Chico Xavier / Emmanuel
Obedecendo às
recomendações de Tiago, Paulo de Tarso hospedou-se em casa de
Mnason, antes de qualquer entendimento com a igreja. O
Apóstolo Galileu prometeu visitá-lo na mesma noite.
Pressentindo acontecimentos de importância naquela fase de sua
existência, o ex-rabino aproveitou o dia traçando planos de
trabalho para os discípulos mais diretos.
À noite, quando espesso manto de sombras envolvia a cidade,
Tiago apareceu, cumprimentando o companheiro em atitude muito
humilde. Também ele estava envelhecido, exausto, doente. O
convertido de Damasco, ao contrário de outras vezes,
experimentou extrema simpatia pela sua pessoa, que parecia
inteiramente modificada pelos reveses e tribulações da vida.
Trocadas as primeiras impressões relativamente às viagens e
feitos evangélicos, o companheiro de Simão Pedro pediu ao
ex-rabino lhe marcasse lugar e hora em que pudessem falar mais
intimamente.
Paulo atendeu de pronto, seguindo ambos para um aposento
particular.
O filho de Alfeu começou explicando o motivo de suas graves
apreensões.
Havia mais de um ano que os rabinos Eleaquim e Enoch
deliberaram reviver os processos de perseguições iniciados por
ele, Paulo, quando da sua movimentada gestão no Sinédrio.
Alegaram que o antigo doutor incidira nos sortilégios e
feitiçarias da espúria grei, comprometendo a causa do
judaísmo, e não era justo continuar tolerando a situação, tão
somente porque o doutor tarsense perdera a razão, no caminho
de Damasco. A iniciativa ganhara enorme popularidade nos
círculos religiosos de Jerusalém e o maior instituto
legislativo da raça, o Sinédrio, aprovou as medidas propostas.
Reconhecendo que a obra evangelizadora de Paulo produzia
maravilhosos frutos de esperança em toda a parte, conforme as
notícias incessantes, de todas as sinagogas das regiões por
ele percorridas, o grande Tribunal começou por decretar a
prisão do Apóstolo dos gentios. Numerosos processos de
perseguição individual, deixados a meio por Paulo de Tarso,
quando de sua inesperada conversão, foram restaurados e, o que
era mais grave, quando falecidos os réus, era a pena aplicada
aos descendentes, que, assim, eram torturados, humilhados,
desonrados!
O ex-rabino tudo ouvia calado, estupefato.
Tiago prosseguia, esclarecendo que tudo fizera por atenuar os
rigores da situação.
Mobilizara influências políticas ao seu alcance, conseguindo
atenuar umas tantas sentenças mais iníquas. Não obstante o
banimento de Pedro procurou manter os serviços de assistência
aos desvalidos, bem como a colônia de serviço, fundada por
inspiração do convertido de Damasco e na qual os
convalescentes e desamparados encontravam precioso ambiente de
atividade remunerada e pacífica. Depois de vários
entendimentos com o Sinédrio, por intermédio de amigos
influentes no judaísmo, teve a satisfação de abrandar o rigor
das exigências a serem aplicadas no caso dele, Paulo. O
ex-doutor de Tarso ficaria com liberdade de agir, poderia
continuar propugnando suas convicções íntimas; daria, porém,
uma satisfação pública aos preconceitos de raça, atendendo aos
quesitos que o Sinédrio lhe apresentaria por intermédio de
Tiago, que se mostrava seu amigo. O companheiro de Simão Pedro
explicava que as exigências eram muito rigorosas a princípio,
mas agora, mercê de enormes esforços, cingiam-se a uma
obrigação de somenos.
Paulo de Tarso escutava-o extremamente sensibilizado. Dono de
luminoso cabedal evangélico, entendia chegado o momento de
testemunhar seu devotamento ao Mestre, justamente através do
mesmo órgão de perseguição que a sua ignorância engendrara em
outros tempos. Naqueles minutos rápidos, sutilizou a mnemônica
e lobrigou os quadros terríveis de outrora... Velhos
torturados em sua presença, para sentir o prazer da apostasia
cristã, com a repetição do voto de fidelidade eterna a Moisés;
mães de família arrancadas de seus lares obscuros, obrigadas a
jurar pela Antiga Lei, que renegavam o carpinteiro de Nazaré,
abominando a cruz do seu martírio e ignomínia. Os soluços
daquelas mulheres humildes, que abjuravam da fé porque se viam
feridas no que possuíam de mais nobre, o instinto maternal,
chegavam, agora, a seus ouvidos como brados de angústia,
clamando resgates dolorosos. Todas as cenas antigas
desdobravam-se-lhe na retina espiritual, sem omissão do mais
insignificante por menor. Moços robustos, arrimos de famílias
numerosas, que saíam mutilados do cárcere; jovens que pediam
vingança, crianças que reclamavam os pais encarcerados.
Entestando as revocações encapeladas, passou ao quadro da
morte horrível de Estevão com as pedradas e insultos do povo;
reviu Pedro e João abatidos e humildes, à barra do Tribunal,
como se fossem malfeitores e criminosos. Agora, ali estava ele
perante o filho de Alfeu, que nunca o compreendera de forma
integral, a falar-lhe em nome do passado e em nome do Cristo,
como a concitá-lo ao resgate de suas derradeiras dívidas
angustiosas.
Paulo de Tarso sentiu que uma lágrima lhe apontava nos olhos,
sem chegar a cair. Que espécie de tortura lhe estaria
reservada? Quais as determinações da autoridade religiosa a
que Tiago se referia com evidente interesse?
Quando o companheiro de Simão fez uma pausa mais longa, o
ex-rabino perguntou muito comovido:
— Que pretendem eles de mim?
O filho de Alfeu fixou nele os olhos serenos e explicou:
— Depois de muito relutarem, os israelitas congregados em
nossa igreja vão pedir-te, apenas, que pagues as despesas de
quatro homens pobres, que fizeram voto de nazireu,
comparecendo com eles no templo, durante sete dias
consecutivos, para que todo o povo possa ver que continuas bom
judeu e leal filho de Abraão... À primeira vista, a
demonstração poderá parecer pueril, entretanto, colima, como
vês, satisfazer a vaidade farisaica.
O ex-rabino fez um gesto muito seu, quando contrariado, e
replicou:
— Pensei que o Sinédrio ia exigir minha morte!... Tiago
compreendeu quanto de repugnância transbordava de semelhante
observação e objetou:
— Bem sei que isso te repugna e, contudo, insisto para que
acedas, não por nós, propriamente, mas pela igreja e pelos que
de futuro nos hajam de secundar.
— Isso – obtemperou Paulo, com enorme desencanto – não
representa nobreza alguma. Essa exigência é uma ironia
profunda e visa reduzir-nos a crianças, de tão fútil que é.
Não é perseguição, é humilhação; é o desejo de exibir homens
conscientes como se fossem meninos volúveis e ignorantes...
Tiago, porém, tomando uma atitude carinhosa que o ex-rabino
jamais lhe surpreendera em quaisquer circunstâncias da vida,
falou com extrema ternura fraternal, revelando-se ao
companheiro surpreendido, por outro prisma:
Sim, Paulo, compreendo tua justa aversão. O Sinédrio, com
isso, pretende achincalhar nossas convicções. Sei que a
tortura na praça pública te doeria menos; entretanto, supões
que isso não represente, para mim uma dor de muitos anos?...
Acreditarias, acaso, que minhas atitudes nascessem de um
fanatismo inconsciente e criminoso? Compreendi, muito cedo,
desde a primeira perseguição, que a tarefa de harmonização da
igreja, com os judeus, estava mais particularmente em minhas
mãos. Como sabes, o farisaísmo sempre viveu numa exuberante
ostentação de hipocrisia; mas, convenhamos, também, que é o
partido dominante, tradicional, das nossas autoridades
religiosas.
Desde o primeiro dia, tenho sido obrigado a caminhar com os
fariseus muitas milhas para conseguir alguma coisa na
manutenção da igreja do Cristo.
Fingimento? Não julgues tal. Muitas vezes o Mestre nos
ensinou, na Galileia, que o melhor testemunho está em morrer
devagarzinho, diariamente, pela vitória da sua causa; por isso
mesmo, afiançava que Deus não deseja a morte do pecador,
porque é na extinção de nossos caprichos de cada dia que
encontramos a escada luminosa para ascender ao seu infinito
amor. A atenção que tenho dedicado aos judeus é gêmea do
carinho que consagras aos gentios. A cada um de nós confiou
Jesus uma tarefa diferente na forma, mas idêntica no fundo. Se
muitas vezes tenho provocado falsas interpretações das minhas
atitudes, tudo isso é mágoa para meu Espírito habituado à
simplicidade do ambiente Galileu. De que nos valeria o
conflito destruidor, quando temos grandiosos deveres a cuidar?
Importa-nos saber morrer, para que nossas ideias se transmitam
e floresçam nos outros. As lutas pessoais, ao contrário,
estiolam as melhores esperanças. Criar separações e proclamar
seus prejuízos, dentro da igreja do Cristo, não seria
exterminarmos a planta sagrada do Evangelho por nossas
próprias mãos?
A palavra de Tiago toava imantada de bondade e sabedoria e
valia por consoladora revelação. Os Galileus eram muito mais
sábios que qualquer dos rabinos mais cultos de Jerusalém. Ele,
que chegara ao mundo religioso através de escolas famosas, que
tivera sempre na mocidade, a inspiração de um Gamaliel,
admirava agora aqueles homens aparentemente rústicos, vindos
das choupanas de pesca, que, em Jerusalém, alcançavam
inesquecíveis vitórias intelectuais, somente porque sabiam
calar quando oportuno, aliando à experiência da vida uma
enorme expressão de bondade e renúncia, à feição do Divino
Mestre.
O convertido de Damasco entreviu o filho de Alfeu por um novo
prisma.
Seus cabelos grisalhos, o rugoso e macilento rosto, falavam de
trabalhos árduos e incessantes. Agora, percebia que a vida
exige mais compreensão que conhecimento. Presumia conhecer o
Apóstolo Galileu com o seu cabedal psicológico, e, no entanto,
chegava à conclusão de que apenas naquele instante pudera
compreendê-lo no título que lhe competia.
Quando o companheiro de Simão Pedro fez uma pausa mais longa,
Paulo de Tarso contemplou-o com imensa simpatia e falou
comovidamente:
— Vejo que tens razão, mas a exigência requer dinheiro. Quanto
terei de pagar pela sentença? Segregado e distante do judaísmo
há muitos anos, ignoro se os cerimoniais sofreram alterações
apreciáveis.
— Os preceitos são os mesmos, – respondeu Tiago, – já que
serás obrigado a te purificares com eles e, segundo as
tradições, custearás a compra de quinze ovelhas, além dos
comestíveis preceituais.
— É um absurdo! – objetou o Apóstolo dos gentios.
— Como sabes, a autoridade religiosa exige de cada nazireu
(consagrado) três animais para os serviços da consagração.
— Dura exigência – disse Paulo comovido.
— No entanto, – replicou Tiago, com um sorriso, – nossa paz
vale muito mais que isso e, além dela, somos obrigados a não
comprometer o futuro do Cristianismo.
O convertido de Damasco descansou o rosto na mão direita por
longo tempo, dando a perceber a amplitude de suas meditações,
e acabou falando em diapasão que traía a sua enorme
sensibilidade:
— Tiago, como tu mesmo, atingi hoje um nível mais alto de
compreensão da vida. Entendo melhor os teus argumentos. A
existência humana é bem uma ascensão das trevas para a luz. A
juventude, a presunção de autoridade, a centralização de nossa
esfera pessoal, acarretam muitas ilusões, laivando
(envolvendo) de sombras as coisas mais santas. Assiste-me o
dever de curvar-me às exigências do judaísmo, consequentes de
uma perseguição por mim próprio iniciada em outros tempos.
Deteve-se, evidenciando dificuldade para confessar-se
plenamente. Mas tomando uma atitude mais humilde, como quem
não encontra outro recurso, prosseguiu quase tímido:
— Nas minhas lutas, nunca me presumi vítima, considerando-me
sempre como antagonista do mal. Só Jesus, em sua pureza e amor
imaculados, podia alegar a condição de anjo vitimado por nossa
maldade sombria; quanto a mim, por mais que me apedrejassem e
ferissem, sempre julguei que era muito pouco em relação ao que
me competia sofrer nos justos testemunhos. Agora, porém,
Tiago, eu estou preocupado com um pequenino obstáculo.
Como não ignoras, tenho vivido absolutamente do meu trabalho
de tecelão e, presentemente, não disponho de dinheiro com que
possa prover às despesas em perspectiva...
Seria a primeira vez que houvesse de recorrer à bolsa alheia,
quando a solução do assunto depende exclusivamente de mim...
Suas palavras demonstravam acanhamento, aliado à tristeza
comumente experimentada nos dias de humilhação e de
infortúnio. Ante aquela expressão de renúncia, Tiago, num
movimento de grande espontaneidade, tomou-lhe a mão e beijou-a
murmurando:
— Não te aflijas: sabemos em Jerusalém da extensão de teus
esforços pessoais e não seria razoável que a igreja se
desinteressasse dessas imposições que se não justificam...
Nossa instituição pagará todas as despesas. Não é pouco
concordares com o sacrifício.
Conversaram ainda longo tempo, com relação aos problemas
interessantes à propaganda evangélica e, no dia seguinte,
Paulo e os companheiros compareceram na igreja de Jerusalém,
recebidos por Tiago acompanhado de todos os anciães judeus,
simpatizantes do Cristo e seguidores de Moisés, congregados
para ouvi-lo.
A reunião começou com rigoroso cerimonial, percebendo o
ex-rabino a extensão das influências farisaicas no instituto
que se destinava à sementeira luminosa do Divino Mestre.
Seus companheiros, acostumados à independência do Evangelho,
não conseguiam ocultar a surpresa; mas, com um gesto, o
convertido de Damasco fez que todos permanecessem silenciosos.
Convidado a explicar-se, o ex-rabino leu um longo relatório de
suas atividades junto dos gentios, havendo-se com muita
ponderação e inexcedível prudência.
Os judeus, que, contudo, pareciam definitivamente instalados
na igreja, mantendo as velhas atitudes dos mestres de Israel,
pelo seu vogal Cainan, formularam ao ex-doutor conselhos e
censuras. Alegaram que também eram cristãos, mas, rigorosos
observadores da Lei Antiga; que Paulo não deveria trabalhar
contra a circuncisão e lhe cumpria dar ampla satisfação de
seus atos.
Com profunda admiração dos companheiros, o ex-rabino
mantinha-se calado, recebendo as objurgatórias e repreensões
com imprevista serenidade.
Por fim, Cainan fez a proposta a que Tiago se referira na
véspera. A fim de satisfazer a exigência do Sinédrio, o
tecelão de Tarso deveria purificar-se no Templo, com quatro
judeus paupérrimos que haviam feito voto de nazireus, ficando
o Apóstolo dos gentios obrigado a custear todas as despesas.
Os amigos de Paulo surpreenderam-se, ainda mais, quando o
viram levantar-se na assembleia preconceituosa e confessar-se
pronto a atender a intimação.
O representante dos anciães discorreu, ainda, pedante e
demoradamente sobre os preceitos da raça, ouvido por Paulo com
beatifica paciência.
Regressando à casa de Mnason, o ex-rabino procurou informar os
companheiros das razões da sua atitude. Habituados a
acatar-lhe as decisões confiadamente, dispensaram-se de
perguntas quiçá supérfluas, mas desejavam acompanhar o
Apóstolo ao Templo de Jerusalém, para experimentarem alguma
coisa da sua renúncia sincera, com relação ao futuro do
evangelismo. Paulo frisou a conveniência de seguir só, mas
Trófimo, que ainda se demorava alguns dias em Jerusalém, antes
de regressar a Antioquia, insistiu e conseguiu que o Apóstolo
lhe aceitasse a companhia.
O comparecimento de Paulo de Tarso no Templo, acompanhando
quatro irmãos de raça, em mísero estado de pobreza, a fim de
com eles purificar-se e pagar-lhes as despesas do voto, causou
enorme sensação em todos os círculos do farisaísmo.
Acenderam-se discussões violentas e rudes. Assim que viu o
ex-rabino humilhado, o Sinédrio pretendia impor sentenças
novas. Já não lhe bastavam as imposições anteriores. No
segundo dia da santificação, o movimento popular crescera no
Templo em proporções assustadoras. Todos queriam ver o célebre
doutor que enlouquecera às portas de Damasco, devido ao
sortilégio dos Galileus. Paulo observava a efervescência do
cenário em torno da sua personalidade e pedia a Jesus não lhe
faltasse com a s energias suficientes. No terceiro dia, à
falta de outro pretexto para condenação maior, alguns doutores
alegaram que Paulo tinha o atrevimento de se fazer acompanhar
aos lugares sagrados por um homem de origem grega, estranho às
tradições israelitas. Trófimo nascera em Antioquia, de pais
gregos, tendo vivido muitos anos em Éfeso; entretanto, apesar
do sangue que lhe corria nas veias, conhecia os preceitos do
judaísmo e portava-se, nos recintos consagrados ao culto, com
inexcedível respeito. As autoridades, contudo, não quiseram
ponderar tais particularidades. Era preciso condenar Paulo de
Tarso novamente, haviam de fazê-lo a qualquer preço.
O ex-rabino percebeu a trama que se delineava e rogou ao
discípulo não mais o acompanhasse ao monte Moriá, onde se
processavam os serviços religiosos. O ódio farisaico, porém,
continuava a fermentar.
Na véspera do último dia da purificação judaica, o convertido
de Damasco compareceu às cerimônias com a mesma humildade.
Logo, porém, que se colocou em posição de orar ao lado dos
companheiros, alguns exaltados o cercaram com expressões e
atitudes ameaçadoras.
— Morte ao desertor!... Pedras à traição! Gritou uma voz
estentórica, abalando o recinto.
Paulo teve a impressão de que esses brados eram a senha para
maiores violências, porque, imediatamente, estourou uma
gritaria infernal. Alguns judeus frementes agarraram-no pela
gola da túnica, outros travaram-lhe os braços, violentamente,
arrastando-o para o grande pátio reservado aos movimentos do
grande público.
— Pagarás teu crime!... Diziam uns.
— É necessário que morras! Israel se envergonha de tua
presença no mundo! – bradavam outros mais furiosos.
O Apóstolo dos gentios entregou-se sem a mínima resistência.
Num relance, considerou os objetivos profundos de sua vinda a
Jerusalém, concluindo que não fora convocado tão só para a
obrigação pueril de acompanhar ao Templo quatro irmãos de
raça, desolados na sua indigência.
Cumpria-lhe afirmar, na cidade dos rabinos, a firmeza de suas
convicções.
Entendia, agora, a sutileza das circunstâncias que o conduziam
ao testemunho.
Primeiramente, a reconciliação e o melhor conhecimento de um
companheiro como Tiago, obedecendo a uma determinação que lhe
parecera quase infantil; em seguida, o grande ensejo de provar
a fé e a consagração de sua alma a Jesus Cristo. Com enorme
surpresa, tomado de profundas e dolorosas reminiscências,
notou que os israelitas exaltados deixavam-no à mercê da
multidão furiosa, justamente no pátio onde Estevão havia sido
apedrejado vinte anos atrás. Alguns populares desvairados
arrebataram-no à força, prendendo-o ao tronco dos suplícios.
Engolfado nas suas lembranças, o grande Apóstolo mal sentia os
bofetões que lhe aplicavam. Rápido, arregimentou as mais
singulares reflexões. Em Jerusalém, o Mestre Divino padecera
os martírios mais dolorosos; ali mesmo, o generoso Jeziel se
imolara por amor ao Evangelho, sob os golpes e chufas da
populaça. Sentiu-se, então, envergonhado pelo suplício
infligido ao irmão de Abigail, oriundo de suas próprias
iniciativas. Somente agora, atado ao poste do sacrifício,
compreendia a extensão do sofrimento que o fanatismo e a
ignorância causavam ao mundo.
E refletiu: – O Mestre é o Salvador dos homens e aqui padeceu
pela redenção das criaturas. Estevão era seu discípulo,
devotado e amoroso, e aqui experimentou, igualmente, os
suplícios da morte. Jesus era o Filho de Deus, Jeziel era seu
Apóstolo. E ele? Não estava ali o passado a reclamar resgates
dolorosos? Não seria justo padecer muito, pelo muito que
martirizara os outros? Era razoável que sentisse alegria
naqueles instantes amargos, não só por tomar a cruz e seguir o
Mestre bem-amado, como por ter tido o ensejo de sofrer o que
Jeziel havia experimentado com grande amargura.
Essas reflexões proporcionavam-lhe algum consolo. A
consciência sentia-se mais leve. Ia dar testemunho da fé, em
Jerusalém, onde se encontrara com o irmão de Abigail, e,
depois da morte, podia aproximar-se do seu coração generoso,
falando-lhe com júbilo dos seus próprios sacrifícios.
Pedir-lhe-ia perdão e exaltaria a bondade de Deus, que o
conduzira ao mesmo lugar, para os resgates justos. Alongando o
olhar, entreviu a pequena porta de acesso ao pequeno aposento
onde estivera com a noiva amada e seu irmão prestes a
desprender-se do mundo nas agonias extremas. Parecia ouvir
ainda as derradeiras palavras de Estevão misturadas de bondade
e perdão.
Mal não saíra de suas reminiscências, quando a primeira
pedrada o despertou para escutar o vozerio do povo.
O grande pátio estava repleto de israelitas sanhudos.
Objurgatórias sarcásticas cortavam os ares. O espetáculo era o
mesmo do dia em que Estevão partira da Terra, Os mesmos
impropérios, as fisionomias escarninhas dos verdugos, a mesma
frieza implacável dos carrascos do fanatismo, O próprio Paulo
não se furtava à admiração, ao verificar as coincidências
singulares. As primeiras pedras acertaram-lhe no peito e nos
braços, ferindo-o com violência.
— Esta será em nome da Sinagoga dos cilícios! – dizia um
jovem, em coro de gargalhadas.
A pedra passou sibilando e dilacerou, pela primeira vez, o
rosto do Apóstolo. Um filete de sangue começou a ensopar-lhe
as vestiduras. Nem um minuto, porém, deixou de encarar os
carrascos com a sua desconcertante serenidade.
Trófimo e Lucas, entretanto, cientes da gravidade da situação,
desde os primeiros instantes, através de um amigo que
presenciara a cena inicial do suplício, procuraram
imediatamente o socorro das autoridades romanas.
Receosos de novas complicações, não declinaram as verdadeiras
condições do convertido de Damasco. Alegavam, apenas,
tratar-se de um homem que não devia padecer nas mãos dos
israelitas fanáticos e inconscientes.
Um tribuno militar organizou incontinenti um troço de
soldados. Deixando a fortaleza, penetraram no amplo átrio, com
ânimo decidido. A massa delirava num turbilhão de altercações
e gritarias ensurdecedoras. Dois centuriões, obedecendo às
ordens do comando, avançaram, resolutos, desatando o
prisioneiro e arrebatando-o à multidão que o disputava
ansiosa.
— Abaixo o inimigo do povo! ... É um criminoso! Ë um
malfeitor! Estraçalhemos o ladrão!...
Pairavam no ar as exclamações mais estranhas. Não encontrando
rabinos de responsabilidade para os esclarecimentos
imprescindíveis, o tribuno romano mandou que o acusado fosse
algemado. O militar estava convencido de que se tratava de
perigoso malfeitor que, de há muito, se transformara em
terrível pesadelo dos habitantes da província. Não encontrava
outra explicação para justificar tanto ódio.
O peito contuso, ferido no rosto e nos braços, o Apóstolo
seguiu para a Torre Antônia, escoltado pelos prepostos de
César, enquanto a multidão seguia o pequeno cortejo, bradando
sem cessar: — Morra! Morra!
Ia penetrar o primeiro pátio da grande fortaleza romana quando
Paulo, compreendendo afinal que não fora a Jerusalém tão só
para acompanhar quatro nazireus paupérrimos ao monte Moriá, e
sim para dar um testemunho mais eloquente do Evangelho,
interrogou o tribuno com humildade:
— Permitis, porventura, que vos diga alguma coisa?
Percebendo-lhe as maneiras distintas, a nobre inflexão da
palavra em puro grego, o chefe da coorte replicou muito
admirado:
— Não és tu o bandido egípcio que, há algum tempo, organizou a
malta de ladrões que devastam estas paragens?
— Não sou ladrão – respondeu Paulo, parecendo uma figura
estranha, em vista do sangue que lhe cobria o rosto e a túnica
singela, – sou cidadão de Tarso e rogo-vos permissão para
falar ao povo.
O militar romano ficou boquiaberto com tamanha distinção de
gestos e não teve outro recurso senão ceder, embora hesitante.
Sentindo-se num dos seus grandes momentos de testemunho, Paulo
de Tarso subiu alguns degraus da escadaria enorme e começou a
falar em hebraico, impressionando a multidão com a profunda
serenidade e elegância do discurso. Começou explicando suas
primeiras lutas, seus remorsos por haver perseguido os
discípulos do Mestre Divino; historiou a viagem a Damasco, a
infinita bondade de Jesus que lhe permitira a visão gloriosa,
dirigindo-lhe palavras de advertência e perdão. Rico das
reminiscências de Estevão, falou do erro que havia cometido em
consentir na sua morte.
Ouvindo-lhe a palavra cinzelada de misteriosa beleza, Cláudio
Lísias, tribuno romano que efetuara a prisão, experimentou
sensações indefiníveis.
Por sua vez, havia recebido certos benefícios daquele Cristo
incompreendido a que se referia o orador em circunstâncias tão
amargas. Tomado de escrúpulos, mandou chamar o tribuno Zelfos,
de origem egípcia, que adquirira certos títulos romanos, pela
expressão de sua enorme fortuna, e solicitou:
— Amigo – disse com voz quase imperceptível, – não desejo
tomar aqui certas decisões, relativamente ao caso deste homem.
A multidão está exaltada e é possível que ocorram
acontecimentos muito graves. Desejaria tua cooperação
imediata.
— Sem dúvida – respondeu o outro, resoluto.
E enquanto Lísias procurava examinar, de modo minucioso, a
figura do Apóstolo, que falava de maneira impressionante,
Zelfos desdobrava-se em providências oportunas. Reforçou a
guarnição dos soldados, iniciou a formatura de um cordão de
isolamento, buscando resguardar o orador de um ataque
imprevisto.
Paulo de Tarso, depois de circunstanciado relatório da sua
conversão, começou a falar da grandeza do Cristo, das
promessas do Evangelho, e quando se detinha a comentar suas
relações com o mundo espiritual, de onde recebia as mensagens
confortantes do Mestre, a massa inconsciente, furiosa,
agitou-se em ânsias mesquinhas. Grande número de israelitas
despia o manto, arrojando poeira no ar, num impulso
característico de ignorância e maldade. O momento era
gravíssimo. Os mais exaltados tentaram romper o cordão dos
guardas para trucidar o prisioneiro. A ação de Zelfos foi
rápida. Mandou recolher o Apóstolo ao interior da Torre
Antônia. E enquanto Cláudio Lísias se recolhia à residência, a
fim de meditar um pouco na sublimidade dos conceitos ouvidos,
o companheiro de milícia tomou providências enérgicas para
dispersar a multidão. Não eram poucos os que teimavam em
vociferar na via pública, mas o chefe militar mandou dispersar
os recalcitrantes à pata de cavalo.
Conduzido a uma cela úmida, Paulo sentiu que os soldados o
tratavam com a maior desconsideração. As feridas doíam-lhe
penosamente. Tinha as pernas doloridas e trôpegas. A túnica
estava empapada de sangue. Os guardas impiedosos e irônicos
amarraram-no a grossa coluna, conferindo-lhe o tratamento
destinado aos criminosos comuns. O Apóstolo, sentindo-se
exausto e febril, chegou à conclusão de que não lhe seria
fácil resistir à nova provação de martírio. Refletiu que não
era justo entregar-se de todo às disposições perversas dos
soldados que o guardavam. Lembrou que o Mestre se imolara na
cruz, sem resistir à crueldade das criaturas, mas também
afirmara que o Pai não deseja a morte do pecador. Não podia
alimentar a presunção de entregar-se como Jesus, porque
somente Ele possuía bastante amor para constituir-se Enviado
do Todo-Poderoso; e como se reconhecia pecador convertido ao
Evangelho, era justo o desejo de trabalhar até ao último dia
de suas possibilidades na Terra, em favor dos irmãos em
humanidade e em benefício da própria iluminação espiritual.
Recordou a prudência que Pedro e Tiago sempre testemunharam
para que as tarefas a eles confiadas não sofressem prejuízos
injustificáveis e, verificando as suas escassas probabilidades
de resistência física, naquela hora inesquecível, gritou aos
soldados:
— Prendestes-me à coluna reservada aos criminosos, quando não
podeis imputar-me falta alguma!... Vejo, agora, que preparais
açoites para a flagelação, quando já me encontro banhado em
sangue, no suplício imposto pela turba inconsciente...
Um dos guardas, um tanto irônico, procurou cortar-lhe a
palavra e sentenciou:
— Ora esta!... Não sois um Apóstolo do Cristo? Consta que teu
Mestre morreu na cruz, caladinho, e, por fim, ainda pediu
perdão para os algozes, alegando que ignoravam o que faziam.
Os companheiros do engraçado romperam em gargalhadas
estrídulas.
Paulo de Tarso, entretanto, evidenciando toda a nobreza do
coração, no fulgor do olhar, replicou sem hesitação:
— Sim, rodeado pelo povo ignorante e inconsciente, no dia do
Calvário, Jesus pediu a Deus perdoasse as trevas de espírito
em que se submergia a multidão que lhe levantara o madeiro de
ignomínia; mas os agentes do governo imperial não podem ser a
turba que desconhece os próprios atos. Os soldados de César
devem saber o que fazem, porque, se ignorais as leis, para
cuja execução recebeis soldo, seria mais justo abandonardes o
posto.
Os guardas ficaram imóveis, tomados de assombro.
Paulo, entretanto, continuou em voz firme:
— Quanto a mim, pergunto-vos: – Será lícito açoitardes um
cidadão romano, antes de condenado?
O centurião que presidia os serviços da flagelação suspendeu
os primeiros dispositivos. Zelfos foi chamado com espanto.
Ciente do ocorrido, o tribuno interrogou o Apóstolo, sumamente
admirado:
— Dize-me. És de fato romano?
— Sim.
Ante a firmeza da resposta, Zelfos achou razoável modificar o
tratamento do prisioneiro. Receoso de complicações ordenou que
o ex-rabino fosse retirado do tronco, permitindo-lhe ficar à
vontade no acanhado âmbito da cela.
Somente então, Paulo de Tarso conseguiu algum repouso num
leito duro, recebendo uma bilha de água trazida com mais
respeito e consideração.
Saciou a sede intensa e dormiu, apesar das feridas sangrentas
e dolorosas.
Zelfos, contudo, não estava tranquilo. Desconhecia, por
completo, a condição do acusado.
Temendo complicações prejudiciais para a sua posição, aliás
invejável do ponto de vista político, procurou avistar-se com
o tribuno Cláudio Lísias.
Esclarecendo o motivo de sua preocupação, o outro murmurou:
— Isso me surpreende, porque a mim afirmou que era judeu,
natural de Tarso da Cuida.
Zelfos explicou, então, que tinha dificuldade para discernir a
causa, concluindo:
— Pelo que dizes, ele parece-me antes um mentiroso vulgar.
— Isso não, – exclamou Lísias, – naturalmente possuirá títulos
de cidadania do Império e agiu por motivos que não estamos
habilitados a apreciar.
Percebendo que o amigo se irritara intimamente com as suas
primeiras alegações, Zelfos apressou-se a corrigir:
— Teus conceitos são justos.
— Tenho de emiti-los em consciência – acrescentou Lísias bem
inspirado, – porque esse homem, desconhecido para nós ambos,
falou de problemas muito sérios.
Zelfos pensou um instante e ponderou:
— Considerando tudo isso, proponho seja apresentado, amanhã,
ao Sinédrio. Julgo que somente assim poderemos encontrar uma
fórmula capaz de resolver o assunto.
Cláudio Lísias recebeu o alvitre com displicência. No íntimo,
sentia-se mais propenso a patrocinar a defesa do Apóstolo. Sua
palavra, inflamada de fé, impressionara-o vivamente. Em
breves, rápidos momentos de meditação, analisou todos os
lances pró e contra uma atuação dessa natureza. Subtrair o
acusado à perseguição dos mais exaltados era uma ação justa;
mas disputar com o Sinédrio era uma atitude que reclamava mais
prudência. Conhecia os judeus, muito de perto, e, por mais de
uma vez, experimentara o grau de suas paixões e caprichos.
Compreendendo, igualmente, que não deveria despertar qualquer
suspeita do colega, com relação às suas crenças religiosas,
fez um gesto afirmativo e declarou:
— Concordo com o alvitre. Amanhã, entregá-lo-emos aos juízes
competentes em matéria de fé. Poderás deixar isso a meu cargo,
porque o prisioneiro será acompanhado de escolta que o garanta
contra qualquer violência.
E assim foi. Na manhã seguinte, o mais alto Tribunal dos
israelitas foi notificado pelo tribuno Cláudio Lísias de que o
pregador do Evangelho compareceria perante os juízes para os
inquéritos necessários, às primeiras horas da tarde. As
autoridades do Sinédrio experimentaram enorme regozijo.
Iam, enfim, rever o desertor da Lei, face a face. A notícia
foi espalhada com invulgar rapidez.
Paulo, por sua vez, na solidão do cárcere, sentiu-se
felicitado com uma grande surpresa, naquela manhã de sombrias
perspectivas. É que, com permissão do tribuno, uma velha
senhora e seu filho, ainda jovem, penetravam na cela a fim de
visitá-lo.
Era sua irmã Dalila com o sobrinho Estefânio, que conseguiram,
depois de muito esforço, permissão para uma entrevista
ligeira. O Apóstolo abraçou a nobre senhora, com lágrimas de
emoção. Ela estava alquebrada, envelhecida, O jovem Estefânio
tomou as mãos do tio e beijou-as com veneração e ternura.
Dalila falou das saudades longas, recordou episódios
familiares com a poesia do coração feminino, e o ex-doutor de
Jerusalém recebia todas as notícias, boas e más, com
imperturbável serenidade, como se procedessem de um mundo
muito diferente do seu.
Buscou, entretanto, confortar a irmã, que, a uma reminiscência
mais dolorosa, se desfazia em prantos. Paulo historiou
sucintamente as suas viagens, lutas, obstáculos dos caminhos
palmilhados por amor de Jesus. A venerável senhora, embora
alheia às verdades do Cristianismo, muito delicadamente não
quis tocar nos assuntos religiosos, detendo-se nos motivos
afetuosos de sua visita fraternal e chorando copiosamente ao
despedir-se. Não podia compreender a resignação do Apóstolo,
nem apreciava devidamente a sua renúncia.
Lastimava-lhe, intimamente, a sorte e, no fundo, tal como a
maioria dos compatriotas, desdenhava aquele Jesus que não
oferecia aos discípulos senão cruzes e sofrimentos.
Paulo de Tarso, todavia, experimentara grande conforto com a
sua presença; sobretudo, a inteligência e a vivacidade de
Estefânio, na ligeira palestra mantida, proporcionavam-lhe
enormes esperanças no futuro espiritual do sobrinho.
Ainda repassava na mente essa grata impressão quando numerosa
escolta se postava junto à cela, para acompanhá-lo ao
Sinédrio, no momento oportuno.
Logo após o meio-dia, compareceu à barra do Tribunal e
percebeu, de pronto, que o cenáculo dos grandes doutores de
Jerusalém vivia um dos seus grandes dias, repleto de compacta
massa popular. Sua presença provocava uma aluvião de
comentários. Todos queriam ver, conhecer o trânsfuga da Lei, o
doutor que repudiara e deprimira os títulos sagrados.
Sobremaneira comovido, o Apóstolo lembrou ainda uma vez a
figura de Estevão. Competia-lhe, agora, dar igualmente o
testemunho do Evangelho de verdade e redenção.
A agitação do Sinédrio dava-lhe a mesma tonalidade dos tempos
ali vividos.
Ali, precisamente, infligira as mais duras humilhações ao
irmão de Abigail e aos prosélitos de Jesus. Era justo,
portanto, esperar, agora, acerbos e remissores sofrimentos.
Depois, para cúmulo de amargura, a singular coincidência: o
sumo sacerdote que presidia o feito chamava-se também Ananias!
Acaso? Ironia do destino?
Tal como se verificou com Jeziel, lido o libelo acusatório,
deram a palavra ao Apóstolo para defender-se, em atenção às
prerrogativas de nascimento.
Paulo entrou a justificar-se, sumamente respeitoso. Risos
abafados, não raro, quebravam o silêncio ambiente, a
indiciarem a termometria sarcasticamente hostil do auditório.
Quando a sua altiloquente oratória começou a impressionar pela
fidelidade do testemunho cristão, o sumo sacerdote lhe impôs
silêncio e vociferou enfático:
— Um filho de Israel, ainda que portador de títulos romanos,
quando desrespeite as tradições desta casa, com afirmativas
injuriosas à memória dos profetas torna-se passível de severas
reprimendas. O acusado parece ignorar o dever de explicar-se
convenientemente, para tresvariar em conceitos sibilinos,
próprios da sua desregrada e criminosa obsessão pelo
carpinteiro revolucionário de Nazaré! Minha autoridade não
permite abusos nos lugares santos. Determino, pois, que Paulo
de Tarso seja ferido na boca, em desafronta aos seus termos
insultuosos.
O Apóstolo endereçou-lhe um olhar de serenidade indizível e
replicou.
— Sacerdote, vigiai o coração para não incidirdes em
repressões injustas.
Os homens, como vós, são como as paredes branqueadas dos
sepulcros, mas não deveis ignorar que também sereis ferido
pela justiça de Deus. Conheço de sobra as leis de que vos
tornastes executor. Se aqui permaneceis para julgar, como e
por que mandais ferir?
Antes, porém, que pudesse prosseguir, um pequeno grupo de
prepostos de Ananias avançou com açoites minúsculos, ferindo-o
nos lábios.
— Ousas injuriar o sumo sacerdote? – exclamavam fulos de
cólera. – Pagarás os insultos!...
As lambadas riscavam o rosto rugoso e venerando do ex-rabino,
sob os aplausos gerais.
Vozes irônicas elevavam-se, incessantes, do seio da turba
refece (infame). Uns pediam mais rigor, outros, estentóricos,
reclamavam o apedrejamento. A serenidade do Apóstolo dava
pleno testemunho e mais acirrava os ânimos impulsivos e
criminosos. Destacaram-se certos grupos de israelitas mais
soezes e, cooperando com os verdugos, cuspinham-lhe o rosto.
Generalizou-se o tumulto. Paulo tentou falar, explicar-se mais
detalhadamente, mas a confusão era tal que nada se ouvia e
ninguém se entendia.
O sumo sacerdote permitira a desordem deliberadamente. Os
elementos principais do Sinédrio desejavam exterminar o
ex-doutor a qualquer preço. O Tribunal só se prestara ao
julgamento de entremez, porque havia percebido o interesse
pessoal de Cláudio Lísias pelo prisioneiro. Não fora isso,
Paulo de Tarso teria sido assassinado em Jerusalém, para
satisfazer aos sentimentos odiosos dos inimigos gratuitos da
sua abençoada tarefa apostólica. Solicitado pelo tribuno,
presente à reunião memorial, Ananias conseguiu restabelecer a
calma no ambiente. Depois de apelos desesperados, a assembleia
emudeceu expectante.
Paulo tinha o rosto a sangrar, a túnica em frangalhos, mas,
com surpresa e pasmo gerais, revelava no olhar, ao contrário
de outros tempos, em circunstâncias dessa natureza, grande
tranquilidade fraternal, dando a entender que compreendia e
perdoava os agravos da ignorância.
Supondo-se em posição vantajosa, o sumo sacerdote acentuou em
tom arrogante:
— Devias morrer como teu Mestre, numa cruz desprezível!
Desertor das tradições sagradas da pátria e blasfemo
criminoso, não te bastam, por justo castigo, os sofrimentos
que começas a experimentar entre os legítimos filhos de
Israel!...
O Apóstolo, no entanto, longe de acovardar-se, replicou
tranquilamente:
— Juízo apressado o vosso... Não mereço a cruz do Redentor,
porque a sua auréola é gloriosa demais para mim; entretanto,
os martírios todos do mundo seriam justos, aplicados ao
pecador que sou. Temeis os sofrimentos porque não conheceis a
vida eterna, considerais as provações como quem nada vê além
destes efêmeros dias da existência humana. A política
mesquinha vos distanciou o espírito das visões sagradas dos
profetas!... Os cristãos, sabei-o, conhecem outra vida
espiritual, suas esperanças não repousam em triunfos mendazes
que vão apodrecer com o corpo no sepulcro!
A vida não é isto que vemos na banalidade de todos os dias
terrestres; é antes afirmação de imortalidade gloriosa com
Jesus Cristo!
A palavra do orador parecia magnetizar, agora, a assembleia em
peso. O próprio Ananias, não obstante a cólera surda,
sentia-se incapaz de qualquer reação, como se algo de
misterioso o compelisse a ouvir até ao fim.
Imperturbável em sua serenidade, Paulo de Tarso prosseguiu:
— Continuai a ferir-me! Escarrai-me na face! Açoitai-me! Esse
martirológio me exalta para uma esperança superior, porque já
criei no meu íntimo um santuário intangível às vossas mãos e
onde Jesus há de reinar para Sempre...
— Que desejais – continuou em voz firme – com as vossas
arruaças e perseguições? Afinal, onde o motivo para tantas
lutas estéreis e destruidoras?
Os cristãos trabalham, como o fez Moisés, para a crença em
Deus e em nossa gloriosa ressurreição. É inútil dividir,
fomentar a discórdia, tentar empanar a verdade com as ilusões
do mundo. O Evangelho do Cristo é o Sol que ilumina as
tradições e os fatos da Antiga Lei!...
Nesse ínterim, não obstante a estupefação de muitos,
estabeleceu-se nova balbúrdia. Os saduceus atiraram-se contra
os fariseus, com gestos e apóstrofes delirantes. Em vão, o
sumo sacerdote procurava acalmar os ânimos. Um grupo mais
exaltado tentava aproximar-se do ex-rabino, disposto a
estrangulá-lo.
Foi aí que Cláudio Lísias, apelando para os soldados, fez-se
ouvir na assembleia, ameaçando os contendores. Surpreendidos
com o fato insólito, porquanto os romanos jamais procuravam
intervir em assuntos religiosos da raça, os trêfegos
israelitas submeteram-se imediatamente. O tribuno dirigiu-se,
então, a Ananias e reclamou o encerramento dos trabalhos,
declarando que o prisioneiro voltaria ao cárcere da Torre
Antônia, até que os judeus resolvessem ventilar o caso com
mais critério e serenidade.
As autoridades do Sinédrio não disfarçaram seu enorme espanto,
mas, como o governador da província continuava em Cesareia,
não seria razoável desatender ao seu preposto em Jerusalém.
Antes que se verificassem novos tumultos, Ananias declarou que
o julgamento de Paulo de Tarso, consoante a ordem recebida,
prosseguiria na próxima sessão do Tribunal, a realizar-se daí
a três dias.
Os guardas retiraram o prisioneiro, com grande cautela,
enquanto os israelitas mais eminentes buscavam conter os
protestos isolados dos que acusavam Cláudio Lísias de parcial
e simpatizante do novo credo.
Reconduzido à cela silenciosa, Paulo pôde respirar e refazer o
ânimo para enfrentar a situação.
Experimentando justa simpatia por aquele homem valoroso e
sincero, o tribuno tomou novas providências a seu favor. O
ex-doutor da Lei estava mais satisfeito e aliviado. Teve um
guarda para atendê-lo em qualquer necessidade, recebeu água em
abundância, remédio, alimentos e a visita dos amigos mais
íntimos. Essas mostras de apreço muito o comoviam.
Espiritualmente, sentia-se até mais confortado; doía-lhe,
porém, o corpo ferido, e fisicamente estava exausto... Depois
de palestrar alguns minutos, conforme a permissão recebida,
com Lucas e Timóteo, sentiu que certas preocupações dolorosas
lhe amarguravam o coração. Seria justo pensar numa viagem a
Roma, quando seu estado físico era assim precário? Resistiria
por muito tempo às tremendas perseguições iniciadas em
Jerusalém? Contudo, as vozes do mundo superior haviam-lhe
prometido essa viagem à capital do Império... Não deveria
duvidar das promessas feitas em nome do Cristo. Certa fadiga,
aliada a grande amargura, começava a infirmar-lhe as
esperanças sempre ativas. Mas, caindo numa espécie de modorra,
percebeu, como de outras vezes, que uma viva claridade
inundava o cubículo, ao mesmo tempo em que suavíssima voz lhe
sussurrava:
— Regozija-te pelas dores que resgatam e iluminam a
consciência! Ainda que os sofrimentos se multipliquem, renova
os júbilos divinos da esperança!...
Guarda o teu bom ânimo, porque assim como testificaste de mim,
em Jerusalém, importa que o faças também em Roma!...
De pronto sentiu que novas forças lhe retemperavam o combalido
organismo.
A claridade da manhã surpreendeu-o quase bem disposto. Nas
primeiras horas do dia, Estefânio procurava-o com certa
ansiedade. Recebido com afetuoso interesse, o rapaz informou o
tio dos graves projetos que se tramavam na sombra. Os judeus
haviam jurado exterminar o convertido de Damasco, ainda que
para isso houvessem de assassinar o próprio Cláudio Lísias. O
ambiente no Sinédrio era de atividades odiosas. Projetava-se
matar o pregador da gentilidade, à plena luz do dia, na
próxima sessão do Tribunal. Mais de quarenta comparsas, dos
mais fanáticos, haviam prometido, solenemente, a consecução do
sinistro desígnio.
Paulo tudo ouviu e, calma mente chamando o guarda, disse-lhe:
— Peço-te conduzir este moço à presença do chefe dos tribunos
para que o ouça sobre um assunto urgente.
Assim, Estefânio foi levado a Cláudio Lísias, apresentando-lhe
a denúncia, O arguto e nobre patrício, com o tacto político
que lhe caracterizava as decisões, prometeu examinar
devidamente a questão, sem deixar presumir a adoção de
providências definitivas para burlar a conjura. Agradecendo a
comunicação, recomendou ao jovem o máximo cuidado nos
comentários da situação, a fim de não exacerbar maiormente os
ânimos partidários.
Na solidão do seu gabinete, o tribuno romano pensou seriamente
naquelas perspectivas sombrias. O Sinédrio, na sua capacidade
de intrigar, poderia promover manifestações do povo sempre
versátil e agressivo. Rabinos apaixonados podiam mobilizar
facínoras e quiçá assassiná-lo em condições espetaculares.
Mas, a denúncia partia de um jovem, quase criança.
Além disso, tratava-se de um sobrinho do prisioneiro. Teria
dito a verdade ou seria mero instrumento de possível
mistificação afetiva, nascida de justas preocupações da
família?
Ainda bem não conseguira destrinçar as dúvidas para firmar
conduta, quando alguém pedia o obséquio de uma entrevista.
Desejoso de obter uma trégua nas cogitações assim graves,
acedeu prontamente. Abriu a porta luxuosa e um velhinho de
semblante calmo apareceu sorridente. Cláudio Lísias alegrou
-se.
Conhecia-o de perto. Devia-lhe favores, O visitante inesperado
era Tiago, que vinha interpor sua generosa influência em favor
do grande amigo de suas edificações evangélicas. O filho de
Alfeu repetiu o plano já denunciado por Estefânio, minutos
antes. E foi mais longe. Contou a história comovedora de Paulo
de Tarso, revelando-se como testemunha imparcial de toda a sua
vida e esclarecendo que o Apóstolo viera à cidade, por
insistência de sua parte, a fim de combinarem momentosas
providências atinentes à propaganda. Concluía a exposição
atenciosa pedindo ao amigo ilustre medidas eficazes, para
evitar o monstruoso atentado.
Maiormente apreensivo agora, o tribuno ponderou:
— Vossas considerações são justas; entretanto, sinto
dificuldades para coordenar providências imediatas. Não será
melhor aguardar que os fatos se apresentem e reagir, então, à
força com a força?
Tiago esboçou um sorriso de dúvidas e sentenciou:
— Sou de parecer que vossa autoridade encontre recursos
urgentes.
Conheço as paixões judaicas e o furor de suas manifestações.
Nunca poderei esquecer o odioso fermento dos fariseus, no dia
do Calvário. Se receio pela sorte de Paulo, temo igualmente
por vos mesmo.
A multidão de Jerusalém é criminosa muitas vezes.
Lísias franziu a testa e refletiu longo tempo. Mas,
arrancando-o de sua indecisão, o velho Galileu apresentou-lhe
a ideia de transferir o prisioneiro para Cesareia, tendo em
vista um julgamento mais justo. A medida teria a virtude de
subtrair o Apóstolo do ambiente irritado de Jerusalém e faria
abortar de início o plano de homicídio; além disso, o tribuno
permaneceria a salvo de suspeitas injustas, mantendo íntegras
as tradições de respeito em torno do seu nome, por parte dos
judeus malevolentes e ingratos. O feito seria conhecido apenas
dos mais íntimos e o patrício designaria uma escolta de
soldados corajosos para acompanhar o prisioneiro, devendo sair
de Jerusalém depois de meia- noite.
Cláudio Lísias considerou a excelência das sugestões e
prometeu pô-las em prática nessa mesma noite.
Logo que Tiago se despediu, o romano chamou dois auxiliares de
confiança e deu as primeiras ordens para a formação da
escolta, forte, de cento e trinta soldados. duzentos arqueiros
e setenta cavaleiros, sob cuja proteção Paulo de Tarso haveria
de comparecer perante o governador Félix, no grande
porto palestinense. Os prepostos, atendendo às instruções
recebidas, reservaram para o prisioneiro uma das melhores
montarias.
Alta noite, Paulo de Tarso foi chamado com grande surpresa.
Cláudio Lísias explicou-lhe, em poucas palavras, o objetivo de
sua decisão e a extensa caravana partiu em silêncio, rumo a
Cesareia.
Dado o caráter secreto das providências tomadas, a viagem
correu sem incidentes dignos de menção. Apenas muitas horas
depois partiam da Torre Antônia os respectivos informes,
convencendo-se os judeus, com grande desapontamento, da
inutilidade de quaisquer represálias.
Em Cesareia o governador recebeu a expedição com enorme
espanto.
Conhecia o renome de Paulo e não era estranho às lutas que
sustentava com os irmãos de raça, mas aquela caravana de
quatrocentos homens armados, para proteger um preso, era de
causar admiração.
Depois do primeiro interrogatório, o preposto máximo do
Império, na província, sentenciou:
— Atento à origem judaica do acusado, nada posso julgar sem
ouvir o órgão competente, de Jerusalém.
E mandou que o Sinédrio se fizesse representar na sede do
Governo, com a maior urgência.
Os israelitas estavam sumamente satisfeitos com a ordem.
Consequentemente, cinco dias depois da remoção do Apóstolo, o
próprio Ananias fizera questão de chefiar o conjunto de
autoridades do Sinédrio e do Templo, que acorreram a Cesareia
com os projetos mais estranhos, relativamente à situação do
adversário. Os velhos rabinos, conhecendo o poder da lógica e
a formosura da palavra do ex-doutor de Tarso, fizeram-se
acompanhar de Tértulo, uma das mais notáveis mentalidades que
cooperavam no colendo sodalício.
Improvisado o Tribunal para decidir o feito, o orador do
Sinédrio teve a prioridade da palavra, usando-a em tremendas
acusações contra o indiciado réu, desenhando a cores negras
todas as atividades do Cristianismo, e terminando por pedir ao
governador a entrega do acusado aos seus irmãos de raça, a fim
de ser por eles devidamente julgado.
Concedido ao ex-rabino o ensejo de explicar-se, Paulo começou
a falar com grande serenidade. Félix lhe observou logo os
elevados dotes intelectuais, os primores dialéticos e
ouvia-lhe a argumentação com invulgar interesse. Os anciães de
Jerusalém não sabiam ocultar a própria ira. Se possível,
teriam espostejado o Apóstolo ali mesmo, tal a irritação que
os assomava, a contrastar com a tranquilidade transparente da
oratória e da pessoa do orador adverso.
O governador teve grande embaraço para pronunciar o veredito.
De um lado, via os anciães de Israel em atitude quase
colérica, reclamando direitos de raça; do outro, contemplava o
Apóstolo do Evangelho, calmo, imperturbável, senhor espiritual
do assunto, a esclarecer todos os pontos obscuros do processo
singular, com a sua palavra elegante e refletida.
Reconhecendo o extremo valor daquele homem franzino e
envelhecido, cujos cabelos pareciam encanecidos por dolorosas
e sagradas experiências, o governador Félix modificou,
apressadamente, suas primeiras impressões e encerrou os
trabalhos nestes termos:
— Senhores, reconheço que o processo é mais grave do que
julguei à primeira vista.
Neste caso, resolvo adiar a sentença definitiva, até que o
tribuno Cláudio Lísias seja convenientemente ouvido.
Os anciães morderam os lábios. Debalde o sumo sacerdote
solicitou a continuação dos trabalhos. O mandatário de Roma
não modificou o ponto de vista e a grande assembleia
dissolveu-se, com imenso pesar dos israelitas constrangidos a
regressar, extremamente desapontados.
Félix, entretanto, passou a considerar o prisioneiro com maior
deferência.
No dia seguinte, foi visitá-lo, concedendo-lhe permissão para
receber os amigos na sala do expediente. Depreendendo que
Paulo gozava de grande prestígio entre e perante todos os
seguidores da doutrina do profeta nazareno, imaginou, desde
logo, tirar algum proveito da situação. Cada vez que o
visitava, surpreendia-lhe maior acuidade mental, a
interessá-lo pela sua palestra viva e palpitante de
observações sábias, no conceito e na experiência da vida.
Certo dia, o governador abordou jeitosamente o prisma dos
interesses pessoais, insinuando-lhe a vantagem da sua
libertação, de maneira a atender às aspirações da comunidade
cristã, a que emprestava tanto relevo.
Paulo, porém, observou resoluto:
— Não sou tanto de vossa opinião. Sempre considerei que a
primeira virtude do cristão é estar pronto para obedecer à
vontade de Deus, em qualquer parte. Certo, não estou detido à
revelia de sua assistência e proteção, e desta forma acredito
que Jesus julga melhor conservar-me prisioneiro, nos dias que
correm. Servi-lo-ei, pois, como se estivesse em plena
liberdade de corpo.
— Entretanto, continuou Félix, sem coragem para ferir
diretamente o ponto, – vossa independência não seria coisa
muito difícil.
— Como assim?
— Não tendes amigos ricos e influentes em todos os recantos
provinciais?
— interrogou o preposto governamental, de maneira ambígua.
— Que desejais dizer com isso? – perguntou o Apóstolo por sua
vez.
— Creio que se conseguísseis o dinheiro suficiente para
atender aos interesses pessoais de quantos hajam de funcionar
no processo, estaríeis completamente livre da ação da justiça,
dentro de poucos dias.
Paulo compreendeu as insinuações mal veladas e nobremente
revidou:
- Percebo agora. Falais de uma justiça condicionada ao
capricho criminoso dos homens.
Essa justiça não me interessa. Ser-me-á preferível conhecer a
morte no cárcere, a servir de obstáculo à redenção espiritual
do mais humilde dos funcionários de Cesareia. Dar-lhes
dinheiro em troca de uma independência ilícita, seria
habituá-los ao apego dos bens que lhes não pertencem. Minha
atividade seria, então, um esforço reconhecidamente perverso.
Além do mais, quando temos a consciência pura, ninguém nos
pode tolher a liberdade e eu me sinto aqui tão livre como lá
fora, na praça pública.
O governador recebeu a observação franca e áspera, disfarçando
o seu enleio. A lição humilhava-o duramente e, desde então,
desinteressou-se da causa. Já havia, porém, comentado, entre
os amigos mais íntimos, a privilegiada inteligência do
prisioneiro de Cesareia e, daí a dias, sua jovem esposa
Drusila manifestava-lhe o desejo de conhecer e ouvir o
Apóstolo. A seu mal grado, não podendo esquivar-se, acabou por
levá-la à presença do ex-rabino.
Judia de origem, Drusila não se contentou, qual fizera o
marido, com simples indagações superficiais. Desejosa de
sondar-lhe as ideias mais profundas, pediu-lhe um comentário
geral da nova doutrina que esposara e procurava difundir.
Perante destacadas figuras da Corte Provincial, o valoroso
Apóstolo dos gentios fez brilhante panegírico do Evangelho,
ressaltando a inolvidável exemplificação do Cristo e os
deveres do proselitismo que repontava de todos os recantos do
mundo. A maioria dos ouvintes escutava-o com evidentes mostras
de interesse; mas, quando ele começou a falar da ressurreição
e dos deveres do homem em face das responsabilidades no mundo
espiritual, o governador fez-se pálido e interrompeu a
pregação.
— Por hoje basta! – disse com autoridade. – Meus familiares
poderão ouvir-vos de outra feita, se lhes aprouver, pois
quanto a mim não creio na existência de Deus.
Paulo de Tarso recebeu a observação com serenidade e respondeu
com benevolência:
— Agradeço a delicadeza da vossa declaração e, todavia, senhor
governador, ouso encarecer-vos a necessidade de ponderar o
assunto, porque, quando um homem afirma não aceitar a
paternidade do Todo Poderoso, é que, em regra, se receia do
julgamento de Deus.
Félix lançou-lhe um olhar raivoso e retirou-se com os seus,
prometendo a si próprio deixar o prisioneiro entregue à sua
sorte.
Kardec e amigos
Jesus Cristo
Chico Xavier
..."Recordemos que o
Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de
caridade:
a caridade de sua própria divulgação" Emmanuel
Abigail, doente
Emmanuel e Chico Xavier
Aparição de Jesus