A Escola de Frankfurt Um Traçado Histórico Em novembro de 1918, pro clamou-se a república em um país até então dominado pela família dos Hohenzollern, cujo poder se ampliou desde sua constituição no século XII, na Prússia, até o século XX e que conduziu à unificação dos principiados independentes, formando um Estado nacional. Foi Bismarck quem, em 1871, consolidou o Estado alemão sob a hegemonia da Prússia, o que significava predominância do militarismo e da burocracia. A Alemanha, portanto, tornou-se à imagem e semelhança do Reino da Púrssia. No início do século XX a Alemanha assistiu a duas insurreições operárias: a de novembro de 1918 - que proclamou a república e depôs os Hohenzollern - e a de 1923, levante dos operários de Bremen, sufocados pelo Partido Socialista Alemão, que, na ocasião, era governo. A sociedade alemã foi seriamente abalada por esses movimentos.
Fundação da Escola de Frankfurt A Escola de Frankfurt foi fundada em 1924 por iniciativa de Félix Weil, filho de um grande negociante de grãos de trigo na Argentina. Antes dessa denominação tardia (só viria a ser adotada, e com reservas, por Horkheimer na década de 1950), cogitou-se o nome Instituto para o Marxismo, mas optou-se por Instituto para a Pesquisa Social. Seja pelo anticomunismo reinante nos meios acadêmicos alemães nos anos 1920-1939, seja pelo fato de seus colaboradores não adotarem o espírito e a letra do pensamento de Marx e do marxismo da época, o Instituto recém-fundado preenchia uma lacuna existente na universidade alemã quanto à história do movimento trabalhista e do socialismo. Carl Grünberg, economista austríaco, foi seu primeiro diretor, de 1923 a 1930. O órgão do Instituto era a publicação chamada Arquivos Grünberg. Horkheimer, a partir de 1931, já com título acadêmico, pôde exercer a função de diretor do Instituto, que se associava à Universidade de Frankfurt. O órgão oficial dessa gestão passou a ser a Revista para a Pesquisa Social, com uma modificação importante: a hegemonia era não mais da economia, e sim da filosofia. A Teoria Crítica realiza uma incorporação do pensamento de filósofos "tradicionais", colocando-os em tensão com o mundo presente.
Principais Filósofos da Escola de Frankfurt Max Horkheimer Max Horkheimer nasceu em 1885, Stuttgard, e faleceu em 1973. Como todos os intelectuais da Escola de Frankfurt, era judeu de origem, filho de um industrial - Mortitz Horkheimer -, e ele próprio estava destinado a dar continuidade aos negócios paternos. Por intermédio de seu amigo Pollock, Horheimer associou-se em 1923 à criação do Instituto para a Pesquisa Social, do qual foi diretor, em 1931 sucedendo o historiador austríaco Carl Grünberg. Theodor Adorno Theodor Wiesengrund Adorno nasceu em 1903 em Frankfurt, filho de pai alemão - um próspero negociante de vinhos, judeu assimilado - e mãe italiana. Cedo em sua vida intelectual, descobriu a obra de Kant por intermédio de seu amigo Kracauer, especialista em sociologia do conhecimento, que viria a se notabilizar com a publicação da obra De Caligari a Hitler, sobre as relações entre o cinema e o nazismo. Adorno vinha de um meio de musicistas e amantes de músicas e logo se orientou para a estética musical. Com o fim da Guerra, Adorno é um dos que mais desejam o retorno a Frankfurt, tornando-se diretor-adjunto do Instituto Para Pesquisa Social e seu co-diretor em 1955, com a aposentadoria de Horkheimer, Adorno torna-se o novo diretor. Herbert Marcuse Herbert Marcuse nasceu em Berlim numa família de judeus assimilados. Foi membro do Partido Sicial-Democráta Alemão entre 1917 e 1918, tendo participado de um Conselho de Soldados durante a revolução berlinence de 1919, na seqüência da qual deixou o partido. Estudou filosofia em Berlim e Freiburg, onde conheceu os filósofos e professores de filosofia Husserl e Heidegger e se doutorou com a tese "Romance de artista". HORKHEIMER
Materialismo e Moral
Teoria
Tradicional e Teoria Crítica
A Dimensão
Estética
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Marcuse, Adorno, Horkheimer, Benjamin e Habermas - Teóricos de Frankfurt
O
fato poderia ser visto apenas à luz da psicologia individual, mas na verdade
transcende esses limites e adquire dimensão social e cultural mais ampla. O
intelectual em questão era Walter Benjamin, um dos principais representantes da
chamada Escola de Frankfurt.
As
idéias dessa corrente de pensamento encontram-se, em grande parte, nas páginas
da Revista de Pesquisa Social, um dos documentos mais importantes para a
compreensão do espírito europeu do século XX. Seus colaboradores estiveram
sempre na primeira linha da reflexão crítica sobre os principais aspectos da
economia, da sociedade e da cultura de seu tempo; em alguns casos chegaram mesmo
a participar da militância política. Por tudo isso, foram alvo de perseguição
dos meios conservadores, responsáveis pela ascensão e apogeu dos regimes
totalitários europeus da época.
Fundado
em 1924, o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, do qual a revista era
porta-voz, foi obrigado, com a ascensão ao poder na Alemanha do
nacional-socialismo, em 1933, a transferir-se para Genebra, depois para Paris,
e, finalmente, para Nova York. Nesta cidade a revista passou a ser publicada com
o título de Estudos de filosofia e Ciências Sociais. Com a vitória dos
aliados na Segunda Guerra Mundial, os principais diretores da revista puderam
regressar à Alemanha e reorganizar o Instituto em 1950.
Alfred
Schmidt, que se dedicou à investigação da importância e da influência da
Revista de Pesquisa Social, afirma que nela se fundem, de maneira única, a
autonomia intelectual, a análise crítica e o protesto humanístico. Os
colaboradores da revista opunham-se aos periódicos e instituições de caráter
acadêmico, desenvolvendo um pensamento comum nesse sentido, sem que isso,
contudo, anulasse interesses e orientações individuais e, sobretudo, sem que
fossem postas de lado as exigências de rigor científico. Gian Enrico Rusconi,
outro estudioso da Escola de Frankfurt, chama a atenção para o fato de que o
pensamento desse grupo não pode ser compreendido sem ser vinculado à tradição
da esquerda alemã. Para Rusconi, o significado histórico e político das
reflexões encontradas na Revista de Pesquisa Social reside em sua continuidade
em relação ao marxismo e à ciência social anticapitalista Essa posição teórica
foi desenvolvida tendo como pano de fundo as experiências terríveis e
contraditórias da república de Weimar, do nazismo, do estalinismo e da guerra
fria. Ainda segundo Rusconi, a “teoria crítica” , como costuma ser chamado
o conjunto dos trabalhos da Escola de Frankfurt, é uma expressão da crise teórica
e política do século XX, refletindo sobre os seus problemas com uma
radicalidade sem paralelo. Por isso, os trabalhos de seus pensadores exerceram
grande influência, direta em alguns casos, indireta noutros, sobre os
movimentos estudantis, sobretudo na Alemanha e nos Estados Unidos, nos fins da década
de 60.
A
história desse grupo de pensadores pode ser iniciada com a fundação do
Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, sob direção de Carl Grünberg, que
permaneceu no cargo até 1927. Grünberg abria o primeiro número do Arquivo de
História do Socialismo e do Movimento Operário (publicação que fundou em
1911), salientando a necessidade de não se estabelecer privilégio especial
para esta ou aquela concepção, orientação científica ou opinião de
partido. Grünberg estava convencido de que qualquer unidade de pontos de vista
entre os colaboradores prejudicaria os fins críticos e intelectuais da própria
iniciativa. Posteriormente, já na direção da Revista de Pesquisa Social, ele
próprio se consideraria um marxista, mas entendendo essa posição não em seu
sentido apenas político-partidário, mas em seu significado científico; o
conceito “marxismo” servia-lhe para descrição de um sistema econômico, de
uma determinada cosmovisão e de um método de pesquisa bem definido. Essa
postura inicial de Grünberg – vinculada a uma “escola” de pensamento, mas
ao mesmo tempo entendendo-a em sua dimensão crítica e como perspectiva aberta
– constitui, de modo geral, a tônica do pensamento dos elementos do grupo de
Frankfurt.
Entre
os colaboradores da Revista, contam-se figuras muito conhecidas de um público
mais amplo, como Herbert Marcuse (1898-1979), autor de Eros e Civilização e O
Homem Unidimensional (ou Ideologia da Sociedade Industrial), e Erich Fromm
(1900-1980), que se dedicou a estudos de psicologia social, nos quais procura
vincular a psicanálise criada por Freud (1856-1939) às idéias marxistas.
Outros são menos conhecidos, como Siegfried Kracauer, autor de um clássico
estudo sobre o cinema alemão (De Caligari a Hitler), ou Leo Löwenthal, que se
dedicou a reflexões estéticas e de sociologia da arte. Ao grupo da Revista
pertenceram também Wittfogel, F. Pollock e Grossmann, autores de importantes
estudos de economia política. Os homens e
suas obras
Entre
todos os elementos vinculados ao grupo de Frankfurt, salientam Tentam-se, por
razões d diversas, os nomes de Walter Benjamin, Theodor Wiesengrund-Adorno e
Max Horkheimer, aos quais se pode ligar o pensamento de Jürgen Habermas. Esses
autores formaram um grupo mais coeso e em suas obras encontra-se um pensamento
dotado de maior unidade teórica.
Os
traços biográficos e o perfil humano de Walter Benjamin são os mais
conhecidos entre esses quatro pensadores de Frankfurt; sua morte, quando era
ainda relativamente moço (48 anos) e em circunstâncias trágicas, deixou marca
indelével entre os amigos, fazendo com que surgissem muitos depoimentos sobre
sua vida e sobre sua personalidade. Para Adorno, Walter Benjamin era a
personalidade mais enigmática do grupo, seus interesses eram freqüentemente
contraditórios e sua conduta oscilava entre a intransigência quase ríspida e
a polidez oriental. Essa maneira de ser aparentava mais o temperamento vibrante
de um artista do que a tranqüilidade e a frieza racional, normalmente esperadas
de um filósofo. Seu pensamento parecia nascer de um impulso de natureza artística,
que, transformado em teoria como diz ainda Adorno “liberta-se da aparência e
adquire incomparável dignidade: a promessa de felicidade”.
Outro
depoimento que enriquece de significados o perfil intelectual e humano de Walter
Benjamin é o de Gerschom Scholem, seu companheiro desde a juventude: Scholem o
conheceu na primavera de 1915, quase um ano após o começo da Primeira Guerra
Mundial, e relata que nessa época ficou impressionado com a profunda sensação
de melancolia de que o amigo parecia estar permanentemente possuído. Walter Benjamin nasceu em Berlim, em 1892, de ascendência israelita. Seus estudos superiores foram iniciados em 1913 e realizados em várias universidades, nas quais sempre exerceu intensa atividade política e cultural entre os colegas. Em 1917, casou-se e passou a viver em Berna (Suíça), em cuja universidade apresentou uma dissertação acadêmica intitulada O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão. Em 1921, publicou uma tradução dos Quadros Parisienses de Baudelaire (1821-1867) e no ano seguinte o poeta e dramaturgo Hugo Von Hofmannsthal (1874-1929) o convidou para publicar na revista que dirigia (Novas Contribuições Alemãs) seu primeiro grande ensaio: As “Afinidades Eletivas” de Goethe. Em 1928, Walter Benjamin viu truncadas suas esperanças de uma carreira universitária, quando a universidade de Frankfurt recusou sua tese: As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha. Para assegurar a sobrevivência, passou então a dedicar-se à crítica jornalística e a traduções, escrevendo ainda numerosos ensaios. Nessa época, fez uma das mais perfeitas traduções em língua alemã que se conhece: À Procura do Tempo Perdido, de Proust (1871-1922). Além disso, projetou uma grande obra de filosofia da história, cujo título deveria ser Paris, Capital do Século XIX e que ficou incompleta. A década de 1930 trouxe-lhe outros infortúnios: seus pais faleceram, teve de divorciar-se da esposa e viu ascender o totalitarismo nazista. Sob a ditadura de Hitler, ainda conseguiu publicar alguns trabalhos menores, recorrendo ao disfarce de pseudônimos. Em 1935, foi obrigado a refugiar-se em Paris, onde os dirigentes emigrados do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt receberam-no como um dos seus colaboradores e deram-lhe condições para escrever alguns de seus mais importantes trabalhos: A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, Alguns Temas Baudelairianos, O Narrador, Homens Alemães. Finalmente veio a falecer na fronteira entre Espanha e França, em circunstâncias dramáticas. Theodor Wiesengrund-Adorno nasceu em 1903, em Frankfurt, cidade onde fez seus primeiros estudos e em cuja universidade se graduou em filosofia. Em Viena, estudou composição musical com AIban Berg (1885-1935), um dos maiores expoentes da revolução musical do século XX. Em 1932, escreveu o ensaio A Situação Social da Música, tema de inúmeros outros estudos: Sobre o Jazz (1936), Sobre o Caráter Fetichista da Música e a Regressão da Audição (1938), Fragmentos Sobre Wagner (1939) e Sobre Música Popular (1940-1941). Em 1933, com a tomada do poder pelos nazistas, Adorno foi obrigado a refugiar-se na Inglaterra, onde passou a lecionar na Universidade Oxford, al i permanecendo até 193 7. Nesse ano, transferiu-se para os Estados Unidos, onde escreveria, em colaboração com Horkheimer, a obra Dialética do Iluminismo (1947). Foi também nos Estados Unidos que Adorno realizou, em colaboração com outros pesquisadores, um estudo considerado posteriormente como um modelo de sociologia empírica: A Personalidade Autoritária. Esta obra foi publicada em 1950, ano em que Adorno pôde regressar à terra natal e reorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Entre outras obras publicada ficadas por Adorno, antes de sua morte, ocorrida em 1969, sal Tentam-se ainda Para a Metacrítica da Teoria do Conhecimento - Estudos Sobre Husserl e as Antinomias Fenomenológicas (1956), Dissonâncias (1956), Ensaios de Literatura I, II e III (1958 a 1965), Dialética Negativa (1966), Teoria Estética (1968) e Três Estudos Sobre Hegel (1969).
Max
Horkheimer, o principal diretor da Revista de Pesquisa Social desde o
afastamento de Grünberg nos fins da década de 20, nasceu em Stuttgart, a 14 de
fevereiro de 1895 e faleceu em Nuremberg, a 9 de julho de 1973. Em 1930,
tornou-se professor em Frankfurt, onde permaneceu até 1934, quando teve de se
refugiar, como os demais companheiros. Nesse ano transferiu-se; para os Estados
Unidos, passando a lecionar na Universidade de Colúmbia. Nos Estados Unidos,
Horkheimer permaneceu até 1949, ano em que pôde regressar a Frankfurt e
reorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais, com Adorno. A maior parte dos escritos de Horkheimer encontra-se nas páginas da Revista de Pesquisa Social. Entre os mais importantes contam-se: Inícios da Filosofia Burguesa da História (1930), Um Novo Conceito de Ideologia (1930), Materialismo e Metafísica (1930), Materialismo e Moral (1933), Sobre a Polêmica _ do Racionalismo na Filosofia Atual (1934), O Problema da Verdade (1935), O Último Ataque à Metafísica (193 7) e Teoria Tradicional e Teoria Crítica (1937).
Jürgen Habermas é considerado um herdeiro direto da escola de Frankfurt. Nascido em 1929, em Gummersbach, Habermas licenciou-se em 1954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854), intitulado O Absoluto e a História. De 1956 a 1959, colaborou estreitamente com Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Em 1968, transferiu-se para Nova York, passando a lecionar na New Yorker New School for Social Research. Entre suas obras principais, contam-se Entre a Filosofia e a Ciência - O Marxismo como Crítica (1960), Reflexões Sobre o Conceito de Participação Pública (publicado em 1961, juntamente com trabalhos de outros autores, com o título geral de O Estudante e a Política), Evolução Estrutural da Vida Pública (1962), Teoria e Práxis (1963), Lógica das Ciências Sociais (1967), Técnica e Ciência como Ideologia (1968), e Conhecimento e Interesse (1968). Benjamim: cinema e revolução
Os
múltiplos interesses dos pensadores de Frankfurt e o fato de não constituírem
uma escola no sentido tradicional do termo, mas uma postura de análise crítica
e uma perspectiva aberta para todos os problemas da cultura do século XX, torna
difícil a sistematização de seu pensamento. Pode-se, no entanto, salientar
alguns de seus temas, chegando-se a compor um quadro de suas principais idéias.
De Walter Benjamin, devem-se destacar reflexões sobre as técnicas ficas de
reprodução da obra de arte, particularmente do cinema, e as conseqüências
sociais e políticas resultantes; de Adorno, o conceito de “indústria
cultural” e a função da obra de arte; de Horkheimer, os fundamentos
epistemológicos da posição filosófica de todo o grupo de Frankfurt, tal como
se encontram formulados em sua “teoria crítica”; e, finalmente, de Habermas,
as idéias sobre a ciência e a técnica como ideologia.
Benjamin
tinha seu ensaio A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução na
conta de primeira grande teoria materialista da arte. O ponto central desse
estudo encontra-se na análise das causas e conseqüências da destruição da
“aura” que envolve as obras de arte, enquanto objetos individualizados e únicos.
Com o progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, a aura,
dissolvendo-se nas várias reproduções do original, destituiria a obra de arte
de seu status de raridade. Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fica
excluída da atmosfera aristocrática e religiosa, que fazem dela uma coisa para
poucos e um objeto de culto, a dissolução da aura atinge dimensões sociais.
Essas dimensões seriam resultantes da estreita relação existente entre as
transformações técnicas da sociedade e as modificações da percepção estética.
A perda da aura e as conseqüências sociais resultantes desse fato são
particularmente sensíveis no cinema, no qual a reprodução de uma obra de arte
carrega consigo a possibilidade de uma radical mudança qualitativa na relação
das massas com a arte. Embora o cinema diz Walter Benjamin exija o uso de toda a
personalidade idade viva do homem, este priva-se de sua aura. Se, no teatro, a
aura de um Macbeth, por exemplo, liga-se indissoluvelmente à aura do ator que o
representa, tal como essa aura é sentida pelo público, fico, o mesmo não
acontece no cinema, no qual a aura dos intérpretes desaparece com a substituição
do público pelo aparelho. Na medida em que o ator se torna acessória da cena,
não é raro que os próprios acessórios desempenhem o papel de atores.
Benjamin
considera ainda que a natureza vista pelos olhos difere da natureza vista pela câmara,
e esta, ao substituir o espaço onde o homem age conscientemente por outro onde
sua ação é inconsciente, possibilita a experiência do inconsciente visual,
do mesmo modo que a prática psicanalítica possibilita a experiência do
inconsciente instintivo. Exibindo, assim, a reciprocidade de ação entre a matéria
e o homem, o cinema seria de grande valia para um pensamento materialista.
Adaptado adequadamente ao proletariado que se prepararia para tomar o poder, o
cinema tornar-se-ia, em conseqüência, portador de uma extraordinária esperança
histórica.
Em
suma, a análise de Benjamin mostra que as técnicas de reprodução das obras
de arte, provocando a queda da aura, promovem a liquidação do elemento
tradicional da herança cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um
germe positivo, na medida em que possibilita I outro relacionamento das massas
com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renovação das estruturas
sociais. Trata-se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexão crítica
por parte de Adorno. Adorno: a indústria cultural
Para
Adorno, a postura otimista de Benjamin no que diz respeito à função
possivelmente revolucionária do cinema desconsidera certos elementos
fundamentais, que desviam sua argumentação para conclusões ingênuas. Embora
devendo a maior parte de suas reflexões a Benjamin, Adorno procura mostrar a
falta de sustentação de suas teses, na medida em que elas não trazem à luz o
antagonismo que reside no próprio interior do conceito de “técnica”.
Segundo Adorno, passou despercebido a Benjamin que a técnica se define em dois
níveis: primeiro “enquanto qualquer coisa determinada intra-esteticamente”
e, segundo, “enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte”. O
conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: ele possui uma
origem histórica e pode desaparecer. Ao visarem à produção em série e à
homogeneização, as técnicas de reprodução sacrificam a distinção entre o
caráter da própria obra de arte e do sistema social. Por conseguinte, se a técnica
passa a exercer imenso poder sobre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, graças,
em grande parte, ao fato de que as circunstâncias que favorecem tal poder são
arquitetadas pelo poder dos economicamente mais fortes sobre a própria
sociedade. Em decorrência, a racionalidade da técnica identifica-se com a
racionalidade do próprio domínio. Essas considerações evidenciariam que, não
só o cinema, como também o rádio, não devem ser tomados como arte. “O fato
de não serem mais que negócios – escreve Adorno – basta-lhes como
ideologia”.Enquanto negócios, seus fins comerciais são realizados por meio
de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. Tal
exploração Adorno chama de “indústria cultural”.
O
termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialética
do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Este último, numa série de conferências
radiofônicas, pronunciadas em 1962, explicou que a expressão “indústria
cultural” visa a substituir “cultura de massa”, pois esta induz ao engodo
que satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de
massa. Os defensores da expressão “cultura de massa” querem dar a entender
que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias
massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria
cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas
adapta seus produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio
consumo. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a
indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de
seus elementos, às condições que representam seus interesses. A indústria
cultural traz em seu bojo todos os elementos característicos do mundo
industrial moderno e nele exerce um papel específico, qual seja, o de portadora
da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema. AI fada à
ideologia capital capitalista, e sua cúmplice ice, a indústria cultural
contribui eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como
dos homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espécie
de antiiluminismo. Considerando-se diz Adorno que o iluminismo tem como
finalidade libertar os homens do medo, tornando-os senhores e liberando o mundo
da magia e do mito, e admitindo-se que essa finalidade pode ser atingida por
meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo
instauraria o poder do homem sobre a ciência e sobre a técnica. Mas ao invés
disso, liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de novo engodo: o
progresso da dominação técnica. Esse progresso transformou-se em poderoso
instrumento utilizado pela indústria cultural para conter o desenvolvimento da
consciência das massas. A indústria cultural
nas palavras do próprio Adorno “impede a formação de indivíduos autônomos,
independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. O próprio ócio
do homem é utilizado pela indústria cultural com o fito de mecanizá-lo, de
tal modo que, sob o capital capitalismo, em suas formas mais avançadas, a
diversão e o lazer tornam-se um prolongamento do trabalho. Para Adorno, a
diversão é buscada pelos que desejam esquivar-se ao processo de trabalho
mecanizado para colocar-se, novamente, em condições de se submeterem a ele. A
mecanização conquistou tamanho poder sobre o homem, durante o tempo livre, e
sobre sua felicidade, determinando tão completamente a fabricação dos
produtos para a distração, que o homem não tem acesso senão a cópias e
reproduções do próprio trabalho. O suposto conteúdo não é mais que uma pálida
fachada: o que realmente lhe é dado é a sucessão automática de operações
reguladas. Em suma, diz Adorno, “só se pode escapar ao processo de trabalho
na fábrica e na oficina, adequando-se a ele no ócio”.
Tolhendo
a consciência das massas e instaurando o poder da mecanização sobre o homem,
a indústria cultural cria condições cada vez mais favoráveis para a implantação
do seu comércio fraudulento, no qual os
consumidores são continuamente enganados em relação ao que lhes é prometido
mas não cumprido. Exemplo disso encontra-se nas situações eróticas
apresentadas pelo cinema. Nelas, o desejo suscitado ou sugerido pelas imagens,
ao invés de encontrar uma satisfação correspondente à promessa nelas
envolvida, acaba sendo satisfeito com o simples elogio da rotina. Não
conseguindo, como pretendia, escapar a esta última, o desejo divorcia-se de sua
realização que, sufocada e transformada em negação, converte o próprio
desejo em privação: A indústria cultural não sublima o instinto sexual, como
nas verdadeiras obras de arte, mas o reprime e sufoca. Ao expor sempre como novo
0 objeto de desejo (o seio sob o suéter ou o dorso nu do
herói desportivo), a indústria cultural não faz mais que excitar o
prazer preliminar não sublimado que, pelo hábito da privação, converte-se em
conduta masoquista. Assim, prometer e não cumprir, ou seja, oferecer e privar,
são um único e mesmo ato da indústria cultural. A situação erótica,
conclui Adorno, une “à alusão e à excitação, a advertência precisa de
que não se deve, jamais, chegar a esse ponto”. Tal advertência evidencia
como a indústria cultural administra o mundo social.
Criando
“necessidades” ao consumidor (que deve contentar-se com o que lhe é
oferecido), a indústria cultural organiza-se para que ele compreenda sua condição
de mero consumidor, ou seja, ele é apenas e tão-somente um objeto daquela indústria.
Desse modo, instaura-se a dominação natural e ideológica. Tal dominação,
como diz Max Jiménez i Jiménez, comentador de Adorno, tem sua mola motora no
desejo de posse constantemente renovado pelo progresso técnico e científico, e
sabiamente controlado pela indústria cultural. Nesse sentido, o universo
social, além de configurar-se como um universo de “coisas”, constituiria um
espaço hermeticamente fechado. Nele, todas as tentativas de liberação estão
condenadas ao fracasso.
Contudo,
Adorno não desemboca numa visão inteiramente pessimista, e procura mostrar que
é possível encontrar-se uma via de salvação. Esse tema aparece desenvolvido
em sua última obra, intitulada Teoria Estética.
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A obra de
arte e a práxis
Em
Teoria Estética nas palavras do
comentador Kothe “Adorno oscila entre negar a possibilidade de produzir arte
depois de Auschwitz e buscar nela refúgio ante um mundo que o chocava, mas que
ele não podia deixar de olhar e denominar”. Essa postura foi extremamente
criticada pelos movimentos de contestação radical, que o acusavam de buscar
refúgio na pura teoria ou na criação artística, esquivando-se assim da práxis
política. A seus detratores, Adorno responde que, embora plausível para
muitos, o argumento de que contra a totalidade bárbara não surtem efeito senão
os meios bárbaros, na verdade não releva que, apesar disso, atinge-se um valor
limite. A violência que há cinqüenta anos podia parecer legítima àqueles
que nutrissem a esperança abstrata e a ilusão de uma transformação total está,
após a experiência do nazismo e do horror stalinista, inextricavelmente
imbricada naquilo que deveria ser modificado: “ou a humanidade renuncia à
violência da lei de talião, ou a pretendida práxis política radical renova o
terror do passado”.
Criticando
a práxis brutal da sobrevivência, a obra de arte, para Adorno, apresenta-se,
socialmente, como antítese da sociedade, cujas antinomias e antagonismos nela
reaparecem como problemas internos de sua forma. Por outro lado, entre autor,
obra e público, a obra adquire prioridade epistemológica, afirmando-se como
ente autônomo. Esse duplo caráter vincula-se à própria natureza desdobrada
da arte, que se constitui como aparência. Ela é aparência por sua diferença
em relação à realidade, pelo caráter aparente da realidade que pretende
retratar, pelo caráter aparente do espírito do qual ela é uma
manifestação; a arte é até mesmo aparência de si própria na medida
em que pretende ser o que não pode ser: algo perfeito num mundo imperfeito, por
se apresentar como um ente definitivo, quando na verdade é algo feito e tornado
como é. Horkeimer: ciência e totalitarismo
A
expressão “teoria crítica” é empregada para designar o conjunto das
concepções da Escola de Frankfurt. Horkheimer delineia seus traços
principais, tomando como ponto de partida o marxismo e opondo-se àquilo que ele
designa pela expressão “teoria tradicional”. Para Horkheimer, o típico da
teoria marxista é, por um lado, não pretender qualquer visão concludente da
totalidade e, por outro, preocupar-se com o desenvolvimento concreto do
pensamento. Desse modo, as categorias marxistas não são entendidas como
conceitos definitivos, mas como indicações para investigações ulteriores,
cujos resultados retroajam sobre elas próprias. Quando se vale, nos mais
diversos contextos, da expressão “materialismo” Horkheimer não repete ou
transcreve simplesmente o material codificado nas obras de Marx e Engels, mas
reflete esse materialismo segundo a óptica dos momentos subjetivos e objetivos
que devem entrar na interpretação desses autores.
Por
teoria tradicional Horkheimer entende uma certa concepção de ciência
resultante do longo processo de desenvolvimento que remonta ao Discurso do Método
de Descartes (1596-1650). Descartes – diz Horkheimer – fundamentou o ideal
de ciência como sistema dedutivo, no qual todas as proposições referentes a
determinado campo deveriam ser ligadas de tal modo que a maior parte delas
pudesse ser derivada de algumas poucas. Estas formariam os princípios gerais
que tornariam mais completa a teoria, quanto menor fosse seu número. A exigência
fundamental dos sistemas teóricos construídos dessa maneira seria a de que
todos os elementos assim ligados o fossem de modo direto e não contraditório,
transformando-se em puro sistema matemático de signos. Por outro lado, a teoria
tradicional encontrou amplas justificativas para um tal tipo de ciência no fato
de que os sistemas assim construído construídos são extremamente aptos à
utilização operativa, isto é, sua aplicabilidade prática é muito vasta.
Horkheimer
admite a legitimidade e a validez de tal concepção, reconhecendo o quanto ela
contribuiu para o controle técnico da natureza, transformando-se, como diz
Marx, em “força produtiva imediata”. Mas o reverso da moeda é negativo.
Para Horkheimer, o trabalho do especialista, dentro dos moldes da teoria
tradicional, realiza-se desvinculado dos demais,
permanecendo alheio à conexão global dos setores da produção. Nasce
assim a aparência ideológica de uma autonomia dos processos de trabalho, cuja
direção deve ser deduzida da natureza interna de seu objeto. O pensamento
cientificista contenta-se com a organização da experiência, a qual se dá
sobre a base de determinadas atuações sociais, mas o que estas significam para
o todo social não entra nas categorias da “teoria tradicional”. Em outros
termos, a teoria tradicional não se ocupa da gênese social dos problemas, das
situações reais nas quais a ciência é usada e dos escopos para os quais é
usada. Chega-se, assim, ao paradoxo de que a ciência tradicional, exatamente
porque pretende o maior rigor
para que seus resultados alcancem
a maior aplicabilidade prática, acaba por se tornar mais abstrata, muito mais
estranha à realidade (enquanto conexão mediatizada da práxis global de uma época)
do que a teoria crítica. Esta, dando relevância social à ciência, não
conclui que o conhecimento deva ser pragmático; ao contrário, favorece a
reflexão autônoma, segundo a qual a verificação prática de uma idéia e sua
verdade não são coisas idênticas.
A
teoria crítica ultrapassa, assim, o subjetivismo e o realismo da concepção
positivista, expressão mais acabada da teoria tradicional. O subjetivismo,
segundo Horkheimer, apresenta-se nitidamente quando os positivistas conferem
preponderância explícita ao método, desprezando os dados em favor de uma
estrutura anterior que os enquadraria. Por outro lado, mesmo quando os
positivistas atribuem maior peso aos dados, esses acabam sendo selecionados pela
metodologia utilizada I utilizada. E esta atribui maior relevo a determinados i
nados aspectos dos dados, em detrimento mento de outros.
A
teoria crítica, ao contrário, pretende ultrapassar tal subjetivismo, visando a
descobrir o conteúdo cognoscitivo da práxis histórica. Os fatos sensíveis,
por exemplo, vistos pelos positivistas como possuidores de um valor irredutível,
são, para Horkheimer, “pré-formados socialmente de dois modos: pelo caráter
histórico de objeto percebido e pelo caráter histórico do órgão que
percebe”.
Outros
elementos de crítica ao positivismo, sobretudo os aspectos políticos nele
envolvidos, encontram-se em uma conferência de Horkheimer, em 1951, com o título
Sobre o Conceito de Razão. Nessa conferência, ele afirma que o positivismo
caracteriza-se por conceber um tipo de razão subjetiva, formal e instrumental,
cujo único critério de verdade é seu valor operativo, ou seja, seu papel na
dominação do homem e da natureza. Desse ponto de vista, os conceitos não mais
expressam, como tais, qualidades das coisas, mas servem apenas para a organização
de um material do saber para aqueles que podem dispor habitualmente dele; assim,
os conceitos são considerados como meras abreviaturas de muitas coisas
singulares, como ficções destinadas a melhor sujeitá-las; já não são
subjugados mediante um duro trabalho concreto, teórico e político, político,
mas exemplificados ficados abstrata e sumariamente, através daquilo que se
poderia chamar um decreto filosófico. Dentro dessas coordenadas, a razão
desembaraça-se da reflexão sobre os fins e torna-se incapaz de dizer que um
sistema político ou econômico é irracional. Por cruel e despótico que ele
possa ser, contanto que funcione, a razão positivista o aceita e não deixa ao
homem outra escolha a não ser a resignação. A teoria justa, ao contrário
escreve Horkheimer, “nasce da consideração dos homens de tempos em tempos,
vivendo sob condições determinadas e que conservam sua própria vida com a
ajuda dos instrumentos de trabalho”. Ao considerar que a existência social
age como determinante da consciência, a teoria crítica não está anunciando
sua visão do mundo, mas diagnosticando uma situação que deveria ser superada.
Em
suma, a teoria crítica de Horkheimer pretende que os homens protestem contra a
aceitação resignada da ordem total totalitária. A “razão polêmica” de
Horkheimer, ao se opor à razão instrumental e subjetiva dos positivistas, não
evidencia somente uma divergência de ordem teórica. Ao tentar superar a razão
formal positivista, Horkheimer não visa suprimir a discórdia entre razão
subjetiva e objetiva através de um processo puramente teórico. Essa dissociação
somente desaparecerá quando as relações entre os seres humanos, e destes com
a natureza, vierem á configurar-se de maneira diversa da que se instaura na
dominação. A união das duas razões exige o trabalho da totalidade social, ou
seja, a práxis histórica.
Habermas: tecnicismo e ideologia
Jürgen
Habermas desenvolve sua teoria no mesmo sentido de Horkheimer. Para ele, a
teoria deve ser crítica, engajada nas lutas políticas do presente, e
construir-se em nome do futuro revolucionário para o qual trabalha; é exame teórico
e crítico da ideologia, mas também crítica revolucionária do presente.
O
projeto filosófico de Habermas pode ser sintetizado em termos de uma crítica
do positivismo e, sobretudo, da ideologia dele resultante, ou seja, o
tecnicismo. Para Habermas, o tecnicismo é a ideologia que consiste na tentativa
de fazer funcionar na prática, e a qualquer custo, o saber científico e a técnica
que dele possa resultar. Nesse sentido, pode-se falar de um imbricamento entre
ciência e técnica, pois esta, embora dependa da primeira, retroage sobre ela,
determinando seus rumos. Essa vinculação, mostra Habermas, é particularmente
sensível nos Estados Unidos (na URSS, por suposição ocorreria algo análogo),
onde a Secretaria de Defesa e a NASA são os mais importantes comanditários em
matéria de pesquisa científica. Na medida em que se considera o complexo
militar industrial, particularmente observável nos Estados Unidos, e na medida
em que se releva aquela comandita, tem-se como conseqüência um novo complexo
que poderia ser referido como complexo ciência-técnica-indústria-exércitoadministração.
Nesse complexo, o processo de mútua vinculação entre ciência e técnica
amplia-se tornando-se um processo generalizado de realimentação recíproca que
Habermas compara a um sistema de vasos comunicantes. Desse modo, ciência e técnica
tornam-se a primeira fora produtiva, subordinando todas as demais: Para Habermas,
“são os cientistas e os técnicos que, graças a seu saber daquilo que ocorre
num mundo não vivido de abstrações e de deduções, adquiriram imensa e
crescente potência (...), dirigindo e modificando 0 mundo no qual os homens
possuem, simultaneamente, o privilégio e a obrigação de viverem”. Assim,
esse contexto, não apenas técnico-científico, mas também econômico-político
, passa a ser a conotação da técnica. Nesse sentido, o autor ataca a ilusão
objetivista das ciências. Contra a ilusão da teoria pura, Habermas procura
trazer à tona as raízes antropológicas da prática teórico-científica e
evidenciar os interesses, que estão no princípio do conhecimento,
particularmente do conhecimento científico.
No
plano da filosofia social, Habermas critica o objetivismo ontológico e
contemplativo da filosofia teórica tradicional. Para ele, em nenhum caso a
filosofia poderia ser propriamente uma ciência exata, e as pretensões que ela
pode (e poderá) manifestar nesse sentido não fazem senão testemunhar sua
contaminação pelo objetivismo positivista das ciências; nesse contexto ela não
é mais que uma especial idade entre outras, no seio da instituição universitária,
colocando-se “junto às ciências” e afastada das preocupações de um público
leigo, devido a seus refinamentos teóricos. A crítica do positivismo científico e filosófico, empreendida por Habermas, é inseparável de sua luta contra o objetivismo tecnocrático. O positivismo e o tecnicismo não passam, para ele, de duas faces da mesma e ilusória moeda ideológica: tanto um, como outro, não seriam mais que “manchas turvas no horizonte da racionalidade”.
Herbert
Marcuse
Herbert Marcuse
nasceu em Berlim em agosto de 1898, sendo de origem judaica, De sua juventude
sabemos que participou em 1918 do movimento revolucionário spartakista; em
1925, já reconciliado na vida acadêmica (formou-se em filosofia por Berlim e
Friburgo), publicou seu primeiro trabalho, um levantamento bibliográfico sobre
Schiller. Estudos com Martin Heidegger levaram-no ao doutorado em filosofia em
1927, com uma tese sobre Hegel, a grande influência filosófica em seu
pensamento. Esta tese, ampliada, transformar-se-ia em 1932 num erudito livro
sobre Hegel e a história: A ontologia de Hegel e o fundamento de uma teoria da
historicidade, o que lhe valeu ser feito assistente de Heidegger. Com a
ascensão do nazismo, foge Marcuse em 1933 para Genebra, e em 1934 se instala
nos Estados Unidos, ao lado dos sociólogos, também neo-hegelianos, Max
Horkheimer e Theodor Wiesengrund Adorno. Começa então um longo período de
pesquisas com estes dois, e com a equipe que constituía o centro da intelligentzia
alemã exilada nos Estados Unidos por causa de Hitler: o “Institut Für
SozialForschung”, o “Instituto de Pesquisas Sociais”. Desta época
deixou-nos Marcuse enorme quantidade de ensaios que apresentam os germens das
teses a serem desenvolvidas nos livros de sua maturidade: a preocupação com o
desenvolvimento incontrolado da tecnologia, o racionalismo dominante nas
sociedades modernas, os movimentos repressivos das liberdades individuais, o
aniquilamento da Razão – e por Razão entende Marcuse o sentido hegeliano
deste conceito, a possibilidade do homem desenvolver inteira e livremente suas
potencialidades. Quais são essas potencialidades? É esta pergunta objeto
também das pesquisas dos pensadores no "Instituto de Pesquisas
Sociais". Também desta época são as concepções com as quais estes
pensadores (mais tarde Adorno e Horkheimer serão conhecidos como líderes do
“grupo de Frankfurt”, por ser esta cidade aquela onde, cessada a guerra,
eles voltam a ensinar na Europa) abalam uma das teses fundamentais do marxismo:
a revolução como responsabilidade histórica do proletariado. Para os membros
do grupo de Frankfurt, o proletariado se perdeu ao permitir o surgimento de
sistemas totalitário como o nazismo e o stalinismo por um lado, e a
"indústria cultural" dos países capitalistas pelo outro lado. A
"indústria cultural", termo criado por Adorno e Horkheimer em seu
livro de 1947, a Dialética do Iluminismo, e o fenômeno que melhor conhecemos
como "cultura de massa". Quem substitui os proletários? Aqueles cuja
ascensão a sociedade moderna de modo algum permite, os miseráveis que o
bem-estar geral não conseguiu incorporar, as minorias raciais, os outsiders.
Durante a
segunda grande guerra ocupa Marcuse uma posição no Departamento de Estado
americano (mais precisamente, foi de 1942 a 1950 chefe de seção nesta
secretaria de governo dos Estados Unidos). Quando em 1950 Theodor Adorno e Max
Horkheimer voltam para a Alemanha, Marcuse prefere não acompanhá-los, ficando
como professor de Ciência Política na Universidade Brandeis. Serão publicados
na década de 50 dois de seus mais importantes livros, o Eros e Civilização e
o Marxismo Soviético. No primeiro tenta Marcuse mostrar que o homem pode ser
feliz; no segundo, o pensador desmascara o sistema soviético, mostrando de que
manei ra está o totalitarismo russo afastado das concepções humanísticas de
Marx. Estas obras trazem uma certa fama para Marcuse, fama que se incentiva
quando da publicação, em 1964, de Homem Unidimensional (o título português
deste livro é Ideologia da Sociedade Industrial,) Em Homem Unidimensional
Marcuse ataca violentamente todas as características repressivas e irracionais
do estado pós-industrial moderno, o “Welfare State”, o Estado do Bem-Estar
Social considerado por ele como o
“Warfare State” – o Estado Beligerante. Em 1967 volta Marcuse á Europa,
para um curso na Universidade Livre de Berlim. Nesta conhece Rudi Dutschke,
líder estudantil alemão que muito se chega ao velho professor. Dutschke,
formado em sociologia, fundamentará suas lutas sobre as idéias de Marcuse. O
caos provocado na Alemanha pelo movimento de Dutschke é tão grande que em
inícios de 1968 este sofre um atentado a bala, deixando-o moribundo por várias
semanas (o atentado foi precedido por uma violenta campanha da imprensa dirigida
pelo truste alemão dos jornais, as emprêsas Springer, que acusavam Dutschke de
"baderneiro" e "irresponsável") . Devido a esta ligação
de Dutschke com Marcuse, o nome do professor ganha rapidamente projeção
internacional, projeção acentuada pela revolta francesa do mês de maio. Em
junho de 1968 Marcuse volta à Alemanha para um debate com os estudantes que
estavam amotinando Berlim. Não e um encontro fácil, e o velho filósofo sai do
anfiteatro da Universidade Livre de Berlim debaixo de aplausos e vaias
violentos. Nos Estados Unidos, Marcuse passa agora a lecionar na Universidade da
Califórnia, sempre na cadeira de Filosofia e Ciência Política.
Tornando-se uma
figura carismática malgré lui, desenrolam-se em torno de seu nome os mais
estranhos incidentes. A Ku Klux-Klan ameaça-o de morte, chamando-o
"asqueroso cão comunista". Mas a imagem que mais freqüentemente dele
aparece na imprensa é a de um velho tranqüilo de roupa informal conversando
amigavelmente com seus alunos. Os testemunhos que temos não desmentem essa
imagem, nem sua filosofia.
Como pensador,
Marcuse é, acima de tudo, hegeliano, ou seja, radicalmente dialético e
crítico: a crítica ao modo de vida atual significa a manifestação de um dos
lados daquela negatividade que Marcuse identificará como sendo o núcleo da
dialética em Hegel (para Marcuse, a dialética sob forma triádica: tese,
antitese e síntese é uma máscara sobre o que este conceito representava mesmo
para Hegel). Como vê Marcuse a vida nas sociedades industriais modernas? Um
fantasma atravessa estas sociedades: o nacionalismo. Para Marcuse, como antes
dele para Adorno e Horkheimer, para Georg Lukács e mesmo para Marx,
particularmente num de seus textos menos lidos e ainda menos compreendidos,
particularmente nos últimos tempos: os “Fundamentos da Crítica à Economia
Política”, o nacionalismo, a tendência das sociedades modernas à
administração total, à tecnocracia burra, à planificação de todos os
setores da vida tem sua origem no mercantilismo burguês. Para haver comércio e
preciso haver dinheiro, e preciso que todas as coisas sejam reduzidas a uma
medida comum, o dinheiro, a moeda. Essa quantificação manifestando-se nas
relações interpessoais do homem atingirá, pouco a pouco, todas as regiões da
vida humana. A apologia que hoje em dia se faz do “rigor” das ciências, da
"precisão" de resultados que as modernas técnicas nos oferecem é
compreendida por todos os pensadores acima citados como resultando em última
análise da extensão do comércio a todos os setores da vida humana. A crítica
ao nacionalismo, Marcuse a encontra em Marx, portanto.
E o Marcuse
freudiano? Em Freud Marcuse encontra a possibilidade do homem ser feliz. Eros
e Civilização tenta provar essa tese. O que faz o homem infeliz é que o
mundo bloqueia a realização de seus desejos. Esta oposição do mundo a nós
foi chamada por Freud “princípio da realidade”. Será este princípio
superável? Como superá-lo? Para Marcuse, o princípio da realidade resulta de
condições históricas específicas, isto é, a infelicidade é um fenômeno
in- separável de determinadas situações sociais. Assim sendo, quando
atingirmos a situação social correta, o homem poderia ser feliz. Quando será?
No “Império da Razão”. Em Eros e Civilização Marcuse nos
mostrará que o homem guarda lembranças profundas de uma possibilidade da
felicidade, lembrança presente nos mitos de Orfeu e Narciso.
Mas Eros e
Civilização ainda se encontra numa região mais ou menos metafísica do
pensamento. A descida para o concreto se faz na Ideologia da Sociedade
Industrial. Neste livro Marcuse repete a crítica ao racionalismo (irracional,
pois não fundado na verdadeira Razão) da sociedade moderna, e tenta ao mesmo
tempo esboçar o caminho que poderá nos afastar dele. O caminho será, por um
aspecto, a contestação da sociedade pelos marginais que a sociedade desprezou
ou não conseguiu beneficiar. Será por outro aspecto o desenvolvimento extremo
da tecnologia, que deverá ter, segundo Marx e Marcuse, efeitos
revolucionários. Quais são estes efeitos? O problema da sociedade moderna é a
invasão da mentalidade mercantilista e quantificadora a todos os domínios do
pensamento. Essa mentalidade se representa economicamente pelo valor de troca,
ligado de modo íntimo aos processos de alienação do homem. E, segundo Marx na
sua obra referida, os Fundamentos, com o desenvolvimento extremo da tecnologia
“a forma de produção assente no valor de troca sucumbirá”. A sociedade
moderna, sentindo, que sua base a tecnologia - contém seu rompimento, age
repressivamente para evitar este avanço extremo. Será este reprimido? Marcuse
espera que não, e também esperamos nós. |
CRONOLOGIA
1892 – Em Berlim, nasce Walter Benjamin.
1914 – Tem início a Primeira Guerra Mundial.
1918 – Benjamin gradua-se na
Universidade de Berna com a dissertação sobre a Noção de Crítica de
Arte no Primeiro Romantismo.
1921 - Adorno conhece Max Horkheimer, ao
qual se liga por profunda amizade.
1924 – Fundação do Instituto de
Pesquisas Sociais de Frankfurt.
1928 – Benjamin vê rejeitada sua tese
sobre As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha.
1929 –
Nasce Jürgen Habermas.
1933 – O Instituto de Pesquisas
Sociais transfere-se para Genebra.
1936 – Benjamin publica em francês A
Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica.
1938 –
Adorno viaja para os Estados Unidos.
1939 –
Publica Fragmentos sobre Wagner. Eclode a Segunda Guerra Mundial.
1940 –
Benjamin suicida-se. No mesmo ano, são publicadas suas Teses sobre a
Filosofia da História.
1947 –
Adorno e Horkheimer empregam pela primeira vez o termo indústria
cultural.
1950 –
Reorganização do Instituto de Pesquisas Sociais, na Alemanha. Adorno
publica seu estudo sobre a Personalidade Autoritária.
1951 –
Horkheimer pronuncia conferências Sobre o Conceito de Razão.
1954 – Habermas I licencia-se com uma
tese sobre Schelling: O Absoluto I
e a História.
1955 – Publicação do original alemão
de A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica, de Benjamin.
1956 – Adorno publica Para a Metacrítica
da Teoria do Conhecimento – Estudos sobre Husserl e as Antinomias Fenomenológicas.
1959 – Habermas colabora com Adorno.
1956 – Adorno publica Para a Metacrítica
da Teoria do Conhecimento - Estudos sobre Husserl e as Antinomias Fenomenológicas.
1958 – 1965 – Publica os Ensaios de
Literatura I, II e III. 1961 - Inicia a Teoria Estética.
1962 -
Publicação de Evolução Estrutural da Vida Pública, tese de
doutoramento de Habermas.
1963 - Habermas publica Teoria e Práxis.
1966 - Adorno publica a Dialética
Negativa.
1968 - Conclui a primeira versão
da Teoria Estética. Habermas publica Técnica e Ciência como “Ideologia”,
e transfere-se para Nova York.
1969 - A 6 de agosto, com 66 anos, falece
Theodor Wiesengrund-Adorno. 1973 - A 9 de julho, com 78 anos de idade, morre Max Horkheimer. ir : Home ou Filosofia: Geral - Introdução - Paideia - Origem - Medieval - Cristã - Moderna Contemporânea - Paideia - Os Sofistas - Introdução- Filosofia no Brasil - Estética Lógica Metafísica - Círculo de Viena - Filosofia no Ensino Médio |