BG se destaca mais como
poeta ou como romancista?
Armelim
Guimarães
O romancista Bernardo
Guimarães vale muito mais do que o poeta Bernardo Guimarães, opina
Agrippino Grieco e Clóvis Bevilaqua. O prosador Coelho Neto também
não tem dúvida e dá o seu parecer: "Poeta de um lirismo ora
amoroso, ora naturalista, ora filósofo, ora humorístico, é,
entretanto, como romancista que o seu nome fulgura." (Compêndio da
Literatura Brasileira, página 113) Ronald
Carvalho, na sua Pequena História da Literatura Brasileira, qualifica
BG como "colorista agradável e descritor elegante". Ele
coloca Bernardo Guimarães entre os poetas menores e salienta o
romancista no seu sertão, "nas caatingas do planalto central, no
meio da caipirada rude, dos vaqueiros e dos senhores da fazendo do
interior". Na sua opinião, o mineiro não conseguiu fixar "um
só tipo verdadeiro", mas, como descritor, "não poderíamos
apanhá-lo em falso". Para
José Veríssimo, no entanto, o Bernardo poeta é superior ao romancista
(Estudo da Literatura Brasileira, 2º tomo, página 254). O mesmo
julgamento faz Manuel Bandeira nas Noções de História das Literaturas
(1942, página 300): "Mais conhecido pelos seus romances, nele
entretanto o poeta é superior ao romancista. O seu poema em verso
branco, O devanear de um céptico, é certamente a produção mais
características do estado de espírito de sua geração". Para
esse crítico, o romancista "não trouxe nenhum elemento novo ao
gênero. Todos os seus romances pecam pelos mesmos defeitos dos de
Teixeira e Sousa e Macedo: sentimentalismo exagerado, forma pobre e
vulgar". Também
Manuel Bandeira aprecia mais BG como poeta. Tanto que na Antologia dos
Poetas Brasileiros da Fase Romântica (Instituto Nacional do Livro,
1949, páginas 112/133) ele inclui sete trabalhos do autor das Folhas de
Outono. "Mais
conhecido por seus romances -- agora é Edgard Cavalheiros quem fala --
Bernardo Joaquim da Silva Guimarães é, contudo, um poeta bem superior
ao ficcionista" (Obras Primas da Lírica Brasileira, São Paulo,
página 48). José Osório de Oliveira é da mesma opinião (História
Breve da Literatura Brasileira, página 76). Para
Augusto de Lima, no entanto, o poeta e o romancista se equilibram.
Nota-se na prosa bernadiana, ao seu ver, a "mesma intensidade de
sentir, a mesma dramaticidade, o mesmo esmero em ser fiel à natureza e
à verdade, ainda que através da lenda, em cuja roupagem se envolvem
às vezes os seus dramas". Frederico
dos Reys Coutinho acentua a disparidade de conceito entre o público e a
crítica. Diz ele: "Foi como ficcionista -- pintor de costumes do
interior e paisagista agradável -- que Bernardo Guimarães adquiriu a
popularidade que cercou o seu nome no passado, e que ainda persiste, em
parte. Isso, porém, deveu-se à decisão dos leitores, e não da
crítica. Esta, principalmente a moderna, antepõe nele o poeta ao
ficcionista, apontando no primeiro uma riqueza e espontaneidade de
inspiração que o colocam logo após as grandes figuras do
romantismo". (As Mais Belas Poesias Brasileiras de Amor, página
285). João Alphonsus,
na "Revista do Brasil" (maio de 1941), depois de lembrar que
as obras do escritor das Alterosas até hoje estão na admiração do
povo, e que as edições de seus romances se esgotam logo,
mostra-se preocupado em descobrir a razão dessa sobrevivência, e
alvitra, afinal, um motivo, dizendo: "O fundador da nossa
literatura sertanista possui, a seu favor, a espontaneidade e a
despreocupação do narrador oral, ao gosto dos ouvintes. E desejando
apenas isso, duradoura repercussão na sensibilidade do leitor
comum". E isso -- diz ainda -- "mesmo diante da superioridade
intelectual do poeta sobre o romancista". "Como
poeta tende a ser revalorizado pela crítica moderna; como romancista,
depois de certa popularidade, encontra hoje pouco ressonância."
Assim registra Celso Pedro Luft o seu Dicionário da Literatura
Portuguesa e Brasileira (Editora Globo, 1967, Porto Alegre). Se
Luft interpreta "ressonância" como popularidade, desmentem-no
as sucessivas edições, principalmente de O
Seminarista, O Garimpeiro e
de A Escrava Isaura, fato que ocorre com bem poucas obras de nossas
letras. Mas -- a
conclusão é de Milton Pedrosa -- "é merecedor de atenção pelo
caráter nacional de suas narrações, pela simplicidade dos enredos,
pela facilidade do estilo". Basílio
de Magalhães situo-o entre Alencar e Macedo, superior a este e inferior
àquele. Artur Motta
ressalta o colorido das poesias de BG: "A nota predominante do seu
estro é a lírica, como a de quase todos os poetas brasileiros. O seu
lirismo é simples e espontâneo, subordinado a um estilo singela, quase
descritivo. Caracteriza-se o poeta como pintor de cenas do sertão,
buscando um fio de tradição na tela de um colorido fresco em que as
imagens têm vida. Mas a sua feição poética é flexível, maleável,
amolda-se a vários gêneros, desde o épico ao humorismo. É por vezes
terno e lânguido, outras, voluptuoso e sensual, em certas passagens é
sarcástico e em outra, contemplativo". Sílvio
Romero, depois de longamente louvar a poesia de Bernardo Guimarães,
confessa o seguinte, a propósito da coleção Evocações:
"A forma é de uma doçura e sonoridade de encantar. Não se se o
diga, não se se deva deixar aqui a manifestação de uma circunstância
puramente pessoal: nunca pude ler esses versos do poeta mineiro -- e eu
os tenho lido tantas vezes!... -- sem sentir sincera emoção. "Para
mim, aquilo é a poesia verdadeira, feita com as lágrimas da realidade,
com as desilusões da vida. Não transcrevo para não correr o risco de
transcrever quase tudo. Recomendo tão belas páginas aos amantes da boa
poesia". E sobre
a Invocação, assim, ajuíza o consagrado crítico sergipano: "É
de um dos hinos mais objetivos e aos mesmo tempo mais entusiastas que
já uma vez foram escritos em toda a América. Alenta essa poesia
notável um idealismo, um dinamismo que de tudo transpira e se comunica
ao leitor. O universo inteiro palpita animado e exala-se em perenes
hinos. É a poesia que de tudo transuda". Alguns
autores, entre os quais Felício Buarque e Artur Motta, dão
preferência, entre os livros de poesias de BG, aos Cantos da Solidão,
produzidos na primavera de sua existência, quando ainda acadêmico na
Paulicéia. Até uma enciclopédia alemã, a Crosses Konversations
Lexicon, de Meyer, acentua essa predileção. Corrige
acertadamente Basílio de Magalhães a Veríssimo: Em certo passo de sua
História da Literatura Brasileira, faz José Veríssimo transparecer
que Bernardo Guimarães somente poetou de 1858 a 1864. Isso é que não
é verdade. Ele versejou desde os bancos da Academia (quando dali saiu,
em 1852, lá deixou os Cantos da Solidão, que foram publicados pelos
seus colegas, messe mesmo ano), senão desde antes, até às vésperas
de morrer." É
correta a observação de Basílio, mas esse historiador e biógrafo foi
infeliz ao transcrever, como prova dessa sua asserção, a poesia A uns
quinze anos, escrita em 1884. Infeliz lembrança, pois esse poema não
é da lavra de Bernardo Guimarães!... Basílio
de Magalhães e Nelson de Senna (este no Anuário de Minas Gerais, de
1906, página 258) se enganaram ao apresentarem esse delicado trabalho
como composição do vate vila-riquense. Também eu, aceitando a
informação desses dois autores, ambos idôneos pesquisadores,
transcrevi esses primorosos versos na primeira edição desta biografia,
que ora estou consertando em alguma coisa. Quem
está com a verdade a propósito da autoria de A um quinze anos é
Manuel Bandeira, que inseriu esse poema na Antologia dos Poetas
Brasileiros da Fase Romântica (3ª edição, 1949), indicado Luís
Guimarães Júnior como seu verdadeiro autor. "Extraiu-o o ilustre
antologista de Corimbos, Tip. do Correio Pernambucano, Recife, 1869,
páginas 138-140, dados que confirmamos aos consultar a citada edição
de Corimbos" (Alphonsus de Guimaraens Filho, Poesia Completas de
Bernardo Guimarães, anexo à página 441). Basílio
poderia ter citado o poema À memória do
Monsenhor Felicíssimo, escrito em 1884, o "o canto do
cisne" de Bernardo Guimarães, escrito poucos dias antes de sua
morte. O jornal
"A Reforma", do Rio de Janeiro, ao alvorecer do terceiro
quartel do século 19, assim assegurava: "As
poesias de Bernardo Guimarães respiram um tal perfume, têm tanta
beleza, tanto imagem pomposa, um tal entusiasmo por tudo quanto fala ao
coração, e o bom gosto artístico, a harmonia a mais perfeita,
dominando constantemente a rima, suavidade e melodia as mais
agradáveis, soando sempre aos ouvidos, que dão aos versos do bardo
mineiro um cunho e relevo tais, que com certeza o elevam à altura maior
a que jamais tenha atingindo poeta algum nacional". (Do Prólogo de
Novas Poesias, 1876) Realmente
é assim. Se Bernardo, como prosador, apesar de sua rica cultura
literária, tem sido detraído por alguma vulgaridade de estilo --
embora tenha sido o de sua época -- o mesmo não ocorre como
poeta. Vejamos a
opinião de José Veríssimo: "O que, acho eu, distingue,
exteriormente, se assim posso dizer, Bernardo Guimarães como poeta é
que, seja qual foi o seu mérito, ele tem como tal uma personalidade à
parte dos poetas do seu tempo. Nem a sua inspiração nem o seu
pensamento, nem a sua maneira, nem a sua forma é a deles. Eles
preferiam o verso rimado, as estrofes de quatro versos octossílabos,
decassílabos e hendecassílabos, rimados o segundo com o quarto, ou a
redondilha de oito sílabas, ou ainda a estrofe de quatro ou de seis
versos, com hemistíquios simetricamente quebrados. O que mais talvez
neles se encontra é a estrofe de quatro versos de dez e onze sílabas,
rimados o segundo e o quarto. Bernardo Guimarães usa pouco dessa
estrofe e verdadeiramente abusa do verso branco e solto, que maneja
aliás perfeitamente, e cuja monotonia rompe em muitos dos seus poemas,
quebrando-os com hemistíquios. A sua metrificação é em geral mais
rica, mais simples, mais calma e mais fria, por assim dizer".
(Estudos da Literatura Brasileira, página 260). Como
bem observou Artur Motta, a veia poética de Bernardo Guimarães
amoldava-se a vários gêneros, "desde o épico ao
humorístico". Como humorista, inaugurou o bestialógico. E foi o
criador de formas as quais alguns poetas já tentaram imitar sem êxito.
Entre inovações estão os versos com ecos em monossílabos, como a
balada Gentil Sofia. E um outro exemplo
com todos os dissílabos com a mesma rima é Cantiga. Como
humorista, saliento as seguintes produções incluídas nos diversos
volumes e algumas avulsas, todas engenhosíssimas: O
nariz perante os poetas, Dilúvio de papel,
Hino à preguiça, Lembrança
do nosso amor (paródia de uma valsa de mesmo título, com letra de
seu amigo Aureliano Lessa, que o Constitucional de Ouro Preto havia
publicado em 20 de julho de 1867), Parecer da
Comissão de Estatísticas a respeito da Freguesia de Madre de
Deus. Sobre
a Parecer, escreveu Basílio de Magalhães: "Houve em 1883
acalorado debate na Assembléia Provincial de Minas a propósito da
mudança da denominação da freguesia de Madre de Deus do Angu. Não se
conteve Bernardo Guimarães ante a esquisitice de tal topônimo e o
pinturesco da discussão, e a sua irreverente musa imediatamente lhe fez
fluir dos bicos da pena uma das suas melhores composições, senão a
melhor, do gênero jogralesco. Ao "Colombo", de Campanha, que
a obtivera de um amigo do poeta ouro-pretano, coube publicá-la em sua
edição de 30 de setembro de 1883". J.M.
Vaz Pinto Coelho dizia possuir os originais desse poema, informando ter
sido ele escrito em 1865. É para estranhar, pois a mudança do
topônimo da referida freguesia ocorreu exatamente em 1883, tal como
informa Basílio. Madre de Deus de Angu é a denominação antiga de um
distrito que já pertenceu ao município de Leopoldina, agora anexado ao
de Além Paraíba, da Zona da Mata, de Minas Gerais. Em
18 de outubro de 1883 teve a sua denominação mudada para Madre de Deus
de Angustura, reduzida depois para Angustura. O
novo topônimo é uma referência histórica. Foi dali, do antigo
arraial do Angu, que partiu o maior contingente de voluntários para a
guerra do Paraguai, e forma esses homens, sob o comando de Mena Barreto,
conseguiram a memorável rendição de Angustura, no cerco decisivo de
30 de dezembro de 1868. Também
galhofeiro foi este acróstico, que Nelson de Senna publicou no seu
Anuário de Minas Gerais, de 1906, página 370, atribuindo a autoria a
Bernardo Guimarães: Asneiras
cantemos, gente,
Famosas deste sandeu.
Façamos um choro ingente,
Ó rapazes do Liceu!
No besunto deste lente,
Se ponha a marca de Anteu;
O pau mulato rebente,
Dando bem neste judeu.
Ele é safado em Latim,
Besta grande em Filosofia,
Reles mesmo em Geografia,
Imoral biltre por fim.
Todos tomamos neste bode
O nosso imenso pagode. É
um pesado acróstico, satírico e ofensivo contra o jovem professor do
Liceu Mineiro, Afonso Luís Maria de Brito. Não se sabe se são versos
realmente feitos por mal barato ao molo, ou se por brincadeira. Só
muito mais tarde, quando já mortos eram a vítima e o autor, é que um
periódico publicaria essas rimas ferinas. Basílio de Magalhães, que
preferiu não transcrever o acróstico, assim observa: "Essa
autoria foi imediatamente contestada pelos filhos do poeta, com o apoio
da palavra escrita do venerando Dr. Camilo de Brito e do testemunho oral
do Dr. Aurélio Pires. A detração pessoal não se compatibilizava com
o coração e a índole do grande escritor mineiro". Basílio
de Magalhães, em seu livro Bernardo Guimarães, estuda o Bernardo
humorista e alegre, acentuando ter sido o vila-riquense o único de
nossos grandes poetas que se deixou levar pela vis comica. Lembra
que, "dos que mais profundamente o estudaram com abalizada
competência e largueza de vistas", somente José Veríssimo foi
quem pôs em evidência essa faceta da produção poética do bardo de
Ouro Preto, assim acentuando: "É em todo o nosso romantismo o
único poeta alegre, o que versejou de coisas alegres e com inspiração
jovial". "Ele é, porventura, o mais espirituoso, o mais
engraçado e, não sei não, o único humorístico dos poetas
brasileiros, sem exclusão talvez do mesmo Gregório de Mattos". Continua
Basílio: "Bernardo Guimarães foi, na poesia, o melhor humorista,
genuinamente brasileiro, do seu tempo, pois deixou a perder de vista o
próprio brasileiríssimo autor das Primeiras Trovas Burlescas.
Gregório de Mattos não passou de expoente da chalaça lusitana,
condimentada com algumas chulices baianas." Bernardo
era um inveterado fumante. Amava os cigarros de palha de milho, alisadas
com o dorso da faca sobre a perna, com fumo picado e esmagado entre as
palmas das mãos, enrolado depois cuidadosamente na palha, cuja beira
era colada a poder de saliva, passada com a ponta da língua. Eram
acendidos na cozinha, no fogão, ou junto ao moqueador ou poiá do
rancho do tropeiro, na brasa viva de ponta do tição. Cigarro que
merece uma poesia sua, incluída nas Poesias Diversas. Cigarro
é uma composição de 14 estrofes uniformes, escrita no Rio de Janeiro,
em 1864. Aqui, o poeta repudia o charuto e o cachimbo, mas antes, em
1857, em Ouro Preto, havia dedicado ao primeiro uma ode. É a poesia
intitulado Charuto, com 18 estrofes regulares,
incluída no volume Poesias Diversas. E também, com fino humorismo, foi
que ele produziu o Hino ao prazer, À
moda, Hino à Preguiça, À
saia-balão, Minha Rede e outra poemas
alegres. Se
havia esse Bernardo brincalhão e divertido, outro era, no entanto, o
Bernardo reverente e encomiasta, panegirista de afetuosidade aberta para
com os amigos, não faltando -- é claro -- os cupinchas mais chegados,
Ovídio João Paulo de Andrade, Flávio Farnese, Aureliano
José Lessa, Francisco de Paulo Pereira Lagoa, Bernardo Horta de
Araújo, Monsenhor José Felicíssimo do Nascimento, Gabriel Caetano
Guimarães Alvim e outros mais chegados aos quais dedicou poesias. A
nênia que ele compôs em memória de Álvares de Azevedo, enviada de
Catalão para o Rio de Janeiro para publicação, perdeu-se talvez antes
de chegar à redação do Jornal do Comércio. Guerra
do Paraguai Durante a
guerra do Paraguai, nenhum outro poeta brasileiro vibrou tanto de
civismo; nenhum outro teve sua lira tão inflamada de patriotismo e
repúdio aos invasores, e nenhum outro vate tanto enalteceu os
defensores da pátria e os feitos heróicos dos soldados brasileiros
como Bernardo Guimarães. A
cada notícia que a Ouro Preto chegava de novas vitórias do soldados do
Brasil, BG se sentia inspirado para compor poemas que parte deles faz
parte de uma coleção de título Heróides
Brasileiras, a qual, em 1876, foi incluída no volume Novas Poesias. Nessas
Heróides enfeixou oito composições Invocação, Lopez e Humaitá,
Osório e a passagem de Passo da Pátria, Riachelo e Barroso, Urugaiana
e Canavarro, Tuitui e 24 de maio, Porto Alegre (Manuel Marques de Sousa,
Barão e Conde de Porto Alegre, vencedor da segunda batalha de Tuitui),
Assalto a Curuzu. Além
dessas composições, escreveu O Adeus do
Voluntário, O Brigadeiro Andrade Neves, Nênia
(oferecida à viúva do Capitão Soares Ferreira, morto em Lomas
Valentinas), Hino (do 3º Batalhão de
Voluntários, que, em 1866, partiu de Ouro Preto para guerra), entre
outras composições inspiradas na guerra contra Solano Lopes. Versos
alexandrinos e sonetos Bernardo
Guimarães detestava os versos alexandrinos. No prólogo
das Folhas de Outono, ele explica essa sua ojeriza. Em resumo, ele
entende que o "metro alexandrino é o mais monótono, pesado e
inflexível, de que pode dispor a língua portuguesa, e que, não
é sem razão, que os antigos bem raras vezes o empregavam". Acrescenta:
"Não
devemos de todo abandoná-lo; há ocasiões, em que tem ele todo
o cabimento; mas parece-me que só de ser empregado com muita
parcimônia, ou intercalado com outros ritmos; manejado por
mãos habilíssimas pode produzir bom efeito." Ele
compôs poucos sonetos. Conhecem-se apenas três. Ela amava a
independência, e é precisamente nessa faceta de seu temperamento que
estava a sua famosa boêmia -- independência no seu modo de viver, de
pensar, de agir. Como
poeta, era um independente em estilo, e escola literária -- essa coisa
a que nunca deu atenção -- e na forma de suas composições. O soneto
impor-lhe-ia forma e dimensão, e aí está a sua repulsa. Além de seu
célebre soneto bestialógico Eu vi dos pólos o gigante alado, compôs Trabalho
e Luz. Neste, o poeta, para fugir ao vulgar, em vez de rimas,
repetiu as palavras "trabalho" e "luz", o que é
estranho em um soneto. Transcrevo: À
força do trabalho obtém-se a luz
Mas a luz não resplande sem trabalho
Glória ao trabalho e luz, luz e trabalho. Observa
Basílio de Magalhães: Intitulam-se Trabalho e Luz e trazem tantas
vezes essas duas palavras, que mais parece uma paródia de iguais
produção do cultismo ou culteranismo luso". O
Diário de Minas, edição de 13 de agosto de 1925, publicou esses dois
sonetos até então inéditos (se é que não foram estampadas em
algumas folhas ouro-pretana da época do poeta). Não
foram poucas as poesias de BG que se perderam ou forma apenas publicadas
em modestas folhas interioranas. Muita coisa do que produziu ficou
esquecida em gavetas e armários e virou ninhos de ratos. O
jornal A Verdade, de Itajubá (sul de Minas), edição de 30 de agosto
de 1888, nº 25, ano III), estampou esta Rosa do Prado com a seguinte
nota: "Escrita na capa de um caderno, encontramos a seguinte poesia
inédita de Bernardo Guimarães: Viu
um pastor uma rosa,
Era uma rosa do prado
Que se ostentava viçosa...
Ei-lo que corre apressado:
-- Ó Rosa, rosa tão linda,
Rosa nascida no prado! Diz
ele à rosa: eu te quebro,
Ó linda rosa do prado!
-- E eu te pico, diz-lhe a flor,
Pensarás em mim com a dor!
-- Resistir-te é meu cuidado,
Ó Rosa, rosa tão linda,
Rosa nascida no prado! E
quebra então o pastor
A linda rosa do prado,
Que o duro espinho lhe crava...
Mas a dor que lhe causava
Não mudou seu triste fado...
Ó Rosa, rosa tão linda,
Rosa nascido no prado! As
poesias que os jornais itajubenses do final do século19 publicaram,
tanto de Bernardo como dos filhos dele, e de seu sobrinho-neto Alphonsus
de Guimarães, foram oferecidos por Albino Alves Filho, advogado,
residente em Itajubá, genro do poeta. (Este
capítulo do livro continua em digitação) |
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