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Equívocos sobre a Imunização

Equívoco n°9
Vacinas causam autismo

Em 3 de outubro de 1999, a Cable News Network transmitiu um programa em que os pais de Liam Reynolds de três anos de idade declararam que ele tinha desenvolvido autismo duas semanas após receber a vacina para sarampo, caxumba e rubéola (MMR) [1]. O programa também mostrou os pontos de vista de Stephanie Cave, M.D., uma médica da Louisiana que "se especializou em tratar autismo" com dieta e suplementos alimentares [2]. Um representante da American Academy of Pediatrics explicou o porquê não há nenhuma razão para acreditar que exista uma ligação entre o autismo e a vacinação. Mas os dramáticos vídeos do antes e depois da criança provavelmente teve um impacto suficiente para persuadir muitos pais a evitarem que seus filhos fossem vacinados. O narrador do programa declarou que tem havido "um enigmático salto no número de crianças diagnosticadas com autismo." Entretanto, o número diagnosticado pode refletir um aumento do relato de  casos ao invés de um aumento na incidência atual.

O autismo é uma desordem crônica de desenvolvimento caracterizada por problemas na interação social, comunicação, e interesses e atividades repetitivas e restritivas. O autismo pode inicialmente ser percebido na infância como um prejuízo no afeto, mas é mais freqüente que seja primeiro identificado quando a criança começa a andar, principalmente em meninos, de 18 a 30 meses de idade. Os meninos têm uma chance de 3-4 vezes maior de serem afetados pelo autismo do que as meninas. As meninas como grupo, entretanto, podem ser mais severamente afetadas. O diagnóstico correto do autismo depende de uma história acurada do desenvolvimento focada em tipos de comportamento típicos de autismo e na avaliação de habilidades funcionais. Aproximadamente 75% das pessoas com autismo são mentalmente retardadas. Menos de 5% das crianças com traços do autismo têm X frágil ou outra anormalidade cromossômica conhecida. Embora não exista nenhuma cura, o autismo é tratável. Os sintomas associados com o autismo freqüentemente melhoram conforme a criança começa a adquirir linguagem e aprender como comunicar suas necessidades.

Na maioria dos casos de autismo, nenhuma causa é aparente. Em alguns casos, causas biológicas foram identificadas, embora nenhuma seja exclusiva do autismo. Alguns fatores pré-natal incluem rubéola intra-uterina; esclerose tuberosa; anormalidades cromossômicas, como a síndrome de Down; bem como anormalidades cerebrais, como hidrocefalia. Condições pós-natal freqüentemente citadas associadas com o autismo são fenilcetonuria não tratada, espasmos infantis, e encefalite por herpes simplex. Na maioria dos casos, entretanto, nenhuma causa de base pode ser identificada.

A teoria atual favorita por muitos especialistas é que o autismo é uma desordem baseada geneticamente que ocorre antes do nascimento [3]. Estudos de pessoas com autismo estão encontrando anormalidades nas estruturas cerebrais que se desenvolvem nas primeiras semanas de desenvolvimento fetal [4]. Evidência de que a genética é uma causa importante, mas não exclusiva, de autismo inclui um risco de 3-8% de recorrência em famílias com uma criança afetada. Um grupo de trabalho financiado pelo National Institutes of Health em 1995 chegou a um consenso que o autismo é uma condição genética. Uma questão não resolvida pelo grupo foi o papel de fatores imunes no espectro de desordens do autismo; foi sugerido que são necessários estudos para esclarecer a situação.

Nenhuma Evidência de Ligação

Alguns pais de crianças com autismo acreditam que há uma ligação entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (MMR) e o autismo. Entretanto, não há nenhuma razão sensata para acreditar que qualquer vacina possa causar autismo ou qualquer tipo de desordem comportamental. Tipicamente, sintomas de autismo são primeiro notados pelos pais conforme seu filho começa a ter dificuldade com atrasos na fala após um ano de idade. A vacina MMR é dada pela primeira vez as crianças de 12-15 meses de idade. Uma vez que esta também é a idade quando o autismo comumente se torna aparente, não é uma surpresa que o autismo siga a imunização contra MMR em alguns casos. Entretanto, de longe a explicação mais lógica é coincidência, não causa e efeito.

Se a vacina contra o sarampo ou qualquer outra vacina causa autismo, teria de ser uma ocorrência muito rara, porque milhões de crianças têm recebido vacinas sem efeitos nocivos à saúde. A única "evidência" ligando a vacina MMR e o autismo foi publicada na revista britânica Lancet em 1998 [5]. Um editorial publicado na mesma edição, entretanto, discutiu preocupações quanto a validade do estudo [6]. Baseado em dados de 12 pacientes, Wakefield e colaboradores especularam que a vacina MMR pode ter sido a possível causa de problemas intestinais que levaram a uma diminuição da absorção de vitaminas e nutrientes essenciais que resultou em desordens do desenvolvimento como o autismo. Entretanto, nenhuma análise científica foi relatada para substanciar a teoria. Se esta série de 12 casos representa uma síndrome única ou incomum é difícil de julgar sem conhecer o tamanho da população de pacientes e o período de tempo durante o qual os casos foram identificados. Se aconteceu de haver uma referência seletiva de pacientes com autismo para a prática dos pesquisadores, por exemplo, a série de casos relatados pode simplesmente refletir tal viés de referência. Além disso, a teoria de que o autismo pode ser causado por má absorção de nutrientes devido a inflamação intestinal é sem sentido e não é apoiada por dados clínicos. Em pelo menos 4 dos 12 casos, problemas comportamentais apareceram antes do início dos sintomas de doença intestinal inflamatória. Além disso, desde a publicação de seu relato original em fevereiro de 1998, Wakefield e colaboradores publicaram outro estudo em que ensaios laboratoriais altamente específicos em pacientes com doença intestinal inflamatória, o mecanismo postulado para autismo após a vacinação MMR, foram negativos para o vírus do sarampo [7,8].

Outras investigações recentes também não apóiam uma associação causal entre a MMR (ou outras vacinas contendo sarampo) e o autismo ou doença intestinal inflamatória [9-13]. Em uma investigação, um Grupo de Trabalho sobre a Vacina MMR do Comitê de Segurança em Medicamentos do Reino Unido (1999) foi encarregado de avaliar várias centenas de relatos, coletados por uma firma de advogados, de autismo, doença de Crohn, ou desordens similares desenvolvidas após receber a vacina MMR ou a MR [contra sarampo e rubéola]. O Grupo de Trabalho conduziu uma revisão sistemática, padronizada de informações dos pais e dos médicos. Embora reconhecendo que é impossível provar ou refutar as associações sugeridas (por causa da qualidade variável dos dados, viés de seleção de casos, e falta de um grupo controle), o Grupo de Trabalho concluiu que a informação disponível "... não apóia as associações causais sugeridas ou dá motivo para preocupações sobre a segurança da vacina MMR ou MR." [12] Em março de 2000, um relato do Conselho de Pesquisa Médica concluiu que entre março de 1998 e setembro de 1999 nenhuma evidência nova sugeriu uma ligação causal entre MMR e autismo ou doença intestinal inflamatória [13]. A Associação Médica Americana chegou a mesma conclusão.

Um estudo de Taylor e colaboradores proporcionou evidência baseada na população que supera muitas das limitações enfrentadas pelo Grupo de Trabalho e por Wakefield e colegas [14,15]. Os autores identificaram todos os 498 casos conhecidos das desordens do espectro do autismo (DEA) em certos distritos de Londres nascidos em 1979 ou mais tarde e ligou-os a um registro de vacinação regional independente. O DEA inclui o autismo clássico, o autismo atípico, e a síndrome de Asperger, mas os resultados foram similares quando casos de autismo clássico foram analisados separadamente. Os autores apontaram:

Um estudo da população de crianças em duas comunidades na Suécia também não encontrou nenhuma evidência de uma associação entre vacinação MMR e o autismo [16]. Este estudo não encontrou nenhuma diferença na prevalência de autismo em crianças nascidas após a introdução da vacinação MMR na Suécia comparadas com crianças nascidas antes.

Em janeiro de 1990, um comitê do Instituto de Medicina examinando possíveis efeitos à saúde associados com a vacina DPT concluiu que não havia nenhuma evidência que indicasse uma relação causal entre a vacina DPT ou o componente pertussis da vacina DPT e o autismo [17]. Também, dados obtidos do Sistema de Monitoramento de Eventos Adversos Seguidos a Imunização (MASAEFI) do CDC, não mostrou nenhum relato de autismo ocorrendo no prazo de 28 dias da imunização com DPT desde 1978-1990, um período em que aproximadamente 80,1 milhões de doses da vacina DPT foram administradas nos Estados Unidos. De janeiro de 1990 até fevereiro de 1998, somente 15 casos de desordem de comportamento do autismo após imunização foram relatados ao Sistema de Relato de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS). Devido ao pequeno número de relatos por um período de 8 anos, os casos relatados são provavelmente representantes de ocorrências ao acaso não relacionadas que aconteceram por volta da época da vacinação. As vacinas mais freqüentemente citadas nos relatos foram a contra difteria, tétano, coqueluche, (DPT), vacina oral da pólio e a MMR. Outras vacinas relatadas como tendo uma possível associação com autismo foram Haemophilus influenzae tipo B e hepatite B.

O fato de que o autismo é diagnosticado durante o segundo ou terceiro ano de vida não significa que começou nesta idade. Análises de filmes caseiros feitos do nascimento para frente têm mostrado que a maioria das crianças que são diagnosticadas como autistas durante o segundo ou terceiro ano tinham sinais anormais durante o primeiro ano -- e algumas até mesmo mostraram anormalidades ao nascimento [18-25].

Recentemente, o Estudo Nacional de Encefalopatia na Infância (NCES) foi examinado para ver se havia qualquer ligação entre a vacina contra o sarampo e eventos neurológicos. Pesquisadores na Inglaterra não encontraram nenhuma indicação que a vacina contra sarampo contribua com o desenvolvimento de déficits educacionais e comportamentais ou outros possíveis sinais de dano neurológico a longo prazo [26].

A maioria das pessoas não tem nenhuma reação adversa após receber a vacina MMR. Cerca de 5 a 15% das vacinas podem desenvolver uma febre de 5-12 dias após a vacinação MMR e 5% podem desenvolver um rash cutâneo. Distúrbios do sistema nervoso central, incluindo encefalite e encefalopatia, têm sido relatadas com uma freqüência de menos de um por milhão de doses administradas.

Como com a administração de qualquer agente que possa produzir febre, algumas crianças podem ter um ataque febril. A maioria que ocorre após a vacinação contra o sarampo são ataques febris simples e afetam crianças sem fatores de risco conhecidos. Um risco aumentado de convulsões febris pode ocorrer entre crianças com uma história prévia de convulsões.

A Linha Final

Não há nenhum dado comprovado sugerindo que a vacina contra sarampo aumentará o risco de desenvolver autismo ou qualquer outra desordem comportamental [27]. Os benefícios conhecidos superam em muito qualquer risco desconhecido. O CDC continua a recomendar duas doses da vacina MMR para todas as crianças que não tenham uma contra-indicação médica conhecida; a primeira dose é recomendada aos 12-15 meses de idade e a segunda dose é recomendada ou aos 4-6 anos de idade ou aos 11-12 anos de idade [28,29]. [Veja a recomendação no Brasil

Para assegurar a segurança das vacinas, o CDC, o FDA, o National Institutes of Health (NIH), e outras agências federais rotineiramente examinam qualquer nova evidência que pudesse sugerir possíveis problemas com a segurança das vacinas. Atualmente, o CDC está conduzindo um estudo na região metropolitana de Atlanta (EUA) para promover avaliação de qualquer possível associação entre a vacinação MMR e o autismo. Resultados deste estudo são esperados por volta do ano 2000.

A imunização contra o sarampo tem levado a uma dramática diminuição na incidência do sarampo, o qual é algumas vezes fatal. Acredito que a maneira pela qual a CNN cobriu este assunto foi extremamente irresponsável e resultará na morte de crianças cujos pais estão temerosos de que seus filhos seja vacinados.

Referências

  1. A question of harm. CNN & Time broadcast, Oct 3, 1999.
  2. Liam's mother Shelley H. Reynolds founded and serves as president of Little Angels, an organization intended to "bring the issues of autism from individual homes to the forefront of national dialogue." Dr. Cave is a board member described on the Web site as "a leader and a fighter for the alternative therapies that seem to work with many of our children. She believes in using drugs as a last resort, concentrating instead on ascertaining the unique biochemistry of each individual child and working to achieve a balance through nutritional supplements and dietary interventions." The idea that autism represents a nutritional imbalance is preposterous.
  3. Piven J. The biological basis of autism. Current Opinion in Neurobiology 7:708-712, 1997.
  4. Rodier PM, Hyman SL. Early environmental factors in autism. MRDD Research Reviews 5:121-128, 1998.
  5. Wakefield AJ and others. Ileal lymphoid nodular hyperplasia, non-specific colitis, and regressive developmental disorder in children. Lancet 351:637-641, 1998.
  6. Chen RT, DeStefano F. Vaccine adverse events: Causal or coincidental? Lancet 351:611-612, 1998.
  7. Chadwick N and others. Measles virus DNA is not detected in inflammatory bowel disease using hybrid capture and reverse transcriptase followed by polymerase chain reaction. Journal of Medical Virology 55:305-311, 1998.
  8. Duclos P, Ward BJ. Measles vaccines: A review of adverse events. Drug Safety 19:435-454, 1998.
  9. Afzal MA and others. Absence of measles-virus genome in inflammatory bowel disease. Lancet 351:646, 1998.
  10. Ekbom A and others. Perinatal measles infection and subsequent Crohn's disease. Lancet 344:508-510, 1994.
  11. Metcalf J. Is measles infection associated with Crohn's disease? British Medical Journal 316:561, 1998.
  12. Medicines Commission Agency/Committee on Safety of Medicines. The safety of MMR vaccine. Current Problems in Pharmacovigilance 25:9-10, 1999.
  13. McGregor AM and others. Report of the Strategy Development Group Subgroup on Research into Inflammatory Bowel Disorders and Autism. London: Medical Research Council, March 2000.
  14. Taylor B and others. Autism and measles, mumps, and rubella vaccine: No epidemiological evidence for a causal association. Lancet 353:2026-2029, 1999.
  15. DeStefano F, Chen RT. Negative association between MMR and autism. Lancet 353:1987-1988, 1999.
  16. Gillberg C, Coleman M. Autism and medical disorders: A review of the literature. Developmental Medicine and Child Neurology 38:191-202, 1996.
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  29. Measles prevention: Recommendations of the immunization practices advisory committee. Morbidity and Mortality Weekly Report, Vol.38 , No.S-9, Dec 29, 1989.
  30. Measles, mumps, and rubella-vaccine use and strategies for elimination of measles, rubella and congenital rubella syndrome and control mumps: Recommendations of the advisory committee on immunization practices. Morbidity and Mortality Weekly Report, Vol 47, No. RR-8, May 1, 1998.

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Este artigo foi revisto em 14 de setembro de 2000.

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