Jesus e Maria de Magdala

Jesus aparece a Maria Magdala

Abigail, irmã de Estevão, doente!

Ao seu lado Paulo de Tarso, Zacarias e Ruth.

Paulo de Tarso

Paulo de Tarso escrevendo suas Epístolas

A pregação de Estevão

A pregação de Estevão, na Igreja do Caminho.

Jesus Cristo

Nosso Senhor Jesus Cristo Meditando.

Paulo de Tarso

Paulo pregando nas catacumbas

Paulo de Tarso em Atenas

Paulo pregando no Aerópago, em Atenas

No Caminho de Damasco

A conversão de Paulo de Tarso

Paulo de Tarso

Paulo falando ao Rei Agrippa

Paulo picado pela cobra

Paulo picado pela cobra venenosa, mas nada lhe acontece!

Mártires do Cristianismo

Mártires do Cristianismo na prisão

A Santa Ceia

Jesus com os Apóstolos reunidos na Santa Ceia.

LUTAS PELO EVANGELHO

Chico Xavier / Emmanuel

O regresso de Paulo e Barnabé foi assinalado em Antioquia com imenso regozijo. A comunidade fraternal admirou, profundamente comovida, o feito dos irmãos que haviam levado a regiões tão pobres, e distantes, as sementes divinas da verdade e do amor.
Por muitas noites consecutivas, os recém-chegados apresentaram o relatório verbal de suas atividades, sem omitir um detalhe. A igreja antioquense vibrou de alegria e rendeu graças ao Céu.
Os dois dedicados missionários haviam voltado em uma fase de grandes dificuldades para a instituição. Ambos perceberam-nas, contristados. As contendas de Jerusalém estendiam-se a toda a comunidade de Antioquia; as lutas da circuncisão estavam acesas. Os próprios chefes mais eminentes estavam divididos pelas afirmativas dogmáticas. Tão alto grau atingiram os discrimes, que as vozes do Espírito Santo não mais se manifestavam. Manahen, cujos esforços na igreja eram indispensáveis, mantinha-se a distância, em vista das discussões estéreis e venenosas. Os irmãos achavam-se extremamente confusos. Uns eram partidários da circuncisão obrigatória, outros se batiam pela independência irrestrita do Evangelho. Eminentemente preocupado, o pregador tarsense observou as polêmicas furiosas, a respeito de alimentos puros e impuros.
Tentando estabelecer a harmonia geral em torno dos ensinamentos do Divino Mestre, Paulo tomava inutilmente a palavra, explicando que o Evangelho era livre e que a circuncisão era, tão-somente, uma característica convencional da intolerância judaica. Não obstante sua autoridade inconteste, que se aureolava de prestígio perante a comunidade inteira, em vista dos grandes valores espirituais conquistados na missão, os desentendimentos persistiam.
Alguns elementos chegados de Jerusalém complicaram ainda mais a situação. Os menos rigorosos falavam da autoridade absoluta dos Apóstolos galileus. Comentava-se, à sorrelfa, que a palavra de Paulo e Barnabé, por muito inspirada que fosse nas lições do Evangelho, não era suficientemente autorizada para falar em nome de Jesus.
A igreja de Antioquia oscilava numa posição de imensa perplexidade.
Perdera o sentido de unidade que a caracterizava, dos primórdios. Cada qual doutrinava do ponto de vista pessoal. Os gentios eram tratados com zombarias; organizavam-se movimentos a favor da circuncisão.
Fortemente impressionados com a situação, Paulo e Barnabé combinam um recurso extremo. Deliberam convidar Simão Pedro para uma visita pessoal à instituição de Antioquia.
Conhecendo-lhe o espírito liberto de preconceitos religiosos, os dois companheiros endereçam-lhe longa missiva, explicando que os trabalhos do Evangelho precisavam dos seus bons ofícios, insistindo pela sua atuação prestigiosa.
O portador entregou a carta, cuidadosamente, e, com grande surpresa para os cristãos antioquenos, o ex-pescador de Cafarnaum chegou à cidade, evidenciando grande alegria, em razão do período de repouso físico que se lhe deparava naquela excursão.
Paulo e Barnabé não cabiam em si de contentes. Acompanhando Simão, viera João Marcos que não abandonara, de todo, as atividades evangélicas. O grupo viveu lindas horas de confidências íntimas, a propósito das viagens missionárias, relatadas inteligentemente pelo ex-rabino, e relativamente aos fatos que se desenrolavam em Jerusalém, desde a morte do filho de Zebedeu, contados por Simão Pedro, com singular colorido.
Depois de bem informado da situação religiosa em Antioquia, o ex-pescador acrescentava:
— Em Jerusalém, nossas lutas são as mesmas. De um lado a igreja cheia de necessitados, todos os dias; de outro as perseguições sem tréguas. No centro de todas as atividades, permanece Tiago com as mais ríspidas exigências. Às vezes, sou tentado a lutar para restabelecer a liberdade dos princípios do Mestre; mas, como proceder? Quando a tempestade religiosa ameaça destruir o patrimônio que conseguimos oferecer aos aflitos do mundo, o farisaísmo esbarra na observância rigorosa do companheiro e é obrigado a paralisar a ação criminosa, encetada desde muito tempo. Se trabalhar por suprimir-lhe a influência, precipitarei a instituição de Jerusalém no abismo da destruição pelas tormentas políticas da grande cidade. E o programa do Cristo? E os necessitados? Seria justo prejudicarmos os mais desfavorecidos por causa de um ponto de vista pessoal?
E ante a atenção profunda de Paulo e Barnabé, o bondoso companheiro continuava:
— Sabemos que Jesus não deixou uma solução direta ao problema dos incircuncisos, mas ensinou que não será pela carne que atingiremos o Reino, e sim pelo raciocínio e pelo coração. Conhecendo, porém, a atuação do Evangelho na alma popular, o farisaísmo autoritário não nos perde de vista e tudo envida por exterminar a árvore do Evangelho, que vem desabrochando entre os simples e os pacíficos. É indispensável, pois, todo o cuidado de nossa parte, a fim de não causarmos prejuízos, de qualquer natureza, à planta divina.
Os companheiros faziam largos gestos de aprovação. Revelando sua imensa capacidade para nortear uma ideia e congraçar os numerosos prosélitos em divergência, Simão Pedro tinha uma palavra adequada para cada situação, um esclarecimento justo para o problema mais singelo.
A comunidade antioquiana regozijava-se. Os gentios não ocultavam o júbilo que lhes ia n'Alma. O generoso Apóstolo a todos visitava pessoalmente,
sem distinção ou preferência.
Antepunha sempre um bom sorriso às apreensões dos amigos que receavam a alimentação “impura” e costumava perguntar onde estavam as substâncias que não fossem abençoadas por Deus. Paulo acompanhava-lhe os passos sem dissimular íntima satisfação.
Num louvável esforço de congraçamento, o Apóstolo dos gentios fazia questão de levá-lo a todos os lugares onde houvesse irmãos perturbados pelas ideias da circuncisão obrigatória. Estabeleceu-se, rapidamente, notável movimento de confiança e uniformidade de opinião. Todos os confrades exultavam de contentamento.
Eis, porém, que chegam de Jerusalém três emissários de Tiago. Trazem cartas para Simão, que os recebe com muitas demonstrações de estima. Daí por diante, modifica-se o ambiente. O ex-pescador de Cafarnaum, tão dado à simplicidade e à independência em Cristo Jesus, retrai-se imediatamente. Não mais atende aos convites dos incircuncisos. As festividades íntimas e carinhosas, organizadas em sua honra, já não contam com a sua presença alegre e amiga. Na igreja, modificou as mínimas atitudes. Sempre em companhia dos mensageiros de Jerusalém, que nunca o deixavam, parecia austero e triste, jamais se referindo à liberdade que o Evangelho outorgara à consciência humana.
Paulo observou a transformação, tomado de profundo desgosto. Para o seu espírito habituado, de modo irrestrito, à liberdade de opinião, o fato era chocante e doloroso.
Agravara-o a circunstância de partir justamente de um crente como Simão, altamente categorizado e respeitável em todos os sentidos. Como interpretar aquele procedimento em completo desacordo com o que se esperava?
Ponderando a grandeza da sua tarefa junto dos gentios, a menor pergunta dos amigos, nesse particular, deixava-o confuso. Na sua paixão pelas atitudes francas, não era dos trabalhadores que conseguem esperar. E após duas semanas de expectação ansiosa, desejoso de proporcionar uma satisfação aos numerosos elementos incircuncisos de Antioquia, convidado a falar na tribuna para os companheiros, começou por exaltar a emancipação religiosa do mundo, desde a vinda de Jesus Cristo.
Passou em revista as generosas demonstrações que o Mestre dera aos publicanos e aos pecadores. Pedro ouvia-o, assombrado com tanta erudição e recurso de hermenêutica para ensinar aos ouvintes os princípios mais difíceis, Os mensageiros de Tiago estavam igualmente surpreendidos, a assembleia ouvia o orador atentamente.
Em dado instante, o tecelão de Tarso olhou fixamente para o Apóstolo galileu e exclamou:
— Irmãos, defendendo o nosso sentimento de unificação em Jesus, não posso disfarçar nosso desgosto em face dos últimos acontecimentos. Quero referir-me à atitude do nosso hóspede muito amado, Simão Pedro, a quem deveríamos chamar “mestre”, se esse título não coubesse de fato e de direito ao nosso Salvador. (1) As observações de Paulo na Epístola aos Gálatas (capítulo 2º, versículos 11 e 14) referem-se a um fato anterior à reunião dos discípulos. — Nota de Emmanuel.
A surpresa foi grande e o espanto geral. O Apóstolo de Jerusalém também estava surpreso, mas parecia muito calmo. Os emissários de Tiago revelavam profundo mal-estar. Barnabé estava lívido. E Paulo prosseguia sobranceiro:
— Simão tem personificado para nós um exemplo vivo. O Mestre no-lo deixou como rocha de fé imortal. No seu coração generoso temos depositado as mais vastas esperanças.
Como interpretar seu procedimento, afastando-se dos irmãos incircuncisos, desde a chegada dos mensageiros de Jerusalém? Antes disso, comparecia aos nossos serões íntimos, comia do pão de nossas mesas. Se assim procuro esclarecer a questão, abertamente, não é pelo desejo de escandalizar a quem quer que seja, mas porque só acredito num Evangelho livre de todos os preconceitos errôneos do mundo, considerando que a palavra do Cristo não está algemada aos interesses inferiores do sacerdócio, de qualquer natureza.
O ambiente carregara-se de nervosismo. Os gentios de Antioquia fitavam o orador, enternecidos e gratos. Os simpatizantes do farisaísmo, ao contrário, não escondiam seu rancor, em face daquela coragem quase audaciosa. Nesse instante, de olhos inflamados por sentimentos indefiníveis, Barnabé tomou a palavra, enquanto o orador fazia uma pausa, e considerou:
— Paulo, sou dos que lamentam tua atitude neste passo. Com que direito poderás atacar a vida pura do continuador de Cristo Jesus?
Isso, inquiria-o ele em tom altamente comovedor, com a voz embargada de lágrimas. Paulo e Pedro eram os seus melhores e mais caros amigos.
Longe de se impressionar com a pergunta, o orador respondeu com a mesma franqueza:
— Temos, sim, um direito: — o de viver com a verdade, o de abominar a hipocrisia, e, o que é mais sagrado — o de salvar o nome de Simão das arremetidas farisaicas, cujas sinuosidades conheço, por constituírem o báratro escuro de onde pude sair para as claridades do Evangelho da redenção.
A palestra do ex-rabino continuou rude e franca. De quando em quando, Barnabé surgia com um aparte, tornando a contenda mais remida.
Entretanto, em todo o curso da discussão, a figura de Pedro era a mais impressionante pela augusta serenidade do semblante tranquilo.
Naqueles rápidos instantes, o Apóstolo galileu considerou a sublimidade da sua tarefa no campo de batalha espiritual, pelas vitórias do Evangelho. De um lado estava Tiago, cumprindo elevada missão junto do judaísmo; de suas atitudes conservadoras surgiam incidentes felizes para a manutenção da igreja de Jerusalém, erguida como um ponto inicial para a cristianização do mundo; de outro lado estava a figura poderosa de Paulo, o amigo desassombrado dos gentios, na execução de uma tarefa sublime; de seus atos heroicos, derivava toda uma torrente de iluminação para os povos idólatras. Qual o maior a seus olhos de companheiro que convivera com o Mestre e dele recebera as mais altas lições? Naquela hora, o ex-pescador rogou a Jesus lhe concedesse a inspiração necessária para a fiel observância dos seus deveres. Sentiu o espinho da missão cravado em pleno peito, impossibilitado de se justificar com a só intencionalidade de seus atos, a menos que provocasse maior escândalo para a instituição cristã, que mal alvorecia no mundo. De olhos úmidos, enquanto Paulo e Barnabé se debatiam, teve a impressão de ver novamente o Senhor, no dia do Calvário. Ninguém o compreendera. Nem mesmo os discípulos amados. Em seguida, pareceu vê-lo expirante na cruz do martírio.
Uma força oculta conduzia-o a ponderar o madeiro com atenção. A cruz do Cristo parecia-lhe, agora, um símbolo de perfeito equilíbrio. Uma linha horizontal e uma linha vertical, justapostas, formavam figuras absolutamente retas. Sim, o instrumento do suplício enviava-lhe uma silenciosa mensagem.
Era preciso ser justo, sem parcialidade ou falsa inclinação, O Mestre amara a todos, indistintamente. Repartira os bens eternos com todas as criaturas. Ao seu olhar compassivo e magnânimo, gentios e judeus eram irmãos.
Experimentava, agora, singular acuidade para examinar conscienciosamente as circunstâncias. Devia amar a Tiago pelo seu cuidado generoso com os israelitas, bem como a Paulo de Tarso pela sua dedicação extraordinária a todos quantos não conheciam a ideia do Deus justo.
O ex-pescador de Cafarnaum notou que a maioria da assembleia lhe dirigia curiosos olhares. Os companheiros de Jerusalém deixavam perceber cólera íntima, na extrema palidez do rosto. Todos pareciam convocá-lo à discussão.
Barnabé tinha os olhos vermelhos de chorar e Paulo parecia cada vez mais franco, verberando a hipocrisia com a sua lógica fulminante. O Apóstolo preferiria o silêncio, de modo a não perturbar a fé ardente de quantos se arrebanhavam na igreja sob as luzes do Evangelho; mediu a extensão da sua responsabilidade naquele minuto inesquecível. Encolerizar-se seria negar os valores do Cristo e perder suas obras; inclinar-se para Tiago seria a parcialidade; dar absoluta razão aos argumentos de Paulo, não seria justo.
Procurou arregimentar na mente os ensinamentos do Mestre e lembrou a inolvidável sentença: — o que desejasse ser o maior, fosse o servo de todos.
Esse preceito proporcionou-lhe imenso consolo e grande força espiritual.
A polêmica ia cada vez mais ardida. Extremavam-se os partidos. A assembleia estava repleta de cochichos abafados. Era natural prever uma franca explosão.
Simão Pedro levantou-se. A fisionomia estava serena, mas os olhos estavam orvalhados de lágrimas que não chegavam a correr.
Valendo-se de uma pausa mais longa, ergueu a VOZ que logo apaziguou o tumulto:
— Irmãos! — disse nobremente — muito tenho errado neste mundo. Não é segredo para ninguém que cheguei a negar o Mestre no instante mais doloroso do Evangelho. Tenho medido a misericórdia do Senhor pela profundidade do abismo de minhas fraquezas. Se errei entre os irmãos muito amados de Antioquia, peço perdão de minhas faltas. Submeto-me ao vosso julgamento e rogo a todos que se submetam ao julgamento do Altíssimo.
A estupefação foi geral. Compreendendo o efeito, o ex-pescador concluiu a justificativa, dizendo:
— Reconhecida a extensão das minhas necessidades espirituais e recomendando-me às vossas preces, passemos, irmãos, aos comentários do Evangelho de hoje.
A assistência estava assombrada com o desfecho imprevisto. Esperava-se que Simão Pedro fizesse um longo discurso em represália. Ninguém conseguia recobrar-se da surpresa.
O Evangelho deveria ser comentado pelo Apóstolo galileu, mediante combinação prévia, mas o ex-pescador, antes de sentar-se de novo, exclamou muito sereno:
— Peço ao nosso irmão Paulo de Tarso o obséquio de consultar e comentar as anotações de Levi.
Não obstante o constrangimento natural, o ex-rabino considerou o elevado alcance daquele pedido, renovou num ápice todos os sentimentos extremistas do coração ardente e, num formoso improviso, falou da leitura dos pergaminhos da Boa Nova.
A atitude ponderada de Simão Pedro salvara a igreja nascente.
Considerando os esforços de Paulo e de Tiago, no seu justo valor, evitara o escândalo e o tumulto no recinto do santuário. À custa de sua abnegação fraternal, o incidente passou quase despercebido na história da cristandade primitiva, e nem mesmo a referência leve de Paulo na epístola aos Gálatas, a despeito da forma rígida, expressional do tempo, pode dar ideia do perigo iminente de escândalo que pairou sobre a instituição cristã, naquele dia memorável.
A reunião terminou sem novos atritos. Simão aproximou-se de Paulo e felicitou-o pela beleza e eloquência do discurso. Fez questão de voltar ao incidente para versá-lo com referências amistosas. O problema do gentilismo, dizia ele, merecia, de fato, muito interesse.
Como deserdar das luzes do Cristo o que havia nascido distante das comunidades judaicas, se o próprio Mestre afirmara que os discípulos chegariam do Ocidente e do Oriente?
A palestra suave e generosa reaproximou Paulo e Barnabé, enquanto o ex-pescador discorria intencionalmente, acalmando os ânimos.
O ex-doutor da Lei continuou a defender sua tese com argumentação sólida. Constrangido a princípio, em face da benevolência do galileu expandiu-se naturalmente, readquirindo a serenidade íntima. O problema era complexo.
Transportar o Evangelho para o judaísmo não seria asfixiar-lhe as possibilidades divinas? — perguntava Paulo, firmando seu ponto de vista. Mas, e o esforço milenar dos judeus? — interrogava Pedro, advertindo que, a seu ver, se Jesus afirmara sua missão como o exato cumprimento da Lei, não era possível afastar-se a nova da antiga revelação. Proceder de outro modo seria arrancar do tronco vigoroso o galho verdejante, destinado a frutescer.
Examinando aqueles argumentos ponderosos, Paulo de Tarso lembrou, então, que seria razoável promover em Jerusalém uma assembleia dos correligionários mais dedicados, para ventilar o assunto com maior amplitude.
Os resultados, a seu ver, seriam benéficos, por apresentarem uma norma justa de ação, sem margem a sofismas tão de gosto e hábito farisaicos.
Como alguém que se sentisse muito alegre por encontrar a chave de um problema difícil, Simão Pedro anuiu de bom grado à proposta, assegurando interessar-se para que a reunião se fizesse quanto antes. Intimamente, considerou que seria ótima oportunidade para os discípulos de Antioquia observarem as dificuldades crescentes em Jerusalém.
À noite, todos os irmãos compareceram à igreja para as despedidas de Simão e para as preces habituais. Pedro orou com santificado fervor e a comunidade sentiu-se envolvida em benéficas vibrações de paz.
O incidente a todos deixara tal ou qual perplexidade, mas, as atitudes prudentes e afáveis do pescador conseguiram manter a coesão geral em torno do Evangelho, para continuação das tarefas santificantes.
Depois de observar a plena reconciliação de Paulo e Barnabé, Simão Pedro regressou a Jerusalém com os mensageiros de Tiago.
Em Antioquia, a situação continuou instável. As discussões estéreis prosseguiam acesas.
A influência judaizante combatia a gentilidade e os cristãos livres opunham resistência formal ao convencionalismo preconceituoso. O ex-rabino, entretanto, não descansava. Convocou reuniões, nas quais esclareceu as finalidades da assembleia que Simão lhes prometera em Jerusalém, na primeira oportunidade. Combatente ativo, multiplicou as energias próprias na sustentação da independência do Cristianismo e prometeu publicamente que traria cartas da igreja dos Apóstolos galileus, que garantissem a posição dos gentios na doutrina consoladora de Jesus, alijando-se as imposições absurdas, no caso da circuncisão.
Suas providências e promessas acendiam novas lutas. Os observadores rigorosos dos preceitos antigos duvidavam de semelhantes concessões por parte de Jerusalém.
Paulo não desanimou. Intimamente, idealizava sua chegada à igreja dos Apóstolos, passava em revista, na imaginação superexcitada, toda a argumentação poderosa a empregar, e via-se vencedor na questão que se delineava a seus olhos como de essencial importância para o futuro do Evangelho.
Procuraria mostrar a elevada capacidade dos gentios para o serviço de Jesus.
Contaria os êxitos obtidos na longa excursão de mais de quatro anos, através das regiões pobres e quase desconhecidas, onde a gentilidade havia recebido as notícias do Mestre com intenso júbilo e compreensão muito mais elevada que a dos seus irmãos de raça. Alargando os projetos generosos, deliberou levar em sua companhia o jovem Tito, que, embora oriundo das fileiras pagãs e não obstante contar vinte anos incompletos, representava na igreja de Antioquia uma das mais lúcidas inteligências a serviço do Senhor. Desde a vinda de Tarso, Tito afeiçoara-se-lhe como um irmão generoso. Notando-lhe a índole laboriosa, Paulo ensinara-lhe o ofício de tapeceiro e fora ele o seu substituto na tenda humilde, por todo o tempo que durou a primeira missão. O rapaz seria um expoente do poder renovador do Evangelho. Certamente, quando falasse na reunião, surpreenderia os mais doutos com os seus argumentos de alto teor exegético.
Acariciando esperanças, Paulo de Tarso tomou todas as providências para que o êxito de seus planos não falhasse.
Ao fim de quatro meses, um emissário de Jerusalém trazia a esperada notificação de Pedro, referente à assembleia. Coadjuvado pela operosidade de Barnabé, o ex-rabino acelerou as providências indispensáveis. Na véspera de partir, subiu à tribuna e renovou a promessa das concessões esperadas pelo gentilismo, insensível ao sorriso irônico que alguns israelitas disfarçavam cautelosamente.
Na manhã imediata, a pequena caravana partiu. Compunham-na Paulo e Barnabé, Tito e mais dois irmãos, que os acompanhavam em caráter de auxiliares.
Fizeram uma viagem vagarosa, escalando em todas as aldeias, para as pregações da Boa Nova, disseminando curas e consolações.
Depois de muitos dias, chegaram a Jerusalém, onde foram recebidos por Simão, com inexcedível contentamento. Em companhia de João, o generoso Apóstolo ofereceu-lhes fraternal acolhida. Ficaram todos no departamento em que se localizavam numerosos necessitados e doentes. Paulo e Barnabé examinaram as modificações introduzidas na casa.
Outros pavilhões, embora humildes, estendiam-se além, cobrindo não pequena área.
— Os serviços aumentaram — explicava Simão, bondosamente —; os enfermos, que nos batem às portas, multiplicam-se todos os dias. Foi preciso construir novas dependências.
A fileira de catres parecia não ter fim. Aleijados e velhinhos distraíam-se ao sol, entre as árvores amigas do quintal.
Paulo estava admirado com a amplitude das obras. Daí a pouco, Tiago e outros companheiros vinham saudar os irmãos da instituição antioquense. O ex-rabino fixou o Apóstolo que chefiava as pretensões do judaísmo. O filho de Alfeu aparecia-lhe, agora, radicalmente transformado. Suas feições eram de um “mestre de Israel”, com todas as características indefiníveis dos hábitos farisaicos. Não sorria. Os olhos deixavam perceber uma presunção de superioridade que raiava pela indiferença. Seus gestos eram medidos como os de um sacerdote do Templo, nos atos cerimoniais. O tecelão de Tarso tirou suas ilações íntimas e esperou a noite em que se iniciariam as discussões preparatórias. À claridade de algumas tochas, sentavam-se em torno de extensa mesa diversas personagens que Paulo não conhecia. Eram novos cooperadores da igreja de Jerusalém, explicava Pedro, com bondade. O ex-rabino e Barnabé não tiveram boa impressão, à primeira vista. Os desconhecidos assemelhavam-se a figuras do Sinédrio, na sua posição hierárquica e convencional.
Chegados ao recinto, o convertido de Damasco experimentou sua primeira decepção.
Observando que os representantes de Antioquia se faziam acompanhar por um jovem, Tiago adiantou-se e perguntou:
— Irmãos, é justo saibamos quem é o rapaz que trazeis a este cenáculo discreto. Nossa preocupação é fundamentada nos preceitos da tradição que manda examinar a procedência da juventude, a fim de que os serviços de Deus não sejam perturbados.
— Este é o nosso valoroso colaborador de Antioquia — explicou Paulo, entre orgulhoso e satisfeito —, chama-se Tito e representa uma de nossas grandes esperanças na seara de Jesus Cristo.
O Apóstolo fixou-o sem surpresa e tornou a perguntar:
— É filho do povo eleito?
— É descendente de gentios — afirmou o ex-rabino, quase com altivez.
— Circuncidado? — interrogou o filho de Alfeu ciosamente.
— Não.
Este não, de Paulo, foi dito com tal ou qual enfado. As exigências de Tiago enervavam-no. Ouvindo a negativa, o Apóstolo galileu esclareceu em tom firme:
— Penso, então, que não será justo admiti-lo na assembleia, visto não ter ainda cumprido todos os preceitos.
— Apelamos para Simão Pedro — disse Paulo, convicto. — Tito é representante de nossa comunidade.
O ex-pescador de Cafarnaum estava lívido. Colocado entre os dois grandes representantes, do judaísmo e da gentilidade, tinha que decidir crestamento o impasse inesperado.
Como sua intervenção direta demorasse alguns minutos, o tecelão tarsense continuou:
— Aliás, a reunião deverá resolver estas questões palpitantes, a fim de que se estabeleçam os direitos legítimos dos gentios.
Simão, porém, conhecendo ambos os contendores, deu-se pressa em opinar, exclamando em tom conciliador:
— Sim, o assunto será objeto de nosso atencioso exame na assembleia. — E dirigindo intencionalmente o olhar ao ex-rabino, prosseguia explicando: — Apelas para mim e aceito o recurso; no entanto, devemos estudar a objeção de Tiago mais detidamente. Trata-se de um chefe dedicado desta casa e não seria justo desprezar-lhe os préstimos. De fato, o conselho discutirá esses casos, mas isso significa que o assunto ainda não está resolvido. Proponho, então, que o irmão Tito seja circuncidado amanhã, para que participe dos debates com a inspiração superior que lhe conheço. E tão-só com essa providência os horizontes ficarão necessariamente aclarados, para tranquilidade de todos os discípulos do Evangelho.
A sutileza do argumento removeu os empecilhos. Se não agradou a Paulo, satisfez a maioria e, regressando o jovem de Antioquia para o interior da casa, a assembleia começou pelas discussões preliminares. O ex-rabino estava taciturno e abatido. A atitude de Tiago, os novos elementos estranhos ao Evangelho, que teriam de votar na reunião, o gesto conciliador de Simão Pedro, desgostavam-no profundamente. Aquela imposição no caso de Tito figurava-se-lhe um crime. Tinha ímpetos de regressar a Antioquia, acusar de hipócritas e “sepulcros caiados” os irmãos judaizantes. Mas, as cartas de emancipação que havia prometido aos companheiros da gentilidade? Não seria mais conveniente recalcar seus melindres feridos por amor aos irmãos de ideal? Não seria mais justo aguardar deliberações definitivas e humilhar-se? A lembrança de que os amigos contavam com as suas promessas acalmou-o.
Fundamente desapontado, o convertido de Damasco acompanhou atento os primeiros debates. As questões iniciais davam ideia das grandes modificações que procuravam introduzir no Evangelho do Mestre.
Um dos irmãos presentes chegava a ponderar que os gentios deviam ser considerados como o “gado” do povo de Deus: bárbaros que importava submeter à força, a fim de serem empregados nos trabalhos mais pesados dos escolhidos. Outro indagava se os pagãos eram semelhantes aos outros homens convertidos a Moisés ou a Jesus. Um velho de feições rígidas chegava ao despautério de afiançar que o homem só vingava completar-se depois de circunciso. À margem da gentilidade, outros temas fúteis vinham à baila.
Houve quem lembrasse que a assembleia devia regular os deveres concernentes aos alimentos impuros, bem como sobre o processo mais adequado à ablução (purificação) das mãos. Tiago argumentava e discorria como profundo conhecedor de todos os preceitos. Pedro ouvia, com grande serenidade. Nunca respondia quando a tese assumia o caráter de conversação, e aguardava momento oportuno para manifestar-se. Somente tomou atitude mais enérgica, quando um dos componentes do conselho pediu para que o Evangelho de Jesus fosse incorporado ao livro dos profetas, ficando subordinado à Lei de Moisés para todos os efeitos. Foi a primeira vez que Paulo de Tarso notou o ex-pescador intransigente e quase rude, explicando o absurdo de semelhante sugestão.
Os trabalhos foram paralisados alta noite, em fase de pura preparação.
Tiago recolheu os pergaminhos com anotações, orou de joelhos e a assembleia dispersou-se para nova reunião no dia imediato.



Kardec e amigos

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..."Recordemos que o Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade:
 a caridade de sua própria divulgação" Emmanuel


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