Em
1940 meu avô Alfredo sofreu um acidente na fazenda Maleitas de sua
propriedade. Furou um dos pés com um toco de uma árvore quando estava
no campo conferindo a lenha de metro que iria fornecer para Rêde
Ferroviária Leste Brasileiro. Como uma verdadeira lança o toco atravessou
o seu pé ("se estrepou-se", segundo o peão que o trouxe no carro
de bois). Por falta de cuidados, seja pelo lado macho dos Pereira
ou seja por falta de recursos médicos em Catú, o ferimento se agravou
e ele ficou em repouso para ser submetido a um tratamento caseiro.
Não podia andar sem apoio e se negava a usar muletas, coisa de aleijado,
que jamais usaria. Sentia-se recluso. No próprio quarto atendia
os auxiliares das Fazendas Canabrava e Maleitas que vinham prestar
contas e receber dinheiro. Minha avó levava o dia todo cumprindo
os seus deveres de dona de casa (oh! que saudade daqueles pratos
cheirosos e gostosos!) Minhas tias ocupadas com o enxoval de tia
Alice que iria se casar no ano seguinte. Socialmente, só lhes restavam
as visitas dos irmãos Dona, Santa e Oscar (muito queridos) e de
tio Oscarzinho (Oscar Sobrinho, o filho muito amado) em horários
diferentes porque motivos políticos os tornaram (Oscar e Oscarzinho)
inimigos. Será que eram mesmo? Eu me interrogava. Não via nenhum
traço de rancor em seus olhares. Hoje tenho certeza, era a representação
da cultura política da época que não faz mais sentido nos dias atuais.
Felizmente! Terminado o ano escolar em Cachoeira onde eu morava
com meus pais, todos os anos, eu viajava para Catú para passar as
férias. Com a doença do meu avô em 1940 eu viajei no meio do ano.
Os meus estudos não foram prejudicados porque tia Helenita conseguira
uma transferência para Escola Inocêncio Góes (seria este o nome?)
onde dei seqüência ao ano escolar. Ganhei muito com esta transferência.
A Prof. Lourdes Soares, enérgica, com uma didática anos luz acima
da minha mestra em Cachoeira (naquela época, diga-se. Depois eu
fui aluno da Prof. Raymunda Fortes na Escola Ana Nery que me deu
conhecimentos para ser aprovado com distinção no exame de admissão.
Guardo muita gratidão à todos os meus mestres) despertou minha vontade
de estudar. Minha presença preencheu as tardes e começo das noites
de meu avô. Ele me contava histórias da carochinha e outras vividas
pessoalmente. Em confiança eu relatava as minhas traquinagens, as
aventuras lidas em gibis escondidos de minha mãe. Trocas maravilhosas
somente comparáveis as que fazia com meu pai. Um dia, tchan!..tchan!
tchan! sempre há um dia em nossa vida, descobri o conteúdo de um
antigo baú de madeira de lei envernizado que fazia parte do mobiliário
do quarto de meus avós. - O que é isto meu avô? Perguntei encantado!
Tratava-se de uma farda azul marinho com botões e galões dourados!
A coisa mais linda que jamais vira! Sobre ela estava um chapéu com
detalhes dourados parecido com um que vira em uma gravura de D.
Pedro I. E mais uma espada que aos meus olhos parecia de prata,
cheia de baixo-relevos! Em transe mesmo fiquei quando ele com os
olhos rasos de lágrimas disse tratar-se da farda do Cel. Joaquim
Pereira de Souza Armundes. Seu pai! Meu bisavô! Naquela noite sonhei
com guerras, armaduras, espadas e guerreiros em cabeça............