Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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BG em São Paulo (1)
(de Ouro Preto para a Paulicéia)
Armelim Guimarães 


Bernardo Guimarães estudou na Faculdade de São Francisco, que aparece acima formando
um conjunto com a Ordem terceira e com o convento de São Francisco de Assis.
O convento foi reformado em 1884.A foto é do site da faculdade.

Em janeiro de 1847, Bernardo Guimarães despediu-se do seu pai, João Joaquim, este já então nos seus bem vividos 70 anos de idade, para estudar em São Paulo, de cuja Faculdade de Direito o irmão Joaquim Caetano já obtivera o "canudo" de bacharel.

Para companheiro do novo acadêmico, deu-lhe João Joaquim um prestimoso escravo, o Ambrósio, crioulo ainda moço, sadio e espadaúdo, e de inteira confiança de seu senhor.

Pela primeira vez saía Bernardo Guimarães de sua Província natal. A longa e cansativa viagem empreendida de Ouro Preto a São Paulo, feita em lombo de burro, ficaria indelevelmente gravada na sua lembrança. Os pousos pelo caminho, a visão paradisíaca do alto da Mantiqueira, o planalto piratiningano...

O bardo mineiro acabava de sair do calor da religião e da sadia moral adquiridas nos seminários e no lar para cair logo num tacho cheio do gelo do cepticismo, para encarangar-se com o frio do materialismo demolidor, para engolfar-se nas estroinices que trazem a algidez do espírito, para entregar-se à vagabundagem e a viver algum tanto excêntrico. Que novo Bernardo sairia dali!?

Esse vazio desastroso em sua alma, essa derrocada mental sofrida com o novo ambiente e as novas influências, ele os revelaria em versos em O devanear do Céptico, em Ao meu aniversário e em outras poesias.

Bernardo estreou logo as suas "filosóficas" gargalhadas na terra dos bandeirantes ao deparar com o seu fadário, que vivia a pilheriar com ele, perseguindo-o com a sombra do patíbulo. Em Ouro Preto residira numa casa junto ao Largo da Forca, no alto lúgubre das Cabeças. Agora, ali em São Paulo, já lhe haviam arranjado uma casa na Rua da Forca, que saía do largo do mesmo nome... Era a penúltima casa, próxima do Largo da Cadeia, ao lado da Igreja dos Remédios.

Ao Largo de São Francisco estava a Academia de Direito.

Paulicéia patriarcal

A cidade renascia toda acadêmica. Era, segundo escreveu o próprio romancista no livro "Rosaura, a Enjeitada", "a Paulicéia antiga e patriarcal", "que conservava ainda quentes as cinzas de Diogo Antônio Feijó, que ainda escutava os ecos das vozes patrióticas e eloqüentes de Antônio Carlos e Martim Francisco, e que ainda não pranteava sobre o túmulo de dois ilustres cidadãos, modelos venerandos de patriotismo e virtudes cívicas -- Vergueiro e Paula Sousa.

"Ainda então a cidade de São Paulo conservava certos laivos de sua primitiva simplicidade, e posto que fosse já, relativamente à época, uma cidade assaz populosa, e o núcleo de um grande movimento intelectual, parecia respirar-se ali ainda a aura tradicional dos tempos de Amador Bueno."

Naquela São Paulo que Bernardo encontrou -- diz ele na mesma obra -- ainda o "remanso e o silêncio reinavam por toda parte; a rua era um deserto". As extensas várzeas alagadiças cortadas pelo Tamandateí separavam "a cidade propriamente dita do arrabalde de São Brás. Essas várzeas, banhadas então por um brando luar, formavam outro deserto, mais vasto e aprazível, e pelas janelas abertas os estudantes podiam expandir as vistas e aspirar as auras frescas e balsâmicas que se elevavam dos vargedos".

Aí está o painel da cidade de São Paulo, tal como a encontrou Bernardo Guimarães nos meados do século XIX.

No seu "O Incrível Bernardo Guimarães", estampado na "Gazeta-Magazine" de 23 de março de 1941, diz Antônio Constantino:

"Ao vir à Paulicéia, Bernardo, inexperiente, porém decidido, se achou no ambiente de perspectivas desalentadoras. Desconhecia os segredos da cidade acadêmica, tudo lhe parecia melancólico. À noite, aumentava a amargura. Quase escuridão, ruas sonolentas dos lampiões agonizantes e retratada por Vieira Bueno nas memórias de noventa anos. "Colocadas de longe em longe -- narra ele -- e só nas ruas principais, a luz desses lampiões, alimentada com azeite de peixe, difundia uma claridade mortiça, que só alumiava um pequeno espaço, projetando longas sombras movediças quando o vento balouçava os lampiões". A cena de recanto fúnebre devia ao final das contas agradar o temperamento de Bernardo Guimarães."

Mal Bernardo chegara à Paulicéia, alguns bons companheiros, entre os quais Ferreira do Vale, Bernardo Gavião, Paulo do Vale, Agostinho da Cama, João Cardoso (Barão de Paranapiacaba), Cipriano Penelon e outros, se uniriam logo a ele por sólidos laços de amizade.

E os estudantes formavam uma legião travessa a valer, divertida, que não temia ninguém.

Escravos

E, para manter as esbórnias acadêmicas de seus amos patuscos, os escravos desses estudantes tinham que, muitas vezes, ir cavar dinheiro para eles, ajustando-se nas chácaras, alugando-se em trabalho pesado ou fazendo outras sortes de serviços. O Ambrósio de Bernardo ajudava o seu mui estimado "senhor" vendendo biscoitos de farinha de milho ou de polvilho, sequilhos de araruta e outros quitutes, de era exímio fabricante, nas escadarias da Misericórdia ou no largo da Igreja do Carmo. "Não demorou para Bernardo arranjar-lhe, pouco depois, uma porta de aluguel na rua das Sete Casas, improvisando-lhe uma tasca de guloseimas", informa Luís Gomes de Sousa Ataíde em sua crônica "A Orgia dos Duendes". Assim não sacrificaria tanto o seu dedicado companheiro africano, "de cujo trabalho só se aproveitou, montando para o mesmo uma vendola, cujos lucros, não considerável, ambos repartiam fraternalmente". (Basílio de Magalhães, "Bernardo Guimarães", pág. 21).

Anos mais tarde, Bernardo Guimarães, na "Rosaura, a Enjeitada", daria ele esta informação: "A classe acadêmica, harmonizando-se com o meio em que vivia, passava vida simples, folgaz e descuidosa, ainda mais do que é ordinário entre essa extravagante variedade de gênero humano. Divididos em grupos, os estudantes se derramavam por todos os bairros da cidade, e chamavam-se repúblicas, como até hoje, as casas ocupadas por esses grupos, e onde viviam na mais admirável igualdade e fraternidade. Nessa época, havia entre os estudantes um certo espírito de classe tão fortemente pronunciado que formavam deles uma corporação não só respeitada como temida dos futricas, nome que se dava a todo cidadão estranho ao corpo acadêmico."

São Paulo daquele tempo estava crivada de repúblicas. Na rua da Palha, na dos Bambus, na da Constituição, na Glória, na São Brás só se viam repúblicas. Bernardo acabava de instalar mais uma na rua da forca...

De Antônio Cândido (Aspectos Sociais da Literatura em São Paulo, em "O Estado de S. Paulo", edição comemorativa do 4º Centenário, de 25-1-54, pág. 78) colho o seguinte: "Estruturadas pelo princípio de origem comum (taubateanos, mineiros, fluminenses) ou de comum interesse (troça, literatura, estudo), elas (as repúblicas) eram a unidade básica da vida estudantil. Unidades não apenas de pouso, mas de recreio e atividade intelectual. Nelas se originou muito escrito, muito projeto literário. Pelos fins do decênio de 40 (1840), nelas se reuniam para improvisar bestialógicos dm prosa e verso (gênero das mais alta importância, cujas produções se dispersaram infelizmente quase todas) João Cardoso de Menezes, Silveira de Souza, José Bonifácio, Aureliano Lessa, Bernardo Guimarães, autor do estupendo soneto Eu vi dos pólos o gigante alado. Das repúblicas, a sociabilidade literária se expandia pelos grêmios, inaugurados pela "Filomática", o "Ensaio Filosófico", 1850; o "Ateneu Paulistano", 1852..."

Arcadas de São Francisco

A Academia de Direito de São Paulo, no tempo de Bernardo Guimarães, era um velho prédio, já bissecular. Construíra-o o Frei Francisco dos Santos em 1644. O comprido edifício de dois pavimentos, que foi, em 1828, adaptado para a Faculdade, era conjugado às igrejas de São Francisco e da Ordem Terceira dos Franciscanos, no Largo de São Francisco.

"Detenhamo-nos um momento no Pátio das Arcadas; aqui reside a alma da Academia. Eram os Gerais, assim chamados, à moda de Coimbra, porque no claustro se reuniam indistintamente todos os alunos. Pelo correr do tempo, a contemplação insistente do recinto, em sua amplitude arejada e na sua singeleza harmoniosa de suas linhas, foi apagando a reminiscência coimbrã. Lúcio de Mendonça, em escrito de 1885, já fala das arcadas do antigo convento como pormenor de arquitetura. Depois, arcadas converteram-se em figura retórica, são todo o edifício. Mais tarde reclamam inicial maiúscula, designam o conjunto material e espiritual -- são a própria Faculdade de Direito de São Paulo." (Prof. A. Almeida, A Faculdade de Direito e a Cidade, em "O Estado de S. Paulo", edição comemorativa de 4º centenário, de 25-1-1954).

Quando Bernardo Guimarães lá chegou, o diretor da Academia era o 2º Visconde de Goiana, que nunca tomou posse. Mau exemplo. Aliás, também tinha o nome de Bernardo -- Conselheiro Bernardo José da Gama. Quem estava interinamente respondendo pela direção era o português Dr. José Maria de Avelar Brotero. E com Brotero estaria a Faculdade durante todo o qüinqüênio de estudos do moço de Ouro Preto, às vezes revezando com Manuel Joaquim do Amaral Gurgel.

Brotero que  foi a figura que mais gostosamente ficaria gravada na memória do escritor ouro-pretano, pelo resto da vida. Nos últimos anos de sua existência, o velho diretor e professor ainda seria a mola impulsiva de suas mais felizes gargalhadas. Numa  carta a Saldanha Moreira lembrar-se-ia Bernardo do venerando Brotero, depois de cometer, pilheriando, algumas broteradas.

O que havia de realmente gozado no mestre era o descuido que sempre cometia, sobretudo no auge da eloqüência, de trocar as palavras da frase ou fazer desastrosas inversões de sílabas. Tais trocas ficaram com a designação de broteradas.

"Tornou-se célebre pelo trocados e sinalefas; suas distrações eram pasmosas. Não havia estudante que em canhenho não tivesse anotado dezenas delas. Quando o Imperador esteve em São Paulo e foi visitar a Academia, Brotero trouxe pela mão um bedel velhíssimo e caduco, e, chegando-se ao Imperador, disse com profunda reverência:

-- Senhor bedel, tenho a honra de apresentar a V.M. o Imperador mais antigo desta Academia". (Vicente de Paulo de Azevedo, "Álvares de Azevedo", edição promovida pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, em comemoração do centenário de nascimento de Álvares de Azevedo, São Paulo, 1931).

São muitos os exemplos, citados pelos alunos contemporâneos do ilustre trapalhão: "Gado saltitando pelas árvores, passarinhos pastando no campo", "navios de pavilhões acesos e morrões desfraldados..." (Vicente de Paulo Azevedo, op. cit., pág. 198).

[Nota do editor do site: Brotero foi o primeiro professor -- então chamado de lente -- da São Francisco. Ele deu a aula inaugural da escola, em 1º de março de 1828, às 16 horas.]

Quando o poeta ouro-pretano chegou a São Paulo, já tinha feito, em sua terra, todos os preparatórios. Os exigidos para a matrícula no 1º ano do curso jurídico eram, então, os de latim, Retórica, Filosofia, Francês, Geometria e mais Inglês e História, acrescentados pela reforma de 1834. Havia alunos que tiravam esses preparatórios na própria Paulicéia, à sombra das Arcadas. Entre os professores dessas "aulas menores" estava o mestre de Retórica o Cônego Fidélis Alves Sigmaringa de Moraes. Residia no Largo da Cadeia. Vizinho de Bernardo, tornou-se figura popular, não só pelo físico, como também pela intransigências exageradas e pela impiedade para com os examinandos de preparatórios. Causava pavor nos aspirantes ao colégio de Têmis. Era "um padre gordo, já então um pouco idoso, toutiçudos, de cor avermelhada, e que era, de mais disso, dotado de uma grande penca de beiços, dos quais de baixo era muito caído". Quem nos dá esse retrato é Ferreira de Resende, nas "Minhas Recordações", 1944.

Bernardo Guimarães, que não perdia de vista nenhum tipo caricaturável, fez do cônego Fidélis o alvo de uns seus versinhos humorísticos e satíricos, decorados pelos colegas e até por alguns futricas. "São rimas extremamente jocosas", diz Luís Gomes de Sousa Ataíde. Sabedor dessas quadrinhas provocadoras com que o bardo de Vila Rica, com chiste, lhe pintara as beiçolas e a carantonha, o sacerdote nada mais fez senão, certa tarde, no Largo da Matriz, brandir ameaçadoramente a bengala ao vate que, cautelosamente, passava à distância.  

 


(Igreja dos Remédios (em reprodução do século  XVIII), perto da qual
ficava a casa onde Bernardo Guimarães morou em São Paulo.

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Índice do livro "Bernardo Guimarães, o romancista da abolição", de Armelim Guimarães


O ano do nascimento
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Em São Paulo (1)

Em São Paulo (2)

Em São Paulo (3)

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De volta a Ouro Preto

No "Atualidade" (Rio)

De volta ao sertão goiano

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