A Bernardo
Guimarães
De Pedro Fernandes, poeta mineiro e amigo de
B.G.
Triste poeta, que sinistra idéia
Pende-te assim a fronte empalecida?
(Cantos da Solidão)
- Ergue, poeta, a fronte cismadora,
Desprende a vista além dos horizontes!
Águia real nas asas te abalances
Além das serras, das alpestres fragas,
E embebido nas líquidas alturas
Sagra essa fronte na harmonia eterna
Dos mundos ignotos!
- E quando, apenas, revelaste às turbas
Os mistérios sublimes de além-mundo,
Que segredo cruel, ouvido a medo,
Enlanguesceu-te a fronte consagrada
Aos fogos do Sinai?
- E entretanto, que súbitos prodígios,
Que oceanos de luz, e de harmonia
Dormem-te ainda n'harpa esbambeada,
Como no seio do profundo espaço
Os orbes invisíveis
- Quando a tarde nas veigas suspirosas
Descia o manto das serenas sombras,
E a viração brincando entre arvoredos
Com sonolentas asas se enredava
Em tua fronte revolta,
- Quando a tristeza em místicos vapores
Do céu descia a te entornar na lira
Em doce acento a divinal canção,
Era então que em tua fronte lisa e calma
Refletiam-se as chamas do infinito,
Bem como no oceano adormecido
As luzes das esferas!
Cantavas... por tua voz adormecida
Minh'alma se embalava entre perfumes,
Boiando pelo espaço em doce olvido:
Como um batei singrando a velas cheias
Via minhas tristes horas se escoando
Em ondas de harmonia.
Tu te embebias nas caladas sombras;
E no silêncio majestoso e virgem
Das selvas seculares
Despertavas as vozes desses ecos
Nas penedias broncas adormidos.
A tua voz a cúpula virente
Do tronco anoso em amoroso enleio
Mais grata sombra, e carinhoso abrigo
Em tua fronte vertia.
E o gênio das florestas
Na sonorosa voz da solidão
Envolto no seu manto dos mistérios,
Voava pelas sombras suspirando
Brandos desmaios, frouxos aladridos.
- Passando ao longe os zéfiros brincões
Pelas algas rasteiras se enredavam.
A fonte segredava entre seixinhos:
E toda essa harmonia, esses mistérios
De tua lira imortal nas cordas d'oiro
Poeta, suspiravam.
- Como um profeta em bíblicas cidades,
Da solidão no palácido remanso,
Entraste pelas brenhas soluçando.
Doridos sons nas cordas desferindo,
De lágrima orvalhaste a campa humilde
Do indío foragido.
Ao teu passar as campas se entreabriam,
E os leves manes te adejando em torno
Vinham beijar a fímbria do teu manto.
Tu eras o Messias, o esperado,
Entre as larvas do limbo esvoaçando.
Falaz consolação deixando ao menos
As sombras infelizes.
Ergue, poeta, a fronte cismadora!
Tu tens por coroa o vasto firmamento,
São teu domínio as longas serranias,
O mar lambe teus pés.
E entretanto a natureza é a mesma!
A manhã se afoga entre perfumes,
A tarde entre vapores,
Suspira o sabiá nos ermos prados,
Em céu de anil a lua se desliza.
Ergue, poeta, a fronte cismadora!
Cedo, bem cedo enuviou-te a fronte
Um sombrio pensar - e a linda aurora
De teus dias pressagos se encobriu
Nas sombras do crepúsculo.
Então passaste envolto no teu manto,
E nem a estrela, esse sorrir da noite,
Com peregrino raio te afagando,
Te ungindo o peito em lânguidos amores,
Arrancou-te um suspiro!
Ai! dessa fronte que orvalhou-se um dia
Nas lágrimas de Deus, ai! da infeliz
Que na chama aziaga se ilumina!
As saudades dos mundos invisíveis
Dos ideais poemas, que sussurram
Nas coréias dos anjos,
Vão manso e manso despertando n'alma
A lembrança do empíreo,
E como tenro arbusto transplantado
Em terra ingrata, emarelece e morre.
Buscavas sobre a mesa dos estudos
De inconsútil verdade o molde eterno:
Quando a vigília palejou-te a fronte
Interrogaste a natureza toda,
Nos abismos da dúvida reclinado,
E ouviste ao longe o brado pavoroso
A te dizer: dúvida!
Foi-te a ciência a sombra, que desliza-se,
Dúbia visão, que os olhos ilumina,
Silfo medonho a vaguear no limbo.
Com a fronte austera desdobrada ao riso,
Vem conosco assentar-te em torno à mesa
Do vinho e dos amores.
Enquanto andamos nos desertos páramos,
Bem como o viandante extraviado,
Suavizemos as dores do desterro
Abrindo o seio aos cânticos e às flores.
Pedro Fernandes (1868)
B.G. responde a Fernandes
com A Poesia
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