"Jesus Confirmou a promessa,
renovou a aliança, cumpriu as profecias e trouxe-nos a salvação. Nele a
história alcançou o ápice. Ofereceu um sacrifício perfeito, que foi
aceito pelo o Pai. Tornou-se sumo sacerdote sobre a casa de Deus e
assentou-se á sua direita. O profeta semelhante a Moisés foi erguido
sobre a terra. O filho de Davi foi entronizado, inaugurando o reino de
Deus. O Filho do Homem recebeu domínio das mãos do Eterno. O Servo do
Senhor, moído pelas transgressões do seu povo e tendo levado o pecado de
muitos, consumou o propósito divino. Viu a luz após o sofrimento de sua
alma, e agora está exaltado, recebendo louvor e gloria".
JESUS CRISTO
Nosso Senhor foi denominado Jesus, de acordo com
as indicações do anjo a José, Mt 1: 21, e a Maria, Lc 1: 31. Quando
aplicado a qualquer criança, este nome meramente significava a fé que seus
pais tinham em Deus, como salvador
de seu povo, ou a fé na futura salvação de Israel. Em referência ao filho de
Maria, designava a missão especial que ele vinha cumprir: " E lhe chamarás
por nome Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles", Mt 1:
21. A palavra Cristo vem do grego Christos, e quer dizer ungido, correspondente
à palavra hebraica Mashiah, que tem o mesmo sentido. Jesus, pois, era o nome da
pessoa de nosso Senhor, e Cristo designava o título da sua pessoa (o Cristo),
nome este que ficou servindo de nome próprio, isolado da palavra Jesus, ou
junto dela.
O objeto do presente artigo é esboçar a vida do Senhor, sobre a terra,
pondo em ordem os eventos
principais relacionados entre si.
Cronologia. As datas referentes ao seu nascimento e à sua morte não
podem ser determinadas com absoluta exatidão. A maior parte dos teólogos
concordam entre si dentro de estreitos
limites. O nosso calendário atual teve origem em Dionísio Exiguus, abade
romano, falecido em 556. Tomou como ponto de partida
o ano da encarnação. Deu o nascimento de Jesus no ano da fundação de
Roma, 754, começando nele o ano 1 da nova era. Porém, o historiador Josefo
demonstra com clareza que Herodes, o Grande, faleceu pouco depois do nascimento de Jesus, Mt 2: 19-22, e alguns anos antes de
754 da era da fundação de Roma. A morte dele deu-se 37 anos depois da sua
nomeação pelo senado romano para ser rei da Judéia, A. U. C. 714. Isto deve
ser no ano751 ou 750 A.C., quer contasse a fração pelo ano inteiro, quer não.
O ano 750 é o mais provável, porque por uma narração de Josefo, contando que
pouco antes da morte de Herodes foram executados por sua ordem, dois rabinos
judaicos, e que na noite desta execução, se deu um eclipse lunar. Os cálculos
astronômicos dão este fenômeno no ano 750 em que houve um eclipse parcial da
lua na noite de 12 ou 13 de março, e em 751 não se deu eclipse algum.
Narra também Josefo que Herodes
morreu pouco antes da Páscoa, que no ano 750 caiu
a 12 de abril. Pode-se, com toda a certeza, asseverar que a morte de
Herodes se deu a primeiro de abril do ano de Roma 750, ou 4 anos antes da era
cristã. Podemos colocar os acontecimentos narrados nos evangelhos, antes
daquela data, no tempo entre o nascimento de Cristo e a morte de Herodes que
naturalmente seria uns dois ou três
meses. O nascimento de Cristo, portanto, deu-se nos fins do ano 5 ou princípios
do ano 4, antes de Cristo. A data de 25 de
dezembro, como o natalício de Jesus, começou no quarto século, sem autoridade
que a justifique. Pode, contudo ser aceita, como abeirando a verdade, se a
dermos a 25 de dezembro do ano 5 A. C., isto é, 5 anos antes do calendário de
Dionísio que o dá a 25 de dezembro do ano 1, A. D. A data em que principiou o
ministério público de Nosso Senhor pode ser determinada principalmente pelo
cap. 3 do evangelho segundo Lucas,
v. 23, onde se diz que o batismo de Jesus se deu quando ele começava a ser de
quase trinta anos. Esta declaração é muito precisa. Dado que ele tivesse
nascido a 25 de dezembro do ano 5 A. C.,
devia ter trinta anos a 25 de dezembro do ano 26. A data tradicional do batismo
de Jesus é 6 de janeiro, e supondo-se que se tenha dado no princípio do ano
27, a narração de Lucas, dizendo que ele começava a ser de quase trinta anos,
é correta. Esta data é confirmada também pelas afirmações dos judeus,
registradas no cap. 2: 20 do evangelho segundo João, quando disseram: "Em
se edificar este templo gastaram-se quarenta e seis anos, e tu hás de
levantá-lo em três dias?" A reconstrução do templo por Herodes,
como se pode provar, foi 19 ou 20 anos antes da nossa era, de modo que os 46
anos, supondo que se tivessem decorrido quando os judeus fizeram esta declaração,
nos transportam outra vez ao ano 27 da era
cristã. Finalmente, se o "décimo quinto ano do império de Tibério César",
Lc 3: 1, quando João Batista deu começo a seu ministério for aceito, como não
pode deixar de ser, como a época em que Tibério
estava associado com Augusto no governo do império, A. D. 11 a 12, coincide com
o A. D. 26 e vem confirmar os cálculos já feitos. É certo que todos estes
pontos podem sofrer contestações,
mas as datas que temos apresentado são as mais prováveis e se confirmam
mutuamente.
A
duração do ministério de Cristo, e o conseqüente ano de sua morte são
determinados pelo número das páscoas de que fala o evangelho segundo João. Se
tivéssemos apenas os evangelhos sinóticos, poderíamos inferir que o seu
ministério durou apenas um ano, opinião aceita por muitos nos antigos tempos.
Porém o evangelho segundo João menciona pelo menos três páscoas, 2: 13; 6:
4; 13: 1. É muito provável que a festa referida no cap. 5: 1 de João, seja
também uma páscoa. Se assim for,
no ministério de Cristo deram-se quatro páscoas, na última das quais, ele
morreu. Se ele foi batizado logo no princípio do ano 27, a primeira páscoa foi
em abril daquele ano: e ele morreu no ano 30, quando a festa da páscoa se
realizou a 7 de abril. Aqueles que pensam que a festa mencionada no cap. 5: 1 de
João, não é a festa pascoal, dão a morte de Cristo no ano 29. Concluímos,
pois, como mais provável, que as
datas principais da vida de Cristo, são: nascimento, a 25 (?) de dezembro do
ano 5 A. C.; batismo, e o princípio de seu ministério, a 27 de janeiro (?) do
ano A. D. e a sua morte, a 7 de abril do ano
30.
Condições
políticas dos judeus. Quando Jesus nasceu, Herodes, o Grande, era rei
dos judeus. O seu reino incluía a
Judéia, a Samaria e a Galiléia. Pertencia à raça iduméia, mas professava a
religião judaica. Seu pai Antipater havia sido nomeado governador da Judéia
por Júlio César, e depois de alguns caprichos da sorte, Herodes era declarado
rei dos judeus, pelos romanos, no ano 40
A. C. Apesar de independente em muitos respeitos, Herodes se mantinha no poder
pelo favor dos romanos e na dependência deles, que praticamente regiam o mundo.
Por ocasião de sua morte, quatro anos antes da era cristã, o reino foi
dividido entre os seus filhos. Arquelau recebeu a Judéia e a Samaria; Herodes
Antipas, a Galiléia e a Peréia, e Herodes Filipe recebeu o território a
nordeste do mar de Galiléia, Lc 3: 1. Porém, no décimo ano de
seu reinado, Arquelau foi deposto por Augusto César,
e daí então, a Judéia e a Samaria passaram a ser governadas por
procuradores até à destruição de Jerusalém, excetuando apenas os anos
41-44, quando Agripa I foi investido nas funções reais, At 12: 1. Durante o
ministério de Cristo, portanto, a Galiléia e a Peréia, onde gastou a maior
parte de seu ministério, eram governadas por Herodes Antipas, Mt 14:
3; Mc 6: 14; Lc 3: 1, 19; 9: 7; 13: 31; 23: 8-12, enquanto que Samaria e
Judéia eram governadas diretamente pelos romanos por meio de seu procurador,
que neste tempo era Pôncio Pilatos. O governo romano, quer fosse direto quer
indireto, irritava sobremodo o povo judaico. No tempo de Cristo a Palestina
fermentava politicamente falando. Os romanos procuravam dar à nação, a maior
autonomia possível, de modo que o sanedrim que era a corte suprema, exercia
jurisdição sobre grande número de casos. Os romanos também garantiam muitos
privilégios aos judeus, especialmente no que tocava às suas práticas
religiosas. Apesar de tudo isto, a nação odiava o jugo estrangeiro, que sempre
se fazia sentir, quando era preciso, e que de modo
algum, permitia a conquista de sua antiga liberdade. A aristocracia
judaica, inclusive a maior parte dos saduceus, simpatizava com os romanos. Os
fariseus, que formavam a parte mais devotada às observâncias religiosas,
geralmente evitavam complicações políticas, mau grado seu espírito
conservador e intolerante. Os herodianos de que nos dá notícia
a história, favoreciam as pretensões da família de Herodes
ao trono da Judéia. Havia, porém, segundo narra o historiador, formado
de patriarca, que fazia constantes condições, quem
tivesse a pretensão de ser
o Messias, não poderia evitar a influência política. Veremos como
Jesus evitou cuidadosamente e com bom êxito, este perigo, a fim de
proclamar o verdadeiro espírito do reino de Deus.
Condições religiosas do
povo judaico. A religião sofria grandemente com o estado político. As classes
superiores da sociedade, haviam quase esquecido as esperanças religiosas dos
seus antepassados, e a massa do povo sonhava
com um reino temporal, perdendo de vista a feição espiritual do reino
do Messias. O Evangelho dá notícia de duas seitas dominantes na sociedade
judaica: a dos fariseus e a dos saduceus. A primeira zelava pela pureza da
religião, mas punha em primeiro lugar as tradições teológicas, as cerimônias
e as sutilezas da casuística, deixando à parte a palavra de Deus. A religião
de Moisés e dos profetas havia tomado uma forma bem diferente em suas mãos. Os
fariseus opunham-se muito naturalmente à religião que Jesus ensinava, toda
espiritual e despida de formalismo, apelando para as lições
das Escrituras com desprestígio das tradições. Os saduceus, por outro
lado, formavam a aristocracia social, a que pertenciam as famílias dos príncipes
sacerdotes, gente saturada pela cultura do paganismo, rejeitando as tradições
farisaicas, e mais interessada em negócios políticos, do que na religião. O
motivo da sua oposição a Cristo, é que os seus
triunfos no meio do povo perturbavam as relações políticas existentes,
Jo 11: 48. Entretanto, as cerimônias do culto divino realizavam-se com toda a
magnificência no templo de Jerusalém. O povo atendia fielmente, e em grandes
massas, às festas religiosas. Havia muito zelo pela religião e pelas tradições.
De vez em quando, porém, uma explosão de patriotismo, misturado com fanatismo,
assoprava as cinzas quentes das esperanças
do povo, convertendo-as em viva chama. Eram poucos os que ainda
conservavam o espírito da pura religião e a fé viva em Deus. Estes elementos
vivos encontravam-se, principalmente, nas classes humildes da sociedade, nas
quais não se havia extinguido a esperança de um Salvador, e foi do centro de
um desses círculos de piedade, que
Jesus Cristo veio. Pode-se dizer, pois, que o povo judaico, do tempo de Cristo,
ainda era povo religioso; conhecia o Antigo Testamento, que se lia escola. A nação
mostrava a sua liberdade política. Tudo isto vem explicar o motivo da excitação
popular, quando João Batista começou a pregar no deserto da Judéia, e a
exaltação do espírito público que a doutrina de Jesus havia produzido. As
classes dirigentes da sociedade opunham-se a ambos estes estranhos profetas de
Israel. O método que Jesus adotava na pregação do seu evangelho era
eficiente; seus resultados, mesmo considerados pelo humano, eram inevitáveis.
A vida de Jesus. As circunstâncias do nascimento de Cristo, mencionadas nos
evangelhos, condiziam com a sua dignidade, e harmonizavam-se com as profecias a
ele referentes, mesmo aquelas que falavam da sua humilde aparência sobre a
terra. Malaquias anunciou, 3: 1; 4: 5, 6, que um arauto com o espírito e com o
poder de Elias, havia de preceder o
Senhor, quando viesse ao seu tempo. Lucas
começa o seu evangelho falando do nascimento de João Batista, precursor de
Cristo. Um piedoso sacerdote, chamado Zacarias,
que não tinha filhos, era de idade avançada, estava desempenhando as suas funções
no templo, na ordem da sua turma, para oferecer o incenso sobre o altar no lugar
santo. Apareceu-lhe o anjo Gabriel e anunciou-lhe que seria o pai
do precursor do Messias. Devia ser isto em outubro do ano 6 antes da era Cristã. Terminado que foi o tempo de
seu ministério, ele e sua mulher
Isabel retiraram-se para sua casa nas montanhas da Judéia, Lc 1: 39, aguardando
o cumprimento da promessa. Dois meses depois, o anjo apareceu a Maria, donzela
da linhagem de Davi, residente em Nazaré desposada com José, que também
descendia de Davi, o grande rei de Israel, Mt 1: 1-10; Lc 1: 27. José exercia o
ofício de carpinteiro, homem de
humilde classe, ainda que de alta
linhagem e de elevado sentimento religioso. O anjo anunciou a Maria que ela ia
ser mãe do Messias, Lc 1: 28-38, em virtude do Espírito Santo, e que o menino que se
chamaria Jesus possuiria o trono de seu pai Davi. Ao mesmo tempo anunciou-lhe que Isabel, sua parenta, também
havia concebido na sua velhice, estando já no sexto mês. Levantando-se Maria,
foi às pressas à casa de Zacarias. Quando se encontrou com Isabel, o espírito
de profecia entrou nelas. Enquanto
Isabel a saudava, como sendo a mãe
de seu Senhor, Maria, semelhante à velha Ana do tempo de Hali, 1 Sm 2: 1-10,
produziu um cântico de louvor pela
salvação de Israel e pela honra que lhe havia sido
conferida. É claro que estes acontecimentos, tão extraordinários, às
piedosas mulheres, possuídas de profundo espírito de fé e dominadas por uma
santa exaltação, significariam o cumprimento das esperanças de Israel.
Chegado que foi o tempo de Isabel dar à luz, Maria voltou para Nazaré. A
defesa de sua honra, Deus a faria
em tempo oportuno. José, conhecendo o estado interessante de sua desposada,
resolveu deixá-lo secretamente evitando assim um escândalo público. O plano
caridoso de José deixou de ser executado, porque um anjo revelou-lhe em sonhos
que o que se achava no ventre de Maria era obra do Espírito Santo e que o
menino que ia nascer chamar-se-ia
Jesus, porque salvaria o seu povo dos pecados dele, para se cumprir o que falou
o profeta Isaías, dizendo que este Jesus nasceria
de uma virgem. Com fé igual à de Maria, José creu na mensagem, e
recebeu legalmente como sua esposa aquela que não queria infamar. Estava assim
assegurado que o filho de Maria nasceria sem um pai reconhecido pela lei e que sua mãe era protegida pelo
amor e pelo respeito de um esposo. Não haverá a menor dúvida que todos estes
fatos chegaram ao conhecimento de Maria em tempo próprio. Pelo fato de , nem
Cristo, nem os seus apóstolos aludirem
à concepção miraculosa de Jesus, como prova de seu ofício messiânico, de
modo algum
se enfraquece o valor da narrativa. O fato não constitui prova de caráter
bíblico. A história do nascimento de Cristo harmoniza-se muito bem com o que
hoje sabemos da sua dignidade e da importância
de sua missão na terra. O Messias devia ser a bela flor da vida espiritual de
Israel, e, por isso, Jesus nasce no seio
de um piedoso círculo familiar,
onde a pura religião do Antigo
Testamento dominava os corações pela fé e pelo amor. O Messias tinha de
aparecer sem aparência do que era, e daí, o ter nascido no lar do carpinteiro
de Nazaré; o Messias teria de ser filho de Davi, e, por isso, José, seu pai
putativo, e provavelmente a virgem Maria sua mãe, segundo a carne, eram
descendentes do grande rei. O Messias devia ser a encarnação divina, unindo-se à
natureza humana, e por isso, nasceu miraculosamente de uma mulher que concebeu por obra do Espírito Santo.
Depois de relatar o nascimento de João Batista e o
cântico profético que proferiram os lábios cheios de
unção do velho Zacarias, Lc 1: 57-69, sobre o advento do precursor
do Messias, o evangelista Lucas
explica como foi que Jesus veio a nascer em Belém de Judá. O imperador Augusto
havia ordenado um alistamento geral de todos os súbitos de seu império, e,
apesar de a Palestina ser governada pelo rei Herodes, os seus habitantes foram
compreendidos no decreto imperial. O alistamento dos judeus, evidentemente,
teria de ser feito pelos seus métodos,
pelos quais o pai de família tinha
de ser alistado no lugar de seus antepassados, e não no da sua residência
atual. Portanto, José precisava de ir a Belém, lugar primitivo
da casa do Davi. Maria foi com ele.
A hospedaria, ou khan, onde os estrangeiros poderiam repousar, já estava
inteiramente ocupada, quando lá chegaram, e só encontraram abrigo em um estábulo,
que, segundo uma antiga tradição, existia em uma caverna perto da cidade. As
cavernas serviam muitas vezes para esse fim. O
Evangelho não diz que existisse gado lá dentro, sendo provável que
estivesse inteiramente desocupada. Naquele tempo, naquele país e entre aquele
povo, o estábulo não era lugar tão desprezível para um alojamento, como
entre nós; não obstante, era por demais humilde para servir de berço ao
Messias. Tal berço estava destinado para o nascimento do filho de Maria, que o
depositou em uma manjedoura, Lc 2: 7. Tendo nascido em tão humilde local, nem
por isso passou sem notável aviso. Naquela noite, os pastores que guardavam os
rebanhos nas campinas próximas, tiveram notícia, por uma numerosa milícia
celestial, de que na cidade de Davi
havia nascido o Salvador, o Cristo
Senhor. E cantavam: "Glória a
Deus nas alturas e paz na terra aos homens a
quem quer bem", Lc 2: 14. Os pastores apressaram-se a ir a Belém e
viram o menino, relataram o que tinham visto e ouvido, e depois voltaram aos
seus rebanhos. Todos estes fatos se harmonizavam perfeitamente com tudo quanto
vinha sendo dito em referência à missão de Jesus. É bom notar que este fato
se deu em um círculo de humilde pastores, sem fazer éco lá fora no grande
mundo. José e Maria demoraram-se por um pouco ali em Belém. No
oitavo dia o menino foi circuncidado, Lc 2: 21, e deram-lhe o nome de
Jesus, conforme havia sido anunciado. Quarenta dias depois de seu nascimento, Lv
12, seus pais o tomaram, segundo ordenava a lei, e o
levaram ao templo oferecendo Maria ao Senhor o que era ordenado pela sua
purificação e consagraram o menino ao
Senhor.
O primogênito dos
hebreus devia ser resgatado por cinco siclos de prata do peso do Santuário, Nm
18: 16, quando fosse apresentado ao
Senhor. A mãe também tinha de oferecer em sacrifício o que a lei mandava, e
Maria ofereceu um par de rolas ou
dois pombinhos que era a oferta dos pobres. As condições precárias desta
humilde família tem mais uma vez a sua
confirmação. Todavia o menino Jesus não deixaria a casa de seu pai
sem um atestado de sua grandeza. O
velho Simeão chegou ao templo, e sobre ele veio o Espírito do Senhor logo que
avistou o menino. Deus lhe havia dito que veria o Messias antes de morrer.
Tomando o menino em seus braços, deu graças e profetizou a glória e os
sofrimentos de sua vida, Lc 2: 25-35. Havia também uma profetisa chamada Ana,
avançada em anos, e que não se apartava do tempo, a qual deu testemunho,
falando dele a todos como a esperança de Israel, Lc 2: 36-38. Porém, o mais
eloqüente testamento de sua grandeza é que segue: Logo que José e Maria
regressaram a Belém, uns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, declarando que
tinham visto a estrela do Messias nos céus, e que vieram adorá-lo. Os judeus,
espalhados pelo Oriente, teriam levado consigo as
tradições proféticas referentes ao nascimento do Messias, rei de
Israel e grande libertador dos homens. Seria com eles que os magos aprenderam a
lição? Com certeza estudavam os fenômenos celestes, e Deus serviu-se de suas
noções supersticiosas para fazê-los testemunhas, perante o mundo gentílico,
e que também esperava à meia-luz da religião natural a vinda do Salvador
desejado, mas cujo caráter real não podiam bem compreender. Viram no oriente
uma estrela, que por algumas razões consideravam ser indicação de haver
nascido o rei dos Judeus. Vindo a Jerusalém, indagaram do lugar do seu
nascimento. Esta notícia alarmou o supersticioso Herodes, que convocou uma
reunião dos escribas para saber deles onde havia de nascer o Cristo. Quando
disseram que havia de nascer em Belém, Herodes os mandou lá, fazendo que
prometessem voltar a Jerusalém, a dar notícia do menino. De caminho para Belém
viram de novo a estrela sobre Belém
e encontraram o menino, a quem ofereceram ouro, incenso e mirra. Podemos
imaginar o novo espanto que José e Maria tiveram ao contemplarem a estranha
visita dos magos. Era mais um novo sinal dos altos destinos do menino que havia
nascido. Avisados por Deus, os magos voltaram para a sua terra por outro
caminho, visto que a intenção de
Herodes era achar o menino para o matar. José também foi avisado em sonhos do
perigo que ameaçava a vida do menino, recebendo ordem divina para ausentar-se
para o Egito. E não era cedo demais, porque o cruel Herodes, que nem poupava a
vida de seus próprios filhos,
segundo diz Josefo, enviou soldados a Belém para matar a todos os meninos que
tivessem menos de três anos de idade. Contava por este modo realizar o desejo
de que havia sido privado pela falta dos magos. Belém era lugar pequeno e não
deveria ser muito grande o número das crianças mortas, mas nem por isso
diminui a crueldade do ato. Jesus havia escapado. Não se sabe quanto ficou no Egito. Alguns meses
talvez. No Egito havia muitos judeus, entre os quais, o piedoso José
encontraria bom acolhimento. Em tempo oportuno, o anjo anunciou a José que
Herodes era morto, e que poderia regressar à prática. Era seu propósito ficar
em Belém, cidade de Davi, mas Arquelau, filho de Herodes,
reinava na Judéia, o que o fez hesitar. Recebeu novas instruções, em
virtude das quais buscaram abrigo na sua velha morada, Nazaré. Em conseqüência
disto, Jesus apareceu entre o povo, no começo de sua vida pública, como
profeta de Nazaré. Tais são alguns dos incidentes registrados nos evangelhos
sobre o nascimento e a infância de Jesus.Maravilhosos como nos parecem, não
deram na vista do mundo de então. São poucas as pessoas que os testemunharam,
ou os esqueceram ou os guardaram para si. Porém se fundou a Igreja, é lícito
supor que Maria os revelou aos discípulos.
Mateus e Lucas os escreveram
cada um a seu modo, o primeiro ilustrando a realeza de Jesus e o cumprimento da
profecia, e o segundo explicando a origem de Jesus e a história de seus
primeiros anos. Depois de voltar a
Nazaré, nada mais se nos diz a respeito da
vida de Jesus a não ser o incidente de sua visita a Jerusalém na companhia de
seus pais, que o encontraram no templo a discutir com os doutores da lei, quando
tinha apenas doze anos, Lc 2: 41-51. Este incidente é instrutivo: mostra que
José e Maria continuavam a ser piedosos e fiéis na educação religiosa do
menino. Mostra também como se desenvolveu o espírito religioso de Jesus, visto
já se mostrar tão interessado nas questões religiosas em que os rabinos
instruíram as crianças. Não se deve pensar que o menino de doze anos
estivesse a dar lições aos doutores da lei; devemos antes imaginar
que era um dos discípulos que
se achavam na escola do templo, e que pelas suas perguntas e pelo alcance de sua
inteligência provocou a admiração de todos. Este incidente também ilustra a
vida humana que Jesus levava. Ele crescia em sabedoria, em idade e em graça
diante de Deus e dos homens , Lc 2:52. As maravilhas da sua infância eram
conservadas em secreto por seus pais. A seus
companheiros e aos membros da família, Jesus não pareceria um ente
sobrenatural, mas simplesmente um tipo
notável pela sua mentalidade e
pela pureza de seu caráter.
Considerando em conjunto outros
fatos incidentalmente mencionados nos evangelhos, podemos formar alguma idéia
das circunstâncias em que a infância de
Jesus se desenvolveu. Ele era membro de uma família; tinha quatro irmãos
e algumas irmãs, Mc 6: 3, etc.
Pensam alguns que estes irmãos eram filhos de José de um primeiro matrimônio;
outros opinam que eram eles primos de Jesus. Parece mais natural e mais de
conformidade com a Escritura, acreditar que eram filhos de José e Maria depois
do nascimento de Jesus. Como quer
que seja, Jesus cresceu em família, gozando de seus prazeres e obedecendo à
sua disciplina. Como seu pai, exercia o ofício de carpinteiro, 3, de modo que
estava acostumado ao trabalho manual. Não lhe faltava a disciplina mental. As
crianças dos hebreus eram bem instruídas nas Escrituras, o que se evidencia
nos ensinos de Jesus. As parábolas revelam um espírito aberto aos ensinos da
natureza, tão fecundos para evidenciar a saberia de Deus nas obras de sua mão.
Nazaré, ainda que um pouco oculta, achava-se na orla da parte mais laboriosa do
mundo judaico, e perto das mais famosas cenas da história de Israel. Das
alturas que lhe indicavam na face posterior, descortinavam-se a olho nu, muitos
dos lugares associados a grandes eventos. Não, muito distante, via-se o mar da
Galiléia, em cujo horizonte se
agrupavam todos os elementos da vida
mundial, em miniatura. Era também
um período de grande excitação política, em que os lares da família se
agitavam com as notícias de acontecimentos sensacionais. Não há razão para
supor que Jesus tivesse vida de isolamento. Devemos antes imaginar que ele
acompanhava com interesse os acontecimentos progressivos da sua pátria. Quanto
à linguagem por ele falada, devia ser o aramaico, idioma este que havia
substituído o velho hebreu. A língua grega não lhe seria desconhecida por ser
falada geralmente na Judéia. Todo este período de sua vida, os evangelhos não
relatam. Os seus escritos não tinham por objeto
descrever a vida íntima de Jesus, e sim relatar o seu ministério público.
Podemos, no entanto, ver o suficiente para provar a naturalidade da
vida de Jesus, a adaptação do meio em que vivia e no qual se preparava
par a sua obra futura, e a beleza
de seu caráter; e deste modo,
apreciar o desenvolvimento gradual de sua humanidade, até chegar o momento de
oferecer-se a seu povo como o enviado de Deus. Aproximava-se a hora, quando,
talvez no verão do ano 26, João, filho de
Zacarias, que até então havia passado vida de
devoção ascética no deserto, Lc 1: 80, recebeu
de Deus a comissão de convidar o povo a arrepender-se de seus pecados e
preparar-se para a vinda do Messias. João andava em volta do vale do Jordão, administrando o rito do batismo a todos que criam
na sua mensagem. Chamava o povo e
os indivíduos ao arrependimento em tom dos
antigos profetas, especialmente do profeta Elias, anunciando que o Messias
estava a chegar, para purificar a Israel e fazer expiação pelos pecados do
mundo, Mt 3; Mc 1: 1-8; Lc 3: 1-18; Jo 1: 19-36. O efeito do seu ministério foi
longe. Desde a Galiléia o povo acudia a ouvi-lo. O sinédrio enviou deputados
para saber da autoridade de sua missão, Jo 1: 19-28. Enquanto as classes
dirigentes da sociedade se
mostravam indiferentes à sua pregação,
Mt 21: 25, o
vulgo despertava. O caráter puramente religioso da sua mensagem levou
muita gente a crer que as esperanças
de Israel iam ter o seu cumprimento. O ministério
de João Batista durava seis meses ou mais, quando Jesus aparece no meio
das multidões, chegando-se a João para ser batizado. Instintivamente, o
Batista reconheceu aquele que não precisava de arrependimento para ser
batizado; viu nele o Messias e disse: "Eu é que preciso ser batizado por
ti, e tu vens a mim?" Mt 3: 14. Não se deve pensar que Jesus ignorasse ser
ele verdadeiramente o Messias. Pela
sua reposta se vê o contrário: "Deixa por enquanto, porque assim nos convém
cumprir toda a justiça." O batismo significava para ele, em parte, dedicação
pessoal à obra anunciada por João, e também queria dizer que ele ia tomar
sobre si o pecado do povo que ele
veio salvar. Logo que saiu da água, Mc 1: 10; Jo 1: 33, 34, João viu os céus
abertos e o Espírito de Deus que descia em forma de pomba e pousava sobre ele;
e ouviu-se uma voz que dizia: "Este é o meu Filho amado em quem eu me comprazo" Mt 3: 17. Estava
plenamente consumado e consórcio da natureza humana de nosso Senhor com o poder
espiritual para o seu ministério. Verdadeiramente homem e verdadeiro Deus, que
ele era, provou-o a tentação que imediatamente se seguiu. Não devia iniciar a
sua obra sem ter preparo mental adequado. Para evidenciar
a sua vocação, foi levado pelo espírito ao deserto. Ali, o grande
tentador o foi encontrar procurando perverter os seus propósitos,
aplicando-os a fins mundanos e egoísticos. Jesus
devia ter relatado a seus discípulos esta provação. Conquanto não
possamos duvidar da realidade material do tentador e das feições físicas da
cena como a descrevem os evangelistas, Mt 4: 1-11; Lc 4: 1-13, não se deve
ignorar que a força da tentação consistia na sutileza com que o mundo foi apresentado a
Jesus, em um aspecto muito mais atraente do que a vida de obediência a Deus com
seu epílogo. Jesus voltou dali para o Jordão, inteiramente dedicado à sorte
que lhe estava destinada para
cumprir a vontade de Deus. Sem altas e retumbantes proclamações de seu
advento, deu princípio à sua obra. O Batismo o apontou a alguns de seus discípulos,
como o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, Jo 1: 29, 36. Dois deles, João e André, seguiram o novo profeta. Logo depois
veio Simão, 35-42. Um dia mais tarde, Filipe e
Natanael receberam convite,
43-51. Com este pequeno bando, Jesus regressou à Galiléia, e em Caná operou o
seu primeiro milagre em que os discípulos testemunharam os primeiros lampejos
da sua futura glória, 2: 1-11. É caso para estranhar que Jesus não fizesse
este milagre mais publicamente. O novo movimento começou com uns poucos de obscuros galileus.
A narrativa de João
deixa bem claro que Jesus tinha perfeito conhecimento de si e da missão que o
trouxe ao mundo. Esperava apenas o momento favorável para se apresentar a
Israel como o seu Messias. Este momento devia ser por ocasião da festa da páscoa,
abril, de 27. De Cafarnaum, para onde tinha ido com sua família e com os discípulos,
12, subiu a Jerusalém e ali procedeu à purificação do templo, lançando fora
os que o profanavam, ato digno
de um profeta, reformando o culto de Deus. As palavras de Jesus:
"Tirai isto daqui e não façais
da casa de meu Pai, casa de negociações" 16, indicam que pretendia ser
mais do que um profeta. Havia de fato um apelo para todo o Israel
para acompanhá-lo na obra de reformar a religião. Foi somente depois de
rejeitado, que ele procedeu à organização da nova igreja do futuro. Bem sabia
ele que não o haviam de acompanhar, como bem o provou o diálogo com Nicodemos,
predizendo, ainda que em linguagem velada, a sua morte às mãos dos judeus, 19,
enquanto que, na conversa com Nicodemos, mostra a necessidade de um novo
nascimento e a conveniência de seus sofrimentos, 3: 1-21, a fim de que os
pecadores pudessem entrar no reino que o amor de Deus lhe havia
mandado estabelecer na terra. Devemos ao evangelista João, 2: 13; até
cap. 4: 3, a notícia do primeiro ministério de Jesus na Judéia, que durou
cerca de nove meses. Depois da Páscoa, Jesus se retirou da cidade, e começou a
pregar a necessidade do arrependimento, como o Batista ainda estava
fazendo. Por um pouco, os dois operavam em linhas paralelas. Somente depois que João acabou
a sua missão, é que Jesus começou a trabalhar sozinho. Finalmente, os discípulos
de Jesus foram em maior número
que os de João. Não importava, porém, que houvesse
rivalidades entre ambos, Jo 4: 1-3. Voltou Jesus novamente para Galiléia.
Passando por Samaria, deu-se a notável entrevista com a
mulher samaritana, á beira do poço de Jacó, 4-42. Dali seguiu
apressadamente para noroeste. Chegado que foi à Galiléia, notou que o precedia
a fama de seu nome, 43-45.
Um régulo, cujo filho, estava doente em Cafarnaum, foi ter com Jesus em
Caná de Galiléia, rogando-lhe que fosse à sua casa curar a seu filho que
estava a morrer, 46-54. Era perfeitamente claro que a Galiléia devia ser o
centro de suas operações, porque os campos em roda,
estavam branquejando próximos à ceifa, 35. Este fato parecia indicar
que havia chegado a hora para começar a sua obra. João Batista havia sido
posto na prisão por ordem de
Herodes Antipas. A obra do precursor estava terminada. A velha igreja judaica recebeu formal convite para arrepender-se e
reformar os seus costumes. Este convite
ela desprezou. Jesus, daí por diante,
começou a pregar o reino de Deus, na Galiléia, anunciando os princípios
geradores da nova dispensação, e formando o núcleo da fatura Igreja .
Ministerial, o grande trabalho de Jesus em Galiléia durou dezesseis meses.
Centralizou-os em Cafarnaum, empório comercial da província. A população
predominante era judaica e aquela região estava escoimada de autoridades eclesiásticas.
Evidentemente, Jesus tinha em vista manifestar
o verdadeiro reino de Deus, e, por meio de suas maravilhosas obras, tornar
evidente a sua autoridade e o caráter do reino espiritual que vinha
estabelecer. Queria que cressem nele;
manifestou o seu caráter
divino e ensinou aos homens as
obrigações que tinham para com o seu Deus. Não se apelidou
de Messias para evitar a má compreensão por parte dos espíritos
prejudicados pelas noções falsas a respeito
deste nome. Geralmente, falava de si como sendo Filho do Homem. A princípio
não aludiu à sua morte. Não
era tempo ainda para ser compreendido sobre este assunto. Ensinou os
princípios da verdadeira religião,
com a autoridade de sua própria pessoa. Suas obras maravilhosas produziam
grandes entusiasmos no povo. As
atenções para a sua pessoa generalizaram-se de tal modo em todo o país, de
sorte que toda a gente desejava vê-lo e ouví-lo. Como era de prever, os
resultados finais não correspondiam aos seus esforços: o povo não compreendia
as cousas espirituais. Somente um pequeno grupo lhe era fiel. Todavia, pelos
seus ensinos, estabeleceu
verdades que o grupo de seus discípulos teriam de levar a todo o mundo,
depois de sua morte. Em relação à ordem dos acontecimentos durante o ministério
da Galiléia, o leitor poderá consultar o artigo - Evangelhos.
Aqui, apenas mencionamos os fatos culminantes da história. O primeiro deles foi
o ato inaugural de sua obra,
consistindo em milagres, em apelos para crer no Evangelho e no despertamento de
entusiástico interesse dos galileus pela pessoa
de Jesus. Este ato inaugural compreende também os eventos mencionados na
Harmonia dos Evangelhos, começando com o primeiro ato de rejeição em Nazaré,
e terminando com o banquete em casa de Levi. O encerramento desta fase de sua
obra, que durou cerca de quatro
meses, deu em resultado a formação
de um centro de geral interesse na Galiléia, e congregar em torno de sua pessoa um pequeno grupo de fiéis e dedicados
discípulos. Pouco se diz ainda
acerca da doutrina, mas desse pouco e dos milagres que operou, tais como, a cura
do endemoninhado, Mc 1: 23-27, a cura do leproso, 40-45, a cura do paralítico,
2: 1-12, a pesca miraculosa, Lc 5: 1-12, é
claro que a substância de sua
mensagem estava compreendida na leitura que ele fez na sinagoga em Nazaré, 4:
18-21: "O Espírito do Senhor repousou sobre mim, pelo que ele me consagrou
com a sua unção, e enviou-me a pregar o Evangelho aos pobres, a sarar aos
quebrantados de coração, anunciar aos cativos redenção, e aos cegos vista; a
por em liberdade aos quebrantados para seu resgate, a publicar o ano favorável
do Senhor, e o dia da retribuição. "O aspecto do trabalho em breve
mostrou nova feição, graças à resistência dos fariseus. Começa aqui a
segunda fase do ministério de Jesus em Galiléia. Agora ele visita Jerusalém,
Jo 5: 1, cura um paralítico em dia de sábado, por cujo motivo explode contra
ele o ódio dos rabinos e dos sacerdotes. Este conflito parece que Jesus o
provocou muito de propósito, com o fim de mostrar as diferenças entre o espírito
de sua doutrina e os ensinos do judaísmo. Vê-se nele verdadeiro intérprete do
Antigo Testamento, dando o sentido real das doutrinas, com expresso apelo à sua
autoridade como Filho de Deus, divinamente destinado para instruir os homens.
Esta nova fase compreende, além do que se contém no cap. 5 de João, mais os
incidentes da colheita das espigas e da cura de um homem que tinha a mão
ressequida.
O conflito com os
fariseus e o interesse crescente
que o povo mostrava por Jesus, deu origem à terceira fase desta parte de seu
ministério, com a organização de seus discípulos em um corpo; nomeia os doze
apóstolos, no famoso sermão da montanha descreve o caráter e a vida dos
verdadeiros membros do Reino de Deus, sublime exibição de uma existência
genuinamente religiosa, em evidente harmonia com o Pai celestial, consagrada ao
seu serviço, na salvação do mundo, real cumprimento da antiga lei, ainda que
em oposição ao formalismo e à superfluidade dos fariseus, ideal de confiança
e de comunhão com seu Deus. No sermão do monte, Jesus não ensinava o caminho
da salvação, nem sintetizava as doutrinas de seu evangelho. Neste sermão, em
que atacava o farisaísmo e a ignorância popular, ensinava, ao mesmo tempo que
a vida espiritual é a manifestação do reino de Deus, no qual se entra pela fé
em Jesus. Feito, como foi, o esboço da nova organização, chegamos à quarta
fase, que se caracteriza por uma sucessão
de milagres e de viagens
pela baixa Galiléia, em companhia de seus apóstolos, com o fim de estender a
sua influência.
Esta fase desenvolve-se
harmônicamente, desde o final de seu sermão do monte, até ao tempo em que
Herodes indagou quem era o novo
profeta. Durante estes meses cresceu o interesse popular
acerca de Cristo, e na mesma proporção, cresceu também a oposição
dos fariseus. O mais notável ponto desta
história é o dia das parábolas. A parábola era uma forma de instrução em
que Jesus não tinha rivais. Era um meio de ministrar a verdade às mentes
receptivas, e ao mesmo tempo evitar o emprego de expressões que pudessem servir
de arma na mão de seus inimigos. O
ensino, por meio de parábolas, neste período, revela a gravidade crescente da
situação, que exigia prudentes reservas da parte de Cristo. É digna de grande
admiração a incomparável perícia com que ele incorpora nestas simples histórias
as mais profundas verdades, a
respeito da origem e desenvolvimento do seu reino espiritual que estava fundando
neste mundo, bem como dos perigos e dos destinos a ele inerentes. Afinal,
sobreveio uma crise à sua obra em Galiléia. Herodes Antipas começou a indagar
acerca de Jesus, fato este que podia originar complicações, como já havia
acontecido com João Batista, que o levaram à prisão e que originaram a sua
morte. Contudo, a nova situação dava ao povo boa oportunidade de experimentar
suas relações com a verdade. Nesta ocasião ocorreu um fato que veio resolver a crise. Jesus se havia retirado com
os doze a um lugar deserto. As multidões acompanharam-no e acamparam-se a
nordeste do mar de Galiléia. Compadecido de suas necessidades, Jesus as
alimentou, milagrosamente, sustentando-as com cinco pães e dois peixes. Eram
cinco mil os que comeram, e todos ficaram fartos. Subiu de tal modo o entusiasmo
dos galileus, que o queriam
arrebatar para o fazerem rei, Jo 6:
15. Este fato veio provar quão longe estavam eles de compreender a sua missão.
Ia chegando o tempo de dar fim à sua obra. Desde o princípio que ele dava a
entender que veio a este mundo para ser entregue à morte, e que somente pela
morte poderia salvar o mundo, Jo 3: 14, 15. Era tempo de se preparar para o
sacrifício. No dia que se seguiu ao
milagre dos cinco pães, Jesus proferiu em
Cafarnaum, o discurso recordado no cap. 6: 22-71, falando de si como sendo o pão
da vida, e da necessidade que todos tinham de comer a sua carne e de beber o seu
sangue para terem vida. Depois de algumas objeções dos fariseus sobre práticas
cerimoniais da religião, Mc 7: 1-23, foi com seus
discípulos para os confins de Tiro e de Sidônia.
O período seguinte da
vida de Cristo é o último do seu ministério em Galiléia, e durou seis meses.
Foi a única vez que Jesus penetrou
em território de gentios, i, é, em Tiro e Sidônia. Tendo passado para o lado
sul ao longo do Jordão superior, e do mar de Galiléia, encontramo-lo na
região de Decápolis. Voltou de novo para a parte setentrional da Galiléia
e, finalmente, entrou em Cafarnaum. Neste período, dedicou-se principalmente a
preparar o espírito de seus discípulos para a morte que se avizinhava e
falava-lhes sobre a extensão de seu reino, entre todos os povos. Pregou pouco e
isso mesmo de preferência aos gentios, ou às populações mistas do oriente e
do sul do mar de Galiléia.
Finalmente, perto de Galiléia de Filipos, na raiz do Monte Hermom, provocou a
confissão de seus discípulos,
declarando-se estes quanto ao caráter de sua pessoa, e, em seguida, disse-lhes
claramente que ia a Jerusalém para ser morto e ressuscitar ao terceiro dia. E
disse-lhes mais: "Se alguém quer vir
após mim, negue-se a si
mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me." Pouco depois, deu-se a transfiguração,
em que três de seus apóstolos
testemunharam a sua glória e em que, com sublime exaltação de espírito, se
anunciaram, e que Moisés e Elias relembraram.
Continuou a repetir a predição de sua morte. Chegando a Cafarnaum, instruiu
seus discípulos, Mt 18, sobre o serviço de Deus, para o qual deviam
ser abnegados, humildes e amorosos,
de que ele era exemplo permanente.
Estamos
agora no princípio do outono do ano 29. Jesus sai de Cafarnaum pela última vez
e dirige-se para Jerusalém, Lc 9: 51. O período
seguinte de seu ministério é a última jornada que ele faz para aquela
cidade. É impossível acompanhar com exatidão a ordem das viagens que
Jesus fez, porque Lucas, que nos
serve de base neste estudo, não é
muito exato no seu método de narrações cronológicas. As feições salientes
deste período são suficientemente claras. Jesus procura atrair a atenção pública
de todo o país, inclusive a Judéia. Enviou setenta discípulos para anunciarem
a sua vinda; visitou Jerusalém pela festa dos tabernáculos, Jo 7, e outra vez,
na festa da dedicação, 10: 22, e em ambas
as vezes, mostrou-se ao povo, chamando-se a luz
do mundo, o bom pastor do rebanho divino, valorosamente
disputando com os doutores que se opunham à sua doutrina. Andou pela Judéia
e pela Peréia, explicando em
discursos e com a maior beleza de
ilustrações de que nunca antes o
fizera, a verdadeira vida religiosa, a noção real da idéia de Deus e da
natureza de seu serviço. Aqui entram as
parábolas do samaritano, do banquete de núpcias,
da ovelha perdida, da dracma, do filho pródigo, do servo infiel, do rico e Lázaro, da viúva importuna, do fariseu e do publicano. Assim, ao mesmo tempo que a oposição
dos inimigos se mostrava mais
violentas e feroz, culminando em um fato de mais intenso valor.
Vieram contar a Jesus que o seu
amigo Lázaro de Betânia estava
doente. Indo vê-lo, achou que
havia quatro dias tinha sido
sepultado. Jesus chamou-o à vida,
operando um milagre que deixava
a perder de vista quantos havia feito antes, 11: 1-46, tão estupendo, e
operado tão perto de Jerusalém,
que produziu ali grande sensação, não só entre o povo da capital como do sinédrio, que tinha como presidente o pontífice
Caifás. Reunido o conselho dos pontífices e
dos fariseus, decidiram que
a influência de Jesus só poderia ser aniquilada pela morte, 47-53. Daqui
em diante, Jesus subtraía nas vistas do povo, 54, evidentemente determinado
a não se entregar antes da páscoa. Logo que se avizinhou o dia da
festa, foi-se chegando à cidade, vindo de Peréia, Mt 19 e 20; Mc 10; Lc 18: 15
até cap. 19: 28. À medida que se aproximava, ia profetizando, até que chegou
novamente a Betânia, seis dias antes da festa, Jo 12: 1. Em Betânia, Maria,
irmã de Lázaro, ungiu-lhe os pés e a cabeça, quando Jesus ceava, fato este
que silenciosamente anunciava a
morte do Senhor. No dia seguinte, deu-se
a entrada triunfal em Jerusalém, com grande desafio à inveja e ao ódio dos príncipes
dos sacerdotes. Entrou montado em um asninho, simbolizando o espírito pacífico
do reino que veio fundar na terra. De volta, mais uma vez a Jerusalém, e pelo
caminho encontrou uma figueira coberta de folhas, porém sem fruto algum, a qual
ele amaldiçoou, emblema da igreja judaica, tão pretenciosa porém, vazia de
frutos. Então, como havia feito três anos antes, purificou o templo, lançando
fora os cambiadores que profanavam os átrios, tácito convite à nação para
acompanhá-lo na purificação de Israel. Os peregrinos que tinham vindo para a
festa que o haviam aclamado na sua entrada triunfal agrupavam-se em torno de
Jesus, plenos de entusiasmo. Apesar disso, os inimigos conservavam intenso ódio.
No dia seguinte, terça-feira, Jesus chega de novo à cidade, e entra no templo.
O sinédrio enviou ao seu encontro uma deputação para saber dele com que
autoridade fazia todas estas cousas. Recusou responder como desejavam, uma vez
que estavam resolvidos a dar-lhe a morte. Por meio das parábolas dos dois
filhos, do feitor iníquo e das bodas do filho do rei, pôs em relevo a desobediência
às leis de Deus, a falta de fidelidade para com Ele e as funestas conseqüências
que viriam sobre a cidade e a igreja. Com o intuito de encontrar motivos para
acusações e enfraquecer a sua autoridade, vários grupos o assediaram com
perguntas. Os fariseus e os herodianos foram perguntar-lhe se era lícito dar
tributo a César; os saduceus interrogavam-no sobre a ressurreição; um doutor
da lei, queria saber qual era o
grande mandamento da lei. Pelas suas repostas reduziu ao silêncio a cada um dos
adversários, e confundiu-os, citando as palavras de Davi, dirigidas ao Messias
como seu Senhor, porquanto, a linguagem do salmista, bem mostrava que Jesus não
blasfemava, quando se dizia filho de Deus. Este foi um dia de grande conflito. Jesus denunciou com veemência,
a indignidade dos condutores de Israel, Mt 23: 1-38. Quando alguns
gregos mostraram desejo de vê-lo, Jesus descobriu nisso a futura rejeição
dos judeus, e que os gentios o receberiam. Estava prestes a realização destas
palavras, Jo 12: 20-50.
Ao sair do templo,
disse com tristeza a seus discípulos que brevemente aquele esplêndido edifício
seria destruído.
No mesmo dia à tarde, revelou a quatro de seus discípulos a destruição
da cidade. Anunciou-lhes que o seu Evangelho seria espalhado em todo o mundo,
que os crentes sofreriam grandes perseguições. Profetizou a sua volta ao mundo, mostrando-nos que no meio da tempestade
levantada pelas hostilidades judaicas, o Mestre divino conservava a visão clara
do seu futuro e caminhava ao encontro do sacrifício com certeza na vitória
final. Talvez que na noite daquele dia ficasse
decretada a morte de Jesus. Judas, um dos doze, segundo se crê, há
muito havia abandonado a idéia de
ser fiel ao Mestre. A declaração que Jesus fez
sobre a espiritualidade do seu reino, havia de tê-lo ofendido, porque,
segundo escreve o apóstolo João, era ele homem avarento. Na ceia em Betânia,
ficou perfeitamente demonstrada a falta de simpatia que ele tinha por Jesus.
Cresciam mais e mais as desilusões de proventos materiais; agora Jesus falava
de sua morte, e, por isso, resolveu tirar algum proveito, entregando-o aos
sacerdotes, mediante preço ajustado. O plano concebido devia ser executado
depois da festa, quando a cidade seria evacuada pelos forasteiros. Na falta de
provas reais contra Jesus, acharam
de bom aviso aproveitaram-se da proposta de Judas. O dia de quarta-feira, Jesus o passou em recolhimento talvez em Betânia.
Na quinta-feira, à tarde, devia ser morto o cordeiro pascoal e depois do
sol-posto tinha cabimento a ceia, começando então o sétimo dia da festa em
que se comiam os pães asmos. Neste dia, Jesus enviou Pedro e João
à cidade a fim de prepararem o que era mister para ele comer a páscoa
com seus discípulos. Enviou-os à
casa de um discípulo ou de um amigo, Mt 26: 18, e para ajudá-los na pesquisa,
disse-lhes: Sair-vos-á ao encontro um homem que levará uma bilha de água, ide
atrás dele, e ele nos preparará secretamente o lugar, sem conhecimento dos
demais, com o fim provável de que Judas não descobrisse aos sacerdotes e
viesse perturbar na última hora a íntima comunhão com os seus discípulos.
Chegada que foi a tarde, celebrou Jesus a páscoa. Para seguir a ordem dos fatos
durante a tarde, vide a Harmonia no artigo Evangelho. Alguns pensam, baseados no
Evangelho segundo João, 13: 1, 29; 18: 28; 19: 31, que Jesus foi crucificado no
dia 14 do mês de Nisã, dia em que se matava o cordeiro pascoal, e portanto,
que ele não celebrou a páscoa no tempo regular, porém, que adiantou um dia.
Esta opinião não encontra apoio na linguagem de
Mt 26: 17-19, de Mc 14:
12-16, e de Lc 22: 7-13, 15. A expressão citada no evangelho segundo João
e que serve de fundamento à opinião referida, pode ser explicada, por hipótese
como abaixo se vê (*): Deve-se notar que provavelmente Judas se retirou da
celebração da páscoa, e que Jesus predisse por duas vezes a negação de
Pedro, uma no quarto alto, e outra, no caminho para o Getsêmani. O evangelista
João não relata a celebração da páscoa, porém, relata os discípulos
entristecidos pela idéia da separação. Nesses discursos, revelou ele a união
indissolúvel das relações espirituais que os ligariam ao Mestre, e a missão
do Espírito Santo para confortá-los. Recorda também a oração sacerdotal
sublime nas expressões de amor e ternura, cap. 17. em caminho para o Jardim das
Oliveiras, Jesus declarou-lhes que em breve
seriam espalhados, e convocou-os para uma reunião na Galiléia logo
depois de ressuscitar. A agonia no Getsêmani
foi a última rendição de
sua pessoa ao sacrifício, interrompida pela chegada de Judas, acompanhado de
soldados, tirados da guarnição que estacionava perto do templo, sob pretexto
de prender uma pessoa sediciosa, Jo
18: 3, 12. Em companhia dos
soldados vieram também as guardas dos levitas
e os servos do sumo sacerdote. Judas sabia que o Mestre descansava ali. Supõem alguns que ele tinha primeiro subido
ao quarto alto, e sabendo que Jesus tinha ido para o Monte das Oliveiras, em
cuja base estava o Jardim, seguiu-o de longe. Depois de ligeiras perguntas,
Jesus entregou-se à prisão. Neste momento, os discípulos o abandonaram e
fugiram. A escolta levou-o primeiramente à casa de Anás, 13, sogro de Caifás,
onde sofreu o primeiro interrogatório, enquanto se reunia o sanedrim, 13, 14,
19-24. É provável que Anás e Caifás morassem no mesmo palácio,
porque a negação de Pedro deu-se no átrio do palácio, quando foi do primeiro
interrogatório perante Anás, e também quando se procedia ao segundo, em
presença do sanedrim. No primeiro exame, Jesus se negou a responder, e, por
isso, procuravam testemunhas que viessem depor contra ele. Manietado,
conduziram-no à presença de Caifás, onde o sanedrim
se reuniu apressadamente. Não puderam colher provas contestes para acusá-lo
de blasfêmia, crime este que desejavam evidenciar, pelo
que, o sumo sacerdote se viu forçado a conjurá-lo para que dissesse
se ele era o Messias. Jesus respondeu
da maneira mais explícita. Acendeu-se a ira do tribunal que imediatamente o
declarou digno de morte pelo crime
de blasfêmia. A decisão injusta do tribunal
provocou o escárnio da multidão. Segundo a lei, as decisões do sanedrim só
tinham efeito jurídico, quando tomadas de dia. Por isso, muito de manhã, o tribunal reuniu-se de
novo, observando as mesmas formalidades anteriores, Lc 22: 66-71. A
execução das penas contra delinqüentes, só poderia efetuar-se com a
permissão do governador, e para isso apressaram-se levar Jesus à presença
de Pôncio Pilatos. Este açodamento tinha por fim evitar que algum
movimento popular viesse prejudicar o julgamento. Pilatos ocupava o palácio de
Herodes no Monte Sião. A distância desde a casa do sumo sacerdote não era
muito grande. Era ainda muito cedo, quando o governador foi chamado para
atender ao requerimento dos sacerdotes. Queriam que assinasse a sentença de
morte sem tomar conhecimento das causas. Ele se recusou a isso, Jo 18: 29-32.
Acusavam a Jesus de perverter a nação, e vedar o tributo a César e de se
fazer rei, Lc 23: 2. Pilatos perguntou-lhe: "Tu és rei?" a que ele
respondeu: "Tu o dizes" 3. De novo o governador o interrogou em
particular, Jo 18: 33-38, descobrindo que nenhuma culpa ele tinha. Daí em
diante procurava inocentá-lo, dizendo
ao povo: "Eu não acho nele crime algum."
O governador
receava muito contrariar os desejos de seus súditos que pediam insistentemente
a condenação de Jesus à morte pela crucificação. Ele então lançou mão de
vários expedientes para afastar de si a responsabilidade. Sabendo que Jesus era
da província de Galiléia, mandou que o levassem a Herodes Antípas , Lc
23:7-11 , que nesse tempo se achava em Jerusalém. Este, por sua vez, recusou
exercer jurisdição. A grita popular crescia mais e mais. Pilatos propôs a
soltura de Jesus pela páscoa segundo lhe era facultado. Esperava que a
popularidade de Jesus o havia de
arrebatar da mão dos sacerdotes. Triste engano: o povo pediu que lhe soltasse
a Barrabás. O pedido que sua mulher lhe fez aumentou a sua ansiedade
para soltar a Jesus. Apesar de todos os seus esforços, a multidão mostrava-se
sedenta de sangue. Pilatos temia ir de encontro às suas convicções, mas a sua
fraqueza consentiu no crime. Previamente, o condenado era açoitado. Tentando
ainda mais um esforço, e desejando ao mesmo tempo agradar aos judeus, veio fora
e disse ao povo: "Eis aqui vo-lo trago
para que saibas que eu não acho
nele crime algum. Saiu, pois, Jesus, trazendo uma coroa de espinhos e uma veste
de púrpura e Pilatos disse: "Eis aqui o homem." Então os príncipes
dos sacerdotes e os seus oficiais, tendo-o visto, gritaram dizendo:
"Crucifica-o. Nós temos uma lei, e ele deve morrer segundo a lei, pois se
fez filho de Deus" Jo 19: 1-7. Pilatos pois, como ouviu
estas palavras, temeu ainda mais, e entrou outra vez no pretório, e
disse a Jesus: "Donde és tu?" Jesus não deu resposta alguma.
Procurando ainda algum meio de o livrar, os judeus gritaram: "Se tu livras
a este, não és amigo de César, porque todo que se faz rei, contradiz a César"
8-12. Ouvindo estas palavras,
Pilatos trouxe para fora a Jesus, e assentou-se no seu tribunal para dar a
sentença. Jesus ia ser crucificado. Não era a execução de uma sentença, e,
sim, um assassinato jurídico. A sentença era confiada a
quatro soldados, Jo 19: 23, sob o comando de um centurião.
Mais dois condenados iam ser
executados: eram dois ladrões. Geralmente as vítimas carregavam a sua cruz
inteira, ou somente a parte
transversal. Jesus parece que a carregou inteira, porque caiu
desfalecido, sob o seu peso. O lugar do sacrifício estava a curta distância
da cidade (Vide Gólgota). O paciente costumava ser pregado à cruz antes
de a erguerem, firmando-a ao chão em um buraco previamente aberto. A causa da
condenação era posta por cima da cabeça do condenado e escrita numa tábua. A
de Jesus estava escrita em hebraico, grego e latim e dizia: Jesus Nazareno, Rei
dos Judeus, 19: 19. Marcos relata
que o ato da crucificação consumou-se à terceira hora (nove da manhã).
Sabendo-se que o processo começou logo ao amanhecer, Lc 22: 66, não é para
estranhar que tudo estivesse pronto
às nove horas, de acordo com a precipitação dos judeus, desde o princípio,
empenhados na condenação de Jesus. Deixaremos de mencionar os incidentes
relatados nos evangelhos, ocorridos durante a crucificação. Os pacientes
muitas vezes permaneciam alguns dias vivos; o corpo enfraquecido de Jesus não
podia suportar tão longa agonia.
À nona hora (três da tarde), expirou, dando grande grito. As palavras que
proferiu na cruz indicam que ele conservou
a lucidez de espírito até ao fim, e que tinha pleno conhecimento de
tudo que se passava e do valor e
importância de seu sacrifício. Por ocasião de sua morte, parece que havia
poucas pessoas presentes. A multidão que acompanhava os condenados ao Calvário,
havia-se retirado para a cidade. Os sacerdotes que o escarneceram, também
haviam saído. Só alguns dos discípulos e os soldados ficaram até ao fim. Os
inimigos não tinham certeza de sua morte. Não querendo que os corpos ficassem
na cruz durante o dia de Sábado. Foram a Pilatos e pediram-lhe que mandasse
quebrar as pernas dos condenados. Os soldados executaram a ordem, quanto aos
dois ladrões, deixando de o fazer na pessoa de
Jesus, por o haverem encontrado morto. Um dos soldados feriu-lhe o lado
com uma lança para certificar-se de sua morte. O apóstolo João que ali
estava, viu que da ferida aberta saiu sangue e água, 19-34. Jesus parece ter
morrido, literalmente quebrantado de
coração. Logo depois, José de Arimatéia, discípulo oculto de Jesus, homem
rico e membro do sanedrim e que não
havia consentido na condenação de Jesus, Lc 23: 51, quando soube da sua morte
pediu o corpo e sepultou-o num sepulcro aberto em rocha, onde ainda ninguém
tinha sido posto. É claro que os discípulos estavam inteiramente
desconcertados e profundamente abatidos pela inesperada prisão e morte de seu
Senhor. Apesar de haverem sido previamente avisados
da morte e conseqüente ressurreição de Jesus, ao terceiro
dia, as esperanças se haviam enfraquecido sensivelmente; pois, tendo
Jesus ordenado que o esperassem na Galiléia, eles permaneciam em Jerusalém. Não
é de estranhar que assim procedessem, levando em conta os efeitos produzidos em
seu espírito pela tristeza e pelo
desapontamento. Jesus apareceu-lhes em Jerusalém e suas vizinhanças. Os
evangelistas não visam dar notícias completas dos acontecimentos, nem
pretendem por em ordem as evidências
em favor da ressurreição. As provas deste fato existem no testemunho repetidas
vezes, 1Co 15: 3-8. Encontra-se nos evangelhos grandes números de incidentes,
cuja importância consiste, ou no seu valor intrínseco, ou no merecimento da
instrução espiritual que eles
fornecem aos crentes. A ordem dos fatos referentes
à ressurreição de Jesus, é mais ou menos a seguinte: No primeiro dia
da semana, logo ao amanhecer, umas piedosas mulheres de Galiléia foram ao
sepulcro para o sepultamento definitivo. A primeira visita foi de Maria
Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé, Mc 16: 1. O outro grupo de visitantes
compunha-se destas mesmas mulheres, mais Joana e outras mulheres
que estavam com ela, Lc 24: 10. As primeiras mulheres viram que a pedra
estava revolvida do sepulcro, que o corpo havia desaparecido e foram dar notícias
a Pedro e a João, Jo 20: 1, 2. As suas companheiras entraram no sepulcro por
boca do anjo que Jesus havia ressuscitado, de que deram notícias aos discípulos,
Mt 18: 1-7; Mc 16: 1-7. Quando se retiravam apressadas, supõe-se que
encontraram outras mulheres em demanda do sepulcro e que todas elas voltaram a
ele, recebendo de dois anjos a confirmação do milagre, Lc 24: 1-8. As
mulheres, voltando do sepulcro, contaram todas estas cousas aos onze e a todos
os demais. No caminho, Jesus saiu-lhes ao encontro, Mt 28: 9, 10. Maria Madalena
havia contado a Pedro e a João que o sepulcro estava vazio; estes, saindo,
foram ao sepulcro, e verificaram a verdade, Jo 20: 3-10. Maria acompanhou-os até
lá. Voltando eles para casa, ficou só, e a ela só, Jesus apareceu, 11-18.
Todas elas, voltando a ter com os discípulos, contaram-lhes tudo o que tinham
visto. Não era unicamente no testemunho das mulheres que repousavam a fé na
ressurreição de Cristo. Naquele mesmo dia
apareceu a Pedro, Lc 24: 34; 1 Co
15: 5, logo em seguida a dois discípulos
que iam para Emaús, Lc 24: 13-35, e na tarde do mesmo dia a todos os discípulos,
exceto Tomé, 36: 43; Jo 20: 19-23. Nesta ocasião comeu diante deles, provando
a realidade física de sua ressurreição. Tomé, contudo, não deu crédito. Os
discípulos continuavam em Jerusalém. No domingo seguinte, Jesus apareceu outra
vez a todos e provou ao discípulo a realidade da sua pessoa, Jo 20: 24-29.
Parece que os apóstolos foram para Galiléia. O evangelista João conta que
Jesus apareceu a sete discípulos que pescavam no Mar de Galiléia, cap. 21.
Sobre um monte da Galiléia, onde Jesus lhe havia ordenado que se achassem, ele
apareceu-lhes e deu-lhes a grande comissão de "ensinar todas as
gentes" com o auxílio de sua presença constante" Mt 28: 16-20. Pode
ser que esta fosse a ocasião em que se achavam
reunidos mais de quinhentos irmãos, 1 Co 15: 6. Logo em seguida, apareceu também
a Tiago, 7, mas não sabemos em que lugar. Finalmente, vieram outra vez a
Jerusalém e Jesus os levou até Betânia, e levantando as mãos os abençoou,
Lc 24: 50, 51. E aconteceu que, enquanto os abençoava, se ausentou deles e o
recebeu uma nuvem que o ocultou a seus olhos, At 1: 9-12. Temos pois, recordado
em o Novo Testamento o aparecimento de
Jesus em dez ocasiões diferentes depois de haver ressuscitado, além daquela vez em que se encontrou
com Saulo de Tarso no caminho de Damasco, 1 Co 15: 8. É possível que se tenham
dado outras aparições que não foram registradas.
Diz Lucas, At 1: 3, "que ele
se mostrou a si mesmo vivo, com muita provas, depois da sua paixão,
aparecendo-lhes por quarenta dias."
Não estava sempre com eles como fazia antes: aparecia-lhes ocasionalmente, Jo
21: 1. Os quarenta dias decorridos entre a sua ressurreição e a ascensão,
formaram um período de transição, em que os discípulos se preparavam para a
sua obra futura. Era preciso que eles tivessem provas amplas, repetidas e
variadas acerca da ressurreição,
como já temos visto; era preciso
que eles estivessem plenamente
convencidos de que a morte de
Cristo se impunha, e que tivessem
conhecimento dos caracteres do reino que ia ser estabelecido por meio deles. No
cumprimento das Escrituras, que falavam da morte
e ressurreição de Cristo, teriam eles a prova de que a nova dispensação
era o prolongamento da antiga. O conhecimento destas cousas não o podiam obter
senão depois da morte de Jesus, e
durante estes quarenta dias, Lc 24:
44-48; Jo 20: 21-23; 21: 15-22; At 1: 3-8. Finalmente as experiências recebidas
neste período, prepararam os discípulos a pensar em seu Mestre como ausente,
mas vivo; como invisível, mas sempre junto dele; como ressuscitado para nova
vida e retendo a antiga natureza e o antigo corpo, agora glorificado, que tanto
amavam; como exaltado, mas ainda o mesmo. Deste modo, poderiam eles ir mundo
afora proclamar a Jesus como o Filho de Deus glorificado, cingindo a coroa dos
reis de Israel, e ao mesmo tempo,
sendo o homem de Nazaré e o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Entretanto, corria ente os Judeus que os discípulos haviam furtado o corpo. E
foi para evitar isto que pediram guardas a Pilatos para junto do
sepulcro. Quando se deu a ressurreição, confirmada por um anjo que
havia descido e tirado a pedra do sepulcro, os soldados foram dominados por
grande susto, fugindo. Pagãos e supersticiosos como eram, sem dúvida não se
impressionaram menos pelo que tinham visto, do que
as pessoas ignorantes, quando pensam ver pensam ver almas do outro mundo.
Os príncipes dos sacerdotes, julgando, provavelmente, que se tratava de alguma
manobra dos discípulos, deram aos soldados grande
soma para dizerem que os discípulos haviam furtado o corpo enquanto eles
dormiam, Mt 28: 11-15. No dia de pentecostes começaram a dar testemunho da
ressurreição de Jesus, e o número dos crentes aumentou rapidamente, At 2. Não
aduzindo provas em contrário, os sacerdotes lançaram mão da violência para
os fazer calar, At 4. Não foi nosso intuito, neste artigo, expor os ensinos de
Jesus, e, sim, dar um esboço histórico da sua vida. Vê-se, pelo que se colhe
dos evangelhos, que ele fez a revelação gradual de sua pessoa e da sua obra, o
que constitui uma das evidências mais fortes das verdades em que se baseia o
nosso conhecimento. A sua natureza humana faz
com que ele apareça na história como
sendo verdadeiramente homem, vivendo sob a influência do meio, com
objetivo seguro. Era personagem genuinamente humana e, portanto, servindo de
assunto para estudo histórico. Ao mesmo tempo declarou ser mais do que simples
homem, Mt 11: 27; Jo 5: 17-38; 10: 30; 17: 5. etc. À medida que ia se
revelando, os discípulos iam conhecendo melhor o seu caráter divino, Mt 16:
16; Jo 20: 28. As experiências finais, corroboradas pelo testemunho do Espírito
Santo, fixaram, de uma vez para sempre a crença na divindade de Jesus. O último
dos apóstolos sobrevivente, que escreveu o quarto evangelho, ocupou-se
especialmente em descrever a carreira de
Jesus neste mundo, tratando de por em evidência a sua natureza divina, o Verbo
que se fez carne, sem contudo esconder a sua natureza humana. A respeito
de sua pessoa, diz ele: "No princípio era o Verbo e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus" Jo 1: 1. E o verbo se fez carne
e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória como a do Filho Unigênito
de Deus, cheio de graça e de verdade" 14. "Estas cousas foram escritas" conclui ele, "para que vós creias
que Jesus é o Cristo, Filho de Deus, e de que, crendo-o assim, tenhais a
vida em seu nome"
20-31.
Nota
(*) Às palavras do cap. 13: 1 do evangelho segundo João significam que
tudo que se acha no cap. 13, se deu antes da festa da páscoa, é antes uma nota
introdutória, descrevendo o espírito meigo com que Jesus ia celebrar aquela
fatal solenidade. As palavras do v. 29, "compra as cousas que havemos
mister para o dia da festa" podem
referir-se às cousas necessárias para o dia seguinte, dia em que o povo
fazia as suas ofertas. Às palavra do cap. 18: 28, comerem a páscoa,
podem simplesmente significar para esperarem a páscoa. Também as palavras do
cap. 19: 31, a preparação, não querem referir-se à preparação de páscoa,
mas à preparação para o sábado.
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