Sirius
Canícula feroz em céu de bronze
Frenética esbraveja;
E contra nós de seus ardentes fogos
Todo o furor dardeja.
Da destruição o gênio, sobre a terra
Açula o cão celeste,
Que das cálidas fauces nos vomita
A guerra, a fome e a peste.
E o céu é puro, e os claros horizontes
Diáfanos resplendem;
E sem um véu montanhas e planuras,
Intérminas se estendem!
Nem uma nuvem, que amorteça os raios
Que vibra o sol ardente;
A esfera se tornou urna de fogo,
Fornalha incandescente.
Debaixo deste ar quente e pesado
O mar no leito ofega,
E se espreguiça lânguido na praia,
Que tépida fumega.
Até as ramas dos copudos bosques
Perderam seus frescores;
E a brisa frouxa mal meneia as asas
Repassadas de ardores.
A noite não traz mais nas asas úmidas
Benigno refrigério;
E com abafador espesso manto
Cobre nosso hemisfério.
A água da fonte, que serpeia morna,
Já nos não mata a sede:
E nem fresco repouso achar podemos
Na preguiçosa rede.
Mudo e triste co'as asas descaídas
Arqueja o passarinho;
O viandante exausto desfalece
Em meio do caminho.
O pobre lavrador esbaforido
A custo brande a enxada;
E de estéreis suores em vão rega
A terra abraseada.
Se vem o dia, o corpo entorpecido
Os membros move a custo,
E à noite o leito ardente se converte
Em leito de Procusto.
Em frouxa letargia adormecida
Descai a mente inerte;
Já não sente prazeres nem cuidados,
E nada há que a desperte.
O próprio amor, que vive só de chamas,
E os gelos aborrece,
Sente o fogo do céu crestar-lhe as asas
E frouxo desfalece.
E já não há sorvete, banho ou ducha,
Que um pouco refrigere
O fogo que o malvado sol dos trópicos
Sem compaixão desfere.
Sirius, tu que és a estrela mais formosa
Do cristalino assento,
A jóia mais brilhante que se engasta
No azul do firmamento,
Por que tanto flagelas com teus fogos
A triste humanidade?
De um povo que em suores se derrete
Por que não tens piedade?
Ah! que a razão é simples; - tu és bela;
E é fado da beleza
Fazer tudo que sente-lhe a influência
Arder em chama acesa!
Mas nem tanto; - modera esses ardores,
Mitiga tanta calma,
Que as forças nos quebranta, e faz do corpo
Quase exalar-se a alma.
E se acaso pretendes fulminar-nos
Castigo furibundo,
Acende o archote, e queima-nos de golpe;
Dá cabo deste mundo.
Enfim de qualquer modo, que aprouver-te,
Acaba este tormento;
Mas por piedade, ó Sirius, não nos queiras
Matar a fogo lento.
Rio, janeiro de 1864
Neste poema, Bernardo Guimarães se refere ao verão
carioca.
Nos saraus de Otaviano
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