Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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A cabeça de Tiradentes
Armelim Guimarães

A Cabeça de Tiradentes é uma das melhores crônicas de Bernardo Guimarães. Faz parte do volume de “História  Tradições da Província de Minas Gerais”. Está reproduzida na Biblioteca Internacional de Obras Celebras, edição da Sociedade Internacional.

O prosador ouro-pretano pinta o quadro lúgubre e revoltante, no Rio de Janeiro, em que aparece, erguida na ponta de um poste, a cabeça do herói da Conjuração Mineira.

Imolado Tiradentes no patíbulo carioca, foi esquartejado o seu corpo, tendo sido os pedaços enviados para diversos cantos do país, para expiação. Um dos braços foi para Paraíba do Su, outro para Barbacena, as pernas para outras localidades. A Ouro Preto, coube a cabeça, enviada dentro de um barril, mergulhada em forte salmoura.

Posta, em praça pública, na capital mineira, na ponta de um mastro a cabeça de Tiradentes, ficou ela guardada noite e dia por um soldado com arcabuz engatilhado. Um admirador do mártir  passou a espreitar durante a noite, para no momento oportuno roubar a relíquia cívica. E numa madrugada, a sentinela dormiu.

“Um vulto todo rebuçado –conta Bernardo Guimarães– surge por entre as trevas e se aproxima cautelosamente do tremendo poste. Com uma comprida vara que trazia, fez saltar do poste a caveira, apanha-a rapidamente e desaparece com o favor das trevas e do nevoeiro.”

No Hino que, em abril de 1882, em Ouro Preto, o poeta compôs para exaltar a memória de Tiradentes (musicado pelo maestro Emílio Soares de Gouveia Horta) introduziu estrofes rememorativas desse episódio da história brasileira:

A tua cabeça heróica
Sobre vil poste hasteada
- Liberdade - Independência
Até hoje inda nos brada.

Do teu mutilado corpo
Os membros esquartejados
Foram ecos rugidores,
Aos quatro ventos lançados.

Pois esse crânio histórico, segundo quer a tradição, foi sepultado na copa ou no quinta da casa na qual, muito mais de meio século depois, morria Bernardo Guimarães, no Alto sinistro das Cabeças.

O velho sobrado, construído no século XVIII pelo padre Manuel da Silva Gato (em alguns lugares, Gatto, com dois tt) para sua residência. Em 1928, o presidente estadual (hoje se diz governador) Antônio Carlos adquiriu esse prédio, adjudicando-o ao patrimônio nacional. Por muito tempo ele serviu de abrigo para velhinhos desamparados. [Nota do editor do site: em 2006, o governo de Minas reformou o prédio e lá instalou uma oficina de ofícios].

Em despacho de 30 de julho de 1933, do Secretário da Agricultura de Minas Gerais Dr. Carlos Luiz, foi concedida, por autorização do governo de Minas, a verba de 25 contos e 804 mil réis para reparar a histórica residência, que estava a reclamar consertos e proteção contra um possível desabamento.

Essa velha mansão foi visitada por Gastão Penalva, que assim nos conta:

“Lá em cima, no bairro das Cabeças, onde a lenda pretende que também se encontre a cabeça de Tiradentes, num daqueles excusos desvãos subterrâneos, a casa que foi de Bernardo Guimarães desaba a cada dia que amanhece, num sinistro fragor de maldição. Estive dentro dela, num grande risco de vida. Percorri-lhe de alto a baixo os espaçosos, frios aposentos, recordando aquele berço de carinho e espírito onde nasceram “A Escrava Isaura”, “O Índio Afonso”, “Maurício” “O Ermitão de Muquém” e outros filhos do saudoso romântico. Habita-o agora uma família humilde, com mulheres e crianças que todas as noites misturam nas suas orações uma súplica choramingada para que a casa não lhes caia em cima. No entanto, era um solar magnífico, à moda antiga, acolhedor e confortável, com sacadas amplas, cimalhas de estilo, escadarias de pedra-sabão, lindos dourados nas paredes e nos tetos e ganchos de ferro nas janelas, onde outrora se dependurava as luminárias de regozijo litúrgico.” (“O Aleijadinho de Vila Rica”, Renascença Editora, Rio de Janeiro, 1933).

José Afonso Mendonça Azevedo, que residiu na rua das Cabeças, e que muito bem conheceu o casarão, fala da copa, para a qual o padre Gato (ou Gatto), neto de Borba Gato, conduzira a cabeça heróica:

“O velho solar de D. Felicidade fora, antes, do padre Gato, quem sabe algum descendente do tenente-general Manuel Borba Gato, gênero de Fernão Dias Paes e fundador de Sabará. A lenda é que a um canto da praça, hoje Tiradentes, em Ouro Preto, fora erguida, à ponta de uma haste, a caveira do Tiradentes, e cujos cabelos, já branqueados, não pelo tempo, mas pelos sofrimentos, esvoaçavam à ventania, macabramente. Certa hora da noite, quando mais intensa era a garoa e mais frias desciam as névoas da serra, o guarda da cabeça de Joaquim José, fechando os olhos, vencidos pelo sono, alguém, o padre Gato, nativista como o seu antepassado, célere arrebatara o horrendo troféu e, sob a batina, o conduziria à rua das Cabeças, depusera-o naquela copa, até que, no dia seguinte, com as devidas cautelas, pudesse lhe dar cova.

“No quinta da casa de Dona Felicidade apontavam, a certa altura, uma pequena laje como sendo a lápide da sepultura improvisada. Nunca pude averiguar esse fato, mas habent nomen fata sua: à rua das Cabeças, tão freqüentemente transitada por Tiradentes, nas suas viagens a esta capital, ou mesmo em visita a amigos hospedados numa estalagem que ali havia, caberia o destino de colher a cabeça do mártir redivivo.” (“A sogra de Bernardo Guimarães”, na revista “Sul Amperica”, de junho de 1946).

Luís Gomes de Sousa Ataíde teve “irresistível curiosidade e tentação de remover ali a pedra e a terra para desvendar o mistério”, mas não o fizeram. “Esse março de pedra lá está”, confirma o “Minas Gerais”, suplemento nº 197, de 1925.

Registrou o historiador Basílio de Magalhães:

“A casa da Família de Bernardo Guimarães, em Ouro Preto, pertenceu a um padre acunhado de Gato, que ao novelista confidenciou ter sido quem confessara, in articulo mortis, ao roubador da cabeça do imortal alferes e que do mesmo a recebera, enterrando-a no quinta daquele prédio. Não será difícil apurar, por escavação, a veracidade de tal narração.”

Vicente Racioppi, diretor do Instituto Histórico de Ouro Preto, em 1940, divulgou pela imprensa carioca uma carta que lhe fora endereçada pelo filho mais moço do poeta, o professor Pedro Bernardo Guimarães, meu pai, em que lhe dizia:

“Tenho aqui uma velha papelada em que há documentação histórica da tradicional casa das Cabeças, onde morou e morreu o meu pai.  São antigas escrituras registrando transmissões da propriedade, entre as quais a que se refere ao padre Gato. Como você sabe, a cabeça de Tiradentes foi roubada do poste infamante em que a colocaram na praça principal de Ouro Preto. Nasceu daí a lenda de um ancião, idólatra da memória do protomártir, que, às escondidas, para escapar às pesquisas dos esbirros, adorava-a a desoras, a portas fechadas, em sua casa. Sentindo aproximar-se a morte, chamou o confessor para revelar em segredo o roubo místico que praticara. Diz a tradição que o padre Gato, atendendo a esse penitente, receoso da perseguição, e não podem quebrar o sigilo do confessionário, recebe a histórica caveira, enterrando-a no quinta de sua residência, que era então o sobrado que transferimos ao governo do Estado de Minas. São essas antiguíssimas escrituras que, se você achar conveniente, estão à sua disposição para o Instituto Histórico de Ouro Preto”.

A fantasia, porém, dos que procuram romancear o drama cívico da Inconfidência Mineira tem recorrido a caraminholas para criar outras histórias e outras tumbas para a veneranda carcaça.

Segundo Gilberto de Alencar, no Roma “Tal Dia é o Batizado”, a cabeça de Tiradentes teria sido roubada da picota infamante por uma devota do mártir, o que fez com o auxílio de dois homens, um dos quais o coveiro que teria dado sepultura ao crânio do herói no cemitério de São Francisco de Paula.

Em “Confidência de um Inconfidente”, romance de Marilusa Moreira Vasconcelos, segundo a professora de História Valdhete Mariano de Faro, a cabeça de Tiradentes teria sido tirada do poste da expiação pelos próprios soldados, todos maçons, sob a orientação de Aleijadinho, e, no Alto da Cruz, teria sido guardada numa urna de pedra, num “altar maçônico”, encimado por um barrete frígio”, “feito pelo mestre Lisboa, com documentos a respeito, sendo depois coberto de terra”.

Teria sido a caveira “coberta com ouro em pó, e lhe deram sepultura, que foi demarcada com um pequeno templo, com sete degraus até a entrada e sete atrás. Para disfarce, converteram o altar maçônico em reservatório d’água. Isto na casa do inconfidente Antônio Vieira da Cruz”.

Outra fantasia é de que a cabeça, subtraída do poder da Justiça, por seis cavaleiros encapuzados, fora escondida na base de um chafariz.

No livro “Memória de um Itacolomita” (Tip. de A Encadernadora, Rio de Janeiro, 1931), de João R. Duarte, há as seguintes referências:

“... a cabeça de Tiradentes havia desaparecido do poste! Fato tão grave não podia deixar de ser levado ao conhecimento do Marquês de Barbacena, e este, no auge da cólera, expediu ordens severas para a procura da cabeça e, principalmente, do executor de tão grande delito.

“Boatos não faltaram; uns diziam que ela havia sido levada pela enxurrada das chuvas copiosas; outros, que um frade ou monge dela se havia apoderado durante a noite etc. Diziam uns que esse frade era um ente sobrenatural, um lobisomem, que havia sido visto, por uns, na Cruz das Almas, por outros, no Alto das Cabeças, e finalmente por outros, no Morro da Força, sempre à meia-noite em ponto!

“A cabeça de Tiradentes não foi procurada com empenho só no período colonial: em nossos dias, em 1862, houve um presidente do 2º Império que teve a petulância de, arrostando o perigo do lápis vermelho com que S.M. o Imperador assinalava os que incorriam em seu desagrado, pretendeu erguer um modesto monumento na praça de Ouro Preto, em homenagem à memória dos Inconfidentes. Esse presidente, Saldanha Marinho, levou a Minas, como seu secretário, o dr. Henrique César Muzio, a quem contou haver guardado, com extremo cuidado, um crânio em um velho casarão do tempo colonial.

“Será a cabeça de Tiradentes?

“Houve diligências, as quais deram com o velho crânio no palácio do governo onde residia César Muzio. A boa vontade faz prodígios! Examinando cuidadosamente o velho crânio, há havia sido nele encontrados vestígios da perfuração da estaca em que estivera espetado, quando um tabelião, Paula Malaquias, apresentou-se em palácio levando o testamento de um original do padre Gato, que deixara seus bens a seus herdeiros, com a condição de guardarem seus restos mortais na capela de sua casa, onde dizia suas missas.

“Terminaram-se também as diligências do Marquês de Barbacena sem nenhum resultado, mesmo sendo apregoado em um bando de rufos de caixas e pregão, oferecendo cem oitavas de ouro em pó a quem conseguisse capturar o criminoso.”

Mas será mesmo verdade que também o padre Gato foram enterrado na casa que seria de Bernardo Guimarães, conforme os documentos apresentados pelo tabelião Paula Malaquias? Assim sendo lá devem ser encontrados dois crânios, o de Tiradentes, e o do padre, com um esqueleto completo.  E se isso é verdade, conclui-se que Dona Felicidade Gomes de Lima não comprou o sobrado diretamente do padre, mas dos herdeiros dele, pois a velha sogra do poeta e romancista nunca revelou ter conhecimento dessas inumações em sua casa.

Em “O Jornal”, edição de 16 de outubro de 1969, em Algumas “Manchetes”, Vinícus de Moraes publicou esta informação: “Por falar em Minas: li há pouco que um velho documento que indica que a cabeça de Tiradentes foi enterrado no quinta da casa do padre Gato, que ver a ser hoje a antiga casa do poeta Bernardo Guimarães, tombada pelo Patrimônio. Segundo se informa, há até um marco de pedra sindicado o lugar, no quintal, onde está a cabeça do mártir”.

Também Joaquim Norberto, historiador e romancista carioca, dedicou um poema, denominado “A Cabeça do Mártir”, no qual exalta o episódio do furto do crânio histórico, chuchado habilmente do poste da expiação por um devoto do memorável apóstolo da Independência. A informação é de Sílvio Romero (“História da Literatura Brasileira”, H. Garnier, 1903).

 Tais registros demonstram que a tradição quer é que a cabeça de Joaquim José da Silva Xavier esteja mesmo sepultada na copa ou no quinta da casa em que residiu Bernardo Guimarães. Só com picareta, pá e orientação criteriosa se poderá chegar à verdade. Porem, e o crânio guardado por Henrique César Muzio? Era de Tiradentes ou do sacerdote? Ou não era de nenhum deles?  Ou o “Memórias de um Itacolomita”, de João Duarte, não merecem credibilidade? Seja como for, tudo é dúvida e mistério. O único fato mesmo é que a cabeça de Tiradentes desapareceu da ponta do poste.

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Índice do livro "Bernardo Guimarães, o romancista da abolição", de Armelim Guimarães

O ano do nascimento
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Em São Paulo (1)

Em São Paulo (2)

Em São Paulo (3)

No sertão goiano

De volta a Ouro Preto

No "Atualidades" (Rio)

De volta ao sertão goiano

A profecia de Brasília

Nos saraus de Otaviano

A vida nômade

Um anjo à espera do poeta

No reino da felicidade

Professor em Congonhas do Campo e em Andaluz

E assim nasceu "A Escrava Isaura"

O caipira e o índio Irabuçu

Egresso das cátedras

Barão sem baronato

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Bibliografia

 

A Cabeça de Tiradentes. (conto)

 

 

 
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