Chico Xavier / Emmanuel
A jornada se fez sem incidentes.
Entretanto, em sua nova soledade, o moço tarsense reconhecia
que forças invisíveis proviam-lhe a mente de grandiosas e
consoladoras inspirações. Dentro da noite cheia de estrelas,
tinha a impressão de ouvir uma voz carinhosa e sábia, a
traduzir-se por apelos de infinito amor e de infinita
esperança. Desde o instante em que se desligara da companhia
amorável de Áquila e sua mulher, quando se sentiu
absolutamente só para os grandes empreendimentos do seu novo
destino, encontrou energias interiores até então imprevistas,
por desconhecidas.
Não podia definir aquele estado espiritual, mas o caso é que
dali por diante, sob a direção de Jesus, Estevão conservava-se
a seu lado como companheiro fiel.
Aquelas exortações, aquelas vozes brandas e amigas que o
assistiram em todo o curso apostolar e atribuídas diretamente
ao Salvador, provinham do generoso mártir do “Caminho”, que o
seguiu espiritualmente durante trinta anos, renovando-lhe
constantemente as forças para execução das tarefas redentoras
do Evangelho.
Jesus quis, destarte, que a primeira vítima das perseguições
de Jerusalém ficasse para sempre irmanada ao primeiro algoz
dos prosélitos de sua doutrina de vida e redenção.
Ao invés dos sentimentos de remorso e perplexidade em face do
passado culposo; da saudade e desalento que, às vezes, lhe
ameaçavam o coração, sentia agora radiosas promessas no
espírito renovado, sem poder explicar a sagrada origem de tão
profundas esperanças.
Não obstante as singulares alterações fisionômicas que a vida,
o regime e o clima do deserto lhe produziram, entrou em
Damasco com alegria sincera na alma agora devotada,
absolutamente, ao serviço de Jesus. Com
júbilo indefinível abraçou o velho Ananias, pondo-o ao
corrente de suas edificações espirituais. O respeitável ancião
retribuiu-lhe o carinho com imensa bondade. Dessa vez, o
ex-rabino não precisou insular-se numa pensão entre
desconhecidos, porque os irmãos do “Caminho” lhe ofereceram
franca e amorosa hospitalidade. Diariamente, repetia a emoção
confortadora da primeira reunião a que comparecera, antes de
recolher-se ao deserto. A pequena assembleia fraternal
congregava-se todas as noites, trocando ideias novas sobre os
ensinamentos do Cristo, comentando os acontecimentos mundanos
à luz do Evangelho, permutando objetivos e conclusões. Saulo
foi informado de todas as novidades atinentes à doutrina,
experimentando os primeiros efeitos do choque entre os judeus
e os amigos do Cristo, a propósito da circuncisão. Seu
temperamento apaixonado percebeu a extensão da tarefa que lhe
estava reservada. Os fariseus formalistas, da sinagoga, não
mais se insurgiam contra as atividades do “Caminho”, desde que
o seguidor de Jesus fosse, antes de tudo, fiel observador dos
princípios de Moisés. Somente Ananias e alguns poucos
perceberam a sutileza dos casuístas que provocavam
deliberadamente a confusão em todos os setores, atrasando a
marcha vitoriosa da Boa Nova redentora. O ex-doutor da Lei
reconheceu que, na sua ausência, o processo de perseguição
tomara-se mais perigoso e mais imperceptível, porquanto, às
características cruéis, mas francas, do movimento inicial,
sucediam as manifestações de hipocrisia farisaica, que, a
pretexto de contemporização e benignidade, mergulhariam a
personalidade de Jesus e a grandeza de suas lições divinas em
criminoso e deliberado olvido. Coerente com as novas
disposições do foro íntimo, não pretendia voltar à sinagoga de
Damasco, para não parecer um mestre pretensioso a pugnar pela
salvação de outrem, antes de cuidar do aperfeiçoamento
próprio; mas, diante do que via e coligia com alto senso
psicológico, compreendeu que era útil arrostar todas as
consequências e demonstrar as disparidades do formalismo
farisaico com o Evangelho: o que era a circuncisão e o que era
a nova fé. Expondo a Ananias o projeto de fomentar a discussão
em torno do assunto, o velhinho generoso estimulou-lhe os
propósitos de restabelecer a verdade em seus legítimos
fundamentos.
Para esse fim, no segundo sábado de sua permanência na cidade,
o vigoroso pregador compareceu à sinagoga. Ninguém reconheceu
o rabino de Tarso na sua túnica rafada, na epiderme tostada de
sol, no rosto descarnado, no brilho mais vivo dos olhos
profundos.
Terminada a leitura e a exposição regulamentares, franqueada a
palavra aos sinceros estudiosos da religião, eis que o
desconhecido galga a tribuna dos mestres de Israel e, buscando
interessar a numerosa assistência, falou primeiramente do
caráter sagrado da Lei de Moisés, detendo-se, apaixonado, nas
promessas maravilhosas e sábias de Isaías, até que penetrou o
estudo dos profetas. Os presentes escutavam-no com profunda
atenção. Alguns se esforçavam por identificar aquela voz que
lhes não parecia estranha. A pregação vibrante suscitava
ilações de grande alcance e beleza. Imensa luz espiritual
transbordava dos raptos altiloquentes.
Foi aí que o ex-rabino, conhecendo o poder magnético já
exercido sobre o vultoso auditório, começou a falar do Messias
Nazareno comparando sua vida, feitos e ensinamentos, com os
textos que o anunciavam nas sagradas escrituras.
Quando abordava o problema da circuncisão, eis que a
assembleia rompe em furiosa gritaria.
— É ele! É o traidor! Clamavam os mais audaciosos, depois de
identificar o ex-doutor de Jerusalém. — Pedra ao blasfemo! É o
bandido da seita do “Caminho”!
Os chefes do serviço religioso, por sua vez, reconheceram o
antigo companheiro, agora considerado trânsfuga da Lei, a quem
se deviam impor castigos rudes e cruéis.
Saulo assistia à repetição da mesma cena de quando se fazia
ouvir na seleta reunião, com a presença dos levitas de Chipre.
Enfrentou impassível a situação, até que as autoridades
religiosas conseguissem acalmar os ânimos turbulentos.
Após as fases mais agudas do tumulto, o arquissinagogo,
tomando posição, determinou que o orador descesse da tribuna
para responder ao seu interrogatório.
O convertido de Damasco compreendeu de relance toda a calma de
que necessitava para sair-se com êxito daquela difícil
aventura, e obedeceu de pronto, sem protestar.
— Sois Saulo de Tarso, antigo rabino em Jerusalém? — perguntou
a autoridade com ênfase.
— Sim, pela graça do Cristo Jesus! — respondeu em tom firme e
resoluto.
— Não vem ao caso referências quaisquer ao carpinteiro de
Nazaré!
Interessa-nos, tão-só, a vossa prisão imediata, de acordo com
as instruções recebidas do Templo — explicou o judeu em
atitude solene.
— Minha prisão? — interrogou Saulo admirado.
— Sim.
— Não vos reconheço o direito de efetuá-la — esclareceu o
pregador.
Diante daquela atitude enérgica, houve um movimento de
admiração geral.
— Por que relutais? O que só vos cumpre é obedecer.
Saulo de Tarso fixou-o com decisão, explicando:
— Nego-me porque, não obstante haver modificado minha
concepção religiosa, sou doutor da Lei e, além disso, quanto à
situação política, sou cidadão romano e não posso atender a
ordens verbais de prisão.
— Mas estais preso em nome do Sinédrio.
— Onde o mandado?
A pergunta imprevista desnorteou a autoridade. Havia mais de
dois anos, chegara de Jerusalém o documento oficial, mas
ninguém podia prever aquela eventualidade. A ordem fora
arquivada cuidadosamente, mas não podia ser exibida de pronto,
como exigiam as circunstâncias.
— O pergaminho será apresentado dentro de poucas horas —
acrescentou o chefe da sinagoga um tanto indeciso.
E como a justificar-se, acrescentava:
— Desde o escândalo da vossa última pregação em Damasco, temos
ordem de Jerusalém para vos prender.
Saulo fixou-o com energia, e, voltando-se para a assembleia,
que lhe observava a coragem moral, tomada de pasmo e
admiração, disse alto e bom som:
— Varões de Israel, trouxe ao vosso coração o que possuía de
melhor, mas rejeitais a verdade trocando-a pelas formalidades
exteriores. Não vos condeno.
Lastimo-vos, porque também fui assim como vós outros.
Entretanto, chegada a minha hora, não recusei o auxílio
generoso que o céu me oferecia. Lançais-me acusações,
vituperais minhas atuais convicções religiosas; mas, qual de
vós estaria disposto a discutir comigo? Onde o sincero lutador
do campo espiritual que deseje sondar, em minha companhia, as
santas escrituras?
Profundo silêncio seguiu-se ao repto.
— Ninguém? — perguntou o ardoroso artífice da nova fé, com um
sorriso de triunfo.
Conheço-vos, porque também palmilhei esses caminhos.
Entretanto, convenhamos em que o farisaísmo nos perdeu,
atirando nossas esperanças mais sagradas num oceano de
hipocrisias. Venerais Moisés na sinagoga; tendes excessivo
cuidado com as fórmulas exteriores, mas qual a feição da vossa
vida doméstica? Quantas dores ocultais sob a túnica brilhante!
Quantas feridas dissimulais com palavras falaciosas! Como eu,
devíeis sentir imenso tédio de tantas máscaras ignóbeis! Se
fôssemos apontar os feitos criminosos que se praticam à sombra
da Lei, não teríamos açoites para castigar os culpados; nem o
número exato das maldições indispensáveis à pintura de
semelhantes abominações! Padeci de vossas úlceras,
envenenei-me, também, nas vossas trevas e venha trazer-vos o
remédio imprescindível. Recusais-me a cooperação fraterna;
entretanto, em vão recalcitrais perante os processos
regeneradores, porque somente Jesus poderá salvar-nos!
Trouxe-vos o Evangelho, ofereço-vos a porta de redenção para
nossas velhas mazelas e ainda quereis compensar meus esforços
com o cárcere e a maldição? Recuso-me a receber semelhantes
valores em troca de minha iniciativa espontânea!…
Não podereis prender-me, porque a palavra de Deus não está
algemada. Se a rejeitais, outros me compreenderão. Não é justo
abandonar-me aos vossos caprichos, quando o serviço, a fazer,
me pede dedicação e boa vontade.
Os próprios diretores da reunião pareciam dominados por forças
magnéticas, poderosas e indefiníveis.
O moço tarsense passeou o olhar dominador sobre todos os
presentes, revelando a rigidez do seu ânimo poderoso.
— Vosso silêncio fala mais que as palavras — concluiu quase
com audácia.
— Jesus não vos permite a prisão do servo humilde e fiel. Que
a sua bênção vos ilumine o espírito na verdadeira compreensão
das realidades da vida.
Assim dizendo, caminhou resoluto para a porta de saída,
enquanto o olhar assombrado da assembleia lhe acompanhava o
vulto, até que, a passo firme, desapareceu em uma das ruas
estreitas que desembocavam na grande praça.
Como se despertasse, após o audacioso desafio, a reunião
degenerou em acaloradas discussões. O arquissinagogo, que
parecia sumamente impressionado com as declarações do
ex-rabino, não ocultava a indecisão, relutando entre as
verdades amargas de Saulo e a ordem de prisão imediata.
Os companheiros mais enérgicos procuraram levantar-lhe o
espírito de autoridade. Era preciso prender o atrevido orador
a qualquer preço. Os mais decididos puseram-se à procura
imediata do pergaminho de Jerusalém e, logo que o encontraram,
resolveram pedir auxílio às autoridades civis, promovendo
diligências. Daí a três horas, todas as medidas para a prisão
do audacioso pregador estavam assentadas. Os primeiros
contingentes foram movimentados às portas da cidade. Em cada
uma postou-se pequeno grupo de fariseus, secundados por dois
soldados, a fim de burlarem qualquer tentativa de evasão.
Em seguida, iniciaram a devassa em bloco, na residência de
todas as pessoas suspeitas de simpatia e relações com os
discípulos do Nazareno.
Saulo, por sua vez, afastando-se da sinagoga, procurou
avistar-se com Ananias, ansioso da sua palavra amorosa e
conselheira.
O sábio velhinho ouviu a narração do acontecido, aprovando-lhe
as atitudes.
— Sei que o Mestre — dizia o moço por fim — condenou as
contendas e jamais andou entre os discutidores; mas, também,
jamais contemporizou com o mal. Estou pronto a reparar meu
passado de culpas. Afrontarei as incompreensões de Jerusalém,
a fim de patentear minha transformação radical.
Pedirei perdão aos ofendidos pela insensatez da minha
ignorância, mas, de modo algum poderei fugir ao ensejo de
afirmar-me sincero e verdadeiro. Acaso serviria ao Mestre,
humilhando-me diante das explorações inferiores? Jesus lutou
quanto possível e seus discípulos não poderão proceder de
outro modo.
O bondoso ancião acompanhava-lhe as palavras com sinais
afirmativos.
Depois de confortá-lo com a sua aprovação, recomendou-lhe a
maior prudência. Seria razoável afastar-se quanto antes dali,
do seu tugúrio. Os judeus de Damasco conheciam a parte que
tivera na sua cura. Por causa disso, muita vez lhes suportara
as injúrias e remoques. Certo, procurá-lo-iam, ali, para
prendê-lo. Assim, era de opinião que se recolhesse à casa da
consóror lavadeira, onde costumavam orar e estudar o
Evangelho. Ela saberia acolhê-lo com bondade.
Saulo atendeu ao conselho sem hesitar.
Daí a três horas, o velho Ananias era procurado e interpelado.
Atenta a sua conduta discreta, foi recolhido ao cárcere para
ulteriores averiguações.
O fato é que, inquirido pela autoridade religiosa, apenas
respondia:
— Saulo deve estar com Jesus.
Nos seus escrúpulos de consciência, o generoso velhinho
entendia que, desse modo, não mentia aos homens nem
comprometia um amigo fiel. Depois de preso e incomunicável 24
horas, deram-lhe liberdade após receber castigos dolorosos. A
aplicação de vinte bastonadas deixara-lhe o rosto e as mãos
gravemente feridos. Contudo, logo que se viu livre, esperou a
noite e, cautamente, encaminhou-se à choupana humilde onde se
realizavam as prédicas do “Caminho”. Reencontrando-se com o
amigo, expôs-lhe o plano que vinha remediar a situação.
— Quando criança — exclamou Ananias prazeroso — assisti à fuga
de um homem sobre os muros de Jerusalém.
E como se recapitulasse os pormenores do fato, na memória
cansada, perguntou:
— Saulo, terias medo de fugir num cesto de vime?
— Por quê? — disse o moço sorridente. — Moisés não começou a
vida num cesto sobre as águas?
O velho
achou graça na alusão e esclareceu o projeto. Não muito longe
dali, havia grandes árvores junto dos muros da cidade.
Alçariam o fugitivo num grande cesto, e depois, com
insignificantes movimentos, ele poderia descer do outro lado,
em condições de encetar a viagem para Jerusalém, conforme
pretendia. O ex-rabino experimentou imensa alegria. Na mesma
hora, a dona da casa foi buscar o concurso dos três irmãos de
mais confiança. E quando o céu se fez mais sombrio, depois das
primeiras horas da meia-noite, um pequeno grupo se reunia
junto a muralha, em ponto mais distante do centro da cidade.
Saulo beijou as mãos de Ananias, quase com lágrimas.
Despediu-se em voz baixa dos amigos, enquanto um lhe entregava
volumoso pacote de bolos de cevada. Na copa da árvore frondosa
e escura, o mais jovem esperava o sinal, O moço tarsense
entrou na sua embarcação improvisada e a evasão se deu no
âmbito silencioso da noite.
Do outro lado, saiu lesto do cesto, deixando-se empolgar por
estranhos pensamentos.
Seria justo fugir assim? Não havia cometido crime algum. Não
seria covarde deixar de comparecer perante a autoridade civil
para os esclarecimentos necessários? Ao mesmo tempo,
considerava que sua conduta não provinha de sentimentos pueris
e inferiores, pois ia a Jerusalém desassombrado, buscaria
avistar-se com os antigos companheiros, falar-lhes-ia
abertamente, concluindo que também não seria razoável
entregar-se inerme ao fanatismo tirânico da Sinagoga de
Damasco.
Aos primeiros raios de sol, o fugitivo ia longe. Levava
consigo os bolos de cevada como única provisão, e o Evangelho
presenteado por Gamaliel como lembrança de tanto tempo de
solidão e de luta.
A jornada foi assaz difícil e penosa. O cansaço obrigava-o a
paradas constantes. Mais de uma vez recorreu à caridade
alheia, no trajeto penoso.
Com auxílio de camelos, cavalos ou dromedários, a viagem de
Damasco a Jerusalém não exigia menos de uma semana de marchas
exaustivas. Saulo, porém, ia a pé. Poderia talvez valer-se do
concurso definitivo de alguma caravana, onde conseguisse os
recursos imprescindíveis, mas preferiu familiarizar a vontade
poderosa com os obstáculos mais duros. Quando a fadiga lhe
sugeria o desejo de aguardar a cooperação eventual de outrem,
buscava vencer o desânimo, punha-se novamente de pé,
apoiava-se em cajados improvisados.
Depois de suaves recordações no local em que tivera a visão
gloriosa do Messias ressuscitado, voltou a experimentar
carinhosas emoções ao penetrar na Palestina, atravessando
vagarosamente extensas regiões da Galileia. Fazia questão de
conhecer o teatro das primeiras lutas do Mestre,
identificar-se com as paisagens mais queridas, visitar
Cafarnaum e Nazaré, ouvir a palavra dos filhos da região.
Naquele tempo, já o ardoroso Apóstolo dos gentios desejava
inteirar-se de todos os fatos referentes à vida de Jesus,
ansiava por coordená- los com segurança, de maneira a legar
aos irmãos em Humanidade o melhor repositório de informações
sobre o Emissário Divino.
Quando chegou a Cafarnaum, um crepúsculo de ouro entornava
maravilhas de luz na bucólica paisagem. O ex-rabino desceu
religiosamente às margens do lago. Embebeu-se na contemplação
das águas marulhosas. Pensando em Jesus, no poder do seu amor,
chorou, dominado por singular emoção. Queria ter sido pescador
humilde para captar os ensinamentos sublimes na fonte de suas
palavras generosas e imortais.
Por dois dias ali permaneceu em suave embevecimento. Sem
revelar-se, procurou Levi, que o recebeu de boa vontade.
Mostrou-lhe sua dedicação e conhecimento do Evangelho, falou
da oportunidade de suas anotações. O filho de Alfeu alegrou-se
ao contágio daquela palavra inteligente e confortadora.
Saulo viveu em Cafarnaum horas deliciosas para o seu espírito
emotivo. Fora o local das pregações do Mestre; mais adiante, a
casinha de Simão Pedro; além, a coletoria onde o Mestre fora
chamar Levi para o desempenho de importante papel entre os
apóstolos. Abraçou homens fortes, da localidade, que tinham
sido cegos e leprosos, curados pelas mãos misericordiosas do
Messias; foi a Dalmanuta, onde conheceu Madalena. Enriqueceu o
mundo impressivo de suas observações colhendo informes
inéditos.
Daí a dias, depois de repousar em Nazaré, ei-lo às portas da
cidade santa dos israelitas, extenuado de fadiga, das
caminhadas penosas, das noites de vigília cujos sofrimentos
muita vez lhe pareceram sem-fim.
Em Jerusalém, todavia, aguardavam-no outras surpresas não
menos dolorosas.
Estava empolgado por ansiosas interrogações. Não mais tivera
notícia dos pais, dos amigos, da irmã carinhosa, dos
familiares sempre vivos na sua retentiva. Como o receberiam os
companheiros mais sinceros? Não poderia esperar amáveis
recepções do Sinédrio. O episódio de Damasco dava-lhe a
perceber o estado de ânimo dos membros do Tribunal.
Certo, fora sumariamente expulso do cenáculo mais conspícuo da
raça. Em compensação, fora admitido pelo Cristo no cenáculo
infinito das verdades eternas.
Dominado por essas reflexões, atravessou a porta da cidade,
recordando o tempo em que, numa biga veloz, saía, noutro
local, buscando a casa de Zacarias, na direção de Jope. As
reminiscências das horas mais venturosas da mocidade
encheram-lhe os olhos de pranto. Os transeuntes de Jerusalém
estavam longe de imaginar quem era aquele homem magro e
pálido, barba grande e olhos encovados, que passava
arrastando-se de fadiga.
Após grande esforço, atingiu um prédio residencial do seu
conhecimento, O coração palpitou-lhe apressado. Como simples
mendigo, bateu à porta, em ansiosa expectativa.
Um homem de semblante severo atendeu secamente.
— Podeis informar, por favor, disse com humildade, se ainda
aqui reside uma senhora chamada Dalila?
— Não, respondeu o outro, ríspido.
Aquele olhar duro não ensejava novas perguntas, mas, ainda
assim, aventurou:
— Poderíeis dizer, por obséquio, para onde se mudou?
— Ora esta, replicou o dono da casa irritadiço, dar-se-á que
tenha de prestar contas a um mendigo? Daqui a pouco o senhor
me perguntará se comprei esta casa; depois me pedirá o preço,
exigirá datas, reclamará novas informações sobre os antigos
moradores, tomará meu tempo com mil interrogações ociosas.
E, fixando em Saulo os olhos impassíveis, rematou de chofre:
— Nada sei, está ouvindo? Ponha-se na rua!
O fugitivo de Damasco voltou serenamente para a via pública,
enquanto o homenzinho dava expansão aos nervos doentes,
batendo a porta com estrondo.
O ex-discípulo de Gamaliel refletiu na realidade amarga
daquela primeira recepção simbólica. Jerusalém, certamente,
nunca mais poderia conhecê-lo.
Não obstante a impressão dolorosa, não se deixaria empolgar
pelo desânimo.
Resolveu procurar Alexandre, parente de Caifás e seu
companheiro de atividades no Sinédrio e no Templo.
Cansadíssimo, bateu-lhe à porta, com minguadas esperanças. Um
servo da casa, depois da primeira pergunta, vinha trazer-lhe a
alvissareira notícia de que o amo não se demoraria a atender.
Com efeito, daí a pouco, Alexandre recebia o desconhecido com
indisfarçável surpresa.
Satisfeito por conseguir a atenção de um velho a migo, Saulo
adiantou-se, cumprimentando-o com efusão.
O israelita ilustre não conseguiu ocultar o desapontamento e
sentenciou com alguma generosidade nas palavras:
— Amigo, a que vindes a esta casa?
— Será possível que me não reconheças? — interrogou
bem-humorado, apesar da imensa fadiga.
— Vossa fisionomia não me é de todo estranha, entretanto…
— Alexandre, exclamou por fim, prazenteiro, não te recordas
mais de Saulo?
Um grande abraço foi a resposta do amigo, que perguntava
solícito, modificando o tratamento:
— Muito bem! Até que enfim! Graças a Deus vejo que estás
curado! Não me enganei esperando que voltasses! Grande é o
poder do Deus de Moisés!
Saulo compreendeu de pronto a ambiguidade da quelas
expressões.
Sentindo dificuldade em fazer-se entendido, procurava o melhor
meio de explicar-se com êxito, enquanto o amigo prosseguia:
— Mas que aspecto é este? Olha que mais pareces um beduíno do
deserto. Dize-me: quanto tempo durou a enfermidade pertinaz?
Saulo encheu-se de coragem e acentuou:
— Mas, há engano com certeza, ou estarás mal informado, porque
nunca estive doente.
— Impossível, disse Alexandre visivelmente desapontado depois
de tantas demonstrações afetuosas. — Jerusalém anda repleta de
lendas a teu respeito. Sadoc veio até aqui, há três anos,
pedir providências enérgicas do Sinédrio para que se
esclarecesse tua situação e, depois de longos debates, levou
uma ordem de prisão contra ti. Desde essa época, lutei
desesperadamente para que se modificassem as disposições da
peça condenatória. Provei que, se havias adotado uma atitude
simpática para com a gente do “Caminho”, certo, essa decisão
obedecia a fins que não estávamos habilitados a compreender de
pronto, como, por exemplo, o de sondar melhor a extensão de
suas atividades revolucionárias.
Saulo não pôde conter-se e revidou, antes que o amigo
continuasse:
— Mas, nesse caso, seria um hipócrita refalsado e indigno do
cargo e de mim mesmo.
O outro, contrafeito, carregou o sobrolho.
— Aliás, ponderei todas as hipóteses e como não podia tomar-te
por hipócrita – acentuou Alexandre procurando emendar a mão –
consegui provar que tua atitude em Damasco provinha de
transitória demência. Não era justo pensar de outro modo,
mesmo porque, do contrário, serias também insincero, conosco,
na esfera do farisaísmo.
O ex-rabino sentiu a delicadeza do impasse. Havia renovado as
concepções religiosas, mas estava diante de um amigo. Quando
muitos o abandonavam, aquele o recebia fraternalmente. Era
necessário não magoá-lo.
Todavia, era impossível mascarar a verdade.
Sentiu os olhos úmidos. Impunha-se-lhe testemunhar o Cristo, a
qualquer preço, embora tivesse de perder as maiores afeições
do mundo.
— Alexandre, disse humildemente, é verdade que iniciei o
grande movimento de perseguição ao “Caminho”, mas, agora, é
indispensável confessar que me enganei. Os Apóstolos galileus
têm razão. Estamos no limiar de grandes transformações. Às
portas de Damasco, Jesus me apareceu na sua gloriosa
ressurreição e exortou-me ao serviço do seu Evangelho de amor.
A palavra saía-lhe tímida, lavada no desejo de não ferir as
crenças do amigo, que, não obstante, deixava transparecer
profunda decepção no rosto lívido.
— Não digas tais absurdos, exclamou irônico e sorridente,
desgraçadamente vejo que o mal continua minando-te as forças
físicas e mentais. A Sinagoga de Damasco tinha razão. Se não
te conhecesse da infância, dar-te-ia agora o título de
blasfemo e desertor.
O moço tarsense, não obstante a energia viril, estava
desapontado.
— Aliás, prosseguiu o outro, assumindo ares de protetor, desde
o início de tua viagem não concordei com o mísero cortejo que
levavas. Jonas e Demétrio são quase boçais, e Jacob vive de
caduquices. Com semelhante companhia, qualquer perturbação da
tua parte haveria de acarretar grandes desastres morais para a
nossa posição.
—No entanto, Alexandre, dizia o ex-rabino um tanto humilhado,
devo insistir na verdade. Vi com estes olhos o Messias de
Nazaré; ouvi-lhe a palavra de viva voz.
Compreendendo os erros em que vivia, na minha defeituosa
concepção da fé, demandei o deserto. Lá estive três anos em
serviço rude e longas meditações. Minha convicção não é
superficial. Creio, hoje, que Jesus é o Salvador, o Filho do
Deus Vivo.
— Pois tua enfermidade, repetia Alexandre altaneiro,
modificando diapasão da intimidade, transtornou a vida de toda
a tua família.
Envergonhados com as notícias chegadas da Síria, Jaques e
Dalila mudaram-se de Jerusalém para a Cilícia. Quando soube da
ordem de prisão lavrada pelo Sinédrio contra a tua pessoa, tua
mãe faleceu em Tarso. Teu pai, que te educou com esmero,
esperando da tua inteligência os maiores galardões de nossa
raça, vive acabrunhado e infeliz. Teus amigos, cansados de
suportar as ironias do povo, em Jerusalém, vivem esquivos e
humilhados depois de te procurarem em vão. Não te doerá a
visão deste quadro? Uma dor como esta não bastará para
refazer-te o equilíbrio mental?
O ex-doutor da Lei tinha o coração ralado de angústia. Tantos
dias ansiosos, tantas amarguras vividas no intuito de lograr
alguma compreensão e repouso junto dos seus, via, agora, era
tudo ilusão e rumaria. A família desorganizada, a mãe morta, o
pai infeliz; os amigos execravam-no; Jerusalém lançava-lhe
ironias.
Vendo-o em tal atitude, o amigo regozijava-se intimamente,
esperando ansioso o efeito de suas palavras.
Depois de concentrar-se um minuto, Saulo acentuou:
—Lamento ocorrências tão tristes e tomo a Deus por testemunha
de que não cooperei intencionalmente para isso. No entanto,
mesmo aqueles que ainda não aceitaram o Evangelho deveriam
compreender, segundo a antiga Lei, que não devemos ser
orgulhosos. Moisés, nada obstante a energia das recomendações,
ensinou a bondade. Os profetas, que lhe sucederam, foram
emissários de mensagens profundas para o nosso coração, que se
perdia na iniquidade. Amós nos concitou a buscar Jeová para
conseguirmos viver.
Lastimo que os meus afeiçoados se julguem ofendidos; mas é
preciso considerar que, antes de ouvir qualquer julgamento
ocioso do mundo, devemos buscar os juízos de Deus.
— Quer dizer que persistes nos teus erros? – perguntou
Alexandre quase hostil.
— Não me sinto enganado. Dada a incompreensão geral, comentou
o ex-rabino dignamente, também me encontro em penosa situação;
mas o Mestre não me faltará com o seu auxílio. Lembro-me dele
e experimento grande conforto. Os afetos da família e a
consideração dos amigos eram no mundo minha única riqueza.
Contudo, encontrei nas anotações de Levi o caso de um moço
rico, que me ensina a proceder nesta hora (Mateus, capítulo
19, versículos 16 a 23).
Desde a infância procurei cumprir rigorosamente meus deveres;
mas, se é preciso lançar mão da riqueza que me resta, para
alcançar a iluminação de Jesus, renunciarei à própria estima
deste mundo!…
Alexandre pareceu comover-se com o tom melancólico das últimas
palavras. Saulo dava a impressão de alguém que estivesse
prestes a chorar.
— Estás fundamente transtornado, objetou Alexandre, só um
demente poderia proceder assim.
— Gamaliel não era um louco e aceitou Jesus como o Messias
prometido, acrescentou o ex-doutor invocando a venerável
memória do grande rabino.
— Não creio, disse o outro com ar superior.
Saulo baixou a fronte silencioso. Grande a humilhação daquela
hora.
Depois de havido como demente, era tido por mentiroso. Apesar
disso, no auge da perplexidade, considerou que o amigo não
estava em condições de compreendê-lo integralmente. Refletia
na situação embaraçosa, quando Alexandre voltou a dizer:
— Infelizmente, preciso convencer-me do estado precário do teu
cérebro.
Por enquanto, poderás ficar em Jerusalém à vontade, mas será
justo não multiplicar o escândalo da tua enfermidade, com
falsos panegíricos do carpinteiro de Nazaré. A decisão do
Sinédrio, que consegui com tantos sacrifícios, poderia
modificar-se. Quanto ao mais, terminava como a despedi-lo,
sabes que continuo às tuas ordens para uma retificação
definitiva de atitudes, a qualquer tempo.
Saulo compreendeu a advertência; não era preciso dilatar a
entrevista. O amigo expulsava-o com boas maneiras.
Em dois minutos achou-se novamente na via pública. Era quase
meio-dia, um dia quente.
Sentiu sede e fome. Consultou a bolsa, estava quase vazia. Um
resto do que recebera das mãos generosas do irmão de Gamaliel,
ao deixar Palmira definitivamente. Procurou a pensão mais
modesta de uma das zonas mais pobres da cidade. Em seguida a
frugal refeição e antes que caíssem as sombras cariciosas da
tarde, encaminhou-se esperançado para o velho casarão
reformado, onde Simão Pedro e companheiros desenvolviam toda a
atividade em prol da causa de Jesus.
No trajeto, recordou-se de quando fora ouvir Estevão em
companhia de Sadoc. Como tudo, agora, se passava inversamente!
O crítico, de outrora, voltava para ser criticado. O juiz,
transformado em réu, mergulhava o coração em singulares
ansiedades. Como o receberiam na igreja do “Caminho”?
Parou à frente da habitação humilde. Pensava em Estevão,
mergulhado no passado, de alma opressa. Ante os colegas do
Sinédrio, entestando as autoridades, do judaísmo, outra era a
sua atitude. Conhecia-lhes as fraquezas peculiares. Passara
também pelas máscaras farisaicas e podia aquilatar de seus
erros clamorosos. No entanto, defrontando os Apóstolos
galileus, sagrada veneração se lhe impunha à consciência.
Aqueles homens poderiam ser rudes e simples, podiam viver
distanciados dos valores intelectuais da época, mas tinham
sido os primeiros colaboradores de Jesus. Além disso, não
poderia aproximar-se deles sem experimentar profundo remorso.
Todos haviam sofrido vexames e humilhações por sua causa.
Não fosse Gamaliel, talvez o próprio Pedro teria sido
lapidado… Precisava consolidar as noções de humildade para
manifestar seus desejos ardentes de cooperação sagrada com o
Cristo. Em Damasco, lutara na sinagoga contra a hipocrisia de
antigos companheiros; em Jerusalém, enfrentara Alexandre com
todo o desassombro; entretanto, parecia-lhe que outra deveria
ser sua atitude ali, onde tinha necessidade de renúncia para
alcançar a reconciliação com aqueles a quem havia ferido.
Assomado de profundas reflexões, bateu à porta quase trêmulo.
Um dos auxiliares do serviço interno, de nome Prócoro, veio
atender solicitamente.
— Irmão, disse o moço tarsense em tom humilde, podeis informar
se Pedro está?
— Vou saber, respondeu o interpelado, amistoso.
— Caso esteja, acrescentou Saulo algo indeciso, dizei-lhe que
Saulo de Tarso deseja falar-lhe em nome de Jesus.
Prócoro gaguejou um “sim”, com extrema palidez, fixou no
visitante os olhos assombrados e afastou-se com dificuldade,
sem dissimular a enorme surpresa. Era o perseguidor que
voltava, depois de três anos. Lembrava-se, agora, daquela
primeira discussão com Estevão, em que o grande pregador do
Evangelho sofrera tantos insultos. Em poucos momentos
alcançava a câmara onde Pedro e João confabulavam sobre os
problemas internos.
A notícia caiu entre ambos como uma bomba. Ninguém poderia
prever tal coisa. Não acreditavam na lenda que Jerusalém
enfeitava com detalhes desconhecidos, em cada comentário.
Impossível que o algoz implacável dos discípulos do Senhor
estivesse convertido à causa do seu Evangelho de amor e
redenção.
O ex-pescador do “Caminho”, antes de recambiar o portador ao
inesperado visitante, mandou chamar Tiago para resolverem os
três a decisão a tomar.
O filho de Alfeu, transformado em rígido asceta, arregalou os
olhos.
Depois das primeiras opiniões que traduziam receios justos e
emitidas precipitadamente, Simão exclamou com grande
prudência:
— Em verdade, ele nos fez o mal que pôde, entretanto, não é
por nós que devemos temer e sim pela obra do Cristo que nos
está confiada.
— Aposto em que toda essa história da conversão se resume numa
farsa, a fim de que venhamos a cair em novas ciladas, replicou
Tiago um tanto displicente.
— Por mim, disse João, peço a Jesus nos esclareça, embora me
recorde dos açoites que Saulo mandou aplicar-me no cárcere.
Antes de tudo, é indispensável saber se o Cristo, de fato, lhe
apareceu às portas de Damasco.
— Mas saber como, dizia Pedro com profunda compreensão. Nosso
material de reconhecimento é o próprio Saulo. Ele é o campo
que revelará ou não a planta sagrada do Mestre. A meu ver,
tendo a zelar um patrimônio que nos não pertence, somos
obrigados a proceder como aconselha a prudência humana. Não é
justo abrirmos as portas, quando não lhe conhecemos o intuito.
Da primeira vez que aqui esteve, Saulo de Tarso foi tratado
com o respeito que o mundo lhe consagrava. Busquei-lhe o
melhor lugar para que ouvisse a palavra de Estevão.
Infelizmente, sua atitude desrespeitosa e irônica provocou
escândalo, que culminou na prisão e morte do companheiro. Veio
espontaneamente e voltou para prender-nos. Ao carinho
fraternal, que lhe oferecemos, retribuiu com algemas e cordas.
Assim me externando, também não devo esquecer a lição do
Mestre, relativamente ao perdão, e por isso reafirmo que não
penso por nós, mas pelas responsabilidades que nos foram
conferidas.
Ante considerações tão justas, os outros calaram, enquanto o
ex-pescador acrescentava:
— Por conseguinte, não me é permitido recebê-lo nesta casa,
sem maior exame, ainda que me não falte sincera boa vontade
para isso. Resolvendo o assunto por essa forma, convocarei uma
reunião para hoje à noite. O assunto é muito grave. Saulo de
Tarso foi o primeiro perseguidor do Evangelho. Quero que todos
cooperem comigo nas decisões a tomar, pois, de mim mesmo, não
quero parecer nem injusto, nem imprevidente.
E depois de longa pausa, dizia para o emissário:
— Vai, Prócoro. Dize-lhe que volte depois, que não posso
deixar os quefazeres mais urgentes.
— E se ele insistir, perguntou o diácono preocupado.
— Se ele de fato aqui vem em nome de Jesus, saberá compreender
e esperar.
Saulo aguardava ansiosamente o mensageiro. Era-lhe preciso
encontrar alguém que o entendesse e lhe sentisse a
transformação. Estava exausto. A igreja do “Caminho” era a
derradeira esperança.
Prócoro transmitiu-lhe o recado com grande indecisão. Não era
preciso mais para que tudo compreendesse. Os Apóstolos
galileus não acreditavam na sua palavra. Agora examinava a
situação com mais clareza. Percebia a indefinível e grandiosa
misericórdia do Cristo visitando-o, inesperadamente, no auge
do seu abismo espiritual às portas de Damasco.
Pelas dificuldades para ir ter com Jesus, avaliava quanta
bondade e compaixão seriam necessárias para que o Mestre o
acolhesse, endereçando-lhe sagradas exortações, no encontro
inesquecível.
O diácono fixou-o com simpatia. Saulo recebera a resposta
altamente desapontado.
Ficou pálido e trêmulo, como que envergonhado de si mesmo.
Além disso, tinha aspecto doentio, olhos encovados, era pele e
osso.
— Compreendo irmão, disse de olhos molhados, Pedro tem motivos
justos..
Aquelas palavras comoveram a Prócoro no mais íntimo da alma e,
evidenciando seu bom desejo de ampará-lo, exclamou a
demonstrar perfeito conhecimento dos fatos:
— Não trazeis de Damasco alguma apresentação de Ananias?
— Já tenho comigo as do Mestre.
— Como assim? — perguntou o diácono admirado.
— Jesus disse em Damasco, falou o visitante com serenidade,
que mostraria quanto me compete sofrer por amor ao seu nome.
Intimamente, o ex-doutor da Lei sentia imensa saudade dos
irmãos de Damasco, que o haviam tratado com a maior
simplicidade. Entretanto, considerou, simultaneamente, que
semelhante proceder era justo, porquanto dera provas na
sinagoga e junto de Ananias, de que sua atitude n ão
comportava simulação. Ao refletir que Jerusalém o recebia, em
toda parte, como vulgar mentiroso, sentiu lágrimas quentes lhe
afluírem aos olhos. Mas, para que o outro não lhe visse a
sensibilidade ferida, exclamou justificando-se:
— Tenho os olhos cansados pelo sol do deserto! Podereis
fornecer me um pouco de água fresca?
O diácono atendeu prontamente.
Daí a instantes, Saulo mergulhava as mãos num grande jarro,
lavando os olhos em água pura.
— Voltarei depois, disse em seguida, estendendo a mão ao
auxiliar dos apóstolos, que se afastou impressionado.
Amargando a fraqueza orgânica, o cansaço, o abandono dos
amigos, as desilusões mais acerbas, o moço de Tarso retirou-se
cambaleante. À noite, consoante deliberara, Simão Pedro,
evidenciando admirável bom-senso, reuniu os companheiros de
mais responsabilidade para considerar o assunto. Além dos
Apóstolos galileus, estavam presentes os irmãos Nicanor,
Prócoro, Parmenas, Timon, Nicolau e Barnabé, este último
incorporado ao grupo de auxiliares mais diretos da igreja, por
suas elevadas qualidades de coração.
Com permissão de Pedro, Tiago iniciou as conversações,
manifestando-se contrário a qualquer espécie de auxílio
imediato ao convertido da última hora.
João ponderou que Jesus tinha poder para transformar os
espíritos mais perversos, como para levantar os mais
infortunados da sorte. Prócoro relatou suas impressões a
respeito do pertinaz perseguidor do Evangelho, ressaltando a
compaixão que seu estado de saúde despertava nos corações mais
insensíveis. Chegada a sua vez, Barnabé esclareceu que, ainda
em Chipre, antes de transferir-se definitivamente para
Jerusalém, ouvira alguns levitas descreverem a coragem com que
o convertido falara na Sinagoga de Damasco, logo após a visão
de Jesus.
O ex-pescador de Cafarnaum solicitou pormenores do
companheiro, impressionado com a sua opinião. Barnabé explicou
quanto sabia, manifestando o desejo de que resolvessem a
questão com a maior benevolência.
Nicolau, percebendo a atmosfera de boa vontade que se formava
em torno da figura do ex-rabino, objetava com a sua rigidez de
princípios:
— Convenhamos que não é justo esquecer os aleijados que se
encontram nesta casa, vítimas da odiosa truculência dos
asseclas de Saulo. É das escrituras que se exija cuidado com
os lobos que penetram no redil sob a pele das ovelhas. O
doutor da Lei, que nos fez tanto mal, sempre deu preferência
às grandes expressões espetaculares contra o Evangelho, no
Sinédrio. Quem sabe nos prepara atualmente nova armadilha de
grande efeito?
A tal pergunta, o bondoso Barnabé curvou a fronte, em
silêncio. Pedro notou que a reunião se dividia em dois grupos.
De um lado estavam ele e João chefiando os pareceres
favoráveis; do outro, Tiago e Filipe encabeçavam o movimento
contrário. Acolhendo a admoestação de Nicolau, exprimiu-se com
brandura:
— Amigos, antes da enunciação de qualquer ponto de vista
pessoal, conviria refletirmos na bondade infinita do Mestre.
Nos trabalhos de minha vida, anteriores ao Pentecostes,
confesso que as faltas de toda sorte aparecem no meu caminho
de homem frágil e pecador.
Não hesitava em apedrejar os mais infelizes e cheguei, mesmo,
a advertir o Cristo para fazê-lo! Como sabeis, fui dos que
negaram o Senhor na hora extrema. Entretanto, depois que nos
chegou o conhecimento pela inspiração celeste, não será justo
olvidarmos o Cristo em qualquer iniciativa. Precisamos pensar
que, se Saulo de Tarso procura valer-se de semelhantes
expedientes para desferir novos golpes nos servidores do
Evangelho, então ele é ainda mais desgraçado que antes, quando
nos atormentava abertamente. Sendo, pois, um necessitado, de
qualquer modo não vejo razões para lhe recusarmos mãos
fraternas.
Percebendo que Tiago preparava-se para defender o parecer de
Nicolau, Simão Pedro continuou, depois de ligeira pausa: Nosso
irmão acaba de referir-se ao símbolo do lobo que surge no
redil com a pele das ovelhas generosas e humildes. Concordo
com essa expressão de zelo. Também eu não pude acolher Saulo,
quando hoje nos bateu à porta, atento à responsabilidade que
me foi confiada.
Nada quis decidir sem o vosso concurso, O Mestre nos ensinou
que nenhuma obra útil se poderá fazer na Terra sem a
cooperação fraternal. Mas, aproveitando o parecer enunciado,
examinemos, com sinceridade, o problema imprevisto. Em
verdade, Jesus recomendou nos acautelássemos contra o fermento
dos fariseus, esclarecendo que o discípulo deverá possuir
consigo a doçura das pombas e a prudência das serpentes.
Convenhamos em que, de fato, Saulo de Tarso possa ser o lobo
simbólico. Ainda aí, após esse conhecimento hipotético,
teríamos profunda questão a resolver. Se estamos numa tarefa
de paz e de amor, que fazer com o lobo, depois da necessária
identificação? Matar? Sabemos que isso não entra em nossa
linha de conta.
Não seria mais razoável refletir nas possibilidades da
domesticação?
Conhecemos homens rudes que conseguem dominar cães ferozes.
Onde estaria, pois, o espírito que Jesus nos legou como
sagrado patrimônio, se por temores mesquinhos deixássemos de
praticar o bem?
A palavra concisa do Apóstolo tivera efeito singular. O
próprio Tiago parecia desapontado pelas anteriores re flexões.
Em vão Nicolau procurou argumentos novos para formular outras
objeções. Observando o pesado silêncio que se fizera, Pedro
sentenciou serenamente:
— Desse modo, amigos, proponho convidarmos Barnabé para
visitar pessoalmente o doutor de Tarso, em nome desta casa.
Ele e Saulo não se conhecem, valorizando-se melhor semelhante
oportunidade, porque, ao vê-lo, o moço tarsense nada terá que
recordar do seu passado em Jerusalém. Se fosse visitado, pela
primeira vez, por um de nós, talvez se perturbasse, julgando
nossas palavras como de alguém que lhe fosse pedir contas.
João aplaudiu a ideia calorosamente. Em face do bom -senso que
as expressões de Pedro revelavam, Tiago e Filipe mostravam-se
satisfeitos e tranquilos. Combinou-se a diligência de Barnabé
para o dia seguinte.
Aguardariam Saulo de Tarso com interesse. Se, de fato, sua
conversão fosse real, tanto melhor.
O diácono de Chipre destacava-se por sua grande bondade. Sua
expressão carinhosa e humilde, seu espírito conciliador,
contribuíam, na igreja, para a solução pacífica de todos os
assuntos.
Com um sorriso generoso, Barnabé abraçou o ex-rabino, pela
manhã, na pensão em que ele se hospedara. Nenhum traço da sua
nova personalidade indiciava aquele perseguidor famoso, que
fizera Simão Pedro decidir a convocação dos amigos para
resolver o seu acolhimento. O ex-doutor da Lei era todo
humildade e estava doente. Indisfarçável fadiga
transparecia-lhe nos mínimos gestos. A fisionomia não iludia
um grande sofrimento. Correspondia às palavras afetuosas do
visitante com um sorriso triste e acanhado. Via-se-lhe,
entretanto, a satisfação que a visita lhe causava, O gesto
espontâneo de Barnabé sensibilizava-o. A seu pedido, Saulo
contou-lhe a viagem a Damasco e a gloriosa visão do Mestre,
que constituía o marco inolvidável da sua vida, O ouvinte não
dissimulou simpatias.
Em poucas horas sentia-se tão identificado com o novo amigo,
quais se fossem conhecidos de longos anos. Após a conversação,
Barnabé pretextou qualquer coisa para dirigir-se ao dono da
hospedaria, a quem pagou as despesas da hospedagem. Em
seguida, convidou-o a acompanhá-lo à igreja do “Caminho”.
Saulo não deixou de hesitar, enquanto o outro insistia.
— Receio, disse o moço tarsense um tanto indeciso, pois já
ofendi muito a Simão Pedro e demais companheiros. Só por
acréscimo de misericórdia do Cristo consegui uma réstia de
luz, para não perder totalmente meus dias.
— Ora essa, exclamou Barnabé, batendo-lhe no ombro com
bonomia, quem não terá errado na vida? Se Jesus nos tem valido
a todos, não é porque o mereçamos, mas pela necessidade de
nossa condição de pecadores.
Em poucos minutos, encontravam-se a caminho, notando o
emissário de Pedro o penoso estado de saúde do antigo rabino.
Muito pálido e abatido, parecia caminhar com esforço;
tremiam-lhe as mãos, sentia-se febril. Deixava-se levar como
alguém que conhecesse a necessidade de amparo. Sua humildade
comovia o outro, que, a seu respeito, ouvira tantas
referências desairosas.
Chegados a casa, Prócoro lhes abriu a porta, mas, desta vez,
Saulo não ficaria a esperar indefinidamente. Barnabé tomou-lhe
a mão, afetuoso, e dirigiram-se para o vasto salão, onde Pedro
e Timon os esperavam. Saudaram-se em nome de Jesus. O antigo
perseguidor empalidecera mais. Por sua vez, ao vê-lo, Simão
não ocultou um movimento de espanto ao notar-lhe a diferença
física.
Aqueles olhos encovados, a extrema fraqueza orgânica, falavam
aos Apóstolos galileus de profundos sofrimentos.
— Irmão Saulo, disse Pedro comovido, Jesus quer que sejas
bem-vindo a esta casa.
— Assim seja, respondeu o recém-chegado, de olhos úmidos.
Timon abraçou-o com palavras afetuosas, em lugar de João que
se ausentara ao amanhecer, a serviço da confraria de Jope.
Em breves momentos, vencendo o constrangimento do primeiro
contacto com os amigos do Mestre, depois de tão longa
ausência, o moço tarsense, atendendo-lhes ao pedido, relatava
a jornada de Damasco com todos os pormenores do grande
acontecimento, evidenciando singular emotividade nas lágrimas
que lhe banhavam o rosto. Sensibilizara-se, sobremaneira, ao
relembrar tamanhas graças. Pedro e Timon já não tinham
dúvidas. A visão do ex-rabino tinha sido real. Ambos, em
companhia de Barnabé, seguiram a descrição até ao fim, com
olhos cheios de pranto. Efetivamente, o Mestre voltara, a fim
de converter o grande perseguidor da sua doutrina.
Requisitando Saulo de Tarso para o redil do seu amor,
revelara, mais uma vez, a lição imortal do perdão e da
misericórdia.
Terminada a narrativa, o ex-doutor da Lei estava cansado e
abatido.
Instado a explanar suas novas esperanças, seus projetos de
trabalho espiritual, bem como o que pretendia fazer em
Jerusalém, confessou-se desde logo profundamente reconhecido
por tanto interesse afetuoso e falou com certa timidez:
— Necessito entrar numa fase ativa de trabalho com que possa
desfazer meu passado culposo. É verdade que fiz todo o mal à
igreja de Jesus, em Jerusalém; mas, se a misericórdia de Jesus
dilatar minha permanência no mundo, empregarei o tempo em
estender esta casa de amor e paz a outros lugares da Terra.
— Sim, replicou Simão ponderadamente, certo que o Messias
renovará tuas forças, de modo a poderes atender a tão nobre
cometimento, na época oportuna.
Saulo parecia confortar-se com a palavra de encorajamento;
deixando perceber que desejava consolidar a confiança dos
ouvintes, arrancou das dobras da túnica rafada um rolo de
pergaminhos e, apresentando-o ao ex-pescador de Cafarnaum,
disse sensibilizado: Aqui está uma relíquia da amizade de
Gamaliel, que trago invariavelmente comigo.
Pouco antes de morrer, ele deu-me a cópia das anotações de
Levi, concernentes à vida e feitos do Salvador. Tinha em
grande conta estas notas, porque as recebeu desta casa, na
primeira visita que lhe fez.
Simão Pedro, evocando gratas recordações, tomou os pergaminhos
com vivo interesse. Saulo verificava que o presente de
Gamaliel tivera a finalidade prevista pelo generoso doador.
Desde esse instante, os olhos do antigo pescador fixaram-se
nele com mais confiança. Pedro falou da bondade do generoso
rabino, informando-se da sua vida em Palmira; dos seus últimos
dias, do seu traspasse. O discípulo atendia satisfeito.
Voltando ao assunto das suas novas perspectivas, explicou-se
mais amplamente, sempre humilde:
— Tenho muitos planos de trabalho para o futuro, mas, sinto-me
combalido e doente. O esforço da última viagem, sem recursos
de qualquer natureza, agravou-me a saúde. Sinto-me febril, o
corpo dolorido, a alma exausta.
— Tens falta de dinheiro? — interrogou Simão bondosamente.
— Sim… – respondeu hesitante.
— Essas necessidades – esclareceu Pedro – já foram providas em
parte.
Não te preocupes em demasia. Recomendei a Barnabé que pagasse
as primeiras despesas da hospedaria e, quanto ao mais,
convidamos-te a repousar conosco o tempo que quiseres. Esta
casa é também tua. Usa de nossas possibilidades como te
aprouver.
O hóspede sensibilizou-se. Recordando o passado, sentia-se
ferido no seu amor-próprio; mas, ao mesmo tempo, rogava a
Jesus o auxiliasse para não desprezar as oportunidades de
aprendizado.
— Aceito… – respondeu em voz reticenciosa, revelando
acanhamento, – ficarei convosco enquanto minha saúde
necessitar de tratamento…
E como se tivesse extrema dificuldade em acrescentar um pedido
ao favor que aceitava, depois de longa pausa em que se lhe
notava o esforço para falar, solicitou comovedoramente:
—Caso fosse possível, desejaria ocupar o mesmo leito em que
Estevão foi recolhido, generosamente, nesta casa.
Barnabé e Pedro ficaram altamente emocionados. Todos haviam
combinado não fazer alusão ao pregador massacrado sob apupos e
pedradas.
Não queriam relembrar o passado perante o convertido de
Damasco, ainda mesmo que sua atitude não fosse essencialmente
sincera.
Ouvindo-o, o antigo pescador de Cafarnaum chegou quase a
chorar. Com extrema dedicação, satisfez-lhe o pedido e, assim,
foi ele conduzido ao interior, onde se acomodou entre lençóis
muito alvos. Pedro fez mais: compreendendo a profunda
significação daquele desejo, trouxe ao convertido de Damasco
os singelos pergaminhos que o mártir utilizava diariamente no
estudo e meditação da Lei, dos Profetas e do Evangelho. Apesar
da febre, Saulo regozijou-se.
Tomado de profunda comoção, nas passagens prediletas dos
pergaminhos sagrados, leu o nome de “Abigail”, grafado
diversas vezes. Ali estavam frases peculiares à dialética da
noiva amada, datas que coincidiam, perfeitamente, com as suas
revelações íntimas, quando ambos se entretinham a falar do
passado, no pomar de Zacarias. A palavra “Corinto” era
repetida muitas vezes.
Aqueles documentos pareciam ter uma voz. Falavam-lhe ao
coração, de um grande e santo amor fraternal. Ouvia-a em
silêncio e guardou as conclusões avaramente. Não revelaria a
ninguém suas íntimas dores. Bastavam aos outros os grandes
erros da sua vida pública, os remorsos, as retificações que,
apesar de verificadas em campo aberto, raros amigos conseguiam
compreender.
Observando-lhe a atitude de constante meditação, Pedro
desdobrou-se na tarefa de assistência fraternal. Eram as
palavras amigas, os comentários acerca do poder de Jesus, os
caldos suculentos, as frutas substanciosas, a palavra de bom
ânimo. Por tudo isso, sensibilizava-se o doente, sem saber
como traduzir sua gratidão imperecível.
Entretanto, notou que Tiago, filho de Alfeu, receoso, talvez,
dos seus antecedentes, não se dignava dirigir-lhe uma palavra.
Arvorado em rígido cumpridor da Lei de Moisés, dentro da
igreja do “Caminho”, era percebido, de vez em quando, pelo
moço tarsense, qual sombra impassível a deslizar, balbuciando
preces silenciosas, entre os enfermos. A princípio, sentiu
quanto lhe doía aquele desinteresse; mas logo considerou a
necessidade de humilhar-se diante de todos. Nada fizera,
ainda, que pudesse positivar suas novas convicções.
Quando dominava no Sinédrio, também não perdoava as adesões de
última hora.
Logo que entrou a convalescer, já plenamente identificado com
a afeição de Pedro, pediu-lhe conselhos sobre os planos que
tinha em mente, encarecendo a máxima franqueza, para que
pudesse enfrentar a situação, por mais duras que lhe fossem as
circunstâncias.
— De minha parte – disse o Apóstolo ponderadamente – não me
parece razoável permaneceres em Jerusalém, por enquanto, neste
período de renovação. Para falar com sinceridade, há que
considerar teu novo estado d'alma como a planta preciosa que
começa a germinar. É necessário dar liberdade ao germe divino
da fé. Na hipótese da tua permanência aqui, encontrarias,
diariamente, de um lado os sacerdotes intransigentes em guerra
contra o teu coração; e de outro, as pessoas incompreensíveis,
que falam nas extremas dificuldades do perdão, embora
conheçam, de sobra, as lições do Mestre nesse sentido. Não
deves ignorar que a perseguição aos simpatizantes do “Caminho”
deixou traços muito profundos na alma popular. Não raro, aqui
chegam pessoas mutiladas, que amaldiçoam o movimento. Isso
para nós, Saulo, está num passado que jamais voltará; contudo,
essas criaturas não o poderão compreender assim, de pronto. Em
Jerusalém estarias mal colocado.
O germe de tuas novas convicções encontraria mil elementos
hostis e talvez ficasses à mercê da exasperação.
O rapaz ouviu as advertências ralado de angústia, sem
protestar. O Apóstolo tinha razão.
Em toda a cidade encontraria críticas soezes e destruidoras.
— Voltarei a Tarso… – disse com humildade, – é possível que
meu velho pai compreenda a situação e ajude meus passos. Sei
que Jesus abençoará meus esforços. Se é preciso recomeçar a
existência, recomeçá-la-ei no lar de onde provim…
Simão contemplou-o com ternura, admirado daquela transformação
espiritual.
Diariamente, ambos reatavam as palestras amistosas. O
convertido de Damasco, inteligência fulgurante, revelava
curiosidade insaciável a respeito da personalidade do Cristo,
dos seus mínimos feitos e mais sutis ensinamentos.
Kardec e amigos
Jesus Cristo
Chico Xavier
..."Recordemos que o
Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade:
a caridade de sua própria divulgação" Emmanuel
Abigail, doente
Emmanuel e Chico Xavier
Aparição de Jesus