A
origem do termo "Sofista"
As
palavras gregas sophos e sophia habitualmente traduzidas
por sábio e sabedoria foram utilizadas desde os tempos mais remotos
tendo-lhes sido sucessivamente atribuídos vários significados.
No início, foram
utilizadas para realçar uma capacidade ou arte especial num determinado
assunto. refere que um
construtor naval, um cocheiro, um navegador, um adivinho ou um escultor
são sábios nas suas profissões. Também Apolo
é sophos com a sua lira. Nesta altura, sophos era atribuído
a alguém que desempenhava uma determinada tarefa ou ocupação com um
rigor e perfeição melhores que qualquer outra pessoa.
No
início do séc. V a.C. o termo "sofista" passa a ser
utilizado com o sentido de "homem sábio". É atribuído a
poetas, como Homero e,
a músicos e rapsodos, a deuses e mestres, aos Sete Sábios, aos filósofos
pré-socráticos e a figuras com poderes superiores, como Prometeu. Pelo
final do século, o termo "sofista" era aplicado a quem
escrevia ou ensinava e que era visto como tendo uma especial capacidade
ou conhecimento a transmitir. A sophia era fundamentalmente prática
e sobretudo direccionada para a política ou para a arte.
No entanto, depois dos sofistas
terem aparecido na Grécia, os ódios e invejas que geraram por entre a
multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a ser
utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa então a ser
utilizada no sentido de ladrão, charlatão ou mentiroso, significado
que acaba por ir ao encontro do seu sentido actual.
Os Sofistas como Professores
Pagos
Como
temos vindo a referir, os sofistas surgiram em resposta às novas exigências
que se colocavam à educação. De facto, quando os primeiros
sofistas surgiram, não havia, mestres para ensinar a discursar e a
convencer as multidões e a sociedade não os reconhecia como uma possível
resolução dos seus problemas. Desta forma, não é difícil
imaginarmos que os primeiros sofistas devem ter sido recebidos de modo
bastante frio e sarcástico. Se, por um lado, os sofistas não tiveram
dificuldades em encontrar discípulos que lhes pagassem os seus serviços,
por outro lado, enfrentaram severas críticas dos mais idosos e
conservadores que viam neles uma ameaça à estabilidade da Paideia.
No entanto, a pouco e pouco, os
sofistas foram sendo cada vez mais ouvidos e procurados. Eram estudiosos
profissionais que tinham recolhido muitos conhecimentos sobre os mais
variados assuntos, dos fenómenos naturais à vida política, às
instituições sociais e às questões populares do dia-a-dia.
Os sofistas raramente eram filhos de
Atenas
e, no entanto, a sua condição de "estrangeiros" não os
impedia de oferecerem aos jovens da cidade a educação pela qual todos
ansiavam e que os preparava para uma carreira de engrandecimento pessoal
na vida política e social da época. Geralmente não se fixavam em
nenhuma cidade. Viajavam de terra em terra angariando discípulos que
passavam alguns anos (habitualmente três ou quatro) estudando com eles.
Mas o maior desejo de qualquer
sofista era ser bem recebido em Atenas.
Era aqui, no centro da cultura helénica, que eles tinham maiores
probabilidades de enriquecer, aumentar a sua fama, e adquirir prestígio.
Se
é verdade que os sofistas acabavam por enfrentar alguns perigos, também
é verdade que a sua condição usufruía de alguns benefícios. Para além
da fama que eles iam conquistando pelos sítios em que iam passando, iam
desfrutando da hospitalidade de casas ricas onde acabavam por ficar
hospedados. Além disso, eram por vezes convocados a exercer
importantes funções políticas, graças aos seus extraordinários
dotes oratórios. Como se isto não bastasse, ficavam dispensados de
cumprir serviço militar e de pagar impostos ao Estado, o que era
obrigatório para todos os cidadãos. Como diz Jäeger "não foi
só pelo seu ensino, mas também pela atracção dos seu novo tipo
espiritual e psicológico que os sofistas foram considerados como as
maiores celebridades do espírito grego de cada cidade, onde por longo
tempo deram tom, sendo hóspedes predilectos dos ricos e dos poderosos"
(Jäeger, 1986: pág.347).
Qual era a
"clientela" dos sofistas, ou seja, quem eram os seus alunos?
Os sofistas destinavam o seu ensino
a todos os que desejassem "adquirir a superioridade necessária
ao triunfo na arena política" (Marrou, 1966: pág.84). No
entanto, os seus alunos provinham habitualmente das classes mais
abastadas, onde se podiam encontrar novos ricos em busca de poder. Platão,
no seu diálogo "Protágoras",
testemunha uma outra situação ao revelar que
possuía dois tipos de alunos, os que eram oriundos de famílias
abastadas e que procuravam aceder aos mais elevados cargos políticos, e
os que estudavam somente para se tornarem sofistas.
Os sofistas iniciavam o ensino dos
seus alunos quando estes tinham cerca de 16 a 18 anos. Nesta fase, os
jovens, estavam na posse de todas as suas faculdades e, tendo aprendido
tudo o que o modelo educativo em vigor lhes propunha, ambicionavam
aprender o que os sofistas tinham para lhes ensinar... uma forma de
atingirem o sucesso.
Sabe-se que os sofistas estabeleciam
um contacto muito próximo com os seus alunos. Na realidade, passavam a
maior parte do tempo juntos, num intenso intercâmbio de experiências e
saberes. Esta situação está muito bem exemplificada no "Protágoras"
de Platão, em que Hípias
de Élis estava sentado num cadeirão a discursar para os ouvintes,
aparentemente sobre "assuntos como a natureza e fenómenos
celestes" (Pinheiro, 1999: pág.84). Enquanto isso, Pródico
estava num quarto com os seus alunos. Quanto a Protágoras,
andava a discursar pelo átrio.
O facto de os alunos
passarem a maior parte do tempo com os seus professores, vivendo
inclusivamente com eles, possibilitava o contacto directo, não só com
a sua inteligência, mas também com a sua personalidade. Os jovens
sentiram-se como um grupo que se preocupava em estudar os mesmos
assuntos. Consideravam uma necessidade e, ao mesmo tempo, um privilégio
poderem ser incluídos em tais associações. Terá sido por isso que,
no já referido diálogo "Protágoras",
não conseguiu esperar pelo romper do dia e foi, com grande entusiasmo,
ter com Sócrates, que ainda
estava deitado, para o ajudar naquele propósito (Pinheiro, 1999: pág.77).
Relativamente à questão
do pagamento podemos dizer que, ao contrário dos professores de música,
de leitura e de gramática que eram extremamente mal pagos e muito mal
qualificados, os sofistas aperfeiçoavam as suas técnicas e,
conscientes da sua importância e do que ensinavam, cobravam bastante
dinheiro.
É óbvio que os preços variavam de sofista para sofista. Consta
que Protágoras
pedia a considerável quantia de 10 000 dracmas. No século seguinte os
preços tendem a baixar (Isócrates
não pediu mais que 1000 dracmas!). Uma questão interessante e
bastante polémica diz respeito, precisamente, à verba total que os
sofistas conseguiam angariar. Parece que Górgias
e Pródico conseguiram juntar bastante dinheiro, tal como
Hípias
e Protágoras.
No entanto,garante
que:
"Apesar de
tudo, não parece que estes que são conhecidos como sendo sofistas
tenham acumulado muito dinheiro, uma vez que alguns viviam na pobreza e
outros em circunstâncias moderadas. O homem que conseguiu juntar mais
dinheiro foi Górgias. Passou a maior parte do tempo com os ricos que
lhe dão dinheiro, mas não casou nem teve filhos... ainda assim, quando
morreu, deixou 20 000 dracmas." (cit. In Kerferd, 1981: pág.26).
,
pelo contrário, realçou a riqueza auferida pelos sofistas dizendo, por
exemplo, que
terá ganho mais dinheiro que Fídias
e mais dez outros escultores juntos.
O facto dos sofistas cobrarem
dinheiro pelos seus serviços despoletou críticas por parte de variadas
personalidades tais como Sócrates
e Aristóteles.
Sócrates,
no "Protágoras",
descreve os sofistas como sendo vendedores de bens que sustentam a alma
e sugere razões pelas quais um jovem devia hesitar antes de procurar os
serviços daqueles:
"... aqueles que levam a ciência de
cidade em cidade, vendendo-a a retalho, elogiam sempre ao
interessado tudo quanto vendem, mas talvez, meu caro, desconheçam
o que é que desses artigos que vendem é bom ou mau para a
alma..."
Protágoras,
Pinheiro (1999): pág.82
|
Aristóteles
descreve os sofistas como sendo aqueles que fazem dinheiro através de
uma "virtude" aparente mas irreal.
Como podemos verificar a contradição
é nítida, pelo que resta-nos dizer sobre este assunto que não há um
consenso em que possamos confiar com toda a convicção.
Os Métodos de Ensino
"Em
salas particulares, na rua ou no ginásio, os sofistas reuniam o
conjunto de estudantes, transmitiam o conhecimento e davam a preparação
retórica desejada" (Monroe, 1979: pág.56).
De que forma
é que os sofistas transmitiam os conhecimentos?
Quais os métodos a que os sofistas recorriam para cumprir a sua função?
Em primeiro lugar, os sofistas podiam iniciar a sua aula através
de uma leitura sobre um determinado tema, que iria ser utilizado como
ponto de apoio para o desenvolvimento do resto da aula. Alguns eram
apenas meros exercícios de retórica sobre um assunto mítico, como
"Helena" e "Palamedes", de Górgias,
que sobreviveram até aos nossos dias.
Em segundo lugar, os discursos
constituíam um recurso bastante utilizado. Por exemplo, as "Tetralogias"
de Antífon,
faz um conjunto de quatro discursos, incluindo a versão do acusador, do
acusado e comentários aos mesmos. Nos tópicos abordados, incluem-se
situações directamente relacionadas com a lei e o ideal de justiça,
por exemplo, a questão da atribuição da culpa quando um rapaz,
espectador num ginásio, é ferido por um touro. É evidente que
discursos deste tipo eram utilizados com o objectivo de treinarem os
jovens na argumentação, incentivando o seu estudo e imitação.
Em terceiro lugar, refira-se a
utilização de dois métodos de exposição bastante usados: o método
breve e o método longo ou expositivo. Relativamente ao primeiro,
processava-se habitualmente através de perguntas e respostas. Consistia
num verdadeiro diálogo entre o sofista e os seus alunos. No entanto, o
segundo método era o preferido. Através dos longos discursos, os
sofistas eram mais facilmente capazes de impor as suas ideias. Com o
referido método, torna-se muito mais difícil seguir as ideias do
orador e aperceber a totalidade dos pormenores.
Este foi um dos pontos
mais impiedosamente censurados. Tanto Sócrates
como Platão
e Aristóteles
criticaram de forma violenta a acção dos sofistas por tentarem enganar
o auditório utilizando discursos longos e floreios de linguagem, ou
seja, por navegarem de "vela desfraldada, ao sabor do vento"
(Pinheiro, 1999: pág.113).
A
crítica ao discurso longo é eloquentemente feita na seguinte fala de Sócrates,
presente no diálogo platónico "Protágoras":
"Ó Protágoras, acontece que eu sou um homem esquecido e
quando alguém fala comigo demoradamente, esqueço qual era o
conteúdo do discurso. É como se me acontecesse ser surdo;
nesse caso ias achar necessário, se realmente estivesses
disposto a dialogar comigo, falar bem mais alto do que com os
outros. Do mesmo modo, agora estás a lidar com alguém
esquecido, encurta as tuas respostas e torna-as mais breves,
se queres que eu possa acompanhar-te".
Protágoras,
Pinheiro (1999): pág.109
|
Ao
que responde com orgulho e consciente da sua importância:
"Ó Sócrates, eu já travei combates verbais com muitos
outros homens, e se tivesse feito o que tu mandas, discutir
assim, da maneira que o meu antagonista me mandasse discutir,
nem seria melhor que ninguém, nem o nome de Protágoras se
teria tornado conhecido entre os Helenos".
Protágoras,
Pinheiro (1999): pág.110
|
Nesta
pequena passagem podemos observar como é que era encarado o discurso
longo por parte de alguns e a forma como o sofista se protegia da crítica...
pois tudo era feito conforme ele quisesse uma vez que era ele o afamado,
o importante, o homem que dita as "regras do jogo". Esta é
uma atitude bastante notória nos sofistas...
Para além dos métodos que aqui
destacámos, é de referir que os sofistas foram dos primeiros a
preocuparem-se com o registo e com a escrita dos seus conhecimentos. No
entanto, dos poucos livros que alguns se dedicaram a escrever, muitos se
perderam e não resistiram ao ódio que os sofistas enfrentaram, tendo
sido queimados ou destruídos pelos críticos ou pela multidão
enfurecida. A título de curiosidade, refira-se a possível existência
de um livro de um sofista anónimo, intitulado "Discursos
Duplos", que ilustrava bem o espírito sofístico. Tratava-se
de um livro que continha, em duas colunas paralelas, para cada tese, os
argumentos destinados a provar que essa tese era verdadeira e os
argumentos que visavam provar o contrário.
Epideixes
Os sofistas não
encontraram uma clientela já pronta para os receber. Tiveram que a
cortejar, persuadir o público sobre a importância dos seus serviços.
Isto pressupõe, como não podia deixar de ser, a utilização de meios
para chamar a atenção das pessoas e o recurso a métodos que,
actualmente, se situam no campo da publicidade.
Para se fazerem conhecer, para manifestarem a excelência do seu ensino
e darem mostras da sua habilidade, os sofistas ofereciam uma exibição
pública, chamada de epideixes. Esta podia acontecer em vários
locais e é óbvio que os sofistas os escolhiam consoante a concentração
de pessoas neles existente, uma vez que pretendiam, através da epideixes,
dar-se a conhecer e cativar o maior número de alunos possível. Em
geral dirigiam-se ao Ágora e aos ginásios.
Além
disso, procuravam estar presentes nas várias celebrações festivas,
excelente ocasião para se darem a conhecer e para porem à prova a sua
competitividade. De facto, tinham nas festas óptimas oportunidades para
entrar em confronto, procurando ganhar prémios como os poetas
anteriormente haviam feito. Como Protágoras
dizia "qualquer discussão era uma batalha verbal entre os
intervenientes, em que um sai vencedor e o outro vencido" (Kerferd,
1981: pág.29).
Os sofistas eram também
facilmente encontrados em campeonatos desportivos. Parece que fez várias
exposições públicas nos Jogos
Pan-Helénicos, em Olímpia,
durante as quais se oferecia para falar de qualquer assunto de uma
determinada lista preparada para o efeito e respondia a eventuais questões.
Górgias
discursou sobre variados assuntos no Teatro de Atenas,
em Olímpia
e em Delfos, durante os jogos.
Mas
não é tudo...
As epideixes podiam ter ainda
lugar em casas privadas, como o que aconteceu na casa de Cálias, no diálogo
platónico "Protágoras".
Quais as formas que a epideixes podia tomar?
Uma epideixes era, inicialmente, uma simples leitura. Protágoras
terá sido o primeiro sofista a introduzir os debates e conferências
como forma de epideixes.
Essas conferências podiam ser públicas,
podiam ser reservadas a uma escol e, portanto, já serem pagas, podiam
ser simples palestras de propaganda, o que custava apenas 1 dracma, ou
podiam ser lições técnicas.
A epideixes podia basear-se
num vivo confronto entre o sofista e o auditório, em que estes faziam
perguntas a que o sofista procurava dar resposta. Em alternativa a este
método, a epideixes podia apenas consistir num eloquente
discurso proferido pelo sofista sobre um tema que havia preparado ou
sobre um texto escrito. Estas declamações podiam ser meros exercícios
de retórica, cujo principal objectivo era mostrar como o caso menos
promissor também podia ser defendido.
De uma maneira geral, o que os
sofistas pretendiam com as epideixes era encantar e impressionar
a multidão.
Face a este propósito, um aspecto
que os sofistas também não esqueciam era o seu traje e o seu porte. Não
podemos desprezar o facto, como refere Marrou (1966: pág.87) de
estarmos na Grécia e na Antiguidade, pelo que, para impressionar um
auditório, o sofista não hesita em pretender a omnisciência e a
infalibilidade.
Como tal, "apresenta um tom
doutoral, um comportamento solene ou inspirado, pronuncia as suas sentenças
do alto de um trono elevado, revestindo mesmo, às vezes, parece, o
costume pomposo do rapsodo no seu grande manto de púrpura"
(Marrou, 1966: pág.87). De facto, alguns sofistas, tais como e Górgias,
confeccionavam os seus próprios fatos, tal era a importância que
atribuíam ao seu aspecto.
Período
Sistemático
O segundo período da história do pensamento grego
é o chamado período sistemático.
Com efeito, nesse período realiza-se a sua grande e lógica
sistematização, culminando em Aristóteles, através de
e Platão
, que fixam o conceito de ciência e de inteligível, e através também
da precedente crise cética da sofística. O interesse dos filósofos
gira, de preferência, não em torno da natureza, mas em torno do
homem e do espírito; da metafísica passa-se à gnosiologia e à
moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também
o nome de antropológico,
pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito
no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior.
Esse período esplêndido do pensamento grego -
depois do qual começa a decadência - teve duração bastante curta.
Abraça, substancialmente, o século IV a.C., e compreende um número
relativamente pequeno de grandes pensadores: os sofistas e Sócrates,
daí derivando as chamadas escolhas socráticas menores, sendo
principais a cínica e a cirenaica, precursoras, respectivamente, do
estoicismo e do epicurismo do período seguinte; Platão e Aristóteles,
deles procedendo a Academia
e o
, que sobreviverão também no período seguinte e além
ainda, especialmente a Academia por motivos éticos e religiosos, e em
seus desenvolvimentos neoplatônicos em especial - apesar de o
aristotelismo ter superado logicamente o platonismo.
A
Sofística
Após as grandes vitórias gregas, atenienses,
contra o império persa, houve um triunfo político da democracia,
como acontece todas as vezes que o povo sente, de repente, a sua força.
E visto que o domínio pessoal, em tal regime, depende da capacidade
de conquistar o povo pela persuasão, compreende-se a importância
que, em situação semelhante, devia ter a oratória e, por
conseguinte, os mestres de eloqüência. Os sofistas, sequiosos de
conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloqüência,
de retórica, ensinando aos homens ávidos de poder político a
maneira de consegui-lo. Diversamente dos filósofos gregos em geral, o
ensinamento dos sofistas não era ideal, desinteressado, mas
sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino abraçava todo o
saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como meio
para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.
A época de ouro da sofística foi - pode-se dizer
- a segunda metade do século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de
Péricles, capital democrática de um grande império marítimo e
cultural. Os sofistas maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade,
continuando até depois de Sócrates, embora sem importância filosófica.
Protágoras
foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística.
Moral,
Direito e Religião
Em coerência com o ceticismo teórico, destruidor
da ciência, a sofística sustenta o relativismo prático, destruidor
da moral. Como é verdadeiro o que tal ao sentido, assim é bem
o que satisfaz ao sentimento, ao impulso, à paixão de cada um em
cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem
o hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única
regra de conduta é o interesse particular. Górgias declara plena
indiferença para com todo moralismo: ensina ele a seus discípulos
unicamente a arte de vencer os adversários; que a causa seja justa ou
não, não lhe interessa. A moral, portanto, - como norma universal de
conduta - é concebida pelos sofistas não como lei racional do agir
humano, isto é, como a lei que potencia profundamente a natureza
humana, mas como um empecilho que incomoda o homem.
Desta maneira, os sofistas estabelecem uma oposição
especial entre natureza e lei, quer política, quer moral,
considerando a lei como fruto arbitrário, interessado, mortificador,
uma pura convenção, e entendendo por natureza, não a natureza
humana racional, mas a natureza humana sensível, animal, instintiva.
E tentam criticar a vaidade desta lei, na verdade tão mutável
conforme os tempos e os lugares, bem como a sua utilidade comumente
celebrada: não é verdade - dizem - que a submissão à lei torne os
homens felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm
freqüentemente conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência
ensina que para triunfar no mundo, não é mister justiça e retidão,
mas prudência e habilidade.
Então a realização da humanidade perfeita,
segundo o ideal dos sofistas, não está na ação ética e ascética,
no domínio de si mesmo, na justiça para com os outros, mas no
engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no
domínio violento dos homens. Esse domínio violento é necessário
para possuir e gozar os bens terrenos, visto estes bens serem
limitados e ambicionados por outros homens. É esta, aliás, a única
forma de vida social possível num mundo em que estão em jogo
unicamente forças brutas, materiais. Seria, portanto, um prejuízo a
igualdade moral entre os fortes e os fracos, pois a verdadeira justiça
conforme à natureza material, exige que o forte, o poderoso, oprima o
fraco em seu proveito.
Quanto ao direito e à religião, a posição da
sofística é extremista também, naturalmente, como na gnosiologia e
na moral. A sofística move uma justa crítica, contra o direito
positivo, muitas vezes arbitrário, contingente, tirânico, em
nome do direito natural. Mas este direito natural - bem como a
moral natural - segundo os sofistas, não é o direito fundado sobre a
natureza racional do homem, e sim sobre a sua natureza animal,
instintiva, passional. Então, o direito natural é o direito do mais
poderoso, pois em uma sociedade em que estão em jogo apenas forças
brutas, a força e a violência podem ser o único elemento
organizador, o único sistema jurídico admissível.
A respeito da religião e da divindade,
os sofistas não só trilham a mesma senda dos filósofos
racionalistas gregos do período precedente e posterior, mas - de
harmonia com o ceticismo deles - chegam até o extremo, até o ateísmo,
pelo menos praticamente. Os sofistas, pois, servem-se da injustiça e
do muito mal que existe no mundo, para negar que o mundo seja
governado por uma providência divina.
Protágoras
Protágoras nasceu por volta de 492
a.C. em Abdera e parece ter sido discípulo de Demócrito. Existe uma
história acerca de Protágoras que diz que seu pai, Meândrios, sendo
muito rico, recebeu em sua casa o rei Xerxes, o qual, para lhe
agradecer, ordenou aos magos que ministrassem ao jovem Protágoras o
ensino, que de um modo geral, era reservado aos Persas.
Na realidade, pensa-se
que a família de Protágoras seria de condição modesta e, ele próprio,
teria começado por exercer um trabalho manual. Sobre este seu primeiro
trabalho existe um referência na obra da juventude de Aristóteles,
"Sobre a Educação". Nesse trabalho, Protágoras teria
inventado a tulé (colchão ou esteira sobre a qual se
transportavam os fardos) e a embalagem de cargas (método de encaixar os
ramos de tal modo que um molho se segurava sozinho sem laço exterior).
Achado de natureza mais geométrica do que mecânica.
Esta origem social de Protágoras
explica as suas opiniões democráticas. Grande amigo do líder da
democracia ateniense, Péricles,
foram este e o regime democrático ateniense que escolheram, em 444
a.C., Protágoras para elaborar a Constituição de Thurii.
Foi alvo de uma acusação por
professar o agnosticismo. Como resultado, foi convidado a deixar Atenas
e as suas obras foram queimadas na praça pública. Protágoras foi o
fundador do movimento sofistico. Inaugurou as lições públicas pagas e
estabeleceu a avaliação dos seus honorários. Pretende com o seu
ensino formar futuros cidadãos e por isso reivindica o título de
sofista.
Morreu por volta de 422 a.C., com 62
anos, deixando uma influência profunda em toda a cultura grega
posterior. A sua influência manifesta-se também na filosofia moderna.
As duas grandes obras de Protágoras
são: "As Antilogias" e "A Verdade",
esta última veio a ser conhecida mais tarde por "Grande Tratado".
A doutrina de Protágoras abrange, pelo menos, três momentos que
consistem, primeiro na produção d' "As Antilogias",
depois na descoberta do homem-medida e, finalmente, na elaboração do
discurso forte. O primeiro deles é um momento negativo e os dois
seguintes são construtivos.
As Antilogias
Protágoras foi o
primeiro a defender, em "As Antilogias", que a respeito
de todas as questões há dois discursos, coerentes em si mesmos mas que
se contradizem um ao outro. Divisão polémica uma vez que Protágoras não
apresenta nenhuma razão suficiente para que sejam só dois e não uma
pluralidade de discursos possíveis.
O pensamento protagórico da antilogia
relaciona-se com o pensamento de Heraclito que vê o real como algo de
contraditório e que afirma a imanência recíproca dos contrários.
Contudo, entre Heraclito e Protágoras há uma diferença no modo de
expressão da contradição. Enquanto Heraclito, pela supressão do
verbo ser, mostra no próprio enunciado a contradição interna da
realidade, Protágoras divide a contradição numa antilogia.
O plano d' "As Antilogias"
é-nos relatado numa passagem do Sofista de Platão. Desse plano
fazem parte dois domínios: o do invisível e do visível. Po um lado, o
domínio do invisível coloca o problema do divino. Daqui resulta o
agnosticismo de Protágoras, ou seja, o ponto neutro entre dois
discursos opostos que, a propósito dos deuses, se confrontam, o da crença
e o da descrença. Este agnosticismo prepara e permite o momento
seguinte: a afirmação do homem-medida. Por outro lado, no domínio do
visível colocam-se vários problemas: o da cosmologia, onde Protágoras
estudava a terra e o céu; o da ontologia, onde examinava o devir e o
ser; o da política, onde expunha as diferentes legislações; e,
finalmente, o da arte e das artes.
O homem-medida
Os momentos
construtivos da doutrina de Protágoras pertencem à sua obra "A
Verdade", nomeadamente, o homem-medida. "As Antilogias"
mostraram uma natureza instável e indecisa, desempenhando sempre um
duplo papel. O homem surge como uma medida que vai travar este movimento
de balança, decidir um sentido. É por isso que o escrito sobre "A
Verdade" começa pela célebre frase:
"O homem é a medida de
todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não
são, enquanto não são."
Esta frase continua enigmática.
Note-se que, Protágoras utiliza para designar a "coisa" de
que o homem é medida o termo chrema, e não o termo pragma.
Sendo que o primeiro significa uma coisa de que nos servimos, uma coisa
útil. Depois, surgem algumas questões em redor da tradução do termo métron.
Este é tradicionalmente traduzido por "medida", com o sentido
de "critério", mas há quem rejeite este sentido e lhe
atribua o sentido de "domínio", que deriva da etimologia do
termo.
Outro dos problemas que rodeia esta
expressão diz respeito à extensão a dar à palavra "homem".
O Antigos entenderam a palavra "homem" como designando o homem
singular, o indivíduo com as suas particularidades específicas.
Contudo, no século XIX entendeu-se a palavra "homem" como
significando a humanidade. Mas, Hegel pensa que esta distinção de
sentidos não tinha sido feita por Protágoras.
O discurso forte
Cada indivíduo
é, certamente, a medida de todas as coisas, mas muito fraca se
permanece só com a sua opinião. O discurso não partilhado constitui o
discurso fraco, mal chega a ser discurso, porque a comunicação supõe
algo de comum. Pelo contrário, quando um discurso pessoal encontra a
adesão de outros discursos pessoais, este discurso reforça-se com o
dos outros e torna-se um discurso forte.
A teoria do discurso forte de Protágoras
parece estar em estreita relação com a prática política da
democracia ateniense, existindo vários indícios que para tal apontam.
O primeiro deles era o que Protágoras dizia, segundo Platão, acerca do
Bem. Para ele o Bem não podia existir só e único, mas sim com
facetas, disperso, multicolor.
Um outro indício encontra-se no
"Protágoras" de Platão,
onde Protágoras mostra que a lei da cidade se aplica a todos, tanto aos
que mandam como aos apenas que obedecem. O terceiro indício está
presente no mito de Epimeteu e de Prometeu, no qual Protágoras
estabelece a diferença entre a arte política e as restantes, sendo
estas últimas apenas da competência dos especialistas. Dizia Protágoras
que, Hermes, por conselho de Zeus,
havia distribuído entre todos os homens a virtude política, cujas duas
competências são a justiça e o respeito. Como tal nas cidades democráticas,
para os problemas técnicos apenas se admitia a opinião dos
especialistas, para os problemas democráticos todo o homem se podia
pronunciar. O que constitui mais uma das características da democracia.
Se cada um é capaz de possuir a
virtude política, isso significa que na cidade se pode constituir um
discurso unânime ou, pelo menos, maioritário, que constitui o discurso
forte. O discurso forte tem como fundamento a experiência política.
Esta experiência é a da democracia, na qual não se pesam as vozes,
contam-se. Portanto, a constituição do discurso forte é uma tarefa
essencialmente colectiva.
A virtude política será, então,
um conjunto de conhecimentos possuídos por todos os cidadãos
permitindo-lhes encontrar-se numa plataforma comum. Compreende-se deste
modo que Protágoras tenha dedicado a sua existência à educação do
cidadão e que para ele toda a educação seja educação política. É
que a Paideia tem como
resultado substituir os desvios particulares por um modelo cultural
consistente, que insere os indivíduos no espaço e no tempo.
Isto não significa que Protágoras
defendesse a igualdade de opiniões e de saberes em todos os indivíduos.
Os homens melhores sabem propor aos outros discursos capazes de captar a
sua adesão. Torna-se, nesse caso, o discurso de um só homem, um
discurso forte.
Assim, se para medir o discurso
forte se contam mais as vozes que o seu peso, não é menos verdade que
certas vozes pesam mais que outras pois são capazes de juntar as outras
à sua volta. A teoria do discurso forte de Protágoras parece então
apresentar uma inspiração política que é a da democracia, tal como
Atenas a conheceu na época brilhante de Péricles.
Natureza da Verdade
Vejamos agora duas
interpretações, de Hegel e de Nietzche, da filosofia de Protágoras,
nomeadamente, da sua concepção da verdade.
Segundo Hegel, o que caracteriza a
descoberta do poder da subjectividade é a verdade das coisas que se
encontra mais no homem do que nas coisas.
O princípio fundamental da
filosofia de Protágoras é a afirmação de que todo o objecto é
determinado pela consciência que o percepciona e pensa. O ser não está
em si, mas existe pela apreensão do pensamento. Contudo, há um tema no
pensamento de Protágoras que a interpretação hegeliana não
considerou que é o do valor mais ou menos grande do aparecer, segundo o
seu grau de utilidade. Este tema era essencial para Protágoras, uma vez
que segundo ele o sábio saberia nos seus discursos substituir um
aparecer sem valor e sem utilidade por outro melhor.
Nietzsche apresenta um pragmatismo que
parece ter como fonte o pensamento de Protágoras. Para ele, a obra do
homem superior é criar o valor, que não existe como um dado natural. O
homem vive num mundo de valores.
O tema do útil é central no
pensamento de Protágoras. Para este útil é o critério que
hierarquiza os diferentes valores e faz com que um valor seja preferível
a outro.
A proximidade existente entre
Nietzsche e Protágoras é sugerida pelo próprio Nietzsche, uma vez que
este encara o pensamento como fixação de valores e o valor como
expressão do útil, e ao mesmo tempo caracteriza o homem como o ser
que, por excelência, mede. Apesar disto, existe uma diferença entre
ambos. Por um lado, Nietzsche interpreta esta verdade-útil como erro-útil
e opõe-lhe uma verdade verdadeira. Por outro lado, Protágoras chama
verdade à avaliação segundo a utilidade dada pelo homem. Ideias
incompatíveis se concebermos a verdade absoluta. Protágoras nega a
verdade absoluta, uma vez que o universal não é dado, há que fazê-lo
pelo homem.
Górgias
A vida e as obras
Górgias nasceu na Sicília, em
Leontinos, entre 485 e 480 a.C.. Em 427 a.C., quando Leontinos foi ameaçada
por Siracusa, foi encarregado de conduzir a Atenas uma missão a pedir socorro. Górgias, defende a causa da sua pátria
perante a Assembleia do Povo, em Atenas,
onde alcança um grande sucesso pela sua eloquência.
O seu estilo é tão pessoal que os
gregos criarão o termo "gorgianizar" para designar
"falar à maneira de Górgias". Com o seu estilo, Górgias
conquista para o seu ensino vários atenienses de alta estirpe e
percorre toda a Grécia sem se fixar. Na Tessália ensinou Isócrates,
que veio a fundar em Atenas
uma escola rival da Academi.
Parece ter ficado celibatário e ter passado o fim da sua vida na Tessália,
onde morre mais que centenário.
A
sua audiência e celebridade era tão grande na Grécia que lhe ergueram
uma estátua de ouro maciço em Olímpia.
Foi, sem dúvida, devido à sua imensa fama que os fragmentos existentes
de Górgias são os mais numerosos e completos de todos os sofistas.
Existem até certas obras em extenso, como é o caso d' "O
Elogio de Helena" e d' "A Defesa de Palamedes".
As obras de Górgias podem
distribuir-se em três grandes grupos. O primeiro compreende os textos
de tom essencialmente filosófico, como é o caso de "Sobre o Não-Ser
ou Sobre a Natureza", "O Elogio de Helena" e
"A Defesa de Palamedes". Os textos do segundo grupo
testemunham sobretudo a preocupação pela eloquência e dele constam:
"A Oração Fúnebre", "O Discurso Olímpico",
"O Elogio dos Elisinos" e "O Elogio de Aquiles".
O terceiro grupo de escritos está relacionado com a técnica retórica
e compreende "A Arte Oratória" e "O Onosmástico".
A autodestruição da ontologia
O Tratado do Não-Ser
organiza-se em três teses: nada existe; mesmo se o ser existisse, então
seria incognoscível; e se fosse cognoscível, então este conhecimento
do ser seria incomunicável a outrem.
Para Górgias as coisas não são
mais do que não são. Ainda que o ser existisse, não podia ser nem
gerado, nem não gerado. Mas, mesmo se um tal ser existisse, as coisas
seriam incognoscíveis, pelo menos para nós. As coisas que vemos e
ouvimos existem porque são representadas. Ora, pode representar-se o
que não existe. Portanto, a representação do ser não nos proporciona
o ser e o conhecimento é impossível.
Contudo, tomamos conhecimento pela percepção e comunicamo-lo pela
linguagem. Mas a linguagem não transmite a experiência pela qual o
real se nos dá. Este é incomunicável, porque as coisas não são
discursos.
A poesia da ilusão
Das ruínas da
ontologia, Górgias deduziu um pensamento não ontológico ou antimetafísico,
onde reabilitava as aparências e afirmava a identidade entre o real e a
manifestação.
Se a aparência é modificável, o ser também o será. Isto nada tem de
escandaloso já que, a realidade é contraditória e o princípio de
identidade origina apenas uma ontologia que se contradiz a si própria.
De facto, Górgias tinha uma concepção trágica da realidade. Ele
tinha o sentimento profundo de que a linguagem não evoca senão a aparência,
mas que esta aparência é legítima, do que é exemplo "O
Elogio de Helena".
Para Górgias, o real está
dilacerado pelas contradições, o mundo humano exige uma tomada de posição
e este mundo humano está por fazer. Seria através da poesia,
nomeadamente da arte, que esta tomada de posição seria efectuada.
Portanto, o papel da poesia seria criar a ilusão, mas uma ilusão desejável
e boa. Só esta criaria a coerência mental a que Górgias chama justiça
e sabedoria.
A arte do sofista, isto é, do homem
sábio, era, segundo Górgias, uma "ilusão justificada". O
discurso sofístico, ainda que expresso em prosa, faria parte da poesia
e a ilusão justificada seria tanto mais justificada quanto mais
partilhada fosse pelos ouvintes.
A ilusão justificada é,
principalmente, fruto da linguagem poética, que age no ouvinte de modo
a sugestioná-lo. O problema central dos poderes da linguagem vai
desembocar no estudo da receptividade da alma para a musicalidade das
palavras. A este estudo os antigos chamaram-lhe "psicagogia",
arte de levar a alma, pela persuasão, até onde se quiser levar.
A psicagogia
Para Górgias, a
alma é essencialmente passiva, completamente entregue ao que recebe de
fora. A primeira forma desta passividade é a percepção sensível, que
é vista como o transporte para a alma de uma impressão ou de uma
imagem das coisas que a alma experimenta. A segunda forma de passividade
da alma é a sua abertura à linguagem. Contudo, para que a alma seja
sempre receptiva à linguagem é, por vezes, necessário recorrer à
persuasão.
O discurso isolado nada pode sem o
esforço da persuasão, que age não só sobre os sentidos mas também
sobre a alma. Persuadir consiste em criar uma recepção psíquica dos
ouvintes aos argumentos, dando-lhes peso.
Segundo Górgias, a natureza
profunda desta persuasão é poética, é a palavra ritmada. Atento a
isto, Górgias inventou figuras de estilo que marcam o ritmo. Lembre-se
que Górgias é originário da Grande Grécia e sofreu, precisamente,
influência pitagórica, seita esta que estudou os efeitos da música. O
próprio vocabulário usado para significar a acção da palavra
persuasiva remete-nos para as práticas da magia.
A persuasão do discurso age por
feitiço. O sofista é o feiticeiro. Também o discurso de Górgias age
como magia, uma vez que este se serve nele da linguagem.
O tempo como momento oportuno
O pensamento de
que o tempo não é um meio homogéneo e indiferente, mas que apresenta
ocasiões favoráveis para a acção que vem a propósito, é um
sentimento que já estava presente no helenismo antes de Górgias.
Contudo, é este o primeiro a escrever sobre o kairós. Górgias
concebia um tempo essencialmente descontínuo, feito de a-propósitos e
de contratempos, que não se deixam perspectivar.
A realidade é contraditória e a
poesia da ilusão poupa o homem ao sofrimento, privilegiando um dos
contrários por uma tomada de posição unilateral. A escolha por um dos
contrários não é arbitrária e gratuita, exige sabedoria e sentido de
justiça. Foi o primeiro pensador de uma temporalidade prática e estava
preparado para formar os homens políticos, os futuros governantes, uma
vez que a política é uma ciência sem princípios definidos. O kairós
tem, sem dúvida, valor político na medida em que é retórico e a retórica
é na democracia ateniense um instrumento de poder. O kairós
também intervém na formação dos chefes militares, mas é na vida ética
que o seu conhecimento é essencial.
O ideal da arte do kairós é
tornar a vida moral praticável. Mas o kairós não significa
apenas o momento favorável na vida prática e a arte de o colher, ele
decide da natureza do tempo e concebe-o. O que exclui a valorização da
duração, do longo prazo, da eternidade, conceitos combatidos por Górgias.
A coerência das concepções de Górgias não permitem pensar que este
se tivesse simplesmente entregue às diversões retóricas sem outra
consequência que a de demonstrar o seu talento oratório. Lógico
implacável, excelente artista e pensador profundo, Górgias, como
testemunha a abundância dos seus fragmentos, exerceu nos seus
sucessores uma profunda influência.
Hípias
A vida e as obras
Hípias nasceu em
Élis, cidade próxima de Olímpia,
numa data certamente posterior a 433 a.C.. O ano de 343 a.C. terá sido
o da sua morte, relacionada com a guerra que os exilados democratas
elisinos fizeram aos oligarcas que detinham o poder de Elis. Iniciou-se
nos ofícios manuais, nomeadamente com trabalhos de tecelão e de
sapateiro.
Hípias tinha uma actividade dupla
de homem político e de mestre. O seu talento oratório e a sua destreza
levaram-no a ser escolhido como embaixador da sua cidade natal.
Percorreu toda a Grécia e suas colónias e visitou os ditos povos bárbaros,
cuja língua parece ter aprendido. Foi casado com uma mulher chamada
Platané e teve três filhos.
Pouca coisa restou dos numerosos
escritos de Hípias. Contudo, as suas obras podem dividir-se em três
categorias: os discursos de circunstância, as obras eruditas, e as
obras poéticas. Entre as epideixeis,
sabemos da existência do "Diálogo Troiano". Entre as
obras eruditas conhece-se os "Nomes dos Povos", a
"Lista dos Vencedores nos Jogos Olímpicos" e a "Colecção".
Finalmente, entre outros escritos poéticos encontra-se as "Elegias".
Existem outras obras que lhe são atribuídas, entre as quais o "Anónimo
de Jâmblico", que já faz parte da colecção dos textos sofísticos.
Natureza e totalidade
Os sofistas em
geral apoiaram-se muitas vezes nos antigos fisiólogos, nomeadamente Hípias,
exaltando a natureza face ao nomos.
Hípias concebia a natureza como uma
totalidade, considerando-a composta de coisas distintas, mas exigindo
uma atenção especial à continuidade que as une. Portanto, a
totalidade natural não é uma totalidade monolítica, pelo contrário,
o universo é composto por seres múltiplos particularizados e
qualificados a que chama coisas. Estas coisas existem independentemente
do conhecimento que o homem delas adquire e da expressão linguística
que lhes dá. A afirmação da continuidade natural parecem explicar as
investigações matemáticas de Hípias quanto à rectificação do círculo,
isto é, da invenção da quadratiz. A realidade será contínua se não
há vazio no universo. Para isso, o universo, que é esférico, deve
conter em si volumes com arestas rectilíneas, enchendo estas totalmente
a esfera. Isto implica a possibilidade de passar de um volume cúbico a
um volume esférico, problema que se reduz, em geometria plana, ao da
quadratura do círculo.
A intuição do grande todo que
vibra em uníssono explica também a rejeição, por Hípias, de toda a
forma de separatismo e, principalmente, da cisão entre o ser concreto e
a essência.
Finalmente, a intuição da
continuidade dos seres exprimida pela adopção do grande princípio de Empedocles
(homoiosis). A semelhança une os seres e sutura o universo. O
conhecimento, intelectual ou sensível, é um encontro, porque só o
universo contínuo se pode dar a conhecer. Portanto, o verdadeiro saber
será à imagem e semelhança do cosmos, um todo.
O sofista anuncia, em todos estes
aspectos, Leibniz.
Enquanto filómato e pluri-especialista, seria o intelectual ideal para
a ciência moderna na busca de interdisciplinaridade.
O conhecimento, para Hípias,
decalca-se adequadamente pela estrutura da realidade. E deste modo, Hípias
restaura um realismo ontológico e um optimismo epistemológico que, sem
razão, se recusa muitas vezes à sofística. A racionalidade reencontra
em Hípias um fundamento.
Natureza e lei
A antropologia de
Hípias está no prolongamento directo da sua teoria da natureza.
Estabelece uma oposição entre a natureza (physis) e a lei (nomos),
em benefício da primeira, sendo a lei positiva duramente posta em
causa. O facto de Hípias ter constatado que o nomos é incapaz
de instaurar uma verdadeira justiça é, antes de mais, a expressão da
violenta crise que abalou a sociedade grega no fim do século V a.C. e
princípios do IV a.C..
Também Hípias via a lei como um
disfarce para o poder. Aliás, sabemos que ele foi um dos criadores da
etnologia e, como embaixador e professor itinerante, contactou com múltiplas
legislações positivas e verificou os desacordos e as contradições.
Ninguém melhor do que ele poderia ter a sensação da relatividade
daquilo que as diferentes culturas chamam "justo" e "
bom". É por isso que Hípias destrona o nomos e chama à
lei "o tirano dos homens". Para Hípias a lei tiraniza a
natureza. Para ele a natureza desempenha o papel de uma norma moral
universal, que ultrapassa o particularismo do nomos. Hípias
serve-se disto para explicar a existência de uma benevolência espontânea
do homem pelo seu semelhante. A natureza cria uma socialidade que
precisamente a sociedade destrói. Só a natureza humana que pode fundar
uma sociedade boa. A justiça é vista por ele como obra do direito
natural. A invocação da natureza pretende ter como resultado a exigência
da igualdade.
Pode-se dizer que Hípias foi favorável
à democracia e quer-se reformador desta, se o cosmopolitismo é movido
por esta ideia que o grupo humano deve integrar e não excluir. Com
efeito, protestou contra o seu sistema de acesso às magistraturas, que
podia dar, temporariamente, o poder a incompetentes. O intelectualismo
de Hípias inclina-se a favor da democracia esclarecida. Enquanto homem
universal aberto a todas as técnicas, Hípias prova que a posse de ofícios
particulares não prejudica necessariamente os conhecimentos
intelectuais gerais.
Para concluir, vemos que Hípias não
era de modo algum o faz-tudo superficial que, por vezes, se julgou ver
nele. Possuidor de um espírito aberto e sistemático, construiu uma
doutrina de que infelizmente só podemos entrever, através de escassos
fragmentos que nos foram legados, as amplas perspectivas e a
originalidade.
Pródico
A vida e as
obras
Pródico nasceu
em Iulis, na ilha de Céos, ignorando-se a data do seu nascimento,
embora se aponte para o período entre 470 e 460 a.C.. Sábio e hábil
na arte de falar, foi enviado, pela sua terra natal, como embaixador a Atenas,
onde foi apreciado pela Assembleia do Povo. Em dá lições e torna-se conhecido. Além disso, como mestre percorre várias
cidades gregas. Pródico talvez tenha sido discípulo de Protágoras
e mestre de muitos sofistas, entre eles contam-se Isócrates
e, por vezes, Sócrates.
Quanto às obras
de Pródico, não se sabe se os títulos de que nos falam os testemunhos
antigos pertenceriam a escritos diferentes ou se seriam partes distintas
de um único escrito. Contudo, a segunda hipótese é a mais comummente
aceite. Portanto segundo esta hipótese, além das "Epideixeis",
Pródico teria produzido uma grande obra, "As Estações",
composta por uma secção intitulada Da Natureza. Esta secção
dividia-se em duas partes, tratando uma Da Natureza do Homem.
Obra que incluiria uma fábula sobre Héracles. O título desta grande
obra de Pródico é enigmático, pois pode traduzir-se "Horai"
por "As Horas", que eram em Céos as deusas da
fecundidade, ou por "As Estações".
Teologia natural
A grande obra de
Pródico parece ter começado por um quadro da génese da civilização
relacionada com uma reflexão sobre a natureza e a acção do divino
que, em conformidade com o politeísmo, intervém constantemente nos
empreendimentos do homem. Para Pródico, o desenvolvimento da civilização
fazia-se por meio de tudo o que se relacionasse com a terra e com a
agricultura.
Pródico considerava como deuses os
quatro elementos do universo, o sol e a lua. O divino podia, no
sentimento religioso politeísta de Pródico, transformar-se na própria
substância da vida de todos os dias do homem: no pão, no vinho, na água
e no fogo. Pródico colocava-se, deste modo, na linha da religião
grega, para a qual os deuses estavam estreitamente relacionados com os
fenómenos naturais.
Mas os deuses não se contentam com
serem a natureza, querem também descobrir o que na natureza pode ser útil
ao homem. Pródico fala, com efeito, dos "descobridores". As
descobertas visariam a transformação do trigo em farinha, das uvas em
vinho... O problema que se coloca nos escritos de Pródico é a
identificação destes "descobridores". Coloca-se a questão
de serem os homens que inventaram o que antes não existia e que o
reconhecimento dos seus semelhantes diviniza a seguir ou de serem os que
produziram tudo o que existe de útil para o homem na natureza.
Pródico parece ter sido o primeiro
a escrever uma filosofia da mitologia. Contudo, esta adquire um sentido
particular da expressão, podendo ser considerada uma teologia natural.
A ética heróica
A fábula sobre Héracles
de Pródico é contada por Xenofonte, não nos seus termos exactos, mas
no seu conteúdo. De seguida apresentamos o conteúdo global desta fábula
e alguns dos temas tratados nela.
Héracles, na sua adolescência, retira-se para um lugar solitário para
deliberar sobre a orientação que deve dar à sua vida. Aí surgiram
duas mulheres exaltando cada qual um género de existência: um dedicado
à procura da volúpia e outro dedicado à procura da excelência. A
primeira via é atraente e fácil, a segunda exige um esforço contínuo
em todos os domínios e é recompensada na terra por bens sólidos e
duradouros. As duas vias estão orientadas para a felicidade, mas a
primeira sob a forma do prazer sensível imediato, a segunda sob a forma
de alegria racional.
O tema principal desta obra é o
confronto entre a Excelência (Areté)
e a Maldade (Kakía) que coloca um jovem perante um problema de
escolha, o que revela o despertar da individualidade naquela época. O
homem já não observa cegamente as normas, compara os valores e decide,
mediante uma vontade divina. Um outro tema de Héracles é o
voluntarismo heróico. A excelência não é a aquisição fácil, mas
sim a exaltação da dor e do esforço, necessárias para ultrapassar as
provas impostas que conduzirão à felicidade. Um terceiro tema
importante de Héracles é a determinação clara dos "géneros de
vida". Pródico visa, antes de mais, uma formação para a vida prática.
No parágrafo 30 do apólogo de Héracles,
Pródico passa à condenação da homossexualidade, donde se pode
deduzir que a homossexualidade não era uma prática geral na Grécia
Antiga, mas mais uma característica da aristocracia. Também podemos
concluir que existia um afastamento claro entre Pródico e os costumes e
as tradições aristocráticas.
Pródico reconheceu que os artistas
e os servos têm parte na virtude, o que revela a amplitude do seu
humanismo e as suas tendências políticas não oligárquicas. De facto,
a preocupação política não estava ausente do ensino de Pródico, que
definia o sofista como um intermediário entre o filósofo e o político.
Como tal, dedicava-se à formação dos cidadãos que pretendiam
participar activamente nos assuntos políticos.
Antífon
A vida e as
obras
Antífon foi um
adepto da democracia, que denunciou os preconceitos nobiliárquicos e
exaltou o igualitarismo ao ponto de se opor à clivagem tradicional
entre Gregos e Bárbaros. À parte disto, ignora-se quase tudo da sua
vida, a não ser que era ateniense.
A obra principal de Antífon é um
tratado intitulado "Verdade", em dois livros.
Atribui-se-lhe também "Sobre a Concórdia" e "Político".
Além disso há que acrescentar uma obra particularmente interessante,
de cariz psicológico, intitulada "Da Interpretação dos Sonhos".
É de salientar que o carácter interpretativo dos sonhos de Antífon
era já científico e racional.
As figuras e o seu fundo
Antífon atribuía
a superioridade ontológica, que seria decisiva para o destino da metafísica
ocidental, à matéria, visto que esta constitui a essência e a
natureza dos seres. Contudo, não lhe empregava este termo, mas um termo
que parece ser-lhe exclusivo, que é: arrythmiston. O arrythmiston
constitui a natureza profunda dos seres, a sua verdadeira realidade, e
significa "livre de todo o ritmo (rhythmos)",
"livre de estrutura" ou, ainda, "fundo". Por rhythmos
podemos entender modelo, contorno, estrutura ou organização.
A verdadeira realidade está livre
de estrutura. É o que tentou provar a solução de Antífon da
quadratura do círculo. A realização da rectificação da curva
demonstra a possibilidade da passagem de uma forma geométrica a outra,
sendo a sua verdadeira realidade a homogeneidade do espaço.
O arrythmiston é positivo
porque rejeita toda a particularidade, toda a determinação, pois esta
é negação. O arrythmiston é "reserva" no duplo
sentido do termo: o de reservatório onde nos abastecemos, mas também o
contido na expressão "estar na reserva". O privado da
estrutura é auto-suficiente, não confere nada, já que é a ele que
tudo é concedido. Assim, fica eliminado o privilégio do acabado,
andando a incompletude a par da suficiência. Portanto, pode dizer-se
que o arrythmiston é a juventude da natureza. Com efeito, a
auto-suficiência do "livre de estrutura" tem como consequência
subtraí-lo ao tempo. O arrythmiston é estável e permanente,
indestrutível e imortal. É por isso que o tempo não tem realidade senão
para o indivíduo que é medido por ele, que o pensa, pois este indivíduo
tem um nascimento e uma morte.
O homem é um velador de dia e é
também o ser de um dia. Antífon também recusava ao indivíduo a
consolação dos eternos retornos. Para Antífon, aquilo que o substitui
é verdadeiramente um outro e não um outro eu. O livre de estrutura
fica sempre o mesmo, mas não adquire jamais uma máscara idêntica,
nunca mais volta a repetir-se, o que seria uma maneira de ir ficando. A
partir daqui, para o indivíduo, cada ponto do tempo é um ponto de não-retorno,
e a atitude daqui resultante relativamente à vida é dupla.
A vida é mesquinha, frágil e
curta, em suma é quase nada. Mas, precisamente por ser quase nada, é
preciosa. A vida não é nada, mas este nada é tudo. Portanto, não é
preciso passar a vida a preparar outra vida que não existe e que nos
tira o tempo da vida presente. Para Antífon, a verdadeira vida é a
nossa. Somos irremediavelmente indivíduos, configurações passageiras
que além-túmulo não conservam a sua forma própria e que, por consequência,
nunca mais regressam. Esta seriedade da existência coloca o problema da
felicidade no seio da cidade e da felicidade pessoal.
A lei contra a natureza
Antífon
considerava a felicidade do homem ameaçada pela lei (nomos),
cuja única preocupação é reprimir os desejos da natureza. Para o
demonstrar começou por denunciar a concepção tradicional que define
justiça como a obediência às leis da cidade de que se é cidadão.
O reino do nomos tem como
consequência encorajar a hipocrisia e a dissimulação. Para Antífon a
natureza representava a necessidade interna e a verdade e a lei
representa a exterioridade acidental e convencional.
As determinações da natureza estão fundadas, daí a sua força, e as
da lei não estão, donde resulta a sua fraqueza. O ser da lei é todo
de opinião, portanto, não é nada, enquanto que o da natureza existe
independentemente da ideia que se tenha dela, portanto, é verdade.
Contudo, apesar desta desproporção de forças, a lei ousa opor-se à
natureza, sendo o seu objectivo proibir, reprimir, fazer o mal. Mas este
combate é, para a lei, um combate previamente perdido. É por isso que
Antífon substitui os conceitos severos da ética heróica pelos mais
alegres da nova moral: o útil, a vida, a liberdade e a alegria.
Os preceitos da natureza era
qualificados por Antífon como "necessários", relacionando-se
agora com a liberdade. O paradoxo antifoniano consiste precisamente na
ligação estreita que é estabelecida entre necessidade natural e
liberdade. Para o homem, a liberdade é poder obedecer à physis,
dizer sim à natureza, opor-se-lhe significa sofrer.
Uma das grandes obras de Antífon
intitulava-se "Da Concórdia". A concórdia tinha para
Antífon um fundamento natural. A natureza constitui o terreno do necessário,
ora a amizade é uma necessidade. Antífon viu que os membros de um
grupo se imitam uns aos outros e que a semelhança que daí resulta é
geradora da concórdia. O desejo da natureza é, portanto, o de um
entendimento. Para evitar todo o desvio do indivíduo e toda a ruptura
de harmonia social, Antífon pensava poder apoiar-se no conhecimento.
Uma falta compreensão da natureza fecha os homens uns aos outros e
impede-os de se entenderem. Há que espalhar, então, o saber por entre
os homens a fim de realizar a concórdia.
Ainda do ponto de vista de Antífon,
todos os homens nascem iguais e não há que fazer discriminações
entre nobres e plebeus, e mesmo entre Bárbaros e Helenos.
A interpretação dos sonhos e terapêutica
dos desgostos
Um empreendimento
original de Antífon foi a "arte de eliminar o desgosto", que,
por sua vez, se prende com o tema da concórdia, que significa também a
"unidade de espírito da cada indivíduo consigo próprio". O
que nos faz lembrar o freudismo. Pode-se ainda relacionar com a
actividade onirocrítica de Antífon, isto é, de interpretar sonhos.
Antífon viu toda a importância das
causas psíquicas da doença. A psicologia de Antífon devia ser uma
psicologia dinâmica, que concebe o homem como dividido entre forças
internas que se confrontam e que ele deve equilibrar.
Na Antiguidade, a mântica
dividia-se em uma divinatio naturalis e uma divinatio
artificiosa. A interpretação praticada por Antífon insere-se na
segunda categoria, pois interpreta como presságio favorável um sonho
de catástrofe, e vice-versa. Antífon parecia estabelecer claramente a
diferença entre o conteúdo manifesto e o conteúdo latente do sonho. O
que chama a atenção nesta prática antifoniana de interpretação é a
óptica racionalista, que o distingue da mântica da sua época. Definia
a adivinhação como uma conjectura do homem sábio.
Antífon não era apenas onirocrítico,
foi também o que hoje se chama psiquiatra, que procura aperfeiçoar uma
"arte de eliminar o desgosto". De facto, Antífon dizia-se
capaz de curar por meio da palavra as pessoas que sofriam de desgosto.
Um outro traço original de Antífon foi, com efeito, o seu projecto de
refundição da linguagem, exprimindo a maior parte dos seus contextos
mais importantes por palavras que inventava. Antífon insistia muito no
aspecto convencional dos nomes, que deviam esconder-se face às
realidades ou, pelo menos, decalcá-las o mais estreitamente possível.
Pretendia dar um sentido mais puro às palavras e de modo a dizer o que
havia para dizer.
É de espantar que tantos
testemunhos deste pensador se tenham perdido, sendo um facto que dele
nada sabemos. E isto porque de entre todos os sofistas este será,
provavelmente, o maior. É de notar a profunda unidade de inspiração
que atravessa os fragmentos que dele restam.
Crítias
A vida e as
obras
Crítias foi um
homem de acção mais do que um teórico. Nascido por volta de 455 a.C.,
pertenceu a uma família nobre de tendências oligárquicas. Parece não
se ter comprometido no governo dos Quatrocentos e a sua táctica parece
ter sido, como a de certos jovens nobres, fazer o jogo da democracia
seduzindo o povo e controlando o seu voto pelo prestígio do verbo.
A vitória de Esparta
sobre Atenas,
em 404 a.C., consagrou a derrota da democracia. Nesse momento, Crítias
regressou a Atenas,
como a maioria dos oligarcas, para estabelecer um governo oligárquico,
que não duraria senão alguns meses. Crítias salientou-se como um dos
mais arrebatados oligarcas e foi o culpado de várias atrocidades. O
horror que os massacres suscitaram impeliram a resistência dos
democratas a organizar-se e a reforçar-se. No decorrer dos combates, Crítias
é morto em 403 a.C., pouco antes do desmoronamento do regime oligárquico
e do restabelecimento da democracia.
Das obras de Crítias existem ainda
vários fragmentos, de importância desigual, em prosa e em verso. Em
verso, existe as "Elegias", uma "Constituição
da Lacedemónia", três tragédias: "Tenes",
"Radamanto", "Pirithoüs" e um drama
satírico: "Sísifo". Em prosa, perderam-se os seus
"Prólogos" de discursos políticos, a sua "Constituição
dos Atenienses" e a "Constituição dos Tessálios",
mas conservaram-se os fragmentos da "Constituição dos Lacedemónios".
Crítias foi também o primeiro a escrever "Aforismos",
assim como "Conversações" e um tratado perdido "Da
Natureza do Amor ou das Virtudes".
A antropologia
A chave do
pensamento da Crítias é paradoxal. E esta chave é precisamente a
ideia de que os homens são bons mais pelo exercício que pela natureza.
Pensa-se, geralmente, que um aristocrata só podia fazer depender a areté
da natureza, do nascimento. Mas, pelo contrário, para Crítias os
homens seriam iguais por natureza, diferindo apenas pela cultura.
Portanto, o que distinguia para ele a aristocracia era a longa e difícil
formação educativa que se lhe dava e que ela a si se dava.
Crítias traçou uma linha de
demarcação nítida entre o sentir e o conhecer. Pensamento e sensações
opõem-se como a unidade à multiplicidade. Esta distinção não faz,
no entanto anunciar, a posterior distinção entre a alma e o corpo. A
teoria do carácter apareceu em Crítias como o elo de ligação entre a
sua concepção do homem e a respectiva concepção política.
O pensamento político
Crítias exaltou
o esforço da formação voluntária em detrimento da espontaneidade
natural, opôs a fragilidade da lei ao carácter que, quando presente em
alguém, é inabalável. O carácter (tropos) não podia, para
Crítias,
pertencer à multidão, porque é próprio de um indivíduo. O homem
superior que estaria acima das leis e, portanto, não as receberia senão
de si próprio. Crítias via a lei como algo necessário à sociedade,
mas que é imposta pelo aristocrata.
Crítias contesta a ideia da omnipotência
da palavra. O seu feitiço encantatório nada pode contra um verdadeiro
carácter, isto é, contra o querer esclarecido do homem nobre.
Considerava a retórica boa apenas para o povo.
A crítica da lei contínua na
famosa passagem do "Sísifo", onde Crítias analisa a
astúcia da religião que inventa deuses para conseguir de cada homem a
sua auto-repressão. Crítias descobriu que a lei é mais forte que a
natureza e que pode até domá-la.
Os textos de Crítias são muitas
vezes citados para ilustrar as manifestações de ateísmo na
Antiguidade, uma vez que traduz um cepticismo completo quanto à existência
real dos deuses. Contudo, não se pode dizer que condene a religião,
pelo contrário, reconhece a necessidade social da crença nos deuses e
os seus efeitos benéficos.
O pensamento de Crítias acaba por
nos aparecer menos embebido de contradições do que se faz crer. O
preconceito aristocrático do seu pensamento vai a par do compromisso pró-oligárquico
da sua vida. Crítias parece também professar uma visão antilógica do
real. Pensamento da contradição, sem dúvida, mas de uma contradição
estabilizada no mesmo sentido pela vitória de um dos contrários.
Lícofon
A vida e as obras
Da vida e das
obras de Lícofon pouco se sabe. Sabe-se que foi um pensador imponente e
discípulo de .
Restam-nos apenas seis curtos fragmentos ou testemunhos que nos permitem
fazer uma ideia de dois aspectos do seu pensamento: a sua teoria do
conhecimento e a sua teoria política.
O conhecimento
A estrutura do
falar filosófico articula-se de acordo com os pressupostos da metafísica
clássica e o ponto essencial deste pacto encontra-se no verbo ser, na
junção do lógico (como teoria da linguagem) e do ontológico (como
teoria do Ser). Lícofon, consciente das dificuldades da lógica ontológica,
procurou ultrapassá-las suprimindo a ontologia. Para tal, Lícofon
suprimiu o verbo ser.
Supõe-se que Lícofon recusava a
metafísica, uma vez que recusava a distinção: entre a substância e o
acidente e entre o ontológico e o lógico. Usava com grande frequência
expressões compostas com o objectivo de elaborar uma retórica em que a
proposição predicativa se deslocasse. Como consequência, o adjectivo
já não está adjacente, a realidade surge tal como a experimentamos.
A rejeição do discurso lógico não
implica, para Lícofon, a impossibilidade do conhecimento, mas é a
favor de uma concepção intuitiva do saber. Lícofon dizia,
inclusivamente, que a ciência é a comunhão (sunousia) entre o
saber e a alma.
A política
Lícofon
participou no grande debate sobre a relação entre nomos-physis,
entre a lei e a natureza. Ponha em questão o carácter restrito da polis
e tirava à lei todo o carácter sagrado, todo o valor ético. Via a lei
como uma criação do homem que obtém a sua legitimidade da utilidade
que tem para os homens. Não encontrava na lei qualquer fundamento na
natureza.
Lícofon pensava que a comunidade
política era semelhante a uma aliança. Tal como os estados fazem alianças
para se ajudarem, também cada cidadão faz aliança com todos em vista
a uma ajuda mútua. Esta é uma concepção pragmática da realidade que
pressupõem a afirmação do individualismo.
Segundo Lícofon, a natureza cria
indivíduos todos iguais, logo a nobreza não é mais que um efeito da
sociedade e, tal como esta, uma convenção. A posição política de Lícofon
é clara. Ele era um adepto da democracia, pelo menos um adversário dos
oligarcas. Neste sentido, integra-se perfeitamente na corrente sofística
tal como nos aparece.
Trasímaco
A vida e as
obras
Trasímaco era
originário da Calcedónia, na Bitínia, onde terá nascido por volta de
459 a.C.. Exercia em Atenas,
já antes de 427 a.C., a profissão de advogado e reivindicava o título
de sofista. Conheceu a guerra do Peloponeso, foi, em Atenas,
espectador da luta dos partidos e parece ter tomado parte,
indirectamente, na vida política, redigindo discursos para outrem, uma
vez que não sendo ele cidadão de Atenas,
não podia falar na Assembleia do Povo.
As suas obras parecem ter consistido
em "Discursos Deliberativos", um "Grande
Tratado de Retórica", cujas diferentes partes seriam os Exórdios,
os Enternecimentos, os Discursos Vitoriosos, os Recursos
Oratórios e os Discursos de Circunstância. De tudo apenas
restaram fragmentos que nos levantam dois problemas: o problemas da
Constituição, que é histórico, e o problema da justiça, que é
filosófico.
O debate constitucional
No fragmento
"Da Constituição" Trasímaco denúncia o sistema
maioritário da democracia, que se gastava em discursos contraditórios,
quando o perigo se tornava iminente. O sofista faz um esforço para se
elevar acima das desgraças que afligem a Cidade, cuja causa política
é de duas ordens: conflito no exterior (guerra do Peloponeso) e discórdia
no interior (luta entre oligarcas e democratas). A solução que Trasímaco
apresentava era, numa palavra: homonoia, a concórdia. Este
acordo podia realizar-se a um nível duplo: no pensamento e na acção.
Com efeito, os adversários julgam apenas opor-se e não sentem que, no
domínio prático, eles pretendem fazer as mesmas coisas, e que, no domínio
teórico, as suas afirmações encontram-se contidas umas nas outras. São
lançadas aqui as bases de um verdadeiro logos de reconciliação.
Trasímaco, na medida em que pensava que as contradições se resolvem
pela implicação mútua dos discursos, que só são contrários na aparência,
opõe-se a Protágoras.
Justiça e justificação
Trasímaco
verificou que a justiça não reina como soberana na realidade de todos
os dias, mas sim as infelicidades da virtude e as prosperidades do vício.
Dedicou-se, então, a uma forte crítica do nomos, a uma
verdadeira desmitificação da lei, que longe de servir de muralha
contra a injustiça, se encontra contaminada por ela e pervertida. A lei
era vista, por Trasímaco, como um instrumento do poder e não o
enunciado racional que deveria ser. E portanto, não podia garantir a
moralidade.
Trasímaco procurava a justiça e
apenas se deparou com a justificação, isto é, com o esforço para
legitimar um poder, para transformar uma força em direito. As leis
encobrem interesses particulares camuflados com o interesse geral.
Trasímaco foi, sem dúvida, um dos
primeiros a opor tão nitidamente a ética à política e a dissociá-las.
É daqui que deriva o seu descontentamento e também a sua actualidade.
Ficou sem dúvida no momento do divórcio entre a ética e a política,
pois o seu pensamento acerca da interioridade ética não estava maduro.
O QUE ENSINAVAM
Não existia um
consenso entre os currículos que apresentavam.
Cada sofista expunha ou salientava
os conteúdos que considerava importantes e não tinha de dar satisfações
a ninguém sobre a escolha efectuada. Apesar de tudo, embora os sofistas
ensinassem quaisquer assuntos relacionados, por exemplo, com a arte, com
a ciência e com a política, podemos observar, como veremos, alguns
pontos comuns a todos eles.
A relação
com os poetas
Há
uma relação bastante próxima entre os sofistas e os poetas tais como Homero,
Hesíodo, Teogonis, Simónides
e Píndaro.
Por um lado, já na época dos poetas a questão da educação constituía
um problema relevante. Jäeger refere que a necessidade de ensinar a areté
já era sentida por Simónides,
Teogonis e Píndaro.
Com eles a poesia tornou-se "o palco de uma discussão
apaixonada sobre a educação" (Jäeger, 1986: pág.346). O
mesmo autor refere que Simónides,
por seu lado, era
também um sofista típico. Quanto a ,
os sofistas viam-no como uma autêntica enciclopédia de conhecimentos e
uma verdadeira mina de regras prudentes para a vida.
A força educativa da obra dos
poetas era algo de inquestionável para os gregos. Todos admiravam a sua
beleza e respeitavam os seus ensinamentos. Assim, para além de
reconhecerem uma elevada importância aos poetas, os sofistas tinham
consciência de que, tomando-os como referência, seriam bem aceites,
ouvidos e respeitados. O recurso aos antigos era, de facto, muito
utilizado. No diálogo "Protágoras"
podemos observar que, a dado momento, Protágoras
se dirige para Sócrates dizendo:
"Creio eu, Sócrates, que para um homem
a parte mais importante da educação consiste em ser perito
em matéria de poesia, e essa perícia significa poder
entender e saber distinguir, na obra dos poetas, o que está
feito de modo correcto e o que não está e justificar-se
perante qualquer dúvida. Pois a minha pergunta de agora é
precisamente sobre esse assunto acerca do qual tu e eu temos
estado a discutir, acerca da virtude, só que transferido para
a poesia."
Protágoras
(338e-339)
|
No entanto,
apesar desta proximidade entre os poetas e os sofistas, não se pode
deixar de referir que os sofistas foram inovadores. Eles não se
limitaram ao trabalho de memorização dos poemas (típico do aédos),
nem sequer à mera análise gramatical efectuada pelos gramatistés.
Profundamente conscientes de várias questões morais e políticas que
envolviam a sociedade daquele tempo, os sofistas utilizam a poesia para
levantar um vasto conjunto de novos problemas, dando-lhe uma abordagem
utilitária, direccionada à vida dos cidadãos. Assim,
dedicavam-se a interpretar minuciosamente todos os recantos e pormenores
de linguagem utilizados pelos antigos poetas, divertiam-se a encontrar
contradições nos seus poemas e serviam-se deles para discutir
variados assuntos e defender os seus pontos de vista.
O ensino da Retórica
Os
sofistas eram particularmente conhecidos como sendo professores de retórica,
sobretudo no domínio das leis e da política, nos meandros do poder e
da sua ascensão. Preocupavam-se em dotar os seus alunos de uma
capacidade de argumentação suficientemente persuasiva. Para cumprirem
este objectivo, alguns sofistas davam uma preparação formal que
frequentemente consistia em fornecer aos seus alunos discursos feitos
sobre determinados assuntos, com o objectivo de serem repetidos em
futuras ocasiões, tais como nos processos perante os tribunais, ou
sentenças inteligentes e informações fragmentárias a serem
utilizadas em momentos oportunos.
A retórica não se limitou à
Assembleia ou aos tribunais.
Estendeu-se por muitos outros campos que, habitualmente, pertenciam aos
domínios da poesia. Nos banquetes e nas festas, em vez das tradicionais
canções, passaram também a ser dados maravilhosos discursos sobre
temas políticos ou filosóficos que faziam as delícias de quem os
escutava.
Infelizmente, perderam-se muitos dos
escritos gramaticais e das retóricas dos sofistas. Apesar
disto, ainda existem os "Discursos Duplos" e o "Eutidemo"
que mostram como a arte da discussão era utilizada como uma verdadeira
arma nos combates oratórios. As investigações mostram como a
argumentação lógica de uma prova, introduzida pela retórica, foi
substituindo as antigas provas jurídicas de testemunhas e juramentos.
O ensino
da Dialéctica
Ao
que parece foi Protágoras
o primeiro a ensinar que, em toda a questão, se podia defender o pró e
o contra. Mas o objectivo principal era ensinar a vencer em toda a
discussão possível. Protágoras
segue um método de discussão cuja finalidade é confundir o adversário,
tomando como ponto de partida questões ou afirmações eventualmente
proferidas pelo lado oposto.
Os outros sofistas seguiram nesta
espantosa arte de contornar o raciocínio fazendo um apelo à lógica de
uma forma extraordinariamente subtil e encantadora.
Como os fins justificam os meios, o
que pretendem é utilizar tudo o que seja eficaz para vencer o adversário.
O raciocínio cede lugar aos truques e astúcias paradoxais que geram,
simultaneamente, o encanto e a confusão nos ouvintes.
A
componente prática da vida
O
saber sofista estava muito direccionado para a componente prática da
vida. O que ensinavam estava adequado às necessidades dos seus alunos
(o que terá contribuído para a sua grande aceitação por parte
destes!). Pretendiam dar respostas imediatas a determinadas situações,
pelo que olhavam, de uma forma bastante concreta e real, para os
assuntos que reclamavam uma intervenção imediata.
O facto de Protágoras
ter referido a determinada altura que quem fosse ter com ele não
aprenderia senão o que pretendesse aprender e que o seu ensino se
destinava "à boa gestão dos assuntos particulares - de modo a
administrar com competência a sua própria casa - e dos assuntos da
cidade - de modo a fazê-lo o melhor possível quer por acções quer
por palavras" (Pinheiro, 1999: pág.88) é
um bom exemplo do que acabámos de explicitar.
Como diz Marrou (1966: pág.89) nem Protágoras
nem Górgias
se preocuparam em desenvolver uma doutrina, mas sim em formular regras
de conduta prática. Eles não ensinavam aos seus alunos nenhuma verdade
sobre o ser ou sobre o homem, mas, apenas, a terem sempre razão, em
qualquer circunstância.
Neste contexto, a argumentação e a
persuasão consistiam as linhas de conduta destes profissionais.
Acreditavam na possibilidade de defesa de dois argumentos completamente
opostos e estimulavam os seus alunos a defender o lado aparentemente
mais fraco.
,
numa comédia intitulada "As Nuvens", confirma o que
acabámos de referir relativamente à "defesa das causas
perdidas".
Narra-se a história de um pai que
se endividou comprando cavalos de corrida para o seu filho. A
determinada altura o pai diz para o filho:
"Acorda, meu filho. Estás a ver aquela casa ali no fim
da rua? Aquela casa é um pensatório de sofistas. Lá moram
homens que falam do céu, querendo convencer-nos que o céu é
uma tampa de um forno e que nós somos os carvões. Se lhe
der-mos algum dinheiro, são capazes de nos ensinar a vencer
nos discursos, nas causas justas e injustas. São pensadores
meditabundos, gente de bem! Ó se são! Por favor, meu filho,
esquece um pouco as corridas de cavalos e junta-te a eles.
Torna-te um deles. Dizem que os raciocínios são dois, o
forte, seja ele qual for, e o fraco. Afirmam que o segundo
raciocínio, isto é, o fraco, através do discurso, pode
vencer nas causas mais injustas. Ora, querido filho, se
aprenderes este raciocínio injusto, não pagarei um óbolo a
ninguém do dinheiro que estou a dever por tua culpa!"
As
Nuvens, Aristófanes
|
Os
sofistas ensinavam a arte de jogar com as palavras, em enlaces
rebuscados do raciocínio, procurando validar as suas ideias a qualquer
custo, vencendo o seu opositor. Górgias,
no funeral de soldados mortos na guerra, proferiu um discurso fúnebre
que ilustra este jogo de palavras frequentemente utilizado pelos
sofistas:
"Que qualidades faltavam a estes homens daquelas que os
homens devem possuir? E que possuíam eles que os homens não
devam possuir? Talvez eu seja capaz de dizer o que desejo e
possa desejar o que devo, escapando à vingança dos deuses e
evitando a inveja dos homens. Pois que divina era a coragem
que esses homens possuíam, mas humana a sua
mortalidade."
Cit. In
Baldry (1968: 113 )
|
A
Nomos-Physis
Os gregos, em geral, e os sofistas,
em particular, estabeleceram um violento debate entre o nomos e o
physis. Este confronto é referido em discussões políticas e
morais, em escritos históricos, na filosofia e na literatura dramática.
Os sofistas consideravam que a physis
estava relacionada com o nascimento e com o crescimento, ou seja, estava
relacionada com a essência natural de um fenómeno, ao contrário da nomos,
relacionada com aquilo que é adquirido ou estabelecido por costume.
Estas conotações influenciaram as
práticas. Os sofistas defendiam que aquilo que tem origem na physis
é inviolável e permanente. Por extensão, houve a tendência para
olharem as coisas tal como elas são realmente e não como aparentam
ser, pelo que nunca se pode transgredir a physis. Pelo contrário,
aquilo que é do domínio da nomos, é susceptível de ser
transgredido uma vez que se trata de algo convencional, imposto.
O facto da oposição nomos-physis
tactear alguns pontos bastante importantes para os gregos, faz com
que seja despoletada a controvérsia e a discussão. De facto, os deuses
existiam pela physis (na realidade) ou pela nomos? A
organização política do estado era estabelecida pela vontade divina,
por uma necessidade natural ou pela nomos? As diferenças
existentes entre as várias raças de seres humanos são naturais ou
convencionais? A escravidão de um povo sobre outro é algo de inevitável
e natural ou é do domínio da nomos? Etc.
Como não poderia deixar de ser,
estas questões eram susceptíveis de grande polémica e constituíam
excelentes pontos de apoio para as mais variadas discussões.
Não podemos esquecer que a
dicotomia nomos-physis terá sido sentida pelos sofistas uma vez
que possuíam um conhecimento bastante alargado das várias terras e
gentes. O facto de serem pessoas muito viajadas e atentas terá contribuído
para este efeito pois permitiu-lhes aperceberem-se das diferentes práticas
religiosas, usos e costumes consoante as regiões por onde passavam.
O Relativismo
A
relatividade da verdade era uma das bases do ensino de Protágoras.
Ele treinava os seus alunos a argumentar ambos os lados de uma questão,
como já tivemos oportunidade de dizer, pois considerava que a verdade não
se limitava a apenas um dos lados. Ao dizer que "o homem é a
medida de todas as coisas",
não se refere ao homem enquanto espécie humana, mas enquanto ser
individualmente considerado. Com isto ele introduziu a relatividade da
verdade, segundo a qual a verdade valia para cada um, em particular, não
existindo, portanto, uma verdade geral, pelo que não interessava procurá-la.
Naquela altura o importante era
viver! E, na vida política o fundamental não era possuir a verdade,
mas ser capaz de convencer o público sobre um determinado argumento em
detrimento de outro.
Protágoras
não tinha nenhuma verdade para ensinar aos seus alunos, mas apenas a
terem sempre razão em qualquer circunstância. "Protágoras
tomou emprestado de Zenão
de Eleia os seus procedimentos polémicos e a sua dialéctica
rigorosa, esvaziando-os, porém, daquilo que lhes dava seriedade"
(Marrou, 1966: pág.90).
A dialéctica aplicada à política
vira, portanto, costas à ética. Foi devido a estes aspectos que Platão
defendia que a técnica sofista era usada por quem queria ludibriar os
outros e enganá-los e praticar o mal e a injustiça.
O Direito e a Moral
"Em
coerência com o cepticismo teórico, destruidor da ciência, a sofística
sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Desta forma, é
bem o que satisfaz o sentimento, o impulso, a paixão de cada um, em
cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem o
hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única
regra de conduta é o interesse particular. Górgias
manifesta uma plena indiferença para com todo o tipo de moralismo.
Apenas ensina aos seus discípulos a arte de vencer os adversários, que
a causa seja justa ou não, não lhe interessa." (retirado de http://www.angelfire.com)
A
moral, portanto, como norma universal de conduta é vista pelos sofistas
não como uma lei racional do agir humano, mas como constituindo um
entrave à própria vivência do Homem.
Assim, os sofistas estabelecem uma
oposição especial entre a natureza e a lei, quer política, quer
moral, considerando-a como fruto arbitrário, interessado, mortificador
e convencional. Entendem por natureza, não a natureza humana racional,
mas a natureza humana sensível, animal, instintiva.
Além disso, acham que a submissão
à lei não torna os homens felizes, pois grandes malvados, mediante
graves crimes, têm frequentemente conseguido alcançar êxitos bastante
consideráveis no mundo. Portanto, não é a justiça e a rectidão que
fazem um homem poderoso, mas sim a prudência e a habilidade.
Para os sofistas, a realização da
perfeita humanidade não está na acção ética, mas sim no
engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio
violento dos homens. Isto faz com que os sofistas critiquem
profundamente o direito positivo, muitas vezes arbitrário, contingente,
tirânico, em nome do direito natural, considerado como sendo o direito
mais poderoso. Numa sociedade em que estão em jogo apenas forças
brutas, a autoridade e a violência podem ser o único elemento
organizador, o único sistema jurídico admissível.
A Religião
A
revolução intelectual encabeçada pelos sofistas também atingiu a
religião. Esta questão está
intimamente relacionada com a oposição nomos-physis: os deuses
foram impostos ou surgiram naturalmente? Se surgiram naturalmente,
porque é que existem deuses tão diferentes de região para região? Se
foram impostos, como se pode aceitar que comandem as nossas vidas se
também eles são imperfeitos, vingativos, cruéis, adúlteros e
ciumentos? Porque é se devem imitar, se têm tantos vícios?
A maior parte dos sofistas viam os
deuses como uma criação humana. Em geral, eram ateus. O mundo era de
origem natural e não uma criação divina. Mas, mais uma vez, são
detectáveis diversas posições. Protágoras
tinha uma posição agnóstica, declarava desconhecer se os deuses
existiam ou não. Considerava esta questão como obscura e não
merecedora de atenção já que a "vida é curta". Por
seu lado Crítias
defendia que os deuses haviam sido inventados pelos governos com o
objectivo de levarem os homens a acreditar que tudo o que faziam na
Terra, quer fosse secreto ou não, era visto pelos deuses e os homens
iriam ser responsabilizados por tais comportamentos, fossem eles bons ou
maus.
Claro que isso não significa que,
com o ateismo dos sofistas, os deuses tenham desaparecido do mundo
grego. Por um lado, porque os sofistas e os seus alunos constituíam uma
minoria. Por outro lado, porque as pessoas mais conservadoras encaravam
a descrença sofista como sinal de profanação e impiedade.
Aspectos distintos
Para
além de diferenças que existiam no que respeita aos currículos que
seguiam, podem ser realçadas algumas diferenças manifestadas pelos
sofistas em determinados aspectos.
Em primeiro lugar, nem todos
encaravam a sua profissão da mesma forma. Enquanto alguns se davam por
satisfeitos em transmitir conhecimentos que haviam adquirido, fazendo-o
de um modo bastante despreocupado, outros sentem a sua profissão como
uma atribuição que têm de respeitar e cumprir com toda a dedicação.
Estes consideravam-se dotados da tecnhé política, que ensinavam
aos seus alunos como sendo a verdadeira educação, capaz de manter a
união entre a comunidade e a civilização humana.
Sobre este aspecto Protágoras
possui uma visão bastante particular:
"Na verdade, ao procurar-me, Hipócrates
não experimentará os problemas que o perturbariam
frequentando a companhia de outro sofista, com efeito, os
outros assoberbam os jovens. Quando os vêem fugir às
especializações, empurram-nos novamente para elas, contra
vontade."
Protágoras,
Pinheiro (1999): pág.88
|
Para
este sofista só a educação política é verdadeiramente universal e
útil à juventude. É por este motivo que considera o seu ensino como
sendo superior ao dos outros sofistas que, segundo ele, segmentam o
ensino.
Um outro aspecto onde podemos
detectar diferenças entre os sofistas está relacionado com a cultura
que cada um possuía e a importância que eles foram dando aos vários
assuntos. Relativamente aos temas a que davam uma maior importância,
sabe-se que enquanto uns desprezaram as artes, os ofícios e as ciências,
e se dedicaram a outros domínios, outros desenvolveram uma verdadeira
pesquisa e foram grandes inovadores em diferentes matérias de foro
científico. Refira-se, a título de exemplo, que enquanto Górgias
e Protágoras
ensinavam a areté,
Hípias
possuía uma enorme admiração pelas ciências, tendo registado "dados
sobre astronomia, geometria, aritmética e música" (Pombo,
1996: pág.30).
Parece que a contribuição dos
sofistas foi importante para se revelarem alguns progressos em várias
ciências, como na Matemática. Embora esta fosse vista como sendo
perfeitamente inútil, quer aos olhos de alguns sofistas, quer aos de
alguns cidadãos, ela foi ganhando espaço nos currículos. Na
realidade, através da Matemática e da Astronomia era possível
desenvolverem-se aptidões completamente distintas das técnicas e práticas
derivadas da Gramática, da Retórica e da Dialéctica. Com ela era possível
construir e ordenar, de uma forma geral, a força espiritual.
Os
Sofistas Merecem O Meu Perdão
Em
observância ao contemporâneo e profano cosmo capital, fomentador da
degeneração social, permite-se asseverar que o triste cotidiano
presente ratifica as pretéritas ponderações sofistas.Ao se cogitar em
ideal de JUSTIÇA, o conceito sofista em razão desse é espurco,
repulsivo. Mas quando nos volvemos à modernidade (diga-se duvidosa),
fundada em antropocentrismo jurídico, vislumbra-se uma realidade fático-social
consentânea às asserções sofismadas
Trasímaco,
notável sofista, afirmou: “o Direito é um bem de outrem. É uma
vantagem para quem manda e um dano para quem obedece”
Desditosamente,
o empirismo econômico-social corrobora, inapelavelmente, para a validação
de tal ideologia logrativa. A axiologia jurídica é desprezada pelos rábulas
ou, como dizem na praxe, operadores do Direito, verdadeiros seres
bestiais. A teleologia jurídica é desvirtuada para caminhos fúteis,
frívolos e cavernosos de leis vulgarmente mecânicas, que
demagogicamente se jactam justas. Destarte, podemos não concordar com
tal sofistaria quando se propende o espírito racional para o ideal
supremo de justiça, mas se configura um absurdo histórico-fático
negar a validade literal de tal filosofia neste século nascente.
Não obstante ao ceticismo moral que observamos no propugnáculo do
corpo social, suplico-lhes, AMIGOS DO DIREITO, uma busca insofreável e
pugnaz pela JUSTIÇA ABSOLUTA, mantendo a luzerna da verdade reta e etérea
como a inteligência universal de um querubim. Devemos ser convictos e
justos como SÓCRATES, trilhando veredas ou adotando atitudes que
espantem e até causem medo porque havidas como perigosas às mesmices,
às uniformidades sociais e preconceitos dominantes“.
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