O
Estudo a seguir é um breve relato dos fatos ocorridos por ocasião do governo
de Constantino imperador Romano em Constantinopla e responsável pelo Edito de
Milão e o Concílio de Nicéia de onde saiu o credo religioso Cristão como
veremos a seguir:
VENHA
A NÓS
O
VOSSO REINO
O
ímpensável aconteceu: Constantino, o novo co-imperador
de
Roma, apoiava o cristianismo! Em breve, a Igreja,
com
o seu apoio, criaria um credo duradouro.
Os
pagãos reagiriam, mas em vão. No
entanto,
uma
nova Roma se ergueria no Oriente.
Com
a paz de Constantino, muitos cristãos, como aconteceu com o seu
imperial
paladino, esperaram encontrar-se às vésperas de uma idade de ouro. Com essas
esperanças, Constantino achou por bem, na segunda década do seu governo, que
o novo Império cristão devia ter uma nova capital, escolhendo para isso o
pequeno porto grego de Bizâncio
(atual
Istambul,
na Turquia). Foi um dos mais ambiciosos projetos de renovação urbana da
História. No espaço de aproximadamente seis anos, de 324 a 330, a pequena
Bizâncio sofreu enormes alterações ao ser transformada de modesto porto em
metrópole. Sob a direção de Constantino, um exército de operários invadiu a
cidade para trabalhar em dezenas de projetos, desde a basílica ao palácio
imperial e à ampliação do hipódromo. No triângulo de terra que servia de
ponto de passagem entre a Europa e a Ásia, a Nova Roma tomava forma. As
gerações futuras passaram a referir-se a ela com frequência como
Constantinopla (Cidade de Constantino), e essa jóia cintilante do Bósforo
suplantou Roma como centro do Império. A história da mudança do poder para o
Oriente data dos tempos em que Constantino tornou-se imperador.
Após
a vitória na Ponte Mílvio, Constantino dirigiu-se
em triunfo para Roma em
29
de outubro de 312. O cortejo serpenteou certamente pela cidade,
oferecendo
às
multidões a oportunidade rara de observarem o seu novo governante. Diz uma
fonte que o seu apelido entre o povo era o Pescoço de Touro.
Os
retratos que existem confirmam isto: Constantino tinha a constituição de um
lutador. Como em
outros
desfiles oficiais, marcharia flanqueado por uma guarda de honra armada de ouro
ou prata e acompanhado por bandeiras de seda que flutuavam como balões na
atmosfera
outonal. Nesse dia,
após ultrapassar a Porta Triumphalis, ao longo da Via Sacra e até o Fórum
Romanum, Constantino encontrou-se com o Senado, que o confirmou na categoria de
augusto, ou supremo imperador.
Ainda
que tivesse reconhecido o auxílio de Deus na batalha contra Maxêncio,
Constantino aparentemente
não teve, a princípio, qualquer compromisso exclusivo para com o cristianismo.
Parecia escolher as suas
crenças tanto entre as pagãs quanto as cristãs.
Embora
sem duvida tenha concordado quando o Senado encomendou uma estátua sua
empunhando um símbolo cristão, autorizou igualmente um medalhão que atribuía
a sua libertação de Roma ao deus-Sol lnvictus. E conservou o título de
pontifex maximus,
sumo
sacerdote da religião do Estado. (Os papas adotaram posteriormente o
mesmo
título.)
Por que Constantino foi paladino do cristianismo: A visão que afirmou ter tido
antes da Batalha da Ponte Mílvio deixou provavelmente uma impressão que se ia
aprofundando à medida que era narrada. Talvez sua mãe, Helena, convertida ao
cristianismo,
o tenha
influenciado.
E ainda mais provável
que
Constantino
tenha
encarado o cristianismo de um ponto de vista pragmático. Tinha visto, no seu
tempo, os cristãos desafiarem as probabilidades e sobreviverem as perseguições.
Embora fossem
uma
fração
numericamente fraca, os
cristãos
tinham-se tornado em todo o Império
uma
facção cheia de força.
Constantino
percebeu certamente que a extensa rede da Igreja poderia revelar-se uma ajuda
preciosa na unificação e no conseqüente domínio de tão vasto Império.
O
E
dito de Milão
Fm
fevereiro de 313, Constantino encontrou-se em Milão com o seu co-imperador,
Licínio. Parece que grande
parte
da
reunião foi ocupada
pela
questão
do
cristianismo, marcando um ponto de mudança nas relações Igreja-Estado.Os dois
imperadores enviaram uma carta, que veio a ser conhecida por Edito de Milão aos
governadores de todo o Império. Ordenava a carta que o Estado desse completa
tolerância a quem quer que ‘‘tivesse entregue o seu espírito ao culto dos
cristãos’’
ou
a
qualquer culto “que pessoalmente achasse o melhor para si”. Com um traço da
pena, todos os decretos anticristãos tinham sido revogados e chegara ao fim a
era das perseguições. Não só
os
cristãos eram agora livres para orar, como deveriam
ser-lhes
devolvidos
os seus lugares de culto e todos os outros bens da Igreja.
Nem
todo o povo acolheu
bem o
Edito
de Milão. Maximino Daia, inimigo do cristianismo que partilhava
o
governo
do
Oriente com Licínio, dizia que
os
cristãos
‘tinham de
ser
suportados com um espírito moderado e paciente” e que ele próprio colocava o
culto dos pagãos muito acima
da
“superstição”
dos cristãos.
Irritado
com a promoção
de
Constantino
a augusto e
abalado
com
a
aliança entre Constantino e Licínio,
Maximino
Daia agiu
contra
este último. Segundo a lenda,
na
véspera de
uma
importante batalha, Licínio
sonhou
que
um anjo
lhe
ditara
uma
prece para a vitória. Foram devidamente distribuídas cópias
da
prece,
que
tanto se podia
considerar
pagã
como
cristã.
Os
soldados
recitaram aquela
oração
antes
da
batalha e, embora em desvantagem numérica, saíram vitoriosos.
A controvérsia donatista
Desde
a
grande perseguição de
Diocleciano,
a
Igreja africana fora minada por correntes de dissensão.
Discutia-se
a situação
legal dos cristãos que tinham sido fracos durante as perseguições-
e,
no
âmago desta
questão,
a
idéia de que só as pessoas que levassem vidas irrepreensíveis tinham o
direito de pertencer a Igreja. Uma poderosa facção de cristãos do Norte da
África, alguns deles efetivamente ansiosos pelo martírio, classificavam de
“traidores” os membros da Igreja que, cedendo à força, tinham entregado as
Escrituras as autoridades estatais para serem destruídas. Os membros
mais
moderados,
freqüentemente
os que viviam
melhor, declaravam-se satisfeitos com os clérigos, que se esconderam em vez de
desafiarem abertamente a autoridade do Estado. Voavam de um lado para o outro
denúncias e recriminações mútuas, até que os ânimos serenaram em 311, com
a eleição do clérigo moderado Ceciliano para bispo de Cartago. Os opositores
de Ceciliano, conhecidos como donatistas, afirmaram que a eleição havia sido
inválida, uma vez que o bispo fora consagrado por “traidores”.
Os
donatistas, a maioria proveniente da Numídia (na atual Argélia), convocaram um
sínodo de setenta bispos e anunciaram que Ceciliano tinha sido deposto.
Ordenaram em seu lugar Maiorino, que morreu pouco depois e foi substituído por
Donato, que acabou dando nome ao movimento. Ceciliano e Os seus partidários
não reconheceram a autoridade do sínodo. Cartago ficou assim com dois bispos,
e a Igreja foi ameaçada de um autêntico cisma.
Alarmados
por Constantino aparentemente ter reconhecido Ceciliano (em carta oficial que
então circulou, o imperador referia-se à “Igreja católica presidida por
Ceciliano”), os donatistas levaram o seu caso ao próprio imperador em 15 de
abril de 313.
Constantino
interveio, de fato. “Nas províncias que a Divina Providência voluntariamente
me confiou” declarava o imperador, qualquer divisão era inaceitável. Ordenou
a Ceciliano que se dirigisse a Roma com dez bispos que o apoiassem e dez bispos
donatistas. Apresentariam todos o caso ao bispo Milcíades, de Roma, ele
próprio natural da África romana, e a três bispos da província da Gália.
Milcíades acrescentou quinze bispos italianos, compondo um sínodo com
jurisdição sobre matéria de doutrina. Após vários dias de testemunhos, o
sínodo reconheceu Ceciliano e deliberou contra Donato. Os donatistas não
aceitaram a decisão, pedindo a Constantino um novo julgamento. Este ficou
desolado com o crescimento das contendas, mas concordou com nova audiência.
Desta vez, reuniu-se em Arles um sínodo de 33 bispos, que novamente se
pronunciou contra os donatistas.
A
controvérsia continuou mais intensa, pois os donatistas não aceitaram o
veredicto. Irromperam tumultos no Norte da África; e os donatistas que foram
mortos pela repressão do governo foram classificados de mártires pelos seus
confrades. ‘Irei à África” anunciou Constantino, “e demonstrarei
cabalmente..., tanto a Ceciliano quanto àqueles que estão contra ele, como
deve ser adorada a Divindade Suprema.” Como estas palavras indicam, o
imperador sentia-se agora mais que um governante secular: era também o
emissário de Deus, com poderes para unificar a Sua Igreja.
Constantino
não foi à África, continuando a vacilar entre as insistências para tolerar o
donatismo e as que pediam para sufocá-lo. Mas em 316
decidiu a favor de Ceciliano; no
ano seguinte, não só
ordenou que fossem
confiscados os bens da Igreja donatista, como exílou
os dirigentes da seita.
Três
anos depois do Edito de Milão, o Estado romano via-se novamente na posição de
perseguidor, mas desta vez em nome da ortodoxia cristã. Sempre porta-voz das
classes mais humildes,
o movimento donatista manteve-se firme. Cartago continuou a ser cenário de
violentas lutas, com os donatistas numa resistência
tenaz, muitos deles preferindo a tortura, a prisão e até a morte a
submeterem-se aos ‘‘traidores’’.
Constantino,
aborrecido, acabou por desistir, revogando a sua lei anti-donatista em
321. Tinha aprendido
uma lição. Abjurar o seu próprio Edito de Milão fora uma bobagem. Nunca
mais tentaria esmagar qualquer movimento no seio da Igreja, embora, como o
conflito ariano em breve demonstraria, sempre mantivesse a tendência pata
subestimar o alcance das desavenças sectárias. Constantino falhara na sua
primeira tentativa de unificar a Igreja, mas estabelecera o seu direito de, como
imperador, ser mediador de questões eclesiásticas.
A controvérsia ariana
Enquanto
a controvérsia donatista fervilhava no Ocidente, outra tempestade se formava em
Alexandria e em outros lugares do Oriente, ameaçando, como o donatismo, dividir
a Igreja e envolvendo, ao contrario dele, uma questão teológica fundamental- a
divindade de Cristo.
No
centro desse debate encontrava-se Ário, presbítero em Alexandria, inteligente,
independente e popular. Tal como o seu predecessor, Orígenes, e outros
teólogos cristãos, ´´Ário discordava de muitos crentes no que diz respeito
à natureza do Filho de Deus e sua relação com o Deus Pai. Dizia existir “um
Deus que e o único não-gerado, o único eterno e o único sem princípio”. O
Filho de Deus,
dizia Ário,
foi criado e, portanto, tem de estar subordinado ao Pai. (“Houve um tempo em
que Ele [o Filho] não era” é como muitos resumiam a doutrina ariana.) Com
efeito, Ário negava, se não a divindade, pelo menos a co-eternidade do Filho
de Deus, Jesus Cristo, com o fim de manter um monoteísmo básico.
Outros
teólogos afirmavam que o Filho de Deus vinha do “próprio Deus”, não “do
não-existente”, como proclamava Ário. O Filho de Deus é divino, e não
apenas eterno, mas gerado na eternidade, explicavam. Alexandre, bispo
de Alexandria, intimou Ário
a deixar de pregar as suas opiniões. Mas era tarde.
Ário,
alto e ascético,
cuja capacidade de debate filosófico era enorme, adquirira fortes partidários
entre os cristãos de Alexandria, incluindo o clero. Em 318, ou um pouco depois,
um sínodo de aproximadamente cem bispos Egípcios e Líbios examinou as
doutrinas de Ário, condenou-o como herege e excomungou-o.
Ário
não se deixou abater. Conseguiu apoio para as suas opiniões da parte de
Eusébio, bispo de Cesaréia, de Eusébio, bispo de Nicomédia, e de outros. Tal
como o donatismo dividira a Igreja do Ocidente, o arianismo ameaçava separar o
Oriente em dois campos teológicos.
Constantino revela-se a Licínio
As
divisões no seio da Igreja não eram a única preocupação de Constantino. A
sua aliança com Licínío vinha sendo manchada por desconfiança mútua e mesmo
por guerra aberta. Já em 314 os dois se tinham defrontado
por causa do domínio sobre a Itália.
Decidida
a desavença pelas armas, seguiram-se cinco ou
seis anos de relações amistosas. Mas o fato de Licínio
maltratar
cada vez mais os cristãos abalou a aliança. Em 320, Licínio retirou a sua
proteção aos cristãos, que, suspeitava ele, eram mais leais a Constantino que
a si próprio. Proibiu os sínodos da Igreja em todos os territórios orientais
do Império (só nestas reuniões se podiam consagrar bispos), proibiu que
homens e mulheres praticassem atos de culto simultaneamente, e, segundo afirmou,
por razões de saúde pública, decretou que os cristãos não podiam reunir-se
em igrejas dentro da cidade, sendo obrigados a fazê-lo fora das muralhas. Foram
presos bispos; igrejas foram fechadas e até destruídas. Licínio ordenou ainda
que um sacrifício pagão fosse condição de admissão nos serviços públicos,
excluindo assim os cristãos.
A
perseguição dos cristãos por Licínio deu a Constantino o pretexto para se
declarar contra o seu co-imperador e realizar uma ambição antiga —
o
domínio total do Império. Quando Constantino marchou sobre a Trácia para
atacar bandos de piratas gôdos, em janeiro de 323, Licínio acusou-o de violar
o seu território. Os dados estavam lançados: a guerra civil havia sido
declarada. Constantino tratou-a mais como uma guerra santa que uma guerra civil.
Recrutou o auxílio de bispos cristãos e levou com ele uma capela particular
para utilizar em campanha. Confiou o seu estandarte militar cristão, o lábaro,
a uma guarda de elite de cinqüenta soldados, instruídos para levarem-no aonde
quer que o perigo se manifestasse. Segundo Eusébio, nenhum soldado que o
tenha transportado em batalha foi morto.
Constantino
organizou 130 mil soldados; Licínio,165 mil. A guerra começou em 324, quando
os dois exércitos
se defrontaram em Adrianópolis (atual Edirne, na Turquia). Embora em menor
número, as tropas de Constantino lutaram com bravura e derrotaram os
adversários. Bizâncio caiu em poder de Constantino, e a guerra foi decidida em
18 de setembro em Crisópolis, depois de dizimadas as tropas de Licínio. A
principio, Constantino poupou o cunhado, mas depois mandou que fosse
executado.
O
caminho para Nicéia
Constantino ganhara a sua guerra civil, mas a
união religiosa revelou-se um objetivo mais fugidio. O problema maior era a
controvérsia ariana, na qual Constantino estava decidido a pôr fim o mais
rápido possível. No início, acusou Ário e Alexandre de discutirem
simplesmente por discutir. Numa carta que lhes mandou, declarou a controvérsia
“perfeitamente irrelevante e completamente inútil”. Obviamente, Constantino
não se dava conta da complexidade da questão teológica. Mas desejava que ela
fosse rapidamente resolvida.
Constantino
despachou a sua carta para Alexandre e para Ário ao encargo do seu conselheiro
eclesiástico, Ósio, bispo de Córdova. Em 312, depois de sofrer com as
perseguições de Maximiano, Ósio entrara na corte de Constantino, onde parece
ter representado papel importante na conversão deste ao cristianismo.
Depois
de entregar a carta do imperador e de investigar o assunto em primeira mão,
Ósio decidiu aliar-se ao bispo Alexandre contra Ário. Assistiu, e talvez tenha
presidido, a um sínodo em Antioquia que emitiu uma declaração de condenação
contra Ário e seus discípulos. Na mesma reunião, Eusébio de Cesaréia foi
excomungado pelo seu apoio aberto a Ário; a rixa não dava sinais de tornar-se
branda. Propagara-se de Alexandria até a Palestina, Síria e Ásia Menor.
Constantino já não podia dizer que era “irrelevante”.
A
fim de acabar com a controvérsia, Constantino, em 325 convocou bispos e seus
representantes para juntarem-se à ele naquele que seria o primeiro — e mais
famoso -concílio geral na história da Igreja cristã, o Concílio de Nicéia.
Foram enviados mensageiros de Roma para todos os cantos do Império com a
convocatória de Constantino para “se reunirem... sem qualquer demora” numa
pequena cidade da Bitínia com um clima agradável (atual Jznik, no Noroeste da
Turquia). Esta escolha de local permitiria a Constantino “estar perto para
observar e tomar parte no andamento”, como escreveu na convocatória. A
mensagem era de urgência, e os enviados foram autorizados a servirem-se
livremente dos meios oficiais de transporte para se dirigirem ao concílio
(privilégio que rapidamente se tornou prática comum).
Mais
de duzentos participantes responderam à chamada. Só alguns representantes
dispersos vieram do Ocidente. (Durante várias centenas de anos subseqüentes,
as controvérsias envolvendo a natureza de Cristo mostraram tratar-se de uma
preocupação particularmente oriental, ou seja, grega.) Alegando falta de
saúde, o bispo Silvestre, de Roma, mandou dois enviados representá-lo. Além
de Ósio de Córdova e Ceciliano de Cartago, os dois ou três outros ocidentais
que compareceram foram ultrapassados em número pela delegação do Egito, pelos
aproximadamente cem da Ásia Menor e pelos vinte da Palestina; mas estes foram
suficientes para fazer do Concílio de Nicéia o primeiro concilio
verdadeiramente ecumênico da Igreja cristã.
Vieram
todos os principais mestres e teólogos do Império oriental, incluindo Eusébio
de Cesaréia (o futuro historiador eclesiástico), Eusébio de Nicomédia (o
poderoso bispo ariano que por vezes serviu de conselheiro de Constantino),
Alexandre de Alexandria e Marcelo de Ancira (atual Ankara). Alguns, como
Eusébio de Nicomédia, eram, e continuariam a ser apesar da maneira como
votaram em Nicéia, simpatizantes das idéias de Ário. Na maioria, os
delegados eram, contudo, simples servidores da Igreja, conservadores e talvez
anti-intelectuais, ou pelo menos desconfiados das mudanças. Alguns tinham o
título de “confessor”, que lhes fora conferido por causa do que tinham
sofrido nas perseguições.
O
Concílio de Nicéia
Numa
manhã em fins da primavera de 325, os bispos lotaram a grande sala da
residência imperial de Nicéia. Aguardando o imperador, tomaram os seus
lugares, distribuídos segundo as categorias, em bancos colocados de ambos os
lados da sala. A um sinal todos se levantaram, e Constantino, então com 45 anos
de idade, entrou envolto nas túnicas imperiais. Deve ter constituído uma
imagem imponente, com os seus ombros largos, queixo firme e porte masculino. Sem
guardas, caminhou para uma pequena cadeira dourada no meio da sala e convidou
os bispos a sentarem-se. Com igual deferência, os bispos indicaram que a
precedência pertencia ao imperador. E, para solucionar a questão, todos se
sentaram ao mesmo tempo.
Não se conservaram descrições contemporâneas
das sessões do Concílio de Nicéia. Segundo, porém, relatos posteriores, os
sentimentos quanto à questão ariana eram muito marcados, e o debate foi
acrimonioso. Alguns bispos tapavam os ouvidos com as mãos quando Ário falava,
O próprio Constantino, segundo consta, chamou depois a Ário “esse
desavergonhado servo do Demônio” e à teologia do seu conselheiro e
simpatizante do arianismo, Eusébio de Nicomédia, “invectivas de bêbado”.
Terá o imperador perdido a compostura durante as sessões em Nicéia? E fácil
imaginá-lo perdendo a calma, mas as crônicas dizem que ele permaneceu firme
durante os dois meses de reuniões.
A essa distância no tempo, a questão teológica
da controvérsia ariana pode nos parecer uma mera questão de semântica. Mas,
na realidade, ela tocou fundo no coração do cristianismo, numa época em que a
Igreja lutava por satisfazer duas necessidades distintas. Por um lado, a Igreja
dera ao mundo uma religião monoteísta acessível a todos; por outro, essa
religião distinguia-se claramente do judaísmo pela sua fé na divindade de
Cristo. Em que medida ele era divino? Se era inteiramente divino, não
existiriam então dois Deuses? Ou três, com o Espírito Santo?
Ário
era de tal forma monoteísta que, na sua ânsia preservar a singularidade de
Deus Pai
sentia
que tinha de negar alguma coisa — não exatamente a divindade, mas a
co-eternidade
—
de Cristo, o Filho. fórmula ariana clássica era: “Se o Pai gerou o Filho,
Aquele que foi
gerado
teve um começo de existência; é, portanto, evidente que houve um tempo em que
o
Filho
não existia. Segue-se necessariamente que Ele recebeu a existência a partir do
não
existente.”
Isto é,Cristo, ao contrário de Deus, veio do nada; o Filho era portanto,
subordinado
ao Pai. A muitos membros da Igreja
que, como o próprio Ário, abraçavam a
idéia
de Jesus nascido da Virgem Maria, ressuscitado dos mortos e subido ao Céu para
estar sentado à direita do Pai, esta noção parecia razoável e coerente com a
Escritura, enquanto para outros ela era não só uma teimosia como uma idéia
puramente herética.
Numa
tentativa de arranjar uma linha intermédia entre as duas facções opostas,
Eusébio de Cesaréia propôs um credo batismal que há muito era tradicional na
Palestina e na Síria e que, em parte, era como se segue:
Cremos
em um só Deus, Pai, todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e
invisíveis. E num só Senhor, Jesus Cristo, Verbo de Deus, Deus de Deus, Luz da
Luz, Vida da Vida. Filho unigênito, primogênito de todas as coisas, gerado do
Pai antes de todos os tempos; por ele foram também criadas todas as coisas; ele
que para nossa salvação encarnou e viveu entre os homens, e padeceu, e
ressurgiu de novo ao terceiro dia, e subiu ao Pai, e voltará em sua glória
para julgar os vivos e os mortos. E cremos também num Espírito Santo único.
Enquanto
Constantino aprovava esta profissão de fé, muitos bispos que tinham vindo a
Nicéia com o fim expresso de condenar o arianismo queixavam-se de que ela
parecia incorporar simultaneamente as idéias ortodoxas e as arianas. Na
verdade, os bispos arianos nada encontravam nela que não pudessem subscrever;
por isso, a facção conservadora exigiu um credo que excluísse claramente as
idéias de Ário.
A intervenção decisiva de
Constantino
Não
poderia o credo ser aumentado a fim de incluir a palavra homoousios
(“consubstancial”, ou “da mesma substância”), sugeriu Constantino,
descrevendo a relação entre o Pai e o Filho? Era uma palavra forte (e já
muito debatida) que fora usada por certos cristãos do século III condenados
por negarem a Trindade. Havia também oposição popular generalizada ao termo
por não figurar nas Escrituras. Propondo-o assim claramente, Constantino não
só foi audacioso como desferiu um hábil golpe político: por muito que os
arianos estivessem prontos a tolerar no credo conciliar, este termo, em
particular, fora rejeitado pelo próprio Ario na sua recente declaração de
fé. A grande vantagem do vocábulo para os antiarianos, que eram a maioria em
Nicéia, era portanto a sua total inaceitabilidade para os arianos.
No
fim, sem dúvida graças ao prestígio e poder de persuasão do imperador, bem
como à ameaça de excomunhão, todos, com exceção de Ario e dois dos
bispos, concordaram com a sugestão de Constantino. A versão final foi a
seguinte:
Cremos
em um só Deus, Pai, todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e
invisíveis;
E
em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, unigênito do Pai, isto é, da
substância do Pai, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus
verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial [homoousios] ao Pai, por quem
todas as coisas vieram à existência, tanto no Céu como na Terra, o qual por
nós homens e para nossa salvação desceu do Céu e encarnou, fez-se homem,
padeceu e ressurgiu de novo ao terceiro dia, subiu ao Céu e virá para julgar
os vivos e os mortos;
E
no Espírito Santo. Mas aqueles que dizem “Houve um tempo em que Ele não
existia”, e “Antes de nascer, Ele não existia ‘, e que Ele veio a existir
a partir do nada, ou que afirmam que o Filho de Deus é urna realidade ou
substância diferente, ou que está sujeito a alteração ou mudança esses
são anatematizados pela Igreja católica e apostólica.
Esta
última frase contém quatro anátemas, ou condenações eclesiásticas, contra
quatro dos principais dogmas arianos. Fora por este tipo de afirmações que os
bispos antiarianos se tinham mantido firmes. Ainda
que tivessem
dúvidas sobre o homoousios de Constantino, devem ter ficado satisfeitos com os
anátemas.
Embora
a controvérsia ariana continuasse a se
manifestar, o
Concílio de Nicéia estabeleceu o precedente histórico de ter sido o
primeiro concílio cristão ecumênico. As suas decisões tornaram-se a
autêntica ortodoxia da Igreja, e sobre elas as gerações futuras assentariam o
seu culto. Na luta Vitoriosa contra o paganismo, o cristianismo tinha encontrado
a sua voz, e Constantino, seu porta-voz oficial, estava agora mais do que nunca
empenhado em cristianizar o Império.
Como evoluiu o atual Credo de
Nicéia
A
versão atual do Credo Niceno, único credo cristão aceito pelas Igrejas
católica romana, ortodoxa oriental, anglicana e as principais protestantes, é
genericamente semelhante à original; sofreu, porém, várias alterações após
a reunião de Nicéia.
Dois
outros concílios foram aparentemente vitais para o desenvolvimento do Credo de
Nicéia até a forma com que hoje o conhecemos, mas os pormenores diluíram-se
com o passar dos anos. Em 451, os autos oficiais de um concílio em Calcedônia
mencionam não só os padres que se reuniram em Nicéia, mas também os “150
que se reuniram em data posterior”. Os estudiosos acreditam que esta e uma
referência a um concílio reunido em Constantinopla em 381 para tratar de novas
questões surgidas nos 56 anos depois de Nicéia. Ninguém sabe se, em
Constantinopla, o credo foi simplesmente confirmado ou significativamente
revisto, mas sabe-se que em 451 , ao ser promulgado em Calcedônia, ele era
basicamente o que conhecemos hoje. (Essa versão, chamada por quase todos de
Credo Niceno, é designada por alguns historiadores como Credo
Niceno-Constantinopolitano).
Os
anátemas antiarianos foram excluídos da nova versão, ficando assim o Credo
sem qualquer ponto de discórdia. Este fora reformulado de modo a começar com a
Criação e terminar com a vida do mundo que há de vir. Havia também agora um
parágrafo sobre o Espírito Santo, O único elemento acrescentado ao Credo
depois de Calcedônia foi a chamada cláusula Fílioque (“e do Filho”, em
latim), para afirmar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho”. Esta
cláusula representou mais um esforço para afirmar a divindade total de Cristo;
cláusula que nunca se implantou nas Igrejas orientais, onde era considerada
teológicamente incorreta. Em síntese, a versão posterior a Calcedônia é
idêntica à que hoje é conhecida como Credo Niceno.
Cremos
em um só Deus, Pai, todo-poderoso, criador do Céu e da Terra, de todas as
coisas visíveis e invisíveis;
E
em um só
Senhor Jesus Cristo, Filho único de Deus, gerado do Pai antes de todos os
tempos, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado,
consubstancial [homoousios] ao Pai, por quem todas as coisas foram feitas, o
qual por nós homens e para nossa salvação desceu do Céu, e encarnou
pelo Espírito Santo e da Virgem Maria e se fez homem, e por nossa causa
foi crucificado sob’ Pôncio Pilatos, e padeceu e foi sepultado, e ressurgiu
de novo ao terceiro dia segundo as Escrituras, e subiu ao Céu e está sentado
à mão direita do Pai, e virá de novo em sua glória para julgar os vivos e’
os mortos, e cujo Reino não terá fim;
E no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, que procede do Pai [e do Fillio (Filioque)
], e que’ com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, e que falou pelos
profetas, e numa {igreja una, santa, e apostólica. Confessamos um só batismo
para a remissão dos pecados; e esperamos
na ressurreição dos mortos e na vida do mundo que há vir.
Amém.
O Credo é orado nas Igrejas ocidentais na liturgia eucarística e nas
orientais, no batismo e na Eucaristia. As suas frases concisas e bem delineadas
têm traduzido ao longo dos tempos a fé dos cristãos.
Depois de Nicéia
“Pois
a decisão de trezentos bispos não pode ser considerada senão o juízo de
Deus”, foi a forma grandiosa como Constantino descreveu as resoluções do
Concílio de Nicéia. Em breve, porém, percebeu que nem todo o povo concordava
com a sua apreciação do concílio recém-concluído. Cerca de um mês após o
concílio, Constantino soube que Eusébio, bispo de Nicomédia, dera a comunhão
ao excomungado Ário e conspirava em conjunto com Teógnis de Nicéia e outros
arianos. Enfurecido, exilou ambos os bispos; mas depois, por razões
desconhecidas, reconsiderou e decidiu fazer as pazes com os homens que se tinham
oposto a ele em Nicéia.
Alguns
historiadores acreditam que o imperador tenha sido influenciado por sua mãe,
sua meia-irmã e sua cunhada, todas elas pró-arianas. Fosse qual fosse a
razão, Constantino, na tentativa de fazer regressar Ário ao rebanho, deu-lhe a
oportunidade de se arrepender. Numa carta ao bispo de Alexandria, Constantino
explicava como Ário concordara. Satisfeito pela sinceridade de Ário, que
parecia genuína, Constantino voltou a reunir o Concílio de Nicéia em 327,
readmitiu-o, e restabeleceu devidamente Eusébio e Teógnis nos seus bispados.
Eusébio de Nicomédia
Eusébio
de Nicomédia, que não deve ser confundido com Eusébio de Cesaréia,
desempenhou papel determinante nos acontecimentos que envolveram o Concílio de
Nicéia. A influência sobre a família de Constantino fez dele uma força por
detrás do trono. Foi ele que, quase sozinho, transformou o que fora uma
discussão egípcia a respeito de Ário numa controvérsia mundial, e também
quem pôs em movimento a máquina política que levou Constantino a convocar os
bispos para Nicéia.
Nascido
na Síria de uma família da classe alta, Eusébio estudara em Antioquia, onde
fora companheiro de Ário. Os dois jovens eram discípulos notáveis de Luciano,
fundador da escola e estudioso da Bíblia, cuja extensa atividade de edição do
Novo Testamento constituiu uma base importante do texto que chegou até nós.
Teologicamente, Luciano era um seguidor de Orígenes e, como este, afirmava que
o Filho era subordinado ao Pai. Luciano foi martirizado em Nicomédia em 312.
Seis
anos após a sua morte, Eusébio foi nomeado bispo de Nicomédia (atual Izmit,
na Turquia). Desfrutou, nesse período, grande favoritismo na corte de Licínio.
Constância, mulher deste e meia-irmã de Constantino, era sua amiga particular
e protetora. Quando Licínio foi derrotado por Constantino em 324, Eusébio
deveu a sua sobrevivência à proteção de Constância. Em breve, ganhava a
confiança de Constantino, e um dos primeiros assuntos de que cuidou foi a
situação do seu amigo Ário. O Concílio de Nicéia, no ano seguinte, resultou
em parte das conversas de Eusébio com o imperador.
Em
Nicéia, Eusébio fez unia intensa campanha em favor de Ário e assinou a
declaração de fé unicamente sob coerção do próprio Constantino. Em menos
de três meses, repudiava a sua assinatura e foi exilado na Gália. Três anos
depois, retratava-se e era readmitido na sua sé em Nicomédia e na sua
posição de influência na corte imperial.
Quando,
em 337, Constantino sentiu que estava próximo de morrer, foi Eusébio de
Nicomédia que o batizou. Em 339, Eusébio foi nomeado bispo de Constantinopla,
promoção relevante que fez dele, ariano confesso, um dos mais poderosos chefes
de Igreja existentes. Eusébio sobreviveu apenas quatro anos ao seu imperador.
Em 341, ano em que morreu, Eusébio sagrou Wulfila, de trinta anos, missionário
junto aos godos da Dácia, ao norte do Danúbio, primeiro bispo dos godos. Este
ato teve conseqüências de grande alcance, pois quando, passadas três
gerações, os discípulos de Wulfila invadiram o Ocidente, levaram consigo o
arianismo de Wulfila, e essa doutrina constituiu um importante obstáculo à
unidade cristã até a época de Carlos Magno.
Atanásio, pilar da ortodoxia
Nicena
Embora
Constantino acreditasse ter finalmente unificado a Igreja oriental e apagado a
controvérsia sobre o arianismo, nada havia que confirmasse isto. Na verdade,
apesar dos acordos obtidos nos dois Concílios de Nicéia, a Igreja era
torturada por contendas, recriminações e puras traições. O arianismo dividiu
a Igreja oriental, com os bispos em oposição uns aos outros, construindo por
vezes complicadas intrigas a fim de promoverem as suas opiniões teológicas.
Para poderem simplesmente sobreviver, os homens da Igreja necessitavam da
sabedoria de um teólogo e da esperteza de um político. Um homem que possuía
estas duas qualidades era Atanásio, apaixonado filho de Alexandria e anti-ariano
sólido. Atanásio entrou para o clero aos dezessete anos, foi ordenado diácono
cerca de seis anos depois e foi secretário do bispo Alexandre. Tal como este,
criticava os arianos pelo ataque que faziam à divindade total de Cristo e
apoiava com firmeza o Credo de Nicéia. Pouco depois da morte de Alexandre,
Atanásio foi nomeado bispo de Alexandria. Enquanto os arianos se opunham a esta
nomeação, os partidários de Atanásio aclamavam-no como “um homem digno,
virtuoso, bom cristão e ascético”.
Durante
os muitos anos do seu episcopado, Atanásio demonstrou uma retidão de espírito
que lhe trouxe muitos opositores. Na sua luta permanente contra o arianismo,
nunca se intimidou diante dos partidários de Ário, incluindo o próprio
imperador. Constantino escreveu-lhe, ameaçando destituí-lo, se não
concordasse com a readmissão de Ário na Igreja. Mas Atanásio, inabalável,
nunca abrandou a sua defesa da divindade total de Cristo. A Humanidade, dizia,
não
teria
hipótese de redenção se Cristo fosse menos que perfeitamente divino.
A
posição de Atanásio e seus seguidores quanto à natureza de Cristo não
permitia soluções de compromisso: eles defendiam inflexivelmente a “fé de
Nicéia”. Mas as idéias dos adversários não se afirmavam com tanta
simplicidade. Fora do Egito, muitos bispos da Igreja oriental acreditavam na
divindade do Filho, mas rejeitavam o conceito “da mesma substância”, ou
“consubstancial” (homoousios), afirmando que este termo apagava toda a
distinção entre o Pai e o Filho. Outros, como Eusébio de Nicomédia,
rejeitavam-no em favor do termo “de substância igual” (homoiousios),
defendendo existir uma separação definida entre Deus e Cristo.
Numa
tentativa de derrubar Atanásio, Eusébio e os seus seguidores aliaram-se com os
adeptos de Melécio de Licópolis (minoria alexandrina que achava ter sido
vítima de Atanásio) e chegaram mesmo a acusá-lo de assassinar um bispo
meleciano e usar o cadáver para fazer magia negra. Mesmo quando Atanásio
apresentou a “vítima” no tribunal, viva e sã, os melecianos disseram que
ele “usara as suas artes mágicas para ludíbriar os olhos das pessoas”.
Imperturbáveis, produziram outras acusações: que ele tentara instituir um
imposto sobre os egípcios para comprar vestes de linho para os seus sacerdotes;
que ultrajara uma igreja meleciana esmagando o cálice eucarístico; até o
acusavam de ter violentado uma mulher. A mulher não foi capaz de reconhece-lo
no tribunal, e portanto o seu testemunho foi desprezado. Sem dúvida, as
acusações deviam-se ao fato de Atanásio se ter empenhado pessoalmente na luta
contra os dissidentes da sua Igreja. Em 335, Constantino convocou um concílio
eclesiástico plenário em Tiro, onde a facção pró-ariana conseguiu depor
Atanásio. A sorte deste mudou no decorrer das décadas seguintes — sofreu,
por exemplo, cinco períodos de exílio —, mas, pela sua coragem em manter-se
contra o arianismo, é considerado um dos padres da Igreja.
Eusébio de Cesaréia
Eusébio
de Cesaréia, que assinou em 325 o Credo do Concílio de Nicéia, mas depois
escreveu à sua Igreja pedindo desculpa de tê-lo feito, é mais lembrado como
“o pai da história da Igreja” do que pelo seu papel na controvérsia
ariana. A sua História Eclesiástica é uma das nossas mais importantes fontes
de informação sobre a Igreja.
Nascido
por volta de 260 na Palestina, Eusébio foi batizado em Cesaréia, onde estudou
com Pânfilo, sacerdote e mestre que o educou segundo a tradição de Orígenes.
Durante as perseguições iniciadas em 303, Eusébio assistiu ao martírio do
seu amado professor, à destruição de igrejas, à queima de livros sagrados. A
violência das perseguições levou-o a dar início ao seu primeiro livro, a
Crônica, sumário da história universal, iniciada com a Criação.
Grande
parte do que Eusébio escrevia destinava-se a defender o cristianismo. Em
Preparação Evangélica explicava a natureza do cristianismo “àqueles que
não sabem o que ele significa”, em outras palavras, aos pagãos. Um dos
objetivos principais do livro era mostrar por que os cristãos aceitavam a
tradição religiosa hebraica, rejeitando ao mesmo tempo a grega.
Por
volta de 315, Eusébio foi sagrado bispo de Cesaréia. Ao longo da década que,
precedeu o Concílio de Nicéia, ele tinha apoiado Ário, e acabou sendo chamado
a Antioquia sob a acusação de arianismo. Talvez para limpar o seu nome,
aceitou mais tarde, embora com relutância, a inserção, pelo imperador, do
termo homoousios, ou “consubstancial”, na revisão de um credo formulado em
Nicéia. (A razão da relutância de Eusébio em subscrever o termo era a de que
este não aparece na Bíblia.)
Nos
doze anos que se seguiram ao Concílio de Nicéia, Eusébio aparentemente
desfrutou o favor de Constantino. Em 331, foi-lhe oferecido o bispado de
Antioquia, onde seis anos antes tinha sido chamado sob acusações de heresia,
mas recusou a nomeação. Em 335, assistiu ao Concílio de Tiro. Pouco depois, era
convocado por Constantino para participar no julgamento das acusações contra
Atanásio. Em diversos dos seus escritos, Eusébio nos dá uma espécie de
perfil do Estado de Constantino, especialmente no que se refere às relações
entre esse Estado e a Igreja. O imperador, declara Eusébio, pode afirmar que
Deus é a fonte do seu poder e pode governar na Terra como representante de
Deus.
Nenhuma
das outras obras de Eusébio compara-se em importância à sua História
Eclesiástica, O alcance do livro é muito ambicioso. Como ele próprio frisou:
“Sou
o primeiro a aventurar-me num projeto destes... Nunca encontrei pegadas claras,
unicamente traços apagados, daqueles que seguiram este caminho antes de mim.”
A história do cristianismo, por Eusébio, é uma crônica não-crítica do
triunfo da Igreja sobre o conflito. Como todos os seus escritos, a História
Eclesiástica é densa, O autor mostra um estilo rebuscado, fazendo uso
exagerado de citações de autores anteriores. Mas este defeito tornou a obra
ainda mais importante para os historiadores modernos, pois essas citações são
a única fonte de muitos escritores, de todo desaparecidos. Em termos gerais, a
obra de Eusébio perdura como panorama precioso sobre os primeiros passos do
cristianismo.
Separação
entre o Oriente e o Ocidente
A
decisão de Constantino de mudar a capital de Roma para Bizâncio
(Constantinopla) baseou-se numa série de fatores. Primeiro, Roma não era mais
a capital administrativa do Império; a administração deslocava-se com o
imperador. Nicomédia, por exemplo, servira de sede a Diocleciano, Galério e
Licínio. Constantino tinha-se estabelecido por um tempo em Sérdica (hoje
Sófia, na Bulgária), e consta que teria afirmado: “Sérdica é a minha
Roma”. Além disso, o papel de Roma como pólo econômico do Império estava
sendo usurpado por cidades orientais, como Sírmio, Aquiléia, Nicomédia e
Tessalônica, que haviam prosperado graças a ativas rotas comerciais.
Também
a religião influenciou a sua decisão. Constantino sentira repugnância pelos
sacrifícios pagãos que os romanos tinham feito nas comemorações do 20º
aniversário
do seu reinado, em 326. Ao construir uma nova cidade imperial, poderia criar uma
capital predominantemente cristã, algo que a Roma pagã parecia nunca vir a
ser. Depois de considerar e rejeitar diversas cidades orientais, incluindo
Jerusalém e Nicomédia, o imperador foi a Tróia, a antiga cidade imortalizada
por Homero. Segundo a lenda, depois de Constantino ter projetado os limites da
cidade e as obras iniciadas, Deus falou-lhe, ordenando que escolhesse outro
lugar para a Nova Roma. Constantino justificava então ter escolhido Bizâncio
para sua nova capital “por ordem de Deus”.
A
localização de Bizâncio fazia também dela uma escolha natural. Assentada
sobre um promontório na saída sudoeste do Mar Negro, este triângulo de terra
dominava a rota marítima para o Mediterrâneo, servindo também de ponto de
passagem para as rotas terrestres entre a Ásia e o Império do Oriente.
Marfim, seda, algodão, jóias, especiarias e outras mercadorias enriqueciam
os mercadores da cidade. Era, além disso, uma fortaleza natural, protegida por
água por três lados e acessível por mar só depois de se ter passado pelas
defesas exteriores nos estreitos do Bósforo e do Helesponto. O porto protegido,
o Corno de Ouro (em razão do seu feitio e das riquezas que habitualmente
permaneciam nas suas docas), proporcionava abrigo seguro às esquadras de guerra
e aos navios mercantes e podia ser facilmente defendido em caso de ataque. Ao
contrário de Roma, a cidade era ainda conveniente em relação a duas das
principais frentes do Império —
a
fronteira persa, a leste, e o Danúbio, ao norte.
Pode
ter sido pouco depois da vitória sobre Licínio, em fins de 324, que
Constantino e os seus engenheiros visitaram Bizâncio e projetaram os limites da
nova capital. Ele deslocou as muralhas da cidade 2,5km para oeste, mais do que
quadruplicando a área urbana. Arquitetos, serralheiros, marceneiros,
trabalhadores em mármore e mosaico, pedreiros, douradores, vidraceiros e
outros foram aliciados —
e
em alguns casos intimados —
a
concretizar o projeto do imperador em Bizâncio. Não se pouparam despesas na
construção. Por ordem de Constantino, estátuas e outras obras de arte, portas
de bronze e colunas de mármore foram retiradas dos templos pagãos em todo o
Império e enviadas para Constantinopla. As ruas foram decoradas com fontes e
pórticos; o enorme balneário público foi adornado com dezenas de estátuas de
mármore e bronze. Quase todos os templos de Bizâncio foram destruídos, e as
estátuas dos deuses aproveitadas para ornamentar novos edifícios e praças.
Um
templo de Afrodite foi derrubado e substituído pela Igreja dos Santos
Apóstolos, basílica que continha imagens dos doze apóstolos e um sarcófago
para Constantino, representado como “o 13º
apóstolo”.
Outras
igrejas se ergueram por toda a cidade. Símbolos e relíquias associados à
história bíblica e da Igreja multiplicavam-se por todos os lados. No Fórum de
Constantino, na base da coluna que sustentava uma estatua sua representando o
deus-Sol, Constantino enterrou um objeto que supostamente era o machado usado
por Noé para construir a arca e o frasco que se dizia ter contido o óleo com
que Maria Madalena ungiu os pés de Cristo. A seguir, para conferir à Nova Roma
algo da santidade apostólica que a Antiga Roma obtinha dos túmulos de Pedro
e Paulo, Constantino ordenou que trouxessem para Constantinopla relíquias de
André (apóstolo lendário da região do Mar Negro que incluía Bizâncio), de
Timóteo e de Lucas.
Para
povoar a sua nova cidade imperial, Constantino ofereceu vários atrativos. Os
senadores que trocassem Roma por Bizâncio eram premiados com mansões
fornecidas pelo Estado. Cidadãos de categoria inferior que construíssem casas
para si próprios na
nova
capital recebiam alimentos gratuitos. A lei exigiu que aqueles que detivessem
terras da coroa na Ásia Menor construíssem uma segunda casa na cidade.
Milhares de outros não precisaram ser aliciados: a cidade ficou logo repleta de
burocratas, soldados, lojistas, mercadores e multidões atraídas à nova sede
do Império. Em 337, cerca de 50 mil pessoas viviam em Constantinopla; em 400, a
população duplicaria e, um século depois, quase atingiria a marca de um
milhão. Constantinopla foi consagrada em 11 de maio de 330. Quarenta dias de
festejos assinalaram a passagem de Bizâncio a ponto central de um novo Império
cristão.
Com
o centro do Império agora a cerca de 1.500 km a leste de Roma, a parte
ocidental viu-se privada de muitos dos rendimentos e mão-de-obra que
anteriormente exigira do Oriente. Em breve, ficaria vulnerável aos ataques
dos seus inimigos do Alto Danúbio e do Reno. Se o deslocamento proporcionou
maior domínio imperial sobre a Igreja oriental, aumentou, por outro lado, a
proeminência do bispo de Roma, e a Igreja de Roma acabou se tornando a
instituição mais poderosa do Ocidente. Ao mesmo tempo, Constantinopla
preservava os frutos da civilização greco-romana; durante centenas de anos, a
cidade suportou os ataques de quase todas as frentes. Muito depois de Roma ser
vencida pelos bárbaros, Constantinopla ainda estava próspera como centro do
Império Bizantino.
Enquanto
trabalhava arduamente na promoção do cristianismo, Constantino nunca perdeu de
vista o seu papel de governante de todos os seus súditos. Certa vez, disse a um
grupo de clérigos: “Vós sois os bispos dos membros da Igreja, mas eu serei o
bispo, nomeado por Deus, daqueles que estão fora dela.” A aliança com o
cristianismo e a construção de Constantinopla se destacam muito em meio a
outras realizações, mas Constantino também reorganizou o exército, alterou a
difícil burocracia do Império, estabilizou a moeda. Dada a medida destas
realizações, não há dúvida de que ele merece o título, com que a
posteridade o agraciou, de Constantino, o Grande. Teve, contudo, os seus
defeitos. Era extravagante, vulnerável à lisonja, e em geral cruel. Mostrou o
lado negro do seu caráter quando, em 326, mandou matar a mulher, Fausta, e o
filho primogênito, Crispo, por razões ainda hoje obscuras. O maior erro
político envolveu também a família: em 335, em vez de nomear um único
herdeiro, legou o Império aos três filhos restantes, abrindo assim as portas
a ciúmes e intrigas.
Pouco
depois da Páscoa de 337, Constantino adoeceu gravemente. Convencido de que a
doença era fatal, recebeu o batismo de Eusébio de Nicomédia, conselheiro
espiritual de longa data com o qual tivera alguns conflitos no que diz respeito
a doutrina e política. (Tal como muitos cristãos da época, Constantino adiara
o batismo até o fim, pois temia não ser capaz de evitar pecados mortais
durante a vida, e esses pecados depois do batismo eram considerados
imperdoáveis.)
O
imperador, agora com 57 anos, trocou as túnicas de púrpura pelas austeras
vestes brancas de um neófito cristão. Morreu em 22
de
maio de 337, durante a festa de Pentecostes. A princípio foi exposto em
câmara-ardente no palácio imperial, por onde os cidadãos de Constantinopla
passaram, desfilando junto dele para lhe prestar homenagem. Depois, conforme
pedira, o seu corpo foi posto num túmulo na Igreja dos Santos Apóstolos, em
Constantinopla. Em Roma, verificou-se também intensa reação. Até o céu
pareceu comover-se com a sua morte; diz-se que um cometa anunciara a sua morte
ou aparecera no momento dela.
Ainda
que, de fato, Constantino tivesse sido o primeiro governante cristão, ele
continuou a ser venerado pelos seus súditos pagãos. Cunharam-se moedas com a
divisa Constantino, o Deificado, e Eutrópio, historiador do século IV,
observou:
“Foi merecidamente incluído entre os imperadores divinos [isto é, pagãos
deificados].”
A divisão do Império em três
Constantino
II,
filho
mais velho do imperador, ficou com a Britânia, a Gália e a Espanha. Constâncio
II
recebeu
o Oriente, enquanto Constante, o mais novo, herdou a região intermédia,
incluindo a Ilíria (antiga Iugoslávia), a Itália e o Norte da África. Entre
as questões que teriam de se defrontar, estava a famosa controvérsia ariana.
Constantino
II
e
Constante apoiavam o Credo de Nicéia, enquanto Constâncio seguia as idéias
arianas de Eusébio de Nicomédia. Um dos primeiros atos oficiais de Constantino
ii
foi
autorizar os bispos antiarianos exilados, incluindo Atanásio, a regressarem às
suas sés. Essa decisão, se, por um lado, agradou às Igrejas ocidentais, que
apoiavam o Credo Niceno, por outro enfureceu os bispos orientais, descontentes
com a fórmula do concílio. A facção oriental, chefiada por Eusébio de
Nicomédia, afirmava que Atanásio perdera o direito à sua sé e obrigou-o a
fugir de Alexandria. Atanásio pediu auxílio ao bispo Júlio, de Roma, que, em
340, convocou um sínodo e determinou que Atanásio e os outros antiarianos
exilados estavam inocentes de todas as acusações que lhes tinham sido feitas.
Os bispos orientais reuniram-se em 341 e, desprezando o sínodo ocidental,
negaram ao bispo romano o direito de mediar a favor das Igrejas orientais.
Parecia iminente uma grande separação entre as Igrejas latina e grega.
Para
contornar a situação, convocou-se novo sínodo no outono de 343. Foi um
fiasco. Ambos os lados mantiveram a recusa em alterar as suas opiniões.
Atanásio foi reposto no seu bispado de Alexandria, mas, depois de Constante ter
sido assassinado e Constâncio se tornar imperador único em 353 (Constantino II
morrera
na invasão do Norte da Itália, em 340), Atanásio foi novamente deposto e
exilado. Tal como o pai, Constâncio lutou pela formulação de um credo aceitável
por ambas as partes —
tarefa
aparentemente impossível, pois os dois lados divergiam em suas crenças no que
diz respeito a assuntos de vida e morte eternas.
Os
bispos ocidentais criticaram Constâncio por apoiar a facção ocidental
antinicena. Foi o caso de Hilário de Poitiers, neoplatônico até se converter
ao cristianismo, lembrado como autor de um tratado sobre a Trindade e como o
primeiro autor conhecido de hinos cristãos. Até Ósio, outrora conselheiro de
Constantino 1
e
agora de volta à política da Igreja na surpreendente idade de 101 anos, atacou
Constâncio pela sua ingerência.
A
controvérsia, que Constantino I
qualificara
uma vez de “perfeitamente irrelevante”, continuaria a confundir igualmente
bispos e imperadores. As partes em conflito concordavam, porém, num ponto: que
o paganismo era uma afronta ao cristianismo. Os cultos pagãos começaram a ser
atacados na época de Constantino, que ordenara a pilhagem dos templos a fim de
ornamentar a sua nova cidade imperial. Alguns foram mesmo destruídos e
substituídos por igrejas. Os filhos foram mais além: em 341, emitiram-se
importantes leis contra o paganismo.
A
Igreja como instituição
oficial
Com
o fechamento dos templos pagãos, tornou-se evidente que algo teria de ser feito
pelos pobres, que dependiam da grande generosidade dos templos ricos. A Igreja
apresentou-se para preencher essa lacuna. Libertada da opressão e enriquecida
com donativos dos convertidos abastados, ela podia agora auxiliar o grande
público. O próprio Constantino patrocinara a fundação da primeira rede de
hospitais por todo o Império. No Concílio de Nicéia, foi decidido que cada
cidade devia possuir instalações apropriadas para os doentes, os pobres e os
peregrinos. O clero foi autorizado a distribuir alimentos aos órfãos e
viúvas. Quando, em 368, a fome se abateu sobre a Ásia Menor, o bispo Basílio
de Cesaréia alimentou os famintos da região durante um ano inteiro. Esta
caridade generosa atraiu muita gente à Igreja e proporcionou um bem-vindo
impulso à sua reputação, manchada pelas recentes querelas internas. Nem mesmo
os críticos do cristianismo podiam negar os seus bons atos.
A
caridade desempenhou também um papel no desenvolvimento da vida monástica
cristã. Pelos meados do século IV,
os mosteiros tinham-se transformado, de grupos de eremitas vivendo no
deserto e frouxamente interligados, em comunidades organizadas, como as
iniciadas por Pacômio perto do Nilo. Basílio de Cesaréia (ver p. 247) achava
que as comunidades monásticas deviam ser menos isoladas, mais intima— mente
ligadas à Igreja e à comunidade em geral. Incentivou os mosteiros para que,
além de promoverem uma vida ascética rigorosa, dessem auxílio aos pobres e
oferecessem tratamento médico aos doentes. Como bispo e asceta, aconselhou os
outros a localizarem os seus mosteiros nos arredores das cidades, onde
poderiam prestar esses serviços a uma grande população. Expôs as suas
idéias em dois conjuntos de instruções monásticas, que se conservaram e são
até o dia de hoje utilizadas em mosteiros gregos e russos.
Juliano, o Apóstata
Os
seus críticos cognominaram-no de o Apóstata. Para os seus seguidores, era um
“santo”, um “rei-filósofo”, um “verdadeiro deus sob a aparência de
homem”. Os historiadores têm mostrado maior equilíbrio ao apreciarem Flavius
Claudius Julianus, ou Juliano, sucessor de Constâncio, lembrado como o
imperador que tentou derrubar o cristianismo e restabelecer o paganismo como
religião oficial do Império Romano.
Sobrinho
de Constantino, Juliano tinha apenas cinco anos em 337 quando assistiu à morte
do pai pelos soldados para abrirem caminho ao reinado dos filhos de Constantino.
Após o crime, Juliano foi mandado para Nicomédia, onde ficou aos cuidados de
Eusébio, bispo da cidade, até este ser nomeado bispo de Constantinopla. Em
342, foi para uma propriedade longínqua na Capadócia, onde, sob o olhar atento
dos eunucos da casa, passou seis anos estudando teologia cristã. Mas o seu
verdadeiro amor eram os clássicos, e durante aproximadamente os dez anos
seguintes —
primeiro
na capital, depois em Pérgamo e Éfeso —
explorou
o universo da poesia, filosofia e mitologia gregas.
Viu
a morte de perto em 354: ele e seu irmão Galo foram chamados a Milão, onde
Constâncio, irado por Galo ter abusado do seu cargo de césar, mandou que ele
fosse julgado e executado. Juliano conseguiu convencer o imperador de que ele,
Juliano, não tinha interesse na política e não constituía ameaça.
Influenciado
pelos professores, especialmente pelo filósofo neoplatônico Máximo de Éfeso,
tornara-se pagão ardoroso, mas em segredo. Pôs de lado a Bíblia
e procurou
inspiração em Homero. Juliano estava convicto de que Constantino destruíra os
valores religiosos tradicionais do Império. Até herdar as vestes imperiais, em
361, ocultou o seu paganismo, a não ser de um pequeno círculo de amigos e
mestres. Chamou helenismo à sua forma de paganismo e foi beber das várias
correntes filosóficas na tentativa de estabelecer uma nova religião
organizada. De Platão adotou o conceito de um “Ser Supremo”
não-cognoscível, do qual emanava um deus criador. Através de vários
estágios, ou degraus, a alma humana conseguia ascender à felicidade.
Havia
paralelismos notórios entre o neoplatonismo do século IV
e
a teologia cristã do mesmo período.
O
venerável Agostinho, padre da Igreja, descobriu, uni quarto de século depois,
que o neoplatonismo podia servir de ponte para os que, como ele, estavam a
caminho do cristianismo. O neoplatonismo teve efeito diferente em Juliano. Como
escreveu um historiador, “Juliano atravessou a ponte, mas na direção
contrária”.
Tentativa
para restabelecer o paganismo
Em
335, Constâncio nomeou Juliano como César e mandou-o para a Gália, a fim de
governar essa prefeitura, que fora recentemente invadida por tribos germânicas.
Depois de atravessar os Alpes com 360 homens, Juliano passou o inverno em Vienne,
no Ródano, onde estudou a arte da guerra. Na primavera, organizou um exército
que conseguiu derrotar os invasores. Permaneceu na Gália mais cinco anos,
incrementando a economia, as defesas e a administração da região. Todos se
surpreendiam que ele tivesse se transformado com tanto êxito de um aluno de
escola num comandante militar e hábil administrador.
Com
a guerra indo mal na frente persa, Constâncio ordenou a Juliano, em 360, que
enviasse as suas melhores tropas para ajudar a defender a fronteira oriental do
Império. O exército recusou-se a partir, aclamando depois Juliano como
augusto. Este aceitou o apelo das tropas e conduziu-as até a cidade de
Constantinopla. A guerra civil foi evitada quando Constâncio morreu de uma
febre, em novembro de 361.
O
novo imperador não perdeu tempo em declarar o seu paganismo. Depois de limpar a
corte dos cristãos remanescentes, organizou uma Igreja pagã com uma hierarquia
segundo o modelo da Igreja cristã, ele próprio à frente no cargo de pontfex
maximus.
Mandou reabrir os templos e remover dos estandartes das legiões o emblema
cristão de seu tio Constantino. Foram restituídas as terras dos templos e o
culto público dos deuses renasceu. Instituíram-se de novo as escolas pagãs
nas povoações por todo o Império.
Juliano
não declarou o cristianismo ilegal, mas retirou da Igreja muitos dos
privilégios que esta recebera durante o reinado de Constâncio. O clero
cristão deixou de estar isento de impostos e de poder servir-se dos transportes
públicos e dos correios sem pagar. Os cristãos foram banidos dos cargos
governamentais, e os professores cristãos proibidos de ensinar os clássicos.
De todas as medidas anticristãs de Juliano, esta foi a que provocou mais
veemente e duradouro protesto.
Apesar
de todo o seu entusiasmo e fé apaixonada no paganismo, Juliano jamais conseguiu
restaurar o culto dos antigos deuses como religião dominante do Império.
Alguns converteram-se ao paganismo, mas para outros esse oferecia poucos
atrativos. Para muitos, os ritos pagãos pareciam anacrônicos. Mesmo antes de
o Apóstata, como lhe chamavam os cristãos, ter morrido na frente persa em 26
de junho de 363, era óbvio que o seu plano para ressuscitar o paganismo tinha
falhado. Atanásio foi quem melhor o exprimiu. Depois de Juliano mandá-lo para
o exílio, no verão de 362, ele disse à sua congregação: “E só uma
nuvenzinha que em breve passará.”
Dia para o descanso
Quando
Constantino subiu ao poder, o culto cristão estava ainda bastante pouco
estruturado, embora sujeito a algumas orientações gerais. Talvez a única
coisa que todas as Igrejas cristãs tinham mantido em comum desde o século
I
era
a reunião aos domingos para o culto;
nesse dia (chamado o primeiro da semana),
os cristãos comemoravam a Ressurreição.
Em
321, Constantino oficializou o domingo como dia santo e pôs em vigor aquilo que
poderia chamar-se as primeiras leis do mundo sobre moral pública. Proclamava o
edito: “Todos os juizes, pessoas da cidade e artesãos devem descansar no dia
venerável ao Sol. Mas as pessoas do campo podem sem objeções dedicar-se à
agricultura, pois muitas vezes acontece ser este o dia mais favorável para
semear cereais ou plantar vinhas.” Apesar do edito, muitos cristãos
mantiveram a antiqüíssima prática de observarem também o sabbat (sábado)
judaico até a década de 360, quando a Igreja o proibiu.
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