos
frequentadores do “Caminho”, que perseguira em Jerusalém. A
autoeducação, na ausência dos recursos da época, ensinara-lhe
à alma ansiosa o segredo sublime de se entregar ao Cristo,
para repousar em seus braços misericordiosos e invisíveis.
Desde que se consagrara ao Mestre, de alma e coração, os
remorsos, as dores, as dificuldades como que se afastaram do
seu espírito. Recebia todo trabalho como um bem, toda
necessidade como elemento de ensino. Sem esforço, afeiçoou-se
a Áquila e sua mulher, como se houvessem nascido juntos. Certa
vez, o companheiro adoeceu e esteve à morte, prostrado por
violenta febre. A situação dolorosa, a multiplicação das
tempestades de areia, abateram igualmente o ânimo de Prisca,
que se recolheu ao leito com poucas esperanças de vida. Saulo,
porém, mostrou-se de uma coragem e desvelo inauditos. Tomado
de sincera confiança em Deus, esperou a restauração da calma e
da alegria. Jubiloso, viu o regresso de Áquila ao tear e a
volta da companheira aos labores domésticos, cheios de novas
expressões de paz e confiança.
Quando mais de um ano havia corrido sobre aquela soledade, uma
caravana vinda de Palmira trazia-lhe um bilhete lacônico. O
negociante comunicava-lhe a morte súbita do irmão, aliás de há
muito esperada.
A partida de Gamaliel para os reinos da morte não deixou de
ser uma dolorosa surpresa.
O velho mestre, depois do pai, foi o maior amigo que encontrou
na vida.
Meditou seus últimos conselhos, ponderou-lhe a profunda
sabedoria. Ao seu influxo, conseguira a paz desejada para
ajustar-se à situação espiritual necessária, de maneira a
reorganizar a existência. Nesse dia, pensamentos de profunda
saudade martirizaram-lhe a alma sensível.
Á tarde, após a refeição e na hora das meditações costumeiras,
o ex-rabino contemplou o casal com ternura maior a
transparecer dos olhos francos.
Cada qual se engolfava na meditação do Evangelho Divino,
quando o moço tarsense falou com certa timidez, em desacordo
com seus gestos resolutos:
— Áquila, muita vez, na solidão do nosso trabalho, tenho
pensado na enormidade do mal que te causou o doutor de Tarso.
Que farias se um dia te visses repentinamente em face do
verdugo?
— Procuraria estimar nele um irmão.
— E tu, Prisca? Perguntou à mulher que o fixava curiosa.
— Seria ótima ocasião para testemunhar o amor que Jesus
exemplificou em suas lições divinas.
O ex-doutor da Lei recobrou a serenidade e, alteando a voz,
exclamou convictamente:
—Sempre considerei que um homem, chamado a administrar,
responde por todos os erros de seus prepostos, no que toca ao
plano geral dos serviços.
Portanto, no meu modo de pensar, não culparei tanto, a Jochaí
que se arvorou em criminoso vulgar, abusando de uma
prerrogativa que lhe foi conferida para execução de tantas
vinganças torpes.
— A quem imputarias, então, o assassínio de meu pai? Perguntou
Áquila impressionado, enquanto o amigo fazia ligeira pausa.
— Julgo que Saulo de Tarso deveria responder pelo processo. É
verdade que ele não autorizou o feito cruel, mas, tornou-se
culpado pela indiferença pessoal, quanto aos detalhes da
tarefa que competia ao seu tirocínio.
Os cônjuges entraram a meditar no motivo de tais perguntas,
enquanto o moço se calava, retraído.
Por fim, com voz humilde e comovedora, recomeçou a falar:
— Meus amigos, sob a inspiração do Senhor, é justo
confessarmo-nos uns aos outros.
Minhas mãos calejadas no trabalho, meu esforço por bem
aprender as virtudes da fé, que ambos têm exemplificado a meus
olhos, devem ser um atestado da minha renovação espiritual.
Sou Saulo de Tarso, o sanhoso perseguidor, transformado em
servo penitente. Se muito errei, hoje muito necessito. Na sua
misericórdia, Jesus rasgou a túnica miserável das minhas
ilusões. Os sofrimentos regeneradores chegaram-me ao coração,
lavando-o com lágrimas dolorosas. Perdi tudo que significava
honrarias e valores do mundo, por tomar a cruz salvadora e
seguir o Mestre na trilha da redenção espiritual. É verdade
que ainda não pude abraçar-me ao madeiro das lutas
construtivas e santificantes, mas persevero no esforço de
negar-me a mim mesmo, desprezando o passado de iniquidades
para merecer a cruz da minha ascese para Deus.
Áquila e a mulher contemplavam-no com assombro. Não duvideis
da minha palavra, continuou de olhos úmidos. Assumo a
responsabilidade dos meus tristes feitos. Perdoem-me, porém,
levando em conta a minha ignorância criminosa!...
O tecelão e a esposa compreenderam que as lágrimas lhe
sufocavam a voz. Como que tolhido por singular emoção, Saulo
começou a chorar convulsivamente. Áquila aproximou-se e
abraçou-o. Aquela atitude carinhosa parecia agravar a
contrição penosa, porque o pranto jorrou mais abundante.
Recordou o momento em que encontrara a afetividade sincera de
Ananias, e, sentindo-se ali, nos braços de um irmão, deixou
que as lágrimas lhe lavassem plenamente o coração. Sentia
necessidade de expandir sentimentos afetuosos; a velha vida de
Jerusalém era convencionalismo e secura. Como doutor
destacado, tivera muitos admiradores, mas em nenhum chegara a
sentir afinidades fraternas. Naquele recanto do deserto,
porém, o quadro era outro.
Tinha à frente um homem digno e honesto, companheiro dedicado
e trabalhador, antiga vítima das suas perseguições inflexíveis
e cruéis. Quantos, como Áquila e sua mulher, não estariam
dispersos no mundo, comendo o pão amargo do exílio por sua
causa?
Os grandes sentimentos nunca povoam a alma de uma só vez,
em sua beleza integral. A criatura envenenada no mal é qual
recipiente de vinagre, que necessita ser esvaziado pouco a
pouco. A visão de Jesus constituía um acontecimento vivo,
imorredouro, mas, para que pudesse compreender toda a
extensão dos seus novos deveres, impunha-se-lhe o caminho
estreito das provas ríspidas e amargosas. Vira o Cristo,
mas, para ir ter com Ele, era indispensável voltar atrás e
transpor abismos. As desilusões da Sinagoga de Damasco, o
reconforto junto dos irmãos humildes sob a direção de
Ananias, a falta de recursos financeiros, os conselhos
austeros de Gamaliel, o anonimato, a solidão, o abandono dos
entes mais caros, o tear pesado sob o sol ardente, a penúria
de todo e qualquer conforto material, a meditação diária nas
ilusões da vida – tudo isso representara auxílio precioso
para sua decisão vitoriosa. O Evangelho funcionara como
lâmpada na jornada difícil, para o descobrimento de si
mesmo, a fim de ajuizar as necessidades mais prementes.
Abraçando-se estreitamente ao amigo, que buscava enxugar-lhe
as lágrimas, recordava-se de que em Damasco, após a grande
visão do Messias, talvez ainda guardasse no íntimo o orgulho
de saber ensinar, o amor à cátedra de mestre em Israel, a
tendência despótica de obrigar o semelhante a pensar com ele;
ao passo que agora podia examinar o passado culposo e sentir o
júbilo da reconciliação, dirigindo-se com humildade à sua
vítima. Naquele instante, teve a impressão de que Áquila
representava a comunidade de todos os ofendidos por seus
desmandos cruéis. Serenidade branda enchia-lhe o coração.
Sentia-se mais distanciado do orgulho, do amor-próprio, das
ideias amargas, dos remorsos terríveis. Cada gota de pranto
era um pouco de fel que expungia da alma, renovando-lhe as
sensações de tranquilidade e de alívio.
— Irmão Saulo, disse o tecelão sem ocultar seu júbilo,
regozijemo-nos no Senhor, porque, como irmãos, estávamos
separados e agora nos encontramos juntos novamente. Não
falemos do passado, comentemos o poder de Jesus, que nos
transforma por seu amor.
Prisca, que também chorava, interveio com ternura:
— Se Jerusalém conhecesse esta vitória do Mestre, renderia
graças a Deus!…
Sentados os três sobre a relva rala do oásis, ao sopro do
vento que abrandava os rigores da tarde quente, irmanados na
sublimidade da fé comum, o moço tarsense narrou-lhes o sucesso
inolvidável da jornada de Damasco, revelando as profundas
transformações da sua vida.
O casal chorou de emoção e alegria ouvindo o feito da
misericórdia de Jesus, que, a seus olhos piedosos, não
representava apenas um gesto de carinho ao servo desviado, mas
uma bênção de amor para a Humanidade inteira.
Daí por diante, a tarefa lhes parecia mais leve, as
dificuldades menos penosas. Nunca mais passou um crepúsculo
sem que comentassem a dádiva gloriosa do Cristo às portas de
Damasco.
— Agora que o Mestre nos reuniu, exclamava Áquila satisfeito,
saiamos do deserto, proclamemos os favores de Jesus pelo mundo
inteiro. Eu e Prisca não temos muitas obrigações de família.
Com a morte de meu pai, estamos sós no tocante aos deveres
mais pesados e é razoável não perdermos o ensejo de auxiliar a
difusão da Boa Nova. Além das lições de Levi, temos agora a
visão de Jesus ressuscitado, para ilustrar nossa palavra.
Depois de muito tempo, às vésperas de retornarem à luta nos
grandes centros populosos, em lhes ouvindo os apelos
entusiásticos, Saulo indagou dos projetos que acalentavam.
— Desde a tua revelação, exclamou o tecelão confiante e
esperançoso, alimento um grande ideal. Parece incrível à
primeira vista, mas, antes de morrer, sonho ir a Roma e
anunciar o Cristo aos irmãos da velha Lei. Tua visão no
caminho de Damasco enche-me de coragem! Narrarei o fato aos
mais indiferentes e darei um pouco de luz aos mais insensatos.
Como servidor humilde dos homens, saberei dedicar -me aos
interesses do Salvador.
— Mas, quando pretendes partir?
— Quando o Mestre rasgar o caminho com o primeiro ensejo. Isto
posto, abandonaremos Palmira.
Depois de uma pausa em que Saulo se conservava pensativo, o
outro murmurou:
— Por que não vais conosco a Roma?
— Ah! se eu pudesse, disse o ex-rabino dando a entender o seu
desejo. Julgo que Jesus desejará ver-me, antes de tudo,
inteiramente reconciliado com quantos ofendi em Jerusalém.
Além disso preciso rever meus pais, matando as saudades do
coração.
Com efeito, depois da passagem da grande caravana que lhes
trazia os substitutos, servidos de um camelo, os três irmãos
do “Caminho” deixaram o oásis em direção a Palmira, onde a
família de Gamaliel os acolheu com desvelado carinho.
Áquila e a mulher ali ficariam algum tempo ao serviço de
Ezequias, até que pudessem realizar o formoso ideal de
trabalho na poderosa Roma dos Césares, mas Saulo de Tarso,
agora resistente como um beduíno, depois de agradecer a
generosidade do benfeitor e despedir-se dos amigos com
lágrimas nos olhos, tomou novamente o rumo de Damasco,
radicalmente transformado pelas meditações de três anos
consecutivos, passados no deserto.
Kardec e amigos
Jesus Cristo
Chico Xavier
..."Recordemos que o
Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade:
a caridade de sua própria divulgação" Emmanuel
Abigail, doente
Emmanuel e Chico Xavier
Aparição de Jesus