Chico Xavier / Emmanuel
Simão procurou a companhia de Paulo e
Barnabé, para dirigir-se aos aposentos de repouso.
O tecelão de Tarso estava consternado. A circuncisão de Tito
surgia-lhe como derrota dos seus princípios intransigentes.
Não se conformava, fazendo sentir ao ex-pescador a extensão de
suas contrariedades.
— Mas que vem a ser tão pequena concessão — interrogava o
Apóstolo de Cafarnaum, sempre afável — em face do que
pretendemos realizar?
Precisamos de ambiente pacífico para esclarecer o problema da
obrigatoriedade da circuncisão. Não firmaste compromisso com o
gentilismo de Antioquia?
Paulo recordou a promessa que fizera aos irmãos e concordou:
— Sim, é verdade.
— Reconheçamos, pois, a necessidade de muita calma para chegar
às soluções precisas.
As dificuldades, neste sentido, não prevalecem tão-só para a
igreja antioquiana. As comunidades de Cesareia, de Jope, bem
como de outras regiões, encontram-se atormentadas por esses
casos transcendentes. Bem sabemos que todas as cerimônias
externas são de evidente inutilidade para a alma; mas, tendo
em vista os princípios respeitáveis do judaísmo, não podemos
declarar guerra de morte às suas tradições, de um momento para
outro. Será justo lutar com muita prudência sem ofender
rudemente a ninguém.
O ex-rabino escutou as admoestações do Apóstolo e, recordando
as lutas a que ele próprio assistira no ambiente farisaico,
pôs-se a meditar silenciosamente.
Mais alguns passos e atingiram a sala transformada em
dormitório de Pedro e João. Entraram. Enquanto Barnabé e o
filho de Zebedeu se entregavam a animada palestra, Paulo
sentou-se ao lado do ex-pescador, mergulhando-se em profundos
pensamentos.
Depois de alguns instantes, o ex-doutor da Lei, saindo da sua
abstração, chamou Pedro, murmurando:
— Custa-me concordar com a circuncisão de Tito, mas não vejo
outro recurso.
Atraídos por aquela confissão, Barnabé e João puseram-se
também a ouvi-lo atentamente.
— Mas, curvando-me à providência — continuou com inexcedível
franqueza —, não posso deixar de reconhecer no fato uma das
mais altas demonstrações de fingimento. Concordarei naquilo
que não aceito de modo algum. Quase me arrependo de ter
assumido compromissos com os nossos amigos de Antioquia; não
supunha que a política abominável das sinagogas houvesse
invadido totalmente a igreja de Jerusalém.
O filho de Zebedeu fixou no convertido de Damasco os olhos
muito lúcidos, ao passo que Simão respondia serenamente:
— A situação é, de fato, muito delicada. Principalmente depois
do sacrifício de alguns companheiros mais amados e
prestimosos, as dificuldades religiosas em Jerusalém
multiplicam-se todos os dias.
E vagueando o olhar pelo aposento, como se quisesse traduzir
fielmente o seu pensamento, continuou:
— Quando se agravou a situação, cogitei da possibilidade de me
transferir para outra comunidade; em seguida, pensei em
aceitar a luta e reagir; mas, uma noite, tão bela como esta,
orava eu neste quarto, quando percebi a presença de alguém que
se aproximava devagarinho. Eu estava de joelhos quando a porta
se abriu com imensa surpresa para mim.
Era o Mestre! Seu rosto era o mesmo dos formosos dias de
Tiberíades.
Fitou-me grave e terno, e falou: — “Pedro, atende aos filhos
do Calvário”, antes de pensar nos teus caprichos!” A
maravilhosa visão durou um minuto, mas, logo após, pus-me a
recordar os velhinhos, os necessitados, os ignorantes e
doentes que nos batem à porta. O Senhor recomendava-me atenção
para os portadores da cruz. Desde então, não desejei mais que
servi-los.
O Apóstolo tinha os olhos úmidos e Paulo sentia-se bastante
impressionado, pois lembrava que ouvira a expressão “filhos do
Calvário” dos lábios espirituais de Abigail, quando da sua
gloriosa visão, no silêncio da noite, ao aproximar-se de
Tarso.
— Com efeito, grande é a luta — concordou o convertido de
Damasco, parecendo mais tranquilo.
E mostrando-se convicto da necessidade de examinar o realismo
da vida comum, não obstante a beleza das prodigiosas
manifestações do plano invisível, voltou a dizer:
— Entretanto, precisamos encontrar um meio de libertar as
verdades evangélicas do convencionalismo humano. Qual a razão
principal da preponderância farisaica na igreja de Jerusalém?
Simão Pedro esclareceu sem rebuços (fingimento):
— As maiores dificuldades giram em torno da questão monetária.
Esta casa alimenta mais de cem pessoas, diariamente, além dos
serviços de assistência aos enfermos, aos órfãos e aos
desamparados. Para a manutenção dos trabalhos são
indispensáveis muita coragem e muita fé, porque as dívidas
contraídas com os socorredores da cidade são inevitáveis.
— Mas os doentes — interrogou Paulo, atencioso — não trabalham
depois de melhorados?
— Sim — explicou o Apóstolo —, organizei serviços de plantação
para os restabelecidos e impossibilitados de se ausentarem
logo de Jerusalém. Com isso, a casa não tem necessidade de
comprar hortaliças e frutas. Quanto aos melhorados, vão
tomando o encargo de enfermeiros dos mais desfavorecidos da
saúde. Essa providência permitiu a dispensa de dois homens
remunerados, que nos auxiliavam na assistência aos loucos
incuráveis ou de cura mais difícil.
Como vês, estes detalhes não foram esquecidos e mesmo assim a
igreja está onerada de despesa e dívidas que só a cooperação
do judaísmo pode atenuar ou desfazer.
Paulo compreendeu que Pedro tinha razão. No entanto, ansioso
de proporcionar independência aos esforços dos irmãos de
ideal, considerou:
— Advirto, então, que precisamos instalar aqui elementos de
serviço que habilitem a casa a viver de recursos próprios. Os
órfãos, os velhos e os homens aproveitáveis poderão encontrar
atividades além dos trabalhos agrícolas e produzir alguma
coisa para a renda indispensável. Cada qual trabalharia de
conformidade com as próprias forças, sob a direção dos irmãos
mais experimentados. A produção do serviço garantiria a
manutenção geral.
Como sabemos, onde há trabalho há riqueza, e onde há
cooperação há paz. É o único recurso para emancipar a igreja
de Jerusalém das imposições do farisaísmo, cujas artimanhas
conheço desde o princípio de minha vida.
Pedro e João estavam maravilhados. A ideia de Paulo era
excelente. Vinha ao encontro de suas preocupações ansiosas,
pelas dificuldades que pareciam não ter fim.
— O projeto é extraordinário — disse Pedro — e viria resolver
grandes problemas de nossa vida.
O filho de Zebedeu, que tinha os olhos radiantes de júbilo,
atacou, por sua vez, o assunto, objetando:
— Mas, o dinheiro? Onde encontrar os fundos indispensáveis ao
grandioso empreendimento?...
O ex-rabino entrou em profunda meditação e esclareceu:
— O Mestre auxiliará nossos bons propósitos. Barnabé e eu
empreendemos longa excursão a serviço do Evangelho e vivemos,
em todo o seu transcurso, a expensas do nosso trabalho. Eu
tecelão, ele oleiro, em atividade provisória nos lugares onde
passamos.
Realizada a primeira experiência, poderíamos voltar agora às
mesmas regiões e visitar outras, pedindo recursos para a
igreja de Jerusalém.
Provaríamos nosso desinteresse pessoal, vivendo à custa de
nosso esforço e recolheríamos as dádivas por toda parte,
conscientes de que, se temos trabalhado pelo Cristo, será
justo também pedirmos por amor ao Cristo. A coleta viria
estabelecer a liberdade do Evangelho em Jerusalém, porque
representaria o material indispensável a edificações
definitivas no plano do trabalho remunerador.
Estava esboçado, assim, o programa a que o generoso Apóstolo
da gentilidade haveria de submeter-se pelo resto de seus dias.
No seu desempenho teria de sofrer as mais cruéis acusações;
mas, no santuário do seu coração devotado e sincero, Paulo, de
par com os grandiosos serviços apostólicos, levaria a coleta
em favor de Jerusalém, até ao fim da sua existência terrestre.
Ouvindo-lhe os planos, Simão levantou-se e abraçou-o, dizendo
comovido:
— Sim, meu amigo, não foi em vão que Jesus te buscou
pessoalmente às portas de Damasco.
Fato pouco vulgar na sua vida, Paulo tinha os olhos rasos de
pranto. Fitou o ex-pescador de modo significativo,
considerando Intimamente suas dívidas de gratidão ao Salvador,
e murmurou:
— Não farei mais que o meu dever. Nunca poderei olvidar que
Estevão saiu dos catres desta casa, os quais já serviram
igualmente a mim próprio.
Todos estavam extremamente sensibilizados. Barnabé comentou a
ideia com entusiasmo e enriqueceu o plano de numerosos
pormenores.
Nessa noite, os dedicados discípulos do Cristo sonharam com a
independência do Evangelho em Jerusalém; com a emancipação da
igreja, isenta das absurdas imposições da sinagoga.
No dia imediato procedeu-se solenemente à circuncisão de Tito,
sob a direção cuidadosa de Tiago e com a profunda repugnância
de Paulo de Tarso.
As assembleias noturnas continuaram por mais de uma semana.
Nas primeiras noites, preparando terreno para advogar
abertamente a causa da gentilidade, o ex-pescador de Cafarnaum
solicitou aos representantes de Antioquia expusessem a
impressão das visitas aos pagãos de Chipre, Panfília, Pisídia
e Licaônia. Paulo, fundamente contrariado com as exigências
aplicadas a Tito, pediu a Barnabé falasse em seu nome.
O ex-levita de Chipre fez extenso relato de todos os
acontecimentos, provocando imensa surpresa a quantos lhe
ouviam as referências ao extraordinário poder do Evangelho,
entre aqueles que ainda não haviam esposado uma crença pura.
Em seguida, atendendo ainda a observações de Paulo, Tito
falou, profundamente comovido com a interpretação dos
ensinamentos do Cristo e mostrando possuir formosos dons de
profecia, fazendo-se admirar pelo próprio Tiago, que o abraçou
mais de uma vez.
Ao termo dos trabalhos, discutia-se ainda a obrigatoriedade da
circuncisão para os gentios. O ex-rabino seguia os debates,
silencioso, admirando o poder de resistência e tolerância de
Simão Pedro.
Quando o ex-pescador reconheceu que as divergências
prosseguiriam indefinidamente, levantou-se e pediu a palavra,
fazendo a generosa e sábia exortação de que os Atos dos
Apóstolos (capítulo 15, versículos 7 e 11) fornecem notícia:
— Irmãos — começou Pedro, enérgico e sereno —, bem sabeis que,
de há muito, Deus nos elegeu para que os gentios ouvissem as
verdades do Evangelho e cressem no seu Reino.
O Pai, que conhece os corações, deu aos circuncisos e aos
incircuncisos a palavra do Espírito Santo. No dia glorioso do
Pentecostes as vozes falaram na praça pública de Jerusalém,
para os filhos de Israel e dos pagãos. O Todo Poderoso
determinou que as verdades fossem anunciadas indistintamente.
Jesus afirmou que os cooperadores do Reino chegariam do
Oriente e do Ocidente. Não compreendo tantas controvérsias,
quando a situação é tão clara aos nossos olhos.
O Mestre exemplificou a necessidade de harmonização constante:
Palestrava com os doutores do Templo; frequentava a casa dos
publicanos; tinha expressão de bom ânimo para todos os que se
baldavam de esperança; aceitou o derradeiro suplício entre os
ladrões. Por que motivo devemos guardar uma pretensão de
isolamento daqueles que experimentam a necessidade maior?
Outro argumento que não deveremos esquecer é o da chegada do
Evangelho ao mundo, quando já possuíamos a Lei. Se o Mestre
no-lo trouxe, amorosamente, com os mais pesados sacrifícios,
seria justo enclausurarmo-nos nas tradições convencionais,
esquecendo o campo de trabalho? Não mandou o Cristo que
pregássemos a Boa Nova a todas as nações? Claro que não
poderemos desprezar o patrimônio dos israelitas. Temos de amar
nos filhos da Lei, que somos nós, a expressão de profundos
sofrimentos e de elevadas experiências que nos chegam ao
coração através de quantos precederam o Cristo, na tarefa
milenária de preservar a fé no Deus único; mas esse
reconhecimento deve inclinar nossa alma para o esforço na
redenção de todas as criaturas. Abandonar o gentio à própria
sorte seria criar duro cativeiro, em vez de praticar aquele
amor que apaga todos os pecados. É pelo fato de muito
compreendermos os judeus e de muito estimarmos os preceitos
divinos, que precisamos estabelecer a melhor fraternidade com
o gentio, convertendo-o em elemento de frutificação divina.
Cremos que Deus nos purifica o coração pela fé e não pelas
ordenanças do mundo. Se hoje rendemos graças pelo triunfo
glorioso do Evangelho, que instituiu a nossa liberdade, como
impor aos novos discípulos um jugo que, intimamente, não
podemos suportar? Suponho, então, que a circuncisão não deva
constituir ato obrigatório para quantos se convertam ao amor
de Jesus Cristo, e creio que só nos salvaremos pelo favor
divino do Mestre, estendido generosamente a nós e a eles
também.
A palavra do Apóstolo caíra na fervura das opiniões como forte
jato de água fria. Paulo estava radiante, ao passo que Tiago
não conseguia ocultar o desapontamento.
A exortação do ex-pescador dava margem a numerosas
interpretações; se falava no respeito amoroso aos judeus,
referia-se também a um jugo que não podia suportar. Ninguém,
todavia, ousou negar-lhe a prudência e bom-senso indubitáveis.
Terminada a oração, Pedro rogou a Paulo falasse de suas
impressões pessoais, a respeito do gentio. Mais esperançado, o
ex-rabino tomou a palavra pela primeira vez, no conselho, e
convidando Barnabé ao comentário geral, ambos apelaram para
que a assembleia concedesse a necessária independência aos
pagãos, no que se referia à circuncisão.
Havia em tudo, agora, uma nota de satisfação geral. As
observações de Pedro calaram fundo em todos os companheiros.
Foi então que Tiago tomou a palavra, e, vendo-se quase só no
seu ponto de vista, esclareceu que Simão fora muito bem
inspirado no seu apelo; mas pediu três emendas para que a
situação ficasse bem esclarecida. Os pagãos ficavam isentos da
circuncisão, mas deviam assumir o compromisso de fugir da
idolatria, evitar a luxúria e abster-se das carnes de animais
sufocados.
O Apóstolo dos gentios estava satisfeito. Fora removido o
maior obstáculo.
No dia seguinte os trabalhos foram encerrados, lavrando-se as
resoluções em pergaminho. Pedro providenciou para que cada
irmão levasse consigo uma carta, como prova das deliberações,
em virtude da solicitação de Paulo, que desejava exibir o
documento como mensagem de emancipação da gentilidade.
Interpelado pelo ex-pescador, quando se achavam a sós, sobre
as impressões pessoais dos trabalhos, o ex-doutor de Jerusalém
esclareceu com um sorriso:
— Em suma, estou satisfeito. Ficou resolvido o mais difícil
dos problemas.
A obrigatoriedade da circuncisão, para os gentios,
representava um crime aos meus olhos.
Quanto às emendas de Tiago, não me impressionam, porquanto a
idolatria e a luxúria são atos detestáveis para a vida
particular de cada um; e, quanto às refeições, suponho que
todo cristão poderá comer como melhor lhe pareça, desde que os
excessos sejam evitados.
Pedro sorriu e explicou ao ex-rabino seus novos planos.
Comentou, esperançoso, a ideia da coleta geral em favor da
igreja de Jerusalém, e, evidenciando a peculiar prudência,
falou preocupado:
— Teu projeto de excursão e propaganda da Boa Nova, procurando
angariar alguns recursos para solução de nossos mais sérios
encargos, causa-me justa satisfação; entretanto, venho
refletindo na situação da igreja antioquiana. Pelo que
observei de viso, concluo que a instituição necessita de
servidores dedicados que se substituam nos trabalhos
constantes de cada dia.
Tua ausência, ao demais com Barnabé, trará dificuldades, caso
não tomemos as providências precisas. Eis por que te ofereço a
cooperação de dois companheiros devotados, que me têm
substituído aqui nos encargos mais pesados. Trata-se de Silas
e Barsabás, dois discípulos amigos da gentilidade e dos
princípios liberais. De vez em quando, entram em desacordo com
Tiago, como é natural, e, segundo creio, serão ótimos
auxiliares do teu programa.
Paulo viu no alvitre a providência que desejava. Junto de
Barnabé, que participava da conversação, agradeceu ao
ex-pescador, profundamente sensibilizado. A igreja da
Antioquia teria os recursos necessários que os trabalhos
evangélicos requeriam. A medida proposta era-lhe muito grata,
mesmo porque, desde logo tivera por Silas grande simpatia,
presumindo nele um companheiro leal, expedito e dedicado.
Os missionários de Antioquia ainda se demoraram três dias na
cidade, após o encerramento do conselho, tempo esse que
Barnabé aproveitou para repousar em casa da irmã. Paulo,
contudo, declinou do convite de Maria Marcos e permaneceu na
igreja, estudando a situação futura, em companhia de Simão
Pedro e dos dois novos colaboradores.
Em atmosfera de grande harmonia, os trabalhadores do Evangelho
versaram todos os requisitos do projeto.
Fato digno de nota a reclusão de Paulo, junto aos Apóstolos
galileus, jamais saindo à rua, para não entrar em contacto com
o cenário vivo do seu passado tumultuoso.
Finalmente, tudo pronto e ajustado, a missão se dispôs a
regressar. Havia em todas as fisionomias um sinal de gratidão
e de esperança santificada nos dias do porvir. Verificava-se,
no entanto, um detalhe curioso, que é indispensável destacar.
Solicitado pela irmã, Barnabé dispusera-se a aceitar a
contribuição de João Marcos, em nova tentativa de adaptação ao
serviço do Evangelho. Considerando a boa intenção com que
acedera aos pedidos da irmã, o ex-levita de Chipre achou
desnecessário consultar o companheiro de esforços comuns.
Paulo, porém, não se magoou. Acolheu a resolução de Barnabé,
um tanto admirado, abraçou o jovem afetuosamente e esperou que
o discípulo de Pedro se pronunciasse, quanto ao futuro.
O grupo, acrescido de Silas, Barsabás e João Marcos, pôs-se a
caminho para Antioquia, nas melhores disposições de harmonia.
Revezando-se na tarefa de pregação das verdades eternas,
anunciavam o Reino de Deus e faziam curas por onde passavam.
Chegados ao destino, com grandes manifestações de júbilo da
gentilidade, organizaram o plano colimado para dar-lhe
imediata eficiência. Paulo expôs o propósito de voltar às
comunidades cristãs já fundadas, estendendo a excursão
evangélica por outras regiões onde o Cristianismo não fosse
conhecido. O plano mereceu aprovação geral. A instituição
antioquena ficaria com a cooperação direta de Barsabás e
Silas, os dois companheiros devotados que, até ali, haviam
constituído duas fortes colunas de trabalho em Jerusalém.
Apresentado o relatório verbal dos esforços em perspectiva,
Paulo e Barnabé entraram a cogitar das últimas disposições
particulares.
— Agora — disse o ex-levita de Chipre —, espero concordes com
o que resolvi relativamente a João.
— João Marcos? — interrogou Paulo admirado.
— Sim, desejo levá-lo conosco, a fim de afeiçoá-lo à tarefa.
O ex-rabino franziu o sobrecenho num gesto muito seu, quando
contrariado, e exclamou:
— Não concordo; teu sobrinho está ainda muito jovem para o
cometimento.
— Entretanto, prometi à minha irmã acolhê-lo em nossos
labores.
— Não pode ser.
Estabeleceu-se entre os dois uma contenda de palavras, na qual
Barnabé deixava perceber seu descontentamento. O ex-rabino
procurava justificar-se, ao passo que o discípulo de Pedro
alegava o compromisso assumido e impugnava, com tal ou qual
amargura, a atitude do companheiro, O ex-doutor, contudo, não
se deixou convencer. A readmissão de João Marcos, dizia, não
era justa. Poderia falhar novamente, fugir aos compromissos
assumidos, desprezar a oportunidade do sacrifício. Lembrava as
perseguições de Antioquia de Pisídia, as enfermidades
inevitáveis, as dores morais experimentadas em Icônio, o
apedrejamento cruel na praça de Listra. Acaso o rapaz estaria
preparado, em tão pouco tempo, para compreender o alcance de
todos esses acontecimentos, em que a alma era compelida a
regozijar-se com o testemunho?
Barnabé estava magoado, de olhos úmidos.
— Afinal, disse em tom comovedor, nenhum desses argumentos me
convence e me esclarece, em consciência. Primeiramente, não
vejo por que desfazer nossos laços afetivos…
O ex-rabino não o deixou terminar e concluiu:
— Isso nunca. Nossa amizade está muito acima destas
circunstâncias.
Nossos elos são sagrados.
— Pois bem — acentuou Barnabé —, como interpretar, então, tua
recusa?
Por que negarmos ao rapaz uma nova experiência de trabalho
regenerativo?
Não será falta de caridade desprezar um ensejo talvez
providencial?
Paulo fixou demoradamente o amigo e acrescentou:
— Minha intuição, neste sentido, é diversa da tua. Quase
sempre, Barnabé, a amizade a Deus é incompatível com a amizade
ao mundo. Levantando-nos para a execução fiel do dever, as
noções do mundo se levantam contra nós.
Parecemos maus e ingratos. Mas, ouve-me: ninguém encontrará
fechadas as portas da oportunidade, porque é o Todo Poderoso
quem no-las abre. A ocasião é a mesma para todos, mas os
campos devem ser diferentes. No trabalho propriamente humano,
as experiências podem ser renovadas todos os dias. Isso é
justo. Mas considero que, no serviço do Pai, se interrompemos
a tarefa começada, é sinal de que ainda não temos todas as
experiências indispensáveis ao homem completo. Se a criatura
ainda não sabe todas as noções mais nobres, relativas à sua
vida e deveres terrestres, como consagrar-se com êxito ao
serviço divino? Naturalmente que não podemos ajuizar se este
ou aquele já terminou o curso de suas demonstrações humanas e
que, de hoje por diante, esteja apto ao serviço do Evangelho,
porque, neste particular, cada um se revelará por si. Creio,
mesmo, que teu sobrinho atingirá essa posição, com mais
algumas lutas. Nós, entretanto, somos forçados a considerar
que não vamos tentar uma experiência, mas um testemunho.
Compreendes a diferença?
Barnabé compreendeu o imenso alcance daquelas razões concisas,
irrefutáveis, e calou-se para dizer daí a momentos:
— Tens razão. Desta vez não poderei, portanto, ir contigo.
Paulo sentiu toda a tristeza que transbordava daquelas
palavras e, depois de meditar longo tempo, acentuou:
— Não nos entristeçamos. Estou refletindo na possibilidade de
tua partida, com João Marcos, para Chipre. Ele encontraria,
ali, um campo adequado aos trabalhos que lhe são necessários
e, ao mesmo tempo, cuidaria da organização que fundamos na
ilha. Dentro deste plano, continuaríamos em cooperação
perfeita, mesmo no que se refere à coleta para a igreja de
Jerusalém. Desnecessário será dizer da utilidade de tua
presença em Nea-Pafos e Salamina. Quanto a mim, tomaria a
Silas, internando-me pelo Tauro, e a igreja de Antioquia
ficará com a cooperação de Barsabás e Tito.
Barnabé ficou contentíssimo. O projeto pareceu-lhe admirável.
Paulo continuava, a seus olhos, como o companheiro das
soluções oportunas.
E dentro de breves dias, a caminho de Chipre, onde serviria a
Jesus até que partisse, mais tarde, para Roma, Barnabé foi com
o sobrinho para Selêucia, depois de se abraçarem, ele e Paulo,
como dois irmãos muito amados, que o Mestre chamava a
diferentes destinos.
Kardec e amigos
Jesus Cristo
Chico Xavier
..."Recordemos que o
Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade:
a caridade de sua própria divulgação" Emmanuel
Abigail, doente
Emmanuel e Chico Xavier
Aparição de Jesus