Os Sofistas

 

 A origem do termo "Sofista"

      As palavras gregas sophos e sophia habitualmente traduzidas por sábio e sabedoria foram utilizadas desde os tempos mais remotos tendo-lhes sido sucessivamente atribuídos vários significados.

 No início, foram utilizadas para realçar uma capacidade ou arte especial num determinado assunto. refere que um construtor naval, um cocheiro, um navegador, um adivinho ou um escultor são sábios nas suas profissões. Também Apolo é sophos com a sua lira. Nesta altura, sophos era atribuído a alguém que desempenhava uma determinada tarefa ou ocupação com um rigor e perfeição melhores que qualquer outra pessoa.

      No início do séc. V a.C. o termo "sofista" passa a ser utilizado com o sentido de "homem sábio". É atribuído a poetas, como Homero e, a músicos e rapsodos, a deuses e mestres, aos Sete Sábios, aos filósofos pré-socráticos e a figuras com poderes superiores, como Prometeu. Pelo final do século, o termo "sofista" era aplicado a quem escrevia ou ensinava e que era visto como tendo uma especial capacidade ou conhecimento a transmitir. A sophia era fundamentalmente prática e sobretudo direccionada para a política ou para a arte.

      No entanto, depois dos sofistas terem aparecido na Grécia, os ódios e invejas que geraram por entre a multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a ser utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa então a ser utilizada no sentido de ladrão, charlatão ou mentiroso, significado que acaba por ir ao encontro do seu sentido actual.
 

Os Sofistas como Professores Pagos

      Como temos vindo a referir, os sofistas surgiram em resposta às novas exigências que se colocavam à educação. De facto, quando os primeiros sofistas surgiram, não havia, mestres para ensinar a discursar e a convencer as multidões e a sociedade não os reconhecia como uma possível resolução dos seus problemas. Desta forma, não é difícil imaginarmos que os primeiros sofistas devem ter sido recebidos de modo bastante frio e sarcástico. Se, por um lado, os sofistas não tiveram dificuldades em encontrar discípulos que lhes pagassem os seus serviços, por outro lado, enfrentaram severas críticas dos mais idosos e conservadores que viam neles uma ameaça à estabilidade da Paideia.
      No entanto, a pouco e pouco, os sofistas foram sendo cada vez mais ouvidos e procurados. Eram estudiosos profissionais que tinham recolhido muitos conhecimentos sobre os mais variados assuntos, dos fenómenos naturais à vida política, às instituições sociais e às questões populares do dia-a-dia.
      Os sofistas raramente eram filhos de Atenas e, no entanto, a sua condição de "estrangeiros" não os impedia de oferecerem aos jovens da cidade a educação pela qual todos ansiavam e que os preparava para uma carreira de engrandecimento pessoal na vida política e social da época. Geralmente não se fixavam em nenhuma cidade. Viajavam de terra em terra angariando discípulos que passavam alguns anos (habitualmente três ou quatro) estudando com eles.
      Mas o maior desejo de qualquer sofista era ser bem recebido em Atenas. Era aqui, no centro da cultura helénica, que eles tinham maiores probabilidades de enriquecer, aumentar a sua fama, e adquirir prestígio.

      Se é verdade que os sofistas acabavam por enfrentar alguns perigos, também é verdade que a sua condição usufruía de alguns benefícios. Para além da fama que eles iam conquistando pelos sítios em que iam passando, iam desfrutando da hospitalidade de casas ricas onde acabavam por ficar hospedados. Além disso, eram por vezes convocados a exercer importantes funções políticas, graças aos seus extraordinários dotes oratórios. Como se isto não bastasse, ficavam dispensados de cumprir serviço militar e de pagar impostos ao Estado, o que era obrigatório para todos os cidadãos. Como diz Jäeger "não foi só pelo seu ensino, mas também pela atracção dos seu novo tipo espiritual e psicológico que os sofistas foram considerados como as maiores celebridades do espírito grego de cada cidade, onde por longo tempo deram tom, sendo hóspedes predilectos dos ricos e dos poderosos" (Jäeger, 1986: pág.347).

  

Qual era a "clientela" dos sofistas, ou seja, quem eram os seus alunos?
      Os sofistas destinavam o seu ensino a todos os que desejassem "adquirir a superioridade necessária ao triunfo na arena política" (Marrou, 1966: pág.84). No entanto, os seus alunos provinham habitualmente das classes mais abastadas, onde se podiam encontrar novos ricos em busca de poder. Platão, no seu diálogo "Protágoras", testemunha uma outra situação ao revelar que possuía dois tipos de alunos, os que eram oriundos de famílias abastadas e que procuravam aceder aos mais elevados cargos políticos, e os que estudavam somente para se tornarem sofistas.
      Os sofistas iniciavam o ensino dos seus alunos quando estes tinham cerca de 16 a 18 anos. Nesta fase, os jovens, estavam na posse de todas as suas faculdades e, tendo aprendido tudo o que o modelo educativo em vigor lhes propunha, ambicionavam aprender o que os sofistas tinham para lhes ensinar... uma forma de atingirem o sucesso.
      Sabe-se que os sofistas estabeleciam um contacto muito próximo com os seus alunos. Na realidade, passavam a maior parte do tempo juntos, num intenso intercâmbio de experiências e saberes. Esta situação está muito bem exemplificada no "
Protágoras" de Platão, em que Hípias de Élis estava sentado num cadeirão a discursar para os ouvintes, aparentemente sobre "assuntos como a natureza e fenómenos celestes" (Pinheiro, 1999: pág.84). Enquanto isso, Pródico estava num quarto com os seus alunos. Quanto a Protágoras, andava a discursar pelo átrio.

O facto de os alunos passarem a maior parte do tempo com os seus professores, vivendo inclusivamente com eles, possibilitava o contacto directo, não só com a sua inteligência, mas também com a sua personalidade. Os jovens sentiram-se como um grupo que se preocupava em estudar os mesmos assuntos. Consideravam uma necessidade e, ao mesmo tempo, um privilégio poderem ser incluídos em tais associações. Terá sido por isso que, no já referido diálogo "Protágoras", não conseguiu esperar pelo romper do dia e foi, com grande entusiasmo, ter com Sócrates, que ainda estava deitado, para o ajudar naquele propósito (Pinheiro, 1999: pág.77).

Relativamente à questão do pagamento podemos dizer que, ao contrário dos professores de música, de leitura e de gramática que eram extremamente mal pagos e muito mal qualificados, os sofistas aperfeiçoavam as suas técnicas e, conscientes da sua importância e do que ensinavam, cobravam bastante dinheiro.

É óbvio que os preços variavam de sofista para sofista. Consta que Protágoras pedia a considerável quantia de 10 000 dracmas. No século seguinte os preços tendem a baixar (Isócrates não pediu mais que 1000 dracmas!). Uma questão interessante e bastante polémica diz respeito, precisamente, à verba total que os sofistas conseguiam angariar. Parece que Górgias e Pródico
conseguiram juntar bastante dinheiro, tal como Hípias e Protágoras. 
      No entanto,garante que:

"Apesar de tudo, não parece que estes que são conhecidos como sendo sofistas tenham acumulado muito dinheiro, uma vez que alguns viviam na pobreza e outros em circunstâncias moderadas. O homem que conseguiu juntar mais dinheiro foi Górgias. Passou a maior parte do tempo com os ricos que lhe dão dinheiro, mas não casou nem teve filhos... ainda assim, quando morreu, deixou 20 000 dracmas." (cit. In Kerferd, 1981: pág.26).

 , pelo contrário, realçou a riqueza auferida pelos sofistas dizendo, por exemplo, que terá ganho mais dinheiro que Fídias e mais dez outros escultores juntos.

       O facto dos sofistas cobrarem dinheiro pelos seus serviços despoletou críticas por parte de variadas personalidades tais como Sócrates e Aristóteles.

    Sócrates, no "Protágoras", descreve os sofistas como sendo vendedores de bens que sustentam a alma e sugere razões pelas quais um jovem devia hesitar antes de procurar os serviços daqueles:

 


   "... aqueles que levam a ciência de cidade em cidade, vendendo-a a retalho, elogiam sempre ao interessado tudo quanto vendem, mas talvez, meu caro, desconheçam o que é que desses artigos que vendem é bom ou mau para a alma..."

Protágoras, Pinheiro (1999): pág.82

     

  Aristóteles descreve os sofistas como sendo aqueles que fazem dinheiro através de uma "virtude" aparente mas irreal.

      Como podemos verificar a contradição é nítida, pelo que resta-nos dizer sobre este assunto que não há um consenso em que possamos confiar com toda a convicção.
Os Métodos de Ensino

      "Em salas particulares, na rua ou no ginásio, os sofistas reuniam o conjunto de estudantes, transmitiam o conhecimento e davam a preparação retórica desejada" (Monroe, 1979: pág.56).

 De que forma é que os sofistas transmitiam os conhecimentos?
Quais os métodos a que os sofistas recorriam para cumprir a sua função?

 Em primeiro lugar, os sofistas podiam iniciar a sua aula através de uma leitura sobre um determinado tema, que iria ser utilizado como ponto de apoio para o desenvolvimento do resto da aula. Alguns eram apenas meros exercícios de retórica sobre um assunto mítico, como "Helena" e "Palamedes", de Górgias, que sobreviveram até aos nossos dias.

      Em segundo lugar, os discursos constituíam um recurso bastante utilizado. Por exemplo, as "Tetralogias" de Antífon, faz um conjunto de quatro discursos, incluindo a versão do acusador, do acusado e comentários aos mesmos. Nos tópicos abordados, incluem-se situações directamente relacionadas com a lei e o ideal de justiça, por exemplo, a questão da atribuição da culpa quando um rapaz, espectador num ginásio, é ferido por um touro. É evidente que discursos deste tipo eram utilizados com o objectivo de treinarem os jovens na argumentação, incentivando o seu estudo e imitação.

      Em terceiro lugar, refira-se a utilização de dois métodos de exposição bastante usados: o método breve e o método longo ou expositivo. Relativamente ao primeiro, processava-se habitualmente através de perguntas e respostas. Consistia num verdadeiro diálogo entre o sofista e os seus alunos. No entanto, o segundo método era o preferido. Através dos longos discursos, os sofistas eram mais facilmente capazes de impor as suas ideias. Com o referido método, torna-se muito mais difícil seguir as ideias do orador e aperceber a totalidade dos pormenores.

Este foi um dos pontos mais impiedosamente censurados. Tanto Sócrates como Platão e Aristóteles criticaram de forma violenta a acção dos sofistas por tentarem enganar o auditório utilizando discursos longos e floreios de linguagem, ou seja, por navegarem de "vela desfraldada, ao sabor do vento" (Pinheiro, 1999: pág.113).

      A crítica ao discurso longo é eloquentemente feita na seguinte fala de Sócrates, presente no diálogo platónico "Protágoras":


"Ó Protágoras, acontece que eu sou um homem esquecido e quando alguém fala comigo demoradamente, esqueço qual era o conteúdo do discurso. É como se me acontecesse ser surdo; nesse caso ias achar necessário, se realmente estivesses disposto a dialogar comigo, falar bem mais alto do que com os outros. Do mesmo modo, agora estás a lidar com alguém esquecido, encurta as tuas respostas e torna-as mais breves, se queres que eu possa acompanhar-te".

Protágoras, Pinheiro (1999): pág.109

      Ao que responde com orgulho e consciente da sua importância:


"Ó Sócrates, eu já travei combates verbais com muitos outros homens, e se tivesse feito o que tu mandas, discutir assim, da maneira que o meu antagonista me mandasse discutir, nem seria melhor que ninguém, nem o nome de Protágoras se teria tornado conhecido entre os Helenos".

Protágoras, Pinheiro (1999): pág.110

      Nesta pequena passagem podemos observar como é que era encarado o discurso longo por parte de alguns e a forma como o sofista se protegia da crítica... pois tudo era feito conforme ele quisesse uma vez que era ele o afamado, o importante, o homem que dita as "regras do jogo". Esta é uma atitude bastante notória nos sofistas... 

      Para além dos métodos que aqui destacámos, é de referir que os sofistas foram dos primeiros a preocuparem-se com o registo e com a escrita dos seus conhecimentos. No entanto, dos poucos livros que alguns se dedicaram a escrever, muitos se perderam e não resistiram ao ódio que os sofistas enfrentaram, tendo sido queimados ou destruídos pelos críticos ou pela multidão enfurecida. A título de curiosidade, refira-se a possível existência de um livro de um sofista anónimo, intitulado "Discursos Duplos", que ilustrava bem o espírito sofístico. Tratava-se de um livro que continha, em duas colunas paralelas, para cada tese, os argumentos destinados a provar que essa tese era verdadeira e os argumentos que visavam provar o contrário.
 

Epideixes

Os sofistas não encontraram uma clientela já pronta para os receber. Tiveram que a cortejar, persuadir o público sobre a importância dos seus serviços. Isto pressupõe, como não podia deixar de ser, a utilização de meios para chamar a atenção das pessoas e o recurso a métodos que, actualmente, se situam no campo da publicidade.
Para se fazerem conhecer, para manifestarem a excelência do seu ensino e darem mostras da sua habilidade, os sofistas ofereciam uma exibição pública, chamada de epideixes. Esta podia acontecer em vários locais e é óbvio que os sofistas os escolhiam consoante a concentração de pessoas neles existente, uma vez que pretendiam, através da epideixes, dar-se a conhecer e cativar o maior número de alunos possível. Em geral dirigiam-se ao Ágora e aos ginásios.

      Além disso, procuravam estar presentes nas várias celebrações festivas, excelente ocasião para se darem a conhecer e para porem à prova a sua competitividade. De facto, tinham nas festas óptimas oportunidades para entrar em confronto, procurando ganhar prémios como os poetas anteriormente haviam feito. Como Protágoras dizia "qualquer discussão era uma batalha verbal entre os intervenientes, em que um sai vencedor e o outro vencido" (Kerferd, 1981: pág.29).

Os sofistas eram também facilmente encontrados em campeonatos desportivos. Parece que fez várias exposições públicas nos Jogos Pan-Helénicos, em Olímpia, durante as quais se oferecia para falar de qualquer assunto de uma determinada lista preparada para o efeito e respondia a eventuais questões. Górgias discursou sobre variados assuntos no Teatro de Atenas, em Olímpia e em Delfos, durante os jogos.

      Mas não é tudo... 
      As epideixes podiam ter ainda lugar em casas privadas, como o que aconteceu na casa de Cálias, no diálogo platónico "Protágoras".
 

Quais as formas que a epideixes podia tomar?
Uma epideixes era, inicialmente, uma simples leitura. Protágoras terá sido o primeiro sofista a introduzir os debates e conferências como forma de epideixes.

      Essas conferências podiam ser públicas, podiam ser reservadas a uma escol e, portanto, já serem pagas, podiam ser simples palestras de propaganda, o que custava apenas 1 dracma, ou podiam ser lições técnicas.

      A epideixes podia basear-se num vivo confronto entre o sofista e o auditório, em que estes faziam perguntas a que o sofista procurava dar resposta. Em alternativa a este método, a epideixes podia apenas consistir num eloquente discurso proferido pelo sofista sobre um tema que havia preparado ou sobre um texto escrito. Estas declamações podiam ser meros exercícios de retórica, cujo principal objectivo era mostrar como o caso menos promissor também podia ser defendido.

      De uma maneira geral, o que os sofistas pretendiam com as epideixes era encantar e impressionar a multidão.
      Face a este propósito, um aspecto que os sofistas também não esqueciam era o seu traje e o seu porte. Não podemos desprezar o facto, como refere Marrou (1966: pág.87) de estarmos na Grécia e na Antiguidade, pelo que, para impressionar um auditório, o sofista não hesita em pretender a omnisciência e a infalibilidade.

      Como tal, "apresenta um tom doutoral, um comportamento solene ou inspirado, pronuncia as suas sentenças do alto de um trono elevado, revestindo mesmo, às vezes, parece, o costume pomposo do rapsodo no seu grande manto de púrpura" (Marrou, 1966: pág.87). De facto, alguns sofistas, tais como  e Górgias, confeccionavam os seus próprios fatos, tal era a importância que atribuíam ao seu aspecto.
 

Período Sistemático

O segundo período da história do pensamento grego é o chamado período sistemático. Com efeito, nesse período realiza-se a sua grande e lógica sistematização, culminando em Aristóteles, através de  e Platão , que fixam o conceito de ciência e de inteligível, e através também da precedente crise cética da sofística. O interesse dos filósofos gira, de preferência, não em torno da natureza, mas em torno do homem e do espírito; da metafísica passa-se à gnosiologia e à moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de antropológico, pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior.

 

Esse período esplêndido do pensamento grego - depois do qual começa a decadência - teve duração bastante curta. Abraça, substancialmente, o século IV a.C., e compreende um número relativamente pequeno de grandes pensadores: os sofistas e Sócrates, daí derivando as chamadas escolhas socráticas menores, sendo principais a cínica e a cirenaica, precursoras, respectivamente, do estoicismo e do epicurismo do período seguinte; Platão e Aristóteles, deles procedendo a Academia e o , que sobreviverão também no período seguinte e além ainda, especialmente a Academia por motivos éticos e religiosos, e em seus desenvolvimentos neoplatônicos em especial - apesar de o aristotelismo ter superado logicamente o platonismo.

 

A Sofística

Após as grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império persa, houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as vezes que o povo sente, de repente, a sua força. E visto que o domínio pessoal, em tal regime, depende da capacidade de conquistar o povo pela persuasão, compreende-se a importância que, em situação semelhante, devia ter a oratória e, por conseguinte, os mestres de eloqüência. Os sofistas, sequiosos de conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloqüência, de retórica, ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de consegui-lo. Diversamente dos filósofos gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era ideal, desinteressado, mas sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino abraçava todo o saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como meio para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.

 

A época de ouro da sofística foi - pode-se dizer - a segunda metade do século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles, capital democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando até depois de Sócrates, embora sem importância filosófica. Protágoras foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística.

 

Moral, Direito e Religião

Em coerência com o ceticismo teórico, destruidor da ciência, a sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Como é verdadeiro o que tal ao sentido, assim é bem o que satisfaz ao sentimento, ao impulso, à paixão de cada um em cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem o hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única regra de conduta é o interesse particular. Górgias declara plena indiferença para com todo moralismo: ensina ele a seus discípulos unicamente a arte de vencer os adversários; que a causa seja justa ou não, não lhe interessa. A moral, portanto, - como norma universal de conduta - é concebida pelos sofistas não como lei racional do agir humano, isto é, como a lei que potencia profundamente a natureza humana, mas como um empecilho que incomoda o homem.

 

Desta maneira, os sofistas estabelecem uma oposição especial entre natureza e lei, quer política, quer moral, considerando a lei como fruto arbitrário, interessado, mortificador, uma pura convenção, e entendendo por natureza, não a natureza humana racional, mas a natureza humana sensível, animal, instintiva. E tentam criticar a vaidade desta lei, na verdade tão mutável conforme os tempos e os lugares, bem como a sua utilidade comumente celebrada: não é verdade - dizem - que a submissão à lei torne os homens felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm freqüentemente conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência ensina que para triunfar no mundo, não é mister justiça e retidão, mas prudência e habilidade.

 

Então a realização da humanidade perfeita, segundo o ideal dos sofistas, não está na ação ética e ascética, no domínio de si mesmo, na justiça para com os outros, mas no engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos homens. Esse domínio violento é necessário para possuir e gozar os bens terrenos, visto estes bens serem limitados e ambicionados por outros homens. É esta, aliás, a única forma de vida social possível num mundo em que estão em jogo unicamente forças brutas, materiais. Seria, portanto, um prejuízo a igualdade moral entre os fortes e os fracos, pois a verdadeira justiça conforme à natureza material, exige que o forte, o poderoso, oprima o fraco em seu proveito.

 

Quanto ao direito e à religião, a posição da sofística é extremista também, naturalmente, como na gnosiologia e na moral. A sofística move uma justa crítica, contra o direito positivo, muitas vezes arbitrário, contingente, tirânico, em nome do direito natural. Mas este direito natural - bem como a moral natural - segundo os sofistas, não é o direito fundado sobre a natureza racional do homem, e sim sobre a sua natureza animal, instintiva, passional. Então, o direito natural é o direito do mais poderoso, pois em uma sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas, a força e a violência podem ser o único elemento organizador, o único sistema jurídico admissível.

A respeito da religião e da divindade, os sofistas não só trilham a mesma senda dos filósofos racionalistas gregos do período precedente e posterior, mas - de harmonia com o ceticismo deles - chegam até o extremo, até o ateísmo, pelo menos praticamente. Os sofistas, pois, servem-se da injustiça e do muito mal que existe no mundo, para negar que o mundo seja governado por uma providência divina.

 

Protágoras 

Protágoras nasceu por volta de 492 a.C. em Abdera e parece ter sido discípulo de Demócrito. Existe uma história acerca de Protágoras que diz que seu pai, Meândrios, sendo muito rico, recebeu em sua casa o rei Xerxes, o qual, para lhe agradecer, ordenou aos magos que ministrassem ao jovem Protágoras o ensino, que de um modo geral, era reservado aos Persas.

 

     Na realidade, pensa-se que a família de Protágoras seria de condição modesta e, ele próprio, teria começado por exercer um trabalho manual. Sobre este seu primeiro trabalho existe um referência na obra da juventude de Aristóteles, "Sobre a Educação". Nesse trabalho, Protágoras teria inventado a tulé (colchão ou esteira sobre a qual se transportavam os fardos) e a embalagem de cargas (método de encaixar os ramos de tal modo que um molho se segurava sozinho sem laço exterior). Achado de natureza mais geométrica do que mecânica. 

      Esta origem social de Protágoras explica as suas opiniões democráticas. Grande amigo do líder da democracia ateniense, Péricles, foram este e o regime democrático ateniense que escolheram, em 444 a.C., Protágoras para elaborar a Constituição de Thurii.

      Foi alvo de uma acusação por professar o agnosticismo. Como resultado, foi convidado a deixar Atenas e as suas obras foram queimadas na praça pública. Protágoras foi o fundador do movimento sofistico. Inaugurou as lições públicas pagas e estabeleceu a avaliação dos seus honorários. Pretende com o seu ensino formar futuros cidadãos e por isso reivindica o título de sofista.

      Morreu por volta de 422 a.C., com 62 anos, deixando uma influência profunda em toda a cultura grega posterior. A sua influência manifesta-se também na filosofia moderna.

      As duas grandes obras de Protágoras são: "As Antilogias" e "A Verdade", esta última veio a ser conhecida mais tarde por "Grande Tratado". A doutrina de Protágoras abrange, pelo menos, três momentos que consistem, primeiro na produção d' "As Antilogias", depois na descoberta do homem-medida e, finalmente, na elaboração do discurso forte. O primeiro deles é um momento negativo e os dois seguintes são construtivos.
 

As Antilogias

      Protágoras foi o primeiro a defender, em "As Antilogias", que a respeito de todas as questões há dois discursos, coerentes em si mesmos mas que se contradizem um ao outro. Divisão polémica uma vez que Protágoras não apresenta nenhuma razão suficiente para que sejam só dois e não uma pluralidade de discursos possíveis.

      O pensamento protagórico da antilogia relaciona-se com o pensamento de Heraclito que vê o real como algo de contraditório e que afirma a imanência recíproca dos contrários. Contudo, entre Heraclito e Protágoras há uma diferença no modo de expressão da contradição. Enquanto Heraclito, pela supressão do verbo ser, mostra no próprio enunciado a contradição interna da realidade, Protágoras divide a contradição numa antilogia.

      O plano d' "As Antilogias" é-nos relatado numa passagem do Sofista de Platão. Desse plano fazem parte dois domínios: o do invisível e do visível. Po um lado, o domínio do invisível coloca o problema do divino. Daqui resulta o agnosticismo de Protágoras, ou seja, o ponto neutro entre dois discursos opostos que, a propósito dos deuses, se confrontam, o da crença e o da descrença. Este agnosticismo prepara e permite o momento seguinte: a afirmação do homem-medida. Por outro lado, no domínio do visível colocam-se vários problemas: o da cosmologia, onde Protágoras estudava a terra e o céu; o da ontologia, onde examinava o devir e o ser; o da política, onde expunha as diferentes legislações; e, finalmente, o da arte e das artes.
 

O homem-medida

      Os momentos construtivos da doutrina de Protágoras pertencem à sua obra "A Verdade", nomeadamente, o homem-medida. "As Antilogias" mostraram uma natureza instável e indecisa, desempenhando sempre um duplo papel. O homem surge como uma medida que vai travar este movimento de balança, decidir um sentido. É por isso que o escrito sobre "A Verdade" começa pela célebre frase:

      "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são."

      Esta frase continua enigmática. Note-se que, Protágoras utiliza para designar a "coisa" de que o homem é medida o termo chrema, e não o termo pragma. Sendo que o primeiro significa uma coisa de que nos servimos, uma coisa útil. Depois, surgem algumas questões em redor da tradução do termo métron. Este é tradicionalmente traduzido por "medida", com o sentido de "critério", mas há quem rejeite este sentido e lhe atribua o sentido de "domínio", que deriva da etimologia do termo.

      Outro dos problemas que rodeia esta expressão diz respeito à extensão a dar à palavra "homem". O Antigos entenderam a palavra "homem" como designando o homem singular, o indivíduo com as suas particularidades específicas. Contudo, no século XIX entendeu-se a palavra "homem" como significando a humanidade. Mas, Hegel pensa que esta distinção de sentidos não tinha sido feita por Protágoras.
 

O discurso forte

      Cada indivíduo é, certamente, a medida de todas as coisas, mas muito fraca se permanece só com a sua opinião. O discurso não partilhado constitui o discurso fraco, mal chega a ser discurso, porque a comunicação supõe algo de comum. Pelo contrário, quando um discurso pessoal encontra a adesão de outros discursos pessoais, este discurso reforça-se com o dos outros e torna-se um discurso forte.
      A teoria do discurso forte de Protágoras parece estar em estreita relação com a prática política da democracia ateniense, existindo vários indícios que para tal apontam. O primeiro deles era o que Protágoras dizia, segundo Platão, acerca do Bem. Para ele o Bem não podia existir só e único, mas sim com facetas, disperso, multicolor.
      Um outro indício encontra-se no "Protágoras" de Platão, onde Protágoras mostra que a lei da cidade se aplica a todos, tanto aos que mandam como aos apenas que obedecem. O terceiro indício está presente no mito de Epimeteu e de Prometeu, no qual Protágoras estabelece a diferença entre a arte política e as restantes, sendo estas últimas apenas da competência dos especialistas. Dizia Protágoras que, Hermes, por conselho de Zeus, havia distribuído entre todos os homens a virtude política, cujas duas competências são a justiça e o respeito. Como tal nas cidades democráticas, para os problemas técnicos apenas se admitia a opinião dos especialistas, para os problemas democráticos todo o homem se podia pronunciar. O que constitui mais uma das características da democracia.

      Se cada um é capaz de possuir a virtude política, isso significa que na cidade se pode constituir um discurso unânime ou, pelo menos, maioritário, que constitui o discurso forte. O discurso forte tem como fundamento a experiência política. Esta experiência é a da democracia, na qual não se pesam as vozes, contam-se. Portanto, a constituição do discurso forte é uma tarefa essencialmente colectiva.

      A virtude política será, então, um conjunto de conhecimentos possuídos por todos os cidadãos permitindo-lhes encontrar-se numa plataforma comum. Compreende-se deste modo que Protágoras tenha dedicado a sua existência à educação do cidadão e que para ele toda a educação seja educação política. É que a Paideia tem como resultado substituir os desvios particulares por um modelo cultural consistente, que insere os indivíduos no espaço e no tempo.
      Isto não significa que Protágoras defendesse a igualdade de opiniões e de saberes em todos os indivíduos. Os homens melhores sabem propor aos outros discursos capazes de captar a sua adesão. Torna-se, nesse caso, o discurso de um só homem, um discurso forte.

      Assim, se para medir o discurso forte se contam mais as vozes que o seu peso, não é menos verdade que certas vozes pesam mais que outras pois são capazes de juntar as outras à sua volta. A teoria do discurso forte de Protágoras parece então apresentar uma inspiração política que é a da democracia, tal como Atenas a conheceu na época brilhante de Péricles.
 

Natureza da Verdade

      Vejamos agora duas interpretações, de Hegel e de Nietzche, da filosofia de Protágoras, nomeadamente, da sua concepção da verdade.
      Segundo Hegel, o que caracteriza a descoberta do poder da subjectividade é a verdade das coisas que se encontra mais no homem do que nas coisas.

      O princípio fundamental da filosofia de Protágoras é a afirmação de que todo o objecto é determinado pela consciência que o percepciona e pensa. O ser não está em si, mas existe pela apreensão do pensamento. Contudo, há um tema no pensamento de Protágoras que a interpretação hegeliana não considerou que é o do valor mais ou menos grande do aparecer, segundo o seu grau de utilidade. Este tema era essencial para Protágoras, uma vez que segundo ele o sábio saberia nos seus discursos substituir um aparecer sem valor e sem utilidade por outro melhor.

      Nietzsche apresenta um pragmatismo que parece ter como fonte o pensamento de Protágoras. Para ele, a obra do homem superior é criar o valor, que não existe como um dado natural. O homem vive num mundo de valores.

      O tema do útil é central no pensamento de Protágoras. Para este útil é o critério que hierarquiza os diferentes valores e faz com que um valor seja preferível a outro.

      A proximidade existente entre Nietzsche e Protágoras é sugerida pelo próprio Nietzsche, uma vez que este encara o pensamento como fixação de valores e o valor como expressão do útil, e ao mesmo tempo caracteriza o homem como o ser que, por excelência, mede. Apesar disto, existe uma diferença entre ambos. Por um lado, Nietzsche interpreta esta verdade-útil como erro-útil e opõe-lhe uma verdade verdadeira. Por outro lado, Protágoras chama verdade à avaliação segundo a utilidade dada pelo homem. Ideias incompatíveis se concebermos a verdade absoluta. Protágoras nega a verdade absoluta, uma vez que o universal não é dado, há que fazê-lo pelo homem.

 

Górgias

 A vida e as obras

      Górgias nasceu na Sicília, em Leontinos, entre 485 e 480 a.C.. Em 427 a.C., quando Leontinos foi ameaçada por Siracusa, foi encarregado de conduzir a Atenas uma missão a pedir socorro. Górgias, defende a causa da sua pátria perante a Assembleia do Povo, em Atenas, onde alcança um grande sucesso pela sua eloquência.

O seu estilo é tão pessoal que os gregos criarão o termo "gorgianizar" para designar "falar à maneira de Górgias". Com o seu estilo, Górgias conquista para o seu ensino vários atenienses de alta estirpe e percorre toda a Grécia sem se fixar. Na Tessália ensinou Isócrates, que veio a fundar em Atenas uma escola rival da Academi. Parece ter ficado celibatário e ter passado o fim da sua vida na Tessália, onde morre mais que centenário.

      A sua audiência e celebridade era tão grande na Grécia que lhe ergueram uma estátua de ouro maciço em Olímpia. Foi, sem dúvida, devido à sua imensa fama que os fragmentos existentes de Górgias são os mais numerosos e completos de todos os sofistas. Existem até certas obras em extenso, como é o caso d' "O Elogio de Helena" e d' "A Defesa de Palamedes".

      As obras de Górgias podem distribuir-se em três grandes grupos. O primeiro compreende os textos de tom essencialmente filosófico, como é o caso de "Sobre o Não-Ser ou Sobre a Natureza", "O Elogio de Helena" e "A Defesa de Palamedes". Os textos do segundo grupo testemunham sobretudo a preocupação pela eloquência e dele constam: "A Oração Fúnebre", "O Discurso Olímpico", "O Elogio dos Elisinos" e "O Elogio de Aquiles". O terceiro grupo de escritos está relacionado com a técnica retórica e compreende "A Arte Oratória" e "O Onosmástico".
 

A autodestruição da ontologia

      O Tratado do Não-Ser organiza-se em três teses: nada existe; mesmo se o ser existisse, então seria incognoscível; e se fosse cognoscível, então este conhecimento do ser seria incomunicável a outrem.
      Para Górgias as coisas não são mais do que não são. Ainda que o ser existisse, não podia ser nem gerado, nem não gerado. Mas, mesmo se um tal ser existisse, as coisas seriam incognoscíveis, pelo menos para nós. As coisas que vemos e ouvimos existem porque são representadas. Ora, pode representar-se o que não existe. Portanto, a representação do ser não nos proporciona o ser e o conhecimento é impossível.
Contudo, tomamos conhecimento pela percepção e comunicamo-lo pela linguagem. Mas a linguagem não transmite a experiência pela qual o real se nos dá. Este é incomunicável, porque as coisas não são discursos.
 

A poesia da ilusão

      Das ruínas da ontologia, Górgias deduziu um pensamento não ontológico ou antimetafísico, onde reabilitava as aparências e afirmava a identidade entre o real e a manifestação.
Se a aparência é modificável, o ser também o será. Isto nada tem de escandaloso já que, a realidade é contraditória e o princípio de identidade origina apenas uma ontologia que se contradiz a si própria. De facto, Górgias tinha uma concepção trágica da realidade. Ele tinha o sentimento profundo de que a linguagem não evoca senão a aparência, mas que esta aparência é legítima, do que é exemplo "O Elogio de Helena".

      Para Górgias, o real está dilacerado pelas contradições, o mundo humano exige uma tomada de posição e este mundo humano está por fazer. Seria através da poesia, nomeadamente da arte, que esta tomada de posição seria efectuada. Portanto, o papel da poesia seria criar a ilusão, mas uma ilusão desejável e boa. Só esta criaria a coerência mental a que Górgias chama justiça e sabedoria.

      A arte do sofista, isto é, do homem sábio, era, segundo Górgias, uma "ilusão justificada". O discurso sofístico, ainda que expresso em prosa, faria parte da poesia e a ilusão justificada seria tanto mais justificada quanto mais partilhada fosse pelos ouvintes.
      A ilusão justificada é, principalmente, fruto da linguagem poética, que age no ouvinte de modo a sugestioná-lo. O problema central dos poderes da linguagem vai desembocar no estudo da receptividade da alma para a musicalidade das palavras. A este estudo os antigos chamaram-lhe "psicagogia", arte de levar a alma, pela persuasão, até onde se quiser levar.
 

A psicagogia

       Para Górgias, a alma é essencialmente passiva, completamente entregue ao que recebe de fora. A primeira forma desta passividade é a percepção sensível, que é vista como o transporte para a alma de uma impressão ou de uma imagem das coisas que a alma experimenta. A segunda forma de passividade da alma é a sua abertura à linguagem. Contudo, para que a alma seja sempre receptiva à linguagem é, por vezes, necessário recorrer à persuasão.

      O discurso isolado nada pode sem o esforço da persuasão, que age não só sobre os sentidos mas também sobre a alma. Persuadir consiste em criar uma recepção psíquica dos ouvintes aos argumentos, dando-lhes peso.       Segundo Górgias, a natureza profunda desta persuasão é poética, é a palavra ritmada. Atento a isto, Górgias inventou figuras de estilo que marcam o ritmo. Lembre-se que Górgias é originário da Grande Grécia e sofreu, precisamente, influência pitagórica, seita esta que estudou os efeitos da música. O próprio vocabulário usado para significar a acção da palavra persuasiva remete-nos para as práticas da magia.
      A persuasão do discurso age por feitiço. O sofista é o feiticeiro. Também o discurso de Górgias age como magia, uma vez que este se serve nele da linguagem.
  

O tempo como momento oportuno

      O pensamento de que o tempo não é um meio homogéneo e indiferente, mas que apresenta ocasiões favoráveis para a acção que vem a propósito, é um sentimento que já estava presente no helenismo antes de Górgias. Contudo, é este o primeiro a escrever sobre o kairós. Górgias concebia um tempo essencialmente descontínuo, feito de a-propósitos e de contratempos, que não se deixam perspectivar.
      A realidade é contraditória e a poesia da ilusão poupa o homem ao sofrimento, privilegiando um dos contrários por uma tomada de posição unilateral. A escolha por um dos contrários não é arbitrária e gratuita, exige sabedoria e sentido de justiça. Foi o primeiro pensador de uma temporalidade prática e estava preparado para formar os homens políticos, os futuros governantes, uma vez que a política é uma ciência sem princípios definidos. O kairós tem, sem dúvida, valor político na medida em que é retórico e a retórica é na democracia ateniense um instrumento de poder. O kairós também intervém na formação dos chefes militares, mas é na vida ética que o seu conhecimento é essencial.

      O ideal da arte do kairós é tornar a vida moral praticável. Mas o kairós não significa apenas o momento favorável na vida prática e a arte de o colher, ele decide da natureza do tempo e concebe-o. O que exclui a valorização da duração, do longo prazo, da eternidade, conceitos combatidos por Górgias. A coerência das concepções de Górgias não permitem pensar que este se tivesse simplesmente entregue às diversões retóricas sem outra consequência que a de demonstrar o seu talento oratório. Lógico implacável, excelente artista e pensador profundo, Górgias, como testemunha a abundância dos seus fragmentos, exerceu nos seus sucessores uma profunda influência.

  

Hípias

  

A vida e as obras

      Hípias nasceu em Élis, cidade próxima de Olímpia, numa data certamente posterior a 433 a.C.. O ano de 343 a.C. terá sido o da sua morte, relacionada com a guerra que os exilados democratas elisinos fizeram aos oligarcas que detinham o poder de Elis. Iniciou-se nos ofícios manuais, nomeadamente com trabalhos de tecelão e de sapateiro.
      Hípias tinha uma actividade dupla de homem político e de mestre. O seu talento oratório e a sua destreza levaram-no a ser escolhido como embaixador da sua cidade natal. Percorreu toda a Grécia e suas colónias e visitou os ditos povos bárbaros, cuja língua parece ter aprendido. Foi casado com uma mulher chamada Platané e teve três filhos.

      Pouca coisa restou dos numerosos escritos de Hípias. Contudo, as suas obras podem dividir-se em três categorias: os discursos de circunstância, as obras eruditas, e as obras poéticas. Entre as epideixeis, sabemos da existência do "Diálogo Troiano". Entre as obras eruditas conhece-se os "Nomes dos Povos", a "Lista dos Vencedores nos Jogos Olímpicos" e a "Colecção". Finalmente, entre outros escritos poéticos encontra-se as "Elegias". Existem outras obras que lhe são atribuídas, entre as quais o "Anónimo de Jâmblico", que já faz parte da colecção dos textos sofísticos.
  

Natureza e totalidade

      Os sofistas em geral apoiaram-se muitas vezes nos antigos fisiólogos, nomeadamente Hípias, exaltando a natureza face ao nomos.
      Hípias concebia a natureza como uma totalidade, considerando-a composta de coisas distintas, mas exigindo uma atenção especial à continuidade que as une. Portanto, a totalidade natural não é uma totalidade monolítica, pelo contrário, o universo é composto por seres múltiplos particularizados e qualificados a que chama coisas. Estas coisas existem independentemente do conhecimento que o homem delas adquire e da expressão linguística que lhes dá. A afirmação da continuidade natural parecem explicar as investigações matemáticas de Hípias quanto à rectificação do círculo, isto é, da invenção da quadratiz. A realidade será contínua se não há vazio no universo. Para isso, o universo, que é esférico, deve conter em si volumes com arestas rectilíneas, enchendo estas totalmente a esfera. Isto implica a possibilidade de passar de um volume cúbico a um volume esférico, problema que se reduz, em geometria plana, ao da quadratura do círculo.

      A intuição do grande todo que vibra em uníssono explica também a rejeição, por Hípias, de toda a forma de separatismo e, principalmente, da cisão entre o ser concreto e a essência.
      Finalmente, a intuição da continuidade dos seres exprimida pela adopção do grande princípio de Empedocles (homoiosis). A semelhança une os seres e sutura o universo. O conhecimento, intelectual ou sensível, é um encontro, porque só o universo contínuo se pode dar a conhecer. Portanto, o verdadeiro saber será à imagem e semelhança do cosmos, um todo.

      O sofista anuncia, em todos estes aspectos, Leibniz. Enquanto filómato e pluri-especialista, seria o intelectual ideal para a ciência moderna na busca de interdisciplinaridade.
      O conhecimento, para Hípias, decalca-se adequadamente pela estrutura da realidade. E deste modo, Hípias restaura um realismo ontológico e um optimismo epistemológico que, sem razão, se recusa muitas vezes à sofística. A racionalidade reencontra em Hípias um fundamento.
  

Natureza e lei

      A antropologia de Hípias está no prolongamento directo da sua teoria da natureza. Estabelece uma oposição entre a natureza (physis) e a lei (nomos), em benefício da primeira, sendo a lei positiva duramente posta em causa. O facto de Hípias ter constatado que o nomos é incapaz de instaurar uma verdadeira justiça é, antes de mais, a expressão da violenta crise que abalou a sociedade grega no fim do século V a.C. e princípios do IV a.C..

      Também Hípias via a lei como um disfarce para o poder. Aliás, sabemos que ele foi um dos criadores da etnologia e, como embaixador e professor itinerante, contactou com múltiplas legislações positivas e verificou os desacordos e as contradições. Ninguém melhor do que ele poderia ter a sensação da relatividade daquilo que as diferentes culturas chamam "justo" e " bom". É por isso que Hípias destrona o nomos e chama à lei "o tirano dos homens". Para Hípias a lei tiraniza a natureza. Para ele a natureza desempenha o papel de uma norma moral universal, que ultrapassa o particularismo do nomos. Hípias serve-se disto para explicar a existência de uma benevolência espontânea do homem pelo seu semelhante. A natureza cria uma socialidade que precisamente a sociedade destrói. Só a natureza humana que pode fundar uma sociedade boa. A justiça é vista por ele como obra do direito natural. A invocação da natureza pretende ter como resultado a exigência da igualdade.

      Pode-se dizer que Hípias foi favorável à democracia e quer-se reformador desta, se o cosmopolitismo é movido por esta ideia que o grupo humano deve integrar e não excluir. Com efeito, protestou contra o seu sistema de acesso às magistraturas, que podia dar, temporariamente, o poder a incompetentes. O intelectualismo de Hípias inclina-se a favor da democracia esclarecida. Enquanto homem universal aberto a todas as técnicas, Hípias prova que a posse de ofícios particulares não prejudica necessariamente os conhecimentos intelectuais gerais.

      Para concluir, vemos que Hípias não era de modo algum o faz-tudo superficial que, por vezes, se julgou ver nele. Possuidor de um espírito aberto e sistemático, construiu uma doutrina de que infelizmente só podemos entrever, através de escassos fragmentos que nos foram legados, as amplas perspectivas e a originalidade.

 

 Pródico

  

A vida e as obras

 Pródico nasceu em Iulis, na ilha de Céos, ignorando-se a data do seu nascimento, embora se aponte para o período entre 470 e 460 a.C.. Sábio e hábil na arte de falar, foi enviado, pela sua terra natal, como embaixador a Atenas, onde foi apreciado pela Assembleia do Povo. Em  dá lições e torna-se conhecido. Além disso, como mestre percorre várias cidades gregas. Pródico talvez tenha sido discípulo de Protágoras e mestre de muitos sofistas, entre eles contam-se Isócrates e, por vezes, Sócrates.

      Quanto às obras de Pródico, não se sabe se os títulos de que nos falam os testemunhos antigos pertenceriam a escritos diferentes ou se seriam partes distintas de um único escrito. Contudo, a segunda hipótese é a mais comummente aceite. Portanto segundo esta hipótese, além das "Epideixeis", Pródico teria produzido uma grande obra, "As Estações", composta por uma secção intitulada Da Natureza. Esta secção dividia-se em duas partes, tratando uma Da Natureza do Homem. Obra que incluiria uma fábula sobre Héracles. O título desta grande obra de Pródico é enigmático, pois pode traduzir-se "Horai" por "As Horas", que eram em Céos as deusas da fecundidade, ou por "As Estações".
  

Teologia natural

      A grande obra de Pródico parece ter começado por um quadro da génese da civilização relacionada com uma reflexão sobre a natureza e a acção do divino que, em conformidade com o politeísmo, intervém constantemente nos empreendimentos do homem. Para Pródico, o desenvolvimento da civilização fazia-se por meio de tudo o que se relacionasse com a terra e com a agricultura.

      Pródico considerava como deuses os quatro elementos do universo, o sol e a lua. O divino podia, no sentimento religioso politeísta de Pródico, transformar-se na própria substância da vida de todos os dias do homem: no pão, no vinho, na água e no fogo. Pródico colocava-se, deste modo, na linha da religião grega, para a qual os deuses estavam estreitamente relacionados com os fenómenos naturais.

      Mas os deuses não se contentam com serem a natureza, querem também descobrir o que na natureza pode ser útil ao homem. Pródico fala, com efeito, dos "descobridores". As descobertas visariam a transformação do trigo em farinha, das uvas em vinho... O problema que se coloca nos escritos de Pródico é a identificação destes "descobridores". Coloca-se a questão de serem os homens que inventaram o que antes não existia e que o reconhecimento dos seus semelhantes diviniza a seguir ou de serem os que produziram tudo o que existe de útil para o homem na natureza.

      Pródico parece ter sido o primeiro a escrever uma filosofia da mitologia. Contudo, esta adquire um sentido particular da expressão, podendo ser considerada uma teologia natural.
  

A ética heróica

      A fábula sobre Héracles de Pródico é contada por Xenofonte, não nos seus termos exactos, mas no seu conteúdo. De seguida apresentamos o conteúdo global desta fábula e alguns dos temas tratados nela.
Héracles, na sua adolescência, retira-se para um lugar solitário para deliberar sobre a orientação que deve dar à sua vida. Aí surgiram duas mulheres exaltando cada qual um género de existência: um dedicado à procura da volúpia e outro dedicado à procura da excelência. A primeira via é atraente e fácil, a segunda exige um esforço contínuo em todos os domínios e é recompensada na terra por bens sólidos e duradouros. As duas vias estão orientadas para a felicidade, mas a primeira sob a forma do prazer sensível imediato, a segunda sob a forma de alegria racional.

      O tema principal desta obra é o confronto entre a Excelência (Areté) e a Maldade (Kakía) que coloca um jovem perante um problema de escolha, o que revela o despertar da individualidade naquela época. O homem já não observa cegamente as normas, compara os valores e decide, mediante uma vontade divina. Um outro tema de Héracles é o voluntarismo heróico. A excelência não é a aquisição fácil, mas sim a exaltação da dor e do esforço, necessárias para ultrapassar as provas impostas que conduzirão à felicidade. Um terceiro tema importante de Héracles é a determinação clara dos "géneros de vida". Pródico visa, antes de mais, uma formação para a vida prática.

      No parágrafo 30 do apólogo de Héracles, Pródico passa à condenação da homossexualidade, donde se pode deduzir que a homossexualidade não era uma prática geral na Grécia Antiga, mas mais uma característica da aristocracia. Também podemos concluir que existia um afastamento claro entre Pródico e os costumes e as tradições aristocráticas.

      Pródico reconheceu que os artistas e os servos têm parte na virtude, o que revela a amplitude do seu humanismo e as suas tendências políticas não oligárquicas. De facto, a preocupação política não estava ausente do ensino de Pródico, que definia o sofista como um intermediário entre o filósofo e o político. Como tal, dedicava-se à formação dos cidadãos que pretendiam participar activamente nos assuntos políticos.
 

Antífon

 A vida e as obras

      Antífon foi um adepto da democracia, que denunciou os preconceitos nobiliárquicos e exaltou o igualitarismo ao ponto de se opor à clivagem tradicional entre Gregos e Bárbaros. À parte disto, ignora-se quase tudo da sua vida, a não ser que era ateniense.

      A obra principal de Antífon é um tratado intitulado "Verdade", em dois livros. Atribui-se-lhe também "Sobre a Concórdia" e "Político". Além disso há que acrescentar uma obra particularmente interessante, de cariz psicológico, intitulada "Da Interpretação dos Sonhos". É de salientar que o carácter interpretativo dos sonhos de Antífon era já científico e racional.
  

As figuras e o seu fundo

      Antífon atribuía a superioridade ontológica, que seria decisiva para o destino da metafísica ocidental, à matéria, visto que esta constitui a essência e a natureza dos seres. Contudo, não lhe empregava este termo, mas um termo que parece ser-lhe exclusivo, que é: arrythmiston. O arrythmiston constitui a natureza profunda dos seres, a sua verdadeira realidade, e significa "livre de todo o ritmo (rhythmos)", "livre de estrutura" ou, ainda, "fundo". Por rhythmos podemos entender modelo, contorno, estrutura ou organização.

      A verdadeira realidade está livre de estrutura. É o que tentou provar a solução de Antífon da quadratura do círculo. A realização da rectificação da curva demonstra a possibilidade da passagem de uma forma geométrica a outra, sendo a sua verdadeira realidade a homogeneidade do espaço.

      O arrythmiston é positivo porque rejeita toda a particularidade, toda a determinação, pois esta é negação. O arrythmiston é "reserva" no duplo sentido do termo: o de reservatório onde nos abastecemos, mas também o contido na expressão "estar na reserva". O privado da estrutura é auto-suficiente, não confere nada, já que é a ele que tudo é concedido. Assim, fica eliminado o privilégio do acabado, andando a incompletude a par da suficiência. Portanto, pode dizer-se que o arrythmiston é a juventude da natureza. Com efeito, a auto-suficiência do "livre de estrutura" tem como consequência subtraí-lo ao tempo. O arrythmiston é estável e permanente, indestrutível e imortal. É por isso que o tempo não tem realidade senão para o indivíduo que é medido por ele, que o pensa, pois este indivíduo tem um nascimento e uma morte.

      O homem é um velador de dia e é também o ser de um dia. Antífon também recusava ao indivíduo a consolação dos eternos retornos. Para Antífon, aquilo que o substitui é verdadeiramente um outro e não um outro eu. O livre de estrutura fica sempre o mesmo, mas não adquire jamais uma máscara idêntica, nunca mais volta a repetir-se, o que seria uma maneira de ir ficando. A partir daqui, para o indivíduo, cada ponto do tempo é um ponto de não-retorno, e a atitude daqui resultante relativamente à vida é dupla.

      A vida é mesquinha, frágil e curta, em suma é quase nada. Mas, precisamente por ser quase nada, é preciosa. A vida não é nada, mas este nada é tudo. Portanto, não é preciso passar a vida a preparar outra vida que não existe e que nos tira o tempo da vida presente. Para Antífon, a verdadeira vida é a nossa. Somos irremediavelmente indivíduos, configurações passageiras que além-túmulo não conservam a sua forma própria e que, por consequência, nunca mais regressam. Esta seriedade da existência coloca o problema da felicidade no seio da cidade e da felicidade pessoal.
  

A lei contra a natureza

      Antífon considerava a felicidade do homem ameaçada pela lei (nomos), cuja única preocupação é reprimir os desejos da natureza. Para o demonstrar começou por denunciar a concepção tradicional que define justiça como a obediência às leis da cidade de que se é cidadão.

      O reino do nomos tem como consequência encorajar a hipocrisia e a dissimulação. Para Antífon a natureza representava a necessidade interna e a verdade e a lei representa a exterioridade acidental e convencional.
As determinações da natureza estão fundadas, daí a sua força, e as da lei não estão, donde resulta a sua fraqueza. O ser da lei é todo de opinião, portanto, não é nada, enquanto que o da natureza existe independentemente da ideia que se tenha dela, portanto, é verdade. Contudo, apesar desta desproporção de forças, a lei ousa opor-se à natureza, sendo o seu objectivo proibir, reprimir, fazer o mal. Mas este combate é, para a lei, um combate previamente perdido. É por isso que Antífon substitui os conceitos severos da ética heróica pelos mais alegres da nova moral: o útil, a vida, a liberdade e a alegria.

      Os preceitos da natureza era qualificados por Antífon como "necessários", relacionando-se agora com a liberdade. O paradoxo antifoniano consiste precisamente na ligação estreita que é estabelecida entre necessidade natural e liberdade. Para o homem, a liberdade é poder obedecer à physis, dizer sim à natureza, opor-se-lhe significa sofrer.

      Uma das grandes obras de Antífon intitulava-se "Da Concórdia". A concórdia tinha para Antífon um fundamento natural. A natureza constitui o terreno do necessário, ora a amizade é uma necessidade. Antífon viu que os membros de um grupo se imitam uns aos outros e que a semelhança que daí resulta é geradora da concórdia. O desejo da natureza é, portanto, o de um entendimento. Para evitar todo o desvio do indivíduo e toda a ruptura de harmonia social, Antífon pensava poder apoiar-se no conhecimento. Uma falta compreensão da natureza fecha os homens uns aos outros e impede-os de se entenderem. Há que espalhar, então, o saber por entre os homens a fim de realizar a concórdia.

      Ainda do ponto de vista de Antífon, todos os homens nascem iguais e não há que fazer discriminações entre nobres e plebeus, e mesmo entre Bárbaros e Helenos.
 

A interpretação dos sonhos e terapêutica dos desgostos

      Um empreendimento original de Antífon foi a "arte de eliminar o desgosto", que, por sua vez, se prende com o tema da concórdia, que significa também a "unidade de espírito da cada indivíduo consigo próprio". O que nos faz lembrar o freudismo. Pode-se ainda relacionar com a actividade onirocrítica de Antífon, isto é, de interpretar sonhos.
      Antífon viu toda a importância das causas psíquicas da doença. A psicologia de Antífon devia ser uma psicologia dinâmica, que concebe o homem como dividido entre forças internas que se confrontam e que ele deve equilibrar.
      Na Antiguidade, a mântica dividia-se em uma divinatio naturalis e uma divinatio artificiosa. A interpretação praticada por Antífon insere-se na segunda categoria, pois interpreta como presságio favorável um sonho de catástrofe, e vice-versa. Antífon parecia estabelecer claramente a diferença entre o conteúdo manifesto e o conteúdo latente do sonho. O que chama a atenção nesta prática antifoniana de interpretação é a óptica racionalista, que o distingue da mântica da sua época. Definia a adivinhação como uma conjectura do homem sábio.

      Antífon não era apenas onirocrítico, foi também o que hoje se chama psiquiatra, que procura aperfeiçoar uma "arte de eliminar o desgosto". De facto, Antífon dizia-se capaz de curar por meio da palavra as pessoas que sofriam de desgosto.
Um outro traço original de Antífon foi, com efeito, o seu projecto de refundição da linguagem, exprimindo a maior parte dos seus contextos mais importantes por palavras que inventava. Antífon insistia muito no aspecto convencional dos nomes, que deviam esconder-se face às realidades ou, pelo menos, decalcá-las o mais estreitamente possível. Pretendia dar um sentido mais puro às palavras e de modo a dizer o que havia para dizer.
      É de espantar que tantos testemunhos deste pensador se tenham perdido, sendo um facto que dele nada sabemos. E isto porque de entre todos os sofistas este será, provavelmente, o maior. É de notar a profunda unidade de inspiração que atravessa os fragmentos que dele restam.
 

Crítias 

 A vida e as obras

      Crítias foi um homem de acção mais do que um teórico. Nascido por volta de 455 a.C., pertenceu a uma família nobre de tendências oligárquicas. Parece não se ter comprometido no governo dos Quatrocentos e a sua táctica parece ter sido, como a de certos jovens nobres, fazer o jogo da democracia seduzindo o povo e controlando o seu voto pelo prestígio do verbo.

      A vitória de Esparta sobre Atenas, em 404 a.C., consagrou a derrota da democracia. Nesse momento, Crítias regressou a Atenas, como a maioria dos oligarcas, para estabelecer um governo oligárquico, que não duraria senão alguns meses. Crítias salientou-se como um dos mais arrebatados oligarcas e foi o culpado de várias atrocidades. O horror que os massacres suscitaram impeliram a resistência dos democratas a organizar-se e a reforçar-se. No decorrer dos combates, Crítias é morto em 403 a.C., pouco antes do desmoronamento do regime oligárquico e do restabelecimento da democracia.

       Das obras de Crítias existem ainda vários fragmentos, de importância desigual, em prosa e em verso. Em verso, existe as "Elegias", uma "Constituição da Lacedemónia", três tragédias: "Tenes", "Radamanto", "Pirithoüs" e um drama satírico: "Sísifo". Em prosa, perderam-se os seus "Prólogos" de discursos políticos, a sua "Constituição dos Atenienses" e a "Constituição dos Tessálios", mas conservaram-se os fragmentos da "Constituição dos Lacedemónios". Crítias foi também o primeiro a escrever "Aforismos", assim como "Conversações" e um tratado perdido "Da Natureza do Amor ou das Virtudes".
  

A antropologia

      A chave do pensamento da Crítias é paradoxal. E esta chave é precisamente a ideia de que os homens são bons mais pelo exercício que pela natureza. Pensa-se, geralmente, que um aristocrata só podia fazer depender a areté da natureza, do nascimento. Mas, pelo contrário, para Crítias os homens seriam iguais por natureza, diferindo apenas pela cultura. Portanto, o que distinguia para ele a aristocracia era a longa e difícil formação educativa que se lhe dava e que ela a si se dava.

      Crítias traçou uma linha de demarcação nítida entre o sentir e o conhecer. Pensamento e sensações opõem-se como a unidade à multiplicidade. Esta distinção não faz, no entanto anunciar, a posterior distinção entre a alma e o corpo. A teoria do carácter apareceu em Crítias como o elo de ligação entre a sua concepção do homem e a respectiva concepção política.
 

O pensamento político

      Crítias exaltou o esforço da formação voluntária em detrimento da espontaneidade natural, opôs a fragilidade da lei ao carácter que, quando presente em alguém, é inabalável. O carácter (tropos) não podia, para Crítias, pertencer à multidão, porque é próprio de um indivíduo. O homem superior que estaria acima das leis e, portanto, não as receberia senão de si próprio. Crítias via a lei como algo necessário à sociedade, mas que é imposta pelo aristocrata.

      Crítias contesta a ideia da omnipotência da palavra. O seu feitiço encantatório nada pode contra um verdadeiro carácter, isto é, contra o querer esclarecido do homem nobre. Considerava a retórica boa apenas para o povo.
      A crítica da lei contínua na famosa passagem do "Sísifo", onde Crítias analisa a astúcia da religião que inventa deuses para conseguir de cada homem a sua auto-repressão. Crítias descobriu que a lei é mais forte que a natureza e que pode até domá-la.

      Os textos de Crítias são muitas vezes citados para ilustrar as manifestações de ateísmo na Antiguidade, uma vez que traduz um cepticismo completo quanto à existência real dos deuses. Contudo, não se pode dizer que condene a religião, pelo contrário, reconhece a necessidade social da crença nos deuses e os seus efeitos benéficos.

      O pensamento de Crítias acaba por nos aparecer menos embebido de contradições do que se faz crer. O preconceito aristocrático do seu pensamento vai a par do compromisso pró-oligárquico da sua vida. Crítias parece também professar uma visão antilógica do real. Pensamento da contradição, sem dúvida, mas de uma contradição estabilizada no mesmo sentido pela vitória de um dos contrários.
  

Lícofon

A vida e as obras

      Da vida e das obras de Lícofon pouco se sabe. Sabe-se que foi um pensador imponente e discípulo de .
Restam-nos apenas seis curtos fragmentos ou testemunhos que nos permitem fazer uma ideia de dois aspectos do seu pensamento: a sua teoria do conhecimento e a sua teoria política.
 

O conhecimento

      A estrutura do falar filosófico articula-se de acordo com os pressupostos da metafísica clássica e o ponto essencial deste pacto encontra-se no verbo ser, na junção do lógico (como teoria da linguagem) e do ontológico (como teoria do Ser). Lícofon, consciente das dificuldades da lógica ontológica, procurou ultrapassá-las suprimindo a ontologia. Para tal, Lícofon suprimiu o verbo ser.

      Supõe-se que Lícofon recusava a metafísica, uma vez que recusava a distinção: entre a substância e o acidente e entre o ontológico e o lógico. Usava com grande frequência expressões compostas com o objectivo de elaborar uma retórica em que a proposição predicativa se deslocasse. Como consequência, o adjectivo já não está adjacente, a realidade surge tal como a experimentamos.
      A rejeição do discurso lógico não implica, para Lícofon, a impossibilidade do conhecimento, mas é a favor de uma concepção intuitiva do saber. Lícofon dizia, inclusivamente, que a ciência é a comunhão (sunousia) entre o saber e a alma.
 

A política

      Lícofon participou no grande debate sobre a relação entre nomos-physis, entre a lei e a natureza. Ponha em questão o carácter restrito da polis e tirava à lei todo o carácter sagrado, todo o valor ético. Via a lei como uma criação do homem que obtém a sua legitimidade da utilidade que tem para os homens. Não encontrava na lei qualquer fundamento na natureza.

      Lícofon pensava que a comunidade política era semelhante a uma aliança. Tal como os estados fazem alianças para se ajudarem, também cada cidadão faz aliança com todos em vista a uma ajuda mútua. Esta é uma concepção pragmática da realidade que pressupõem a afirmação do individualismo.

      Segundo Lícofon, a natureza cria indivíduos todos iguais, logo a nobreza não é mais que um efeito da sociedade e, tal como esta, uma convenção. A posição política de Lícofon é clara. Ele era um adepto da democracia, pelo menos um adversário dos oligarcas. Neste sentido, integra-se perfeitamente na corrente sofística tal como nos aparece.
 

Trasímaco

 A vida e as obras

      Trasímaco era originário da Calcedónia, na Bitínia, onde terá nascido por volta de 459 a.C.. Exercia em Atenas, já antes de 427 a.C., a profissão de advogado e reivindicava o título de sofista. Conheceu a guerra do Peloponeso, foi, em Atenas, espectador da luta dos partidos e parece ter tomado parte, indirectamente, na vida política, redigindo discursos para outrem, uma vez que não sendo ele cidadão de Atenas, não podia falar na Assembleia do Povo.

      As suas obras parecem ter consistido em "Discursos Deliberativos", um "Grande Tratado de Retórica", cujas diferentes partes seriam os Exórdios, os Enternecimentos, os Discursos Vitoriosos, os Recursos Oratórios e os Discursos de Circunstância. De tudo apenas restaram fragmentos que nos levantam dois problemas: o problemas da Constituição, que é histórico, e o problema da justiça, que é filosófico.
  

O debate constitucional

       No fragmento "Da Constituição" Trasímaco denúncia o sistema maioritário da democracia, que se gastava em discursos contraditórios, quando o perigo se tornava iminente. O sofista faz um esforço para se elevar acima das desgraças que afligem a Cidade, cuja causa política é de duas ordens: conflito no exterior (guerra do Peloponeso) e discórdia no interior (luta entre oligarcas e democratas). A solução que Trasímaco apresentava era, numa palavra: homonoia, a concórdia. Este acordo podia realizar-se a um nível duplo: no pensamento e na acção. Com efeito, os adversários julgam apenas opor-se e não sentem que, no domínio prático, eles pretendem fazer as mesmas coisas, e que, no domínio teórico, as suas afirmações encontram-se contidas umas nas outras. São lançadas aqui as bases de um verdadeiro logos de reconciliação. Trasímaco, na medida em que pensava que as contradições se resolvem pela implicação mútua dos discursos, que só são contrários na aparência, opõe-se a Protágoras.
  

 Justiça e justificação

      Trasímaco verificou que a justiça não reina como soberana na realidade de todos os dias, mas sim as infelicidades da virtude e as prosperidades do vício. Dedicou-se, então, a uma forte crítica do nomos, a uma verdadeira desmitificação da lei, que longe de servir de muralha contra a injustiça, se encontra contaminada por ela e pervertida. A lei era vista, por Trasímaco, como um instrumento do poder e não o enunciado racional que deveria ser. E portanto, não podia garantir a moralidade.

      Trasímaco procurava a justiça e apenas se deparou com a justificação, isto é, com o esforço para legitimar um poder, para transformar uma força em direito. As leis encobrem interesses particulares camuflados com o interesse geral.

      Trasímaco foi, sem dúvida, um dos primeiros a opor tão nitidamente a ética à política e a dissociá-las. É daqui que deriva o seu descontentamento e também a sua actualidade. Ficou sem dúvida no momento do divórcio entre a ética e a política, pois o seu pensamento acerca da interioridade ética não estava maduro.

O QUE ENSINAVAM

Não existia um consenso entre os currículos que apresentavam.
      Cada sofista expunha ou salientava os conteúdos que considerava importantes e não tinha de dar satisfações a ninguém sobre a escolha efectuada. Apesar de tudo, embora os sofistas ensinassem quaisquer assuntos relacionados, por exemplo, com a arte, com a ciência e com a política, podemos observar, como veremos, alguns pontos comuns a todos eles.
  

A relação com os poetas

     Há uma relação bastante próxima entre os sofistas e os poetas tais como Homero, Hesíodo, Teogonis, Simónides e Píndaro. Por um lado, já na época dos poetas a questão da educação constituía um problema relevante. Jäeger refere que a necessidade de ensinar a areté já era sentida por Simónides, Teogonis e Píndaro. Com eles a poesia tornou-se "o palco de uma discussão apaixonada sobre a educação" (Jäeger, 1986: pág.346). O mesmo autor refere que Simónides, por seu lado, era também um sofista típico. Quanto a , os sofistas viam-no como uma autêntica enciclopédia de conhecimentos e uma verdadeira mina de regras prudentes para a vida.

      A força educativa da obra dos poetas era algo de inquestionável para os gregos. Todos admiravam a sua beleza e respeitavam os seus ensinamentos. Assim, para além de reconhecerem uma elevada importância aos poetas, os sofistas tinham consciência de que, tomando-os como referência, seriam bem aceites, ouvidos e respeitados. O recurso aos antigos era, de facto, muito utilizado. No diálogo "Protágoras" podemos observar que, a dado momento, Protágoras se dirige para Sócrates dizendo:


   "Creio eu, Sócrates, que para um homem a parte mais importante da educação consiste em ser perito em matéria de poesia, e essa perícia significa poder entender e saber distinguir, na obra dos poetas, o que está feito de modo correcto e o que não está e justificar-se perante qualquer dúvida. Pois a minha pergunta de agora é precisamente sobre esse assunto acerca do qual tu e eu temos estado a discutir, acerca da virtude, só que transferido para a poesia."

Protágoras (338e-339)

 
     No entanto, apesar desta proximidade entre os poetas e os sofistas, não se pode deixar de referir que os sofistas foram inovadores. Eles não se limitaram ao trabalho de memorização dos poemas (típico do aédos), nem sequer à mera análise gramatical efectuada pelos gramatistés. Profundamente conscientes de várias questões morais e políticas que envolviam a sociedade daquele tempo, os sofistas utilizam a poesia para levantar um vasto conjunto de novos problemas, dando-lhe uma abordagem utilitária, direccionada à vida dos cidadãos. Assim, dedicavam-se a interpretar minuciosamente todos os recantos e pormenores de linguagem utilizados pelos antigos poetas, divertiam-se a encontrar contradições nos seus poemas e serviam-se deles para  discutir variados assuntos e defender os seus pontos de vista.
 

O ensino da Retórica

      Os sofistas eram particularmente conhecidos como sendo professores de retórica, sobretudo no domínio das leis e da política, nos meandros do poder e da sua ascensão. Preocupavam-se em dotar os seus alunos de uma capacidade de argumentação suficientemente persuasiva. Para cumprirem este objectivo, alguns sofistas davam uma preparação formal que frequentemente consistia em fornecer aos seus alunos discursos feitos sobre determinados assuntos, com o objectivo de serem repetidos em futuras ocasiões, tais como nos processos perante os tribunais, ou sentenças inteligentes e informações fragmentárias a serem utilizadas em momentos oportunos.

      A retórica não se limitou à Assembleia ou aos tribunais. Estendeu-se por muitos outros campos que, habitualmente, pertenciam aos domínios da poesia. Nos banquetes e nas festas, em vez das tradicionais canções, passaram também a ser dados maravilhosos discursos sobre temas políticos ou filosóficos que faziam as delícias de quem os escutava.

      Infelizmente, perderam-se muitos dos escritos gramaticais e das retóricas dos sofistas. Apesar disto, ainda existem os "Discursos Duplos" e o "Eutidemo" que mostram como a arte da discussão era utilizada como uma verdadeira arma nos combates oratórios. As investigações mostram como a argumentação lógica de uma prova, introduzida pela retórica, foi substituindo as antigas provas jurídicas de testemunhas e juramentos.
 

 O ensino da Dialéctica

      Ao que parece foi Protágoras o primeiro a ensinar que, em toda a questão, se podia defender o pró e o contra. Mas o objectivo principal era ensinar a vencer em toda a discussão possível. Protágoras segue um método de discussão cuja finalidade é confundir o adversário, tomando como ponto de partida questões ou afirmações eventualmente proferidas pelo lado oposto.

      Os outros sofistas seguiram nesta espantosa arte de contornar o raciocínio fazendo um apelo à lógica de uma forma extraordinariamente subtil e encantadora.
      Como os fins justificam os meios, o que pretendem é utilizar tudo o que seja eficaz para vencer o adversário. O raciocínio cede lugar aos truques e astúcias paradoxais que geram, simultaneamente, o encanto e a confusão nos ouvintes.

 

 A componente prática da vida

      O saber sofista estava muito direccionado para a componente prática da vida. O que ensinavam estava adequado às necessidades dos seus alunos (o que terá contribuído para a sua grande aceitação por parte destes!). Pretendiam dar respostas imediatas a determinadas situações, pelo que olhavam, de uma forma bastante concreta e real, para os assuntos que reclamavam uma intervenção imediata.

      O facto de Protágoras ter referido a determinada altura que quem fosse ter com ele não aprenderia senão o que pretendesse aprender e que o seu ensino se destinava "à boa gestão dos assuntos particulares - de modo a administrar com competência a sua própria casa - e dos assuntos da cidade - de modo a fazê-lo o melhor possível quer por acções quer por palavras" (Pinheiro, 1999: pág.88) é um bom exemplo do que acabámos de explicitar.

      Como diz Marrou (1966: pág.89) nem Protágoras nem Górgias se preocuparam em desenvolver uma doutrina, mas sim em formular regras de conduta prática. Eles não ensinavam aos seus alunos nenhuma verdade sobre o ser ou sobre o homem, mas, apenas, a terem sempre razão, em qualquer circunstância.

      Neste contexto, a argumentação e a persuasão consistiam as linhas de conduta destes profissionais. Acreditavam na possibilidade de defesa de dois argumentos completamente opostos e estimulavam os seus alunos a defender o lado aparentemente mais fraco.

, numa comédia intitulada "As Nuvens", confirma o que acabámos de referir relativamente à "defesa das causas perdidas".
      Narra-se a história de um pai que se endividou comprando cavalos de corrida para o seu filho. A determinada altura o pai diz para o filho:

 


"Acorda, meu filho. Estás a ver aquela casa ali no fim da rua? Aquela casa é um pensatório de sofistas. Lá moram homens que falam do céu, querendo convencer-nos que o céu é uma tampa de um forno e que nós somos os carvões. Se lhe der-mos algum dinheiro, são capazes de nos ensinar a vencer nos discursos, nas causas justas e injustas. São pensadores meditabundos, gente de bem! Ó se são! Por favor, meu filho, esquece um pouco as corridas de cavalos e junta-te a eles. Torna-te um deles. Dizem que os raciocínios são dois, o forte, seja ele qual for, e o fraco. Afirmam que o segundo raciocínio, isto é, o fraco, através do discurso, pode vencer nas causas mais injustas. Ora, querido filho, se aprenderes este raciocínio injusto, não pagarei um óbolo a ninguém do dinheiro que estou a dever por tua culpa!" 

As Nuvens, Aristófanes

      

 Os sofistas ensinavam a arte de jogar com as palavras, em enlaces rebuscados do raciocínio, procurando validar as suas ideias a qualquer custo, vencendo o seu opositor. Górgias, no funeral de soldados mortos na guerra, proferiu um discurso fúnebre que ilustra este jogo de palavras frequentemente utilizado pelos sofistas:

 


"Que qualidades faltavam a estes homens daquelas que os homens devem possuir? E que possuíam eles que os homens não devam possuir? Talvez eu seja capaz de dizer o que desejo e possa desejar o que devo, escapando à vingança dos deuses e evitando a inveja dos homens. Pois que divina era a coragem que esses homens possuíam, mas humana a sua mortalidade."

Cit. In Baldry (1968: 113 )

 

A Nomos-Physis

      Os gregos, em geral, e os sofistas, em particular, estabeleceram um violento debate entre o nomos e o physis. Este confronto é referido em discussões políticas e morais, em escritos históricos, na filosofia e na literatura dramática.

      Os sofistas consideravam que a physis estava relacionada com o nascimento e com o crescimento, ou seja, estava relacionada com a essência natural de um fenómeno, ao contrário da nomos, relacionada com aquilo que é adquirido ou estabelecido por costume.
      Estas conotações influenciaram as práticas. Os sofistas defendiam que aquilo que tem origem na physis é inviolável e permanente. Por extensão, houve a tendência para olharem as coisas tal como elas são realmente e não como aparentam ser, pelo que nunca se pode transgredir a physis. Pelo contrário, aquilo que é do domínio da nomos, é susceptível de ser transgredido uma vez que se trata de algo convencional, imposto.

      O facto da oposição nomos-physis tactear alguns pontos bastante importantes para os gregos, faz com que seja despoletada a controvérsia e a discussão. De facto, os deuses existiam pela physis (na realidade) ou pela nomos? A organização política do estado era estabelecida pela vontade divina, por uma necessidade natural ou pela nomos? As diferenças existentes entre as várias raças de seres humanos são naturais ou convencionais? A escravidão de um povo sobre outro é algo de inevitável e natural ou é do domínio da nomos? Etc.
      Como não poderia deixar de ser, estas questões eram susceptíveis de grande polémica e constituíam excelentes pontos de apoio para as mais variadas discussões.

      Não podemos esquecer que a dicotomia nomos-physis terá sido sentida pelos sofistas uma vez que possuíam um conhecimento bastante alargado das várias terras e gentes. O facto de serem pessoas muito viajadas e atentas terá contribuído para este efeito pois permitiu-lhes aperceberem-se das diferentes práticas religiosas, usos e costumes consoante as regiões por onde passavam.

 

O Relativismo

      A relatividade da verdade era uma das bases do ensino de Protágoras. Ele treinava os seus alunos a argumentar ambos os lados de uma questão, como já tivemos oportunidade de dizer, pois considerava que a verdade não se limitava a apenas um dos lados. Ao dizer que "o homem é a medida de todas as coisas", 

 não se refere ao homem enquanto espécie humana, mas enquanto ser individualmente considerado. Com isto ele introduziu a relatividade da verdade, segundo a qual a verdade valia para cada um, em particular, não existindo, portanto, uma verdade geral, pelo que não interessava procurá-la.
      Naquela altura o importante era viver! E, na vida política o fundamental não era possuir a verdade, mas ser capaz de convencer o público sobre um determinado argumento em detrimento de outro.
      Protágoras não tinha nenhuma verdade para ensinar aos seus alunos, mas apenas a terem sempre razão em qualquer circunstância. "Protágoras tomou emprestado de Zenão de Eleia os seus procedimentos polémicos e a sua dialéctica rigorosa, esvaziando-os, porém, daquilo que lhes dava seriedade" (Marrou, 1966: pág.90).
      A dialéctica aplicada à política vira, portanto, costas à ética. Foi devido a estes aspectos que Platão defendia que a técnica sofista era usada por quem queria ludibriar os outros e enganá-los e praticar o mal e a injustiça.
 

O Direito e a Moral

      "Em coerência com o cepticismo teórico, destruidor da ciência, a sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Desta forma, é bem o que satisfaz o sentimento, o impulso, a paixão de cada um, em cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem o hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única regra de conduta é o interesse particular. Górgias manifesta uma plena indiferença para com todo o tipo de moralismo. Apenas ensina aos seus discípulos a arte de vencer os adversários, que a causa seja justa ou não, não lhe interessa." (retirado de http://www.angelfire.com)

      A moral, portanto, como norma universal de conduta é vista pelos sofistas não como uma lei racional do agir humano, mas como constituindo um entrave à própria vivência do Homem.

      Assim, os sofistas estabelecem uma oposição especial entre a natureza e a lei, quer política, quer moral, considerando-a como fruto arbitrário, interessado, mortificador e convencional. Entendem por natureza, não a natureza humana racional, mas a natureza humana sensível, animal, instintiva.
      Além disso, acham que a submissão à lei não torna os homens felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm frequentemente conseguido alcançar êxitos bastante consideráveis no mundo. Portanto, não é a justiça e a rectidão que fazem um homem poderoso, mas sim a prudência e a habilidade.

      Para os sofistas, a realização da perfeita humanidade não está na acção ética, mas sim no engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos homens. Isto faz com que os sofistas critiquem profundamente o direito positivo, muitas vezes arbitrário, contingente, tirânico, em nome do direito natural, considerado como sendo o direito mais poderoso. Numa sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas, a autoridade e a violência podem ser o único elemento organizador, o único sistema jurídico admissível.
 

A Religião

      A revolução intelectual encabeçada pelos sofistas também atingiu a religião.       Esta questão está intimamente relacionada com a oposição nomos-physis: os deuses foram impostos ou surgiram naturalmente? Se surgiram naturalmente, porque é que existem deuses tão diferentes de região para região? Se foram impostos, como se pode aceitar que comandem as nossas vidas se também eles são imperfeitos, vingativos, cruéis, adúlteros e ciumentos? Porque é se devem imitar, se têm tantos vícios?

      A maior parte dos sofistas viam os deuses como uma criação humana. Em geral, eram ateus. O mundo era de origem natural e não uma criação divina.  Mas, mais uma vez, são detectáveis diversas posições. Protágoras tinha uma posição agnóstica, declarava desconhecer se os deuses existiam ou não. Considerava esta questão como obscura e não merecedora de atenção já que a "vida é curta". Por seu lado Crítias defendia que os deuses haviam sido inventados pelos governos com o objectivo de levarem os homens a acreditar que tudo o que faziam na Terra, quer fosse secreto ou não, era visto pelos deuses e os homens iriam ser responsabilizados por tais comportamentos, fossem eles bons ou maus.

      Claro que isso não significa que, com o ateismo dos sofistas, os deuses tenham desaparecido do mundo grego. Por um lado, porque os sofistas e os seus alunos constituíam uma minoria. Por outro lado, porque as pessoas mais conservadoras encaravam a descrença sofista como sinal de profanação e impiedade.

 

Aspectos distintos

      Para além de diferenças que existiam no que respeita aos currículos que seguiam, podem ser realçadas algumas diferenças manifestadas pelos sofistas em determinados aspectos.

      Em primeiro lugar, nem todos encaravam a sua profissão da mesma forma. Enquanto alguns se davam por satisfeitos em transmitir conhecimentos que haviam adquirido, fazendo-o de um modo bastante despreocupado, outros sentem a sua profissão como uma atribuição que têm de respeitar e cumprir com toda a dedicação. Estes consideravam-se dotados da tecnhé política, que ensinavam aos seus alunos como sendo a verdadeira educação, capaz de manter a união entre a comunidade e a civilização humana.

      Sobre este aspecto Protágoras possui uma visão bastante particular:

 


"Na verdade, ao procurar-me, Hipócrates não experimentará os problemas que o perturbariam frequentando a companhia de outro sofista, com efeito, os outros assoberbam os jovens. Quando os vêem fugir às especializações, empurram-nos novamente para elas, contra vontade."

Protágoras, Pinheiro (1999): pág.88

      

 Para este sofista só a educação política é verdadeiramente universal e útil à juventude. É por este motivo que considera o seu ensino como sendo superior ao dos outros sofistas que, segundo ele, segmentam o ensino.

      Um outro aspecto onde podemos detectar diferenças entre os sofistas está relacionado com a cultura que cada um possuía e a importância que eles foram dando aos vários assuntos. Relativamente aos temas a que davam uma maior importância, sabe-se que enquanto uns desprezaram as artes, os ofícios e as ciências, e se dedicaram a outros domínios, outros desenvolveram uma verdadeira pesquisa e foram grandes inovadores em diferentes matérias de foro científico. Refira-se, a título de exemplo, que enquanto Górgias e Protágoras ensinavam a areté, Hípias possuía uma enorme admiração pelas ciências, tendo registado "dados sobre astronomia, geometria, aritmética e música" (Pombo, 1996: pág.30).

      Parece que a contribuição dos sofistas foi importante para se revelarem alguns progressos em várias ciências, como na Matemática. Embora esta fosse vista como sendo perfeitamente inútil, quer aos olhos de alguns sofistas, quer aos de alguns cidadãos, ela foi ganhando espaço nos currículos. Na realidade, através da Matemática e da Astronomia era possível desenvolverem-se aptidões completamente distintas das técnicas e práticas derivadas da Gramática, da Retórica e da Dialéctica. Com ela era possível construir e ordenar, de uma forma geral, a força espiritual.
 

Os Sofistas Merecem O Meu Perdão

        Em observância ao contemporâneo e profano cosmo capital, fomentador da degeneração social, permite-se asseverar que o triste cotidiano presente ratifica as pretéritas ponderações sofistas.Ao se cogitar em ideal de JUSTIÇA, o conceito sofista em razão desse é espurco, repulsivo. Mas quando nos volvemos à modernidade (diga-se duvidosa), fundada em antropocentrismo jurídico, vislumbra-se uma realidade fático-social consentânea às asserções sofismadas

Trasímaco, notável sofista, afirmou: “o Direito é um bem de outrem. É uma vantagem para quem manda e um dano para quem obedece”

Desditosamente, o empirismo econômico-social corrobora, inapelavelmente, para a validação de tal ideologia logrativa. A axiologia jurídica é desprezada pelos rábulas ou, como dizem na praxe, operadores do Direito, verdadeiros seres bestiais. A teleologia jurídica é desvirtuada para caminhos fúteis, frívolos e cavernosos de leis vulgarmente mecânicas, que demagogicamente se jactam justas. Destarte, podemos não concordar com tal sofistaria quando se propende o espírito racional para o ideal supremo de justiça, mas se configura um absurdo histórico-fático negar a validade literal de tal filosofia neste século nascente.

            Não obstante ao ceticismo moral que observamos no propugnáculo do corpo social, suplico-lhes, AMIGOS DO DIREITO, uma busca insofreável e pugnaz pela JUSTIÇA ABSOLUTA, mantendo a luzerna da verdade reta e etérea como a inteligência universal de um querubim. Devemos ser convictos e justos como SÓCRATES, trilhando veredas ou adotando atitudes que espantem e até causem medo porque havidas como perigosas às mesmices, às uniformidades sociais e preconceitos dominantes“.

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