No "Atualidades",
do Rio
Armelim
Guimarães
Terminei o capítulo anterior [BG volta a Ouro Preto]
com a decisão do Coronel Antônio da Silva Paranhos, que conheceu Bernardo
Guimarães em Catalão (sul de Goiás), de levar o poeta para a Corte.
Deve ter sido no Natal de 1858, ou pouco antes, que BG chegou ao Rio. Ali, tudo se
ajeitara para o poeta, inclusive uma boa casa de pensão na rua do Núncio.
Flávio Farnese da Paixão, já avisado em carta pelo Paranhos, recebeu de braços
abertos ao velho companheiro das Arcadas de São Francisco, daquela Paulicéia
buliçosa, agora distante.
Farnese, então um jovem de 23 anos, formado em Direto no ano de 1856, era também
mineiro, nascido no Serro. Ele morreria ainda moço, com 35 anos, no Rio, em 6 de
setembro de 1871. Estaria Bernardo Guimarães em Ouro Preto, recém-chegado de
Congonhas, aonde semanalmente ia para dar aulas no Colégio, quando soube da morte
do grande amigo, por quem tinha a maior admiração. Imediatamente sentou-se à
escrivaninha e compôs um longo e sentido poema.
Porém que se não antecipem sarcófagos! Ainda estamos com Bernardo na sua
primeira permanência no torrão carioca.
Naquele ano de 1858, Farnese havia fundado, com Lafayette Rodrigues Pereira, o
jornal "Atualidade", órgão do Partido Liberal.
A Bernardo Guimarães, que não era filiado a facção nenhuma, e até tinha
ojeriza pela política, foi, de início, confiada a seção de literária do
periódico.
Marcou época
O "Atualidade" marcou época
no jornalismo brasileiro. Segundo Coelho Neto, é daí por diante que a
"feição do jornal foi perdendo a austeridade ferrenha, modelando-se pelos
principais órgãos franceses, já na parte de informações, já nas seções
doutrinárias e de literatura". "Depois do 'Atualidade' , jornal
político, do programa adiantadamente liberal, redigido por Lafayette Rodrigues
Pereira, Flávio Farnese, Pedro Luís Pereira de Sousa e Bernardo Guimarães, a
imprensa, impulsionada pelas idéias, começou a progredir, não só na capital do
Império como nas Províncias". ("Compêndio de Literatura
Brasileira", 1992, pág. 169).
Informa José Luís de Almeida Nogueira nas suas clássicas "Tradições e
Reminiscências - Estudantes, Estudantões, Estudantadas", no 7º volume,
págs. 221 e 222:
"Essa folha política e literária, na qual também colaborava Bernardo
Guimarães, gozou durante certo tempo das auras da popularidade e deveu essa
vantagem aos princípios de adiantado liberalismo que doutrinava, ao estilo
colorido e empolgante em que era escrita e ao prestígio resultante de pureza da
vida pública dos seus jovens e talentosos redatores".
"Há equívoco em supor-se que ele (Bernardo) não passou, então, de simples
redator-literário da 'Atualidade'. É certo que, com o seu nome, só apareceram
ali produções suas em versos e, sem assinatura alguma, quatro longas
críticas". (Basílio de Magalhães, "Bernardo Guimarães", pág.
38).
Diz o mesmo autor, mais adiante, nas páginas 39 e 40: "Sei, entretanto, que
muitos editoriais políticos da 'Atualidade', tidos como oriundos da pena de
Flávio Farnese ou da de Lafayette Rodrigues Pereira, eram realmente da do autor
dos "Cantos da Solidão". O insigne jurista e conspícuo estadista, que
depois presidiu ao Gabinete de 24 de maio de 1883, confessou a amigos, em
palestra, depois da morte do escritor ouro-pretano, que não hesitaria em
recorrer, muitas vezes, a este, para a elaboração de artigos de grande
responsabilidade partidária e que foram estampados nas colunas daquele órgão
liberal. E, não obstante a frieza com que (Lafayette) costumava julgar os homens,
não vacilava em proclamar, com desusado calor de expressão:
-- Bernardo Guimarães foi um gênio! Se se entregasse ao estudo, ao trabalho e a
uma vida regular, teria assinalado a época em que existiu, porque o seu
prodigioso talento tudo supria!"
O mais notável de Bernardo, nessa intensa fase jornalística, foi o desejo de
"meter a lenha com vontade" -- a expressão é de Antônio de Alcântara
Machado, em "O fabuloso Bernardo Guimarães".
Cacetadas
Basílio de Magalhães, depois de
informar que o escritor mineiro colaborou ainda em outros jornais e revistas,
demora-se em examinar as "cacetadas" do boêmio vila-riquense, críticas
em que estava "poucas vezes com razão, muitas sem ela".
A primeira dessas críticas foi inserta no "Atualidade" de 16 de junho
de 1859. Investira-se Bernardo contra as "Sátiras, Epigramas e Outras
Poesias", obra do padre José Joaquim Correia de Almeida, publicada em 1858.
Julgou imperfeito o estilo, fracas as idéias, despropositados os assuntos e
impróprias certas imagens e expressões. Quanto à estrofe:
Entrei na sala,
Que os livros conta;
Fiquei aturdido,
Cabeça tonta.
faz Bernardo a seguinte pergunta:
-- Onde já se viu sala contar livros?
Após essa interrogação, traça o jornalista de Ouro Preto uma espichada
sarabanda no padre poeta, concluindo:
"Se a vulgaridade da idéia, a sordidez do pensamento; se a trivialidade dos
conceitos, a insipidez e a dissonância dos versos fossem os grandes dotes do
cultor das musas, o Sr. Padre Correia seria o maior poeta do mundo!"
Não tardou o padre Correia com a resposta, estampada que foi no "Correio
Mercantil" de 2 de agosto do mesmo ano sob o título "O Padre Correia,
de Barbacena, ao crítico da 'Atualidade'. A este, deu o sacerdote das sátiras o
nome de "sapo literato".
Não seria Bernardo quem ficaria quieto. Apenas quatro dias depois, o
"Atualidade" de 6 de agosto publicava, sob a epígrafe "Ainda o
poetrastro do Sr. padre José Joaquim Correia de Almeida", a nova descarga de
descompostura, assim terminando:
"Ganso grasnador, jamais lhe será permitido desprender seu vôo nas regiões
onde os cisnes equilibram as suas asas. Para que, pois, tentar o impossível, para
que roubar para as musas, que o repelem, o tempo destinado ao Flos Sanctorun,ao
Breviário, aos sermões, às práticas e aos cantos do De Profundis? O
procedimento do Sr. padre Correia, que, pelo culto das musas, divindades pagãs,
afrouxa seu fervor católico, não pode ser agradável aos gloriosos padres Santo
Antônio e São Francisco. Outro ofício, Sr. padre! Ne sutor ultra crepidam!"
Anota Basílio de Magalhães no seu "Bernardo Guimarães":
"A essa nova acometida seguiu-se ainda outra, que, em vez de ser inserta na
"Porta Literária", o foi na seção "Comunicados" do jornal
de que era (Bernardo) co-redator. Encerrou ele o libelo com um artigo intitulado
"O Sr. padre Correia e a Crítica" ("Atualidade" de 20 de
agosto), onde diz que 'há tanta distância entre o mestre de Retórica de
Barbacena e o de Lisboa, quanto há entre Molière e qualquer garoto de
aldeia", insere, pro apropositada sarcasmo, atribuindo-a a 'padre de Minas',
comprida poesia (seria dele próprio ou do irmão sacerdote?), 'dirigida a uma
velha pretensiosa, que mandara flores ao autor', assim terminada:
Fiz mal, fui bem temerário
Em receber tuas flores;
Mas, enfim, como vigário,
Em paga dos teus favores,
Vou mandar-te um bom rosário."
Segundo Basílio de Magalhães, F. Wolf, que lera os ataques de Bernardo
Guimarães ao clérigo versejador, assim opina em sua "História de la
Litterature Brésiliense":
"Quoiqu'on l'ait attaqué avec violence, sort commun des poètes
satiriques, et qu'on lui ait dénie tout mérite, nous pensons que ses adversaires
ont exagére."
"Mesmo no humorismo satírico -- diz Agripino Grieco falando de Bernardo
Guimarães -- a avaliar pelo pouco que publicou, acho-o preferível ao padre
Correia de Almeida, quase sempre mazorral e tabaquento." ("Evolução da
Poesia Brasileira", Rio, 1944).
O padre José Joaquim era também mineiro, nascido na histórica cidade de
Barbacena em 1820. Foi intelectual de grande cultura e profundo conhecedor de
latim. Notabilizou-se como poeta satírico, chegando a publicar alguns volumes de
suas famosas sátiras e epigramas. Em prosa, publicou uma "Notícia da Cidade
de Barbacena". Faleceu em 1905.
Gonçalves Dias
A segunda das memoráveis críticas de Bernardo foi contra Gonçalves Dias.
Ataques nem sempre justos, porém demonstrativos da inteira independência de
escolas e de padrões da época, partidos de harpa revolucionária do bardo
vila-riquense, juízos estes comprovantes de que o crítico do
"Atualidade" não era -- para usar a palavra das letras nacionais -- o
"turiferário de ídolos, qual o vulgum pecus das letras
nacionais", pois o cantor dos "Timbiras" já era, então, o
consagrado vate da intelectualidade brasileira, a coqueluche dos suspiradores
românticos de então.
Diz Sílvio Romero, como que justificando a censura de Bernardo ao menestrel
maranhense: "Foi sempre contrário ao indianismo e por isso criticou de
Gonçalves Dias" ("História da Literatura Brasileira", 1903, 2º
volume, página 240).
Realmente, ao bardo mineiro, que conhecera de perto os caiapós e os xavantes das
rechãs goianas; que convivera com os índicos do então Sertão da Farinha Podre,
com eles sentando-se nos mesmos bancos escolares de Campo Belo, repugnava ouvir
loas e mistificações para debuxar índios falsificados pela fantasia, que falam
português clássico, e imaginar perfumes em fétidas malocas. Aliás, o próprio
Basílio de Magalhães, que não comungava com o ouro-pretano nas críticas que
fez, observa esta faceta bernardina: "Apesar do influxo da época, exercido
principalmente por Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães e Castro Alves, não
embrenhou Bernardo Guimarães no atraente aranhol do indianismo, nem se deixou
aliciar pelas campanulagens e lantejoulas do condoreirismo".
A verdade é que ninguém, mais do que Bernardo Guimarães, estimava e admirava a
Gonçalves Dias. Foi relativamente pequena a sua convivência com ele na capital
do Império, bastante, entretanto, para soldar as amizades, como se velhas fossem.
"Usava (Bernardo), amiúde, a blusa de brim pardo que Gonçalves Dias lhe
oferecera no Rio. Era sua relíquia". (Antônio Constantino, "O
Incrível Bernardo Guimarães", na "Gazeta-Magazine", de
23-3-1941). Também o professor Carlos José dos Santos menciona essa camisa
histórica.
Morto o autor de "O Canto do Piaga", Bernardo Guimarães escreveu o
canto elegíaco Morte
de Gonçalves Dias, longo poema publicado pela "Reforma" e depois,
em 1873, incluído no volume de "O Índio Afonso", em apêndice. O
poema, "de alto culto" no dizer de Augusto de Lima, foi escrito em 1864,
publicado em 1869, "como protesto contra a atitude da Câmara dos Deputados,
que recusou ao Maranhão o auxílio para a estátua do cantor dos
'Timbiras"'.
Quando saiu à luz dos prelos o romance "O
Índio Afonso", o jornal "Reforma" assim se referiu ao poema
adicionado a esse volume:
"Quem não se recordaria daquela ode dedicada à memória do imortal autor
dos "Timbiras", para cuja sepultura houve uma Câmara de Deputados que
recusou os meios de comprar uma singela lousa? Foi isto que indignou o bardo, que,
em versos tão belos como melhores não os fez Garret, contou aos seus
contemporâneos aquele procedimento indecente, bem como o fim desastroso do maior
poeta brasileiro.
"Realmente -- continua o "Reforma" -- hoje só Bernardo Guimarães
poderia substituir o vácuo que nas letras pátrias deixou o cantor das palmeiras
e do sabiá. Os dois poetas têm muitos pontos de contato: ambos grandes pelo
gênio que os inspira, admiradores fanáticos das magnificências da terra em que
nasceram; infelizes por não terem na Pátria a importância a que têm direito
pelo seu talento, um vive de mesquinho ordenado de professor de um Liceu em uma
pequena cidade, o outro morreu, ao avistar o verde das costas brasileiras, em um
imundo navio de vela, sem nenhum dos carinhos a que tinha direito." (Artigo
reproduzido no prólogo da "Novas Poesias").
Mas ainda estamos no Rio de Janeiro de 1859 e 1860, e Bernardo Guimarães é o
implacável zagunchador do jornal de Parnese e Lafayette.
"O menestrel montanhês foi excêntrico até nas lides jornalísticas,
sobretudo na Corte! Ali passou mexendo com perigosas caixas de marimbondos!"
(Sousa Ataíde, "A Orgia dos Duendes").
A terceira das interessantes críticas de Bernardo pelas colunas do
"Atualidade" foi contra Junqueira Freire, o criador das
"Inspirações do Claustro".
Macedo
Uma quarta e curiosa apreciação é a
que Bernardo faz da "A Nebulosa" de Joaquim Manuel de Macedo. Depois de
ter sido esse poema incensado pelos maiores luminares da crítica, o romancista
mineiro "desceu a ripa" na produção.
Com suas críticas, o vila-riquense sacrificou até a popularidade de sua obra.
Tinha, então, pronta para o palco, uma peça em cinco atos, intitulada "A
Voz do Pajé", apresentada com grande êxito em Ouro Preto, em 1860.
Esse drama emocionado, muito ao gosto das platéias de então, trazia à cena o
Capitão-mor Coelho de Sousa e sua bela filha Elvira, que se apaixonara pelo
índio Henrique. Mas o Capitão-mor queria ver a filha casada com Diogo Mendonça.
Por um sinal que tinha à altura do coração, Henrique foi reconhecido como
Jurupema, o filho do valente pajé Pirajiba, ao qual jurou conduzir a sua hoste
contra os homens de Coelho de Sousa. Situação angustiosa! Mas o pajé sempre
presente, para não deixar Henrique, ou seja, Jurupema, esmorecer na cruenta
vindita, imposto por seu povo. Tudo acaba com o suicídio dos namorados. Sobre o
cadáver de Jurupema, exclama, ao cair do pano, o pajé angustiado:
Acabou-se a nação dos Potiguares!
Tudo estava preparando para uma monumental apresentação, na Corte, de "A
Voz do Pajé". A música seria de Elias Álvares Lobo. Joaquim Manuel de
Macedo, porém, enraivecido contra Bernardo Guimarães, que lhe não perdoara
"A Nebulosa", tomou o expediente de traiçoeiramente impedir a
apresentação, no Rio, da tragédia de Bernardo, "o que conseguiu a
contento, graças a sua influência maléfica entre os bastidores dos palcos da
capital do Império", assim informa Luis Gomes de Sousa Ataíde.
Em Carlos José dos Santos, que foi um dos poucos íntimos do bardo mineiro em
Ouro Preto, encontra-se a confirmação desse fato:
"Bernardo Guimarães não foi, em seu tempo, muito aplaudido nos círculos
literários do Rio de Janeiro porque criticou, com muito espírito, "A
Nebulosa" de Macedo, a mais importante das composições desse escritor. Ora,
Macedo era o oráculo daquele temo, e, apesar da grande amizade que o grande
artista dramático João Caetano votava ao poeta, foram baldados os seus
esforços. Os dramas de Bernardo Guimarães foram sempre rejeitados pelo
Conservatório Dramático do Rio, por influência de Macedo." ("Bernardo
Guimarães na Intimidade", publicação da "Revista do Arquivo Público
Mineiro", de 1928, página 29).
Realmente, Macedo andava, por aqueles idos, no pináculo da fama e do prestígio,
sobretudo no teatro. Suas peças, como "O Fantasma Branco" e "O
Primo da Califórnia", transformadas em óperas, e o drama sacro "O
Sacrifício de Isaac", publicada no folhetim do "Jornal do
Comércio" em 1859, arrancavam delirantes aplausos das platéias da
Corte. Não considerando toda essa notoriedade e conceito popular, o escritor de
Ouro Preto "desceu o sarrafo" no dramaturgo de São João de Itaboraí.
A crítica que fez à comédia "Luxo e Vaidade", representada pela
primeira vez por volta de setembro de 1860, não foi publicada por conter algo
impróprio para a divulgação, mas copiada e decorada por muitos, e andou
pelos cafés e até pelas galerias e frisas dos teatros, provocando risos
convulsivos, tal a graça e originalidade com foi feita, em versos chistosos e
engenhosíssimos. É natural que o autor de "A Moreninha" se enfurecesse
com a provocação.
Avalie-se o quanto custo ao boêmio vila-riquense o seu topete de crítico
sincero, mordaz e brincalhão!
Conquanto avesso ao indianismo da moda, mas, valendo-se da sua própria
observação na hinterlândia ameríndia, o romancista escreveu o seu drama para
pôr em movimento, na ribaltas do país, a gente da maloca, que ele de perto
conheceu. Falando sobre "A Voz do Pajé", observou Augusto de Lima:
"Esse drama, ou melhor, tragédia desconhecida pela maioria dos críticos e
absolutamente ignorada nas platéias do Rio, contém cenas emocionantes que,
embora o gênero em que foram escritas, podiam ainda hoje interessar aos
espectadores, e presta-se admiravelmente à redação de um drama lírico
nacional, tanto quanto o conto "Jupira", já adaptado pelo nosso maestro
Francisco Braga.
"O drama "A Voz do Pajé", se não está perdido, como perdidas ou
truncadas estão todas as demais peças teatrais de Bernardo, deve-se isto à
feliz iniciativa de Dilermando Cruz, que o transcreveu, na íntegra, na segunda
edição de seu "Bernardo Guimarães", em 1914, lançado pela Imprensa
Oficial do Estado de Minas Gerais. Esta peça, segundo Carlos José dos Santos,
foi inspirado no Natchez, de Chateaubriand. Teria o professor Carlos ouvido
isto do próprio Bernardo Guimarães?
Naqueles dois primeiros anos de atividades na imprensa carioca, trabalhou
ativamente o escritor mineiro na redação do "Atualidade", redigindo
artigos de fundo, elaborando crônicas, fornecendo-lhe reportagens de rua e
notícias colhidas no Senado. Foram produções em que não aparecia o seu nome.
"Estando no Rio, trabalhava em diversos jornais. Não sabia taquigrafia.
Tomava o resumo dos discursos dos senadores para "Atualidade", jornal
importante da época. Certa vez, estava orando o Marquês de Olinda (Pedro de
Araujo Lima), e Bernardo prestava-lhe toda a atenção. O marquês incomodou-se
com isso e, quando acabou o discurso, disse-lhe:
-- Sr. Bernardo, estava encarando tanto em mim! É preciso dizer-lhe que vim hoje
de calças brancas; quando assim me visto, é porque estou atacado de outras
coisas!" (Carlos José dos Santos).
Nem só Bernardo, então, era um "excêntrico".
Outros jornais
Colaborou ainda o mineiro em outros jornais do Rio. Citam-se, entre outros, a
"Reforma", o "Jornal do Comércio", o "Correio
Mercantil" e "O Ipiranga". Este último foi o que, em 1865,
estamparia os seus "Disparates
rimados".
Quando, pela primeira vez, o poeta chegou à Corte, já encontrou no comércio a
segunda edição dos seus "Cantos da Solidão", a que havia incluído as
"Inspirações da Tarde". O volume fora impresso na Tipografia
Americana, de José Soares do Pinho, por iniciativa de Flávio Farnese.
Mas o harpista das Alterosas, quando no Rio de Janeiro, poucas obras poéticas
produziu. Os labores do ganha-pão no jornal roubavam-lhe todo o tempo disponível
para os versos. Foi ali menos andarilho, menos passeador. Raras foram as vezes que
lhes sobrou folga para percorrer os arrabaldes da metrópole do Império, como
gostava de fazer. No mar, a seu ver, estava toda a beleza da urbe de Estácio de
Sá. Mais tarde, a baía do Botafogo lhe arrancaria versos demonstrativos de seu
êxtase diante da magnífica obra da natureza, ali estendida.
E ficou ele logo conhecido na Corte como repentista bocageano, e as matronas e os
velhotes temiam -- com exagero, por certo -- as rimas penetrantes e satíricas do
ouro-pretano.
Francisco de Paula Ferreira de Resende, nas "Minhas Recordações"
(Livraria José Olympo Editora, 1944, página 306), que conviveu com o poeta em
São Paulo e em Ouro Preto, deixou documentada alguma coisa da harpa zombeteira e
fescenina de seu coestaduano, quando no Rio.
Tomar
Em 1860, Bernardo Guimarães compareceu a um baile promovido pelo Conde e pela
Condessa de Tomar. O Conde, também um Bernardo -- António Bernardo da Costa
Cabral -- ficou na história de Portugal, por ter dado causa à revolução da
Maria da Fonte. Que o próprio Ferreira de Resende nos conte o resto, com os seus
excessivos pontos-e-vírgulas, com sua linguagem de relatório forense:
"Eu, porém, disse que o gênio de Bernardo Guimarães era quase sempre
satírico; e vou disto dar aqui um exemplo. Hoje parece que não há um só
português que não reconheça as reais virtudes de D. Maria II, porque se esta
pôde ter defeitos ou se não não foi uma boa rainha, o que está fora de toda
dúvida, é que ela, como mulher, poderia servir de exemplo ainda mesmo àquelas
que não são rainhas. Todos, porém, sabem o que são paixões políticas, e o
ódio que em Portugal se votava aos Cabrais fez com que se inventasse o que bem se
espalhasse, que não só a proteção que a rainha lhes dispensava não era devida
a motivos exclusivamente políticos; mas ainda, que se o rei se mostrava
indiferente ou se fazia de cego, é que para isso também tinha os seus motivos
particulares. Ora, quando o Conde de Tomar veio ao Brasil como ministro
plenipotenciário de Portugal, Bernardo Guimarães se achava por acaso residindo
na Corte; e apenas ali chegou aquele Conde, fez ele imediatamente esta sátira ou
antes este epigrama extremamente ferino:
Dizem que o Costa Cabral
Só é Conde de Tomar;
Mas, se cornos ele toma,
Cornos também sabe dar...
E eis aí porque é que o chamam
Conde de dar e tomar."
Mal principiou 1861, com o coração de saudades dos sertões goianos, deixou o
boêmio mineiro o Rio de Janeiro, pondo-se a caminho de Minas Gerais, de onde,
depois de um mês de repouso em Ouro Preto, partiria para Catalão, a aprazível
cidade do sul de Goiás, onde iria reassumir o cargo de juiz e de delgado de
polícia.
...
Lafayette
Rodrigues Pereira
(1834-1917), um dos
fundadores do "Atualidade",
trabalhou com BG nesse
jornal do Rio de Janeiro
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Antônio
Gonçalves Dias
(1823-1864) não
gostou de uma crítica de
BG, mas os dois
tinham amizade
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O
crítico Sílvio Romero
(1851-1914), acima,diz
que BG, por ser contra o
indianismo, tinha de criticar
o poeta Gonçalves Dias
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O
poeta Junqueira Freire
(182-1855) também
foi criticado por BG quando
este trabalhou no jornal
"Atualidade", do Rio
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Joaquim
Manuel de Macedo
(1820-1882) não
gostou nada da crítica que
Bernardo fez ao seu badalado
poema-romance "A Nebulosa"
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Francisco
de Paula Ferreira
de Resende (1823-1893),
acima, conviveu com BG
em Ouro Preto e também
no Rio de Janeiro
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Pedro
de Araujo Lima,
o Marquês de Olinda
(1793-1870), acima,
não gostava de ser
olhado por Bernardo
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Quando
o português Conde
de Tomar (1803-1889), acima,
esteve no Rio de Janeiro,
Bernardo fez sobre ele
um maldoso versinho
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