A História da Filosofia no Brasil
Aspectos Introdutórios
Custou
para se desfazer a crença de que a gente brasileira seria infensa à
meditação filosófica, limitando-se a informar-se sobre as doutrinas
estrangeiras e a delas reproduzir conceitos e ideais. Chegou-se mesmo a
proclamar, desconsoladamente, que a história da filosofia no Brasil não
seria senão a história das influências recebidas, o que era afirmado
por figuras das mais representativas de nossa intelectualidade.
Foi
em meados deste século que se começou a reagir contra essa tendência,
não no sentido do abandono do estudo das teorias universais, o que
seria absurdo, mas, sim, para participarmos criadoramente do processo
geral do pensamento filosófico, tal como já ocorria, não somente no
plano literário, mas também em diversos campos das ciências.
Para
tanto se tornou necessária uma mudança de atitude em face do problema,
tendo contribuído de certa forma para essa nova tomada de posição,
quer pregando a necessidade de uma revisão histórica, a partir da
observação de que algo de próprio pode ser percebido no modo de ser
influenciado, quer em razão do sentido que no País adquiriram as
doutrinas alienígenas, em função de nossas específicas circunstâncias
sociais.
Acolhida
essa orientação, foi possível a vários estudiosos, de norte a sul do
Brasil, revelar o valor real do pensamento, por exemplo, de Gonçalves
Magalhães ou de Tobias Barreto, mostrando que o ecletismo
espiritualista do primeiro se revestia de valores inspirados por sua
condicionalidade histórica, contribuindo para a formação de nossa
consciência nacional; assim como o kantismo do segundo vinha
acompanhado de um sentido especial, ligado ao modo de ser da cultura do
homem do Nordeste, onde, no dizer de José Américo de Almeida, a
natureza é menos mãe do que madrasta.
Outra
campanha em que me empenhei, ao lado de companheiros magníficos, como
Vicente Ferreira da Silva Filho, Luis Washington Vita, Renato Cirell
Czerna e Heraldo Barbuy, foi romper o cerco universitário que se
constituíra em torno da filosofia, a fim de que esta passasse a ser um
bem comum da coletividade, cultivado em seus valores existenciais, e não
reduzido, o mais das vezes, à fria análise dos textos dos grandes
pensadores, sem a ousadia de criar algo de pessoal, ainda que de
reduzido ou provisório alcance.
Foi
essa mudança radical de atitude em face do problema do conhecimento
filosófico que permitiu a criação, em 1949, do Instituto Brasileiro
de Filosofia, como uma organização cultural não universitária, capaz
de reunir quantos no Brasil se interessassem pelas questões da
Filosofia, com o resultado, aliás, de projetar as universidades no
plano existencial das idéias na amplitude do território nacional. Dia
virá em que alguém, com isenção e apuro crítico, há de fazer a
história desse movimento cultural, reconhecendo que com ele é que se
passou a falar, não apenas em "filosofia no Brasil", mas também
em "filosofia brasileira".
É
essa uma das questões mais delicadas e difíceis, a da "filosofia
nacional", uma vez que a filosofia é por sua própria natureza
universal, mas não há quem não distinga, em virtude de certos
característicos ou pelo predomínio de determinadas tendências, a
filosofia alemã da francesa, da anglo-americana, da italiana, etc. É
que, por mais universal que seja a filosofia, não pode esta deixar de
sofrer a influência de diretrizes dominantes na linha existencial dos
povos ou das nações, o que já fora possível observar na passagem do
mundo grego para o mundo romano.
Pois
bem, o que quero salientar, no presente artigo, é que com o Instituto
Brasileiro de Filosofia (IBF) se completou a fecunda iniciativa da criação
das faculdades de filosofia no Brasil, por sinal que, de início, devido
à reticente influência positivista, ligadas às de letras e,
sobretudo, às de ciências positivas.
É
por esses motivos que, ocorrendo este ano o cinqüentenário do IBF, a
sua diretoria julgou de bom alvitre promover o VI Congresso Brasileiro
de Filosofia, contando com o patrocínio da benemérita Fundação
Santista e o apoio da histórica Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco, em cujas dependências se realizará o certame,
significativamente na Semana da Pátria.
Assim
é que, no próximo dia 6 de setembro, às 9 horas, no salão nobre
dessa faculdade, com entrada franca, será instalado o mencionado
congresso, em sessão solene, na qual pensadores brasileiros e
estrangeiros terão oportunidade de se manifestar sobre a situação
atual da filosofia no Brasil e suas perspectivas no século que se
inicia.
Como
parte do congresso terá lugar o Colóquio Antero de Quental, com a
presença de vários filósofos portugueses, tendo por objeto o debate
das idéias de Delfim Santos, António Sérgio e Vicente Ferreira da
Silva. Vale a pena aduzir algo sobre esse evento. Ele é da responsabilidade do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, cuja denominação já diz tudo, pois nasceu de um entendimento feliz entre pensadores brasileiros e portugueses no sentido de uma indagação conjunta sobre nosso passado mental, visando ao estudo da filosofia da língua portuguesa, o que não deve causar estranheza, pois a língua, como tantas vezes o acentuou Heidegger, é o solo natural da cultura, não podendo deixar de influir sobre os modos ou estilos do filosofar. Essa meditação comum ao Brasil e a Portugal tem caráter permanente, realizando-se alternadamente colóquios que, neste lado do Atlântico, tomam o nome de Antero de Quental e, no outro, o de Tobias Barreto, figuras escolhidas como símbolos de uma forma de pensar que, sem perda de seu sentido de universalidade, reflete algo de nosso ser nacional ou de nosso idioma. A esta altura da vida, não podia ter tido oportunidade melhor do que esta de participar de um congresso que, em última análise, se destina a fazer o balanço do pensamento brasileiro, em busca de nossa identidade cultural, pois a filosofia, entendida na plenitude de seus valores existenciais, é o fulcro dessa identidade. Os Livros sobre o Assunto: A Filosofia Contemporânea no Brasil de Antônio Joaquim Severino: Este livro nasceu de um olhar sobre a prática da filosofia no atual momento cultural brasileiro, buscando perceber as tendências, os temas, os autores e as abordagens que o discurso filosófico vem assumindo. O autor toma como base o sentido do próprio filosofar no contexto de uma cultura como a brasileira, atravessada por tantos desafios histórico-sociais e revela o dinamismo e a multiplicidade das formas de expressão que a filosofia desenvolveu no Brasil, nestes tempos contemporâneos.
História da Filosofia no Brasil de Jorge Jaime em 4 Volumes: Trata-se de uma coleção de quatro volumes, expondo com detalhes as correntes e os pensadores de filosofia na história brasileira. O objetivo da coleção é salvaguardar todo o cabedal filosófico brasileiro desde suas origens até hoje. Apresenta uma biobibliografia dos expoentes da área, em cada época, o conjunto de seu pensamento, as críticas que lhe foram dirigidas. Usa para isso trechos de jornais da época, de seus comentadores, dos próprios pensadores. Sua intenção não é tanto crítica, como narrativa. Trata-se de uma coleção de quatro volumes, expondo com detalhes as correntes e os pensadores de filosofia na história brasileira. O objetivo da coleção é salvaguardar todo o cabedal filosófico brasileiro desde suas origens até hoje. Apresenta uma biobibliografia dos expoentes da área, em cada época, o conjunto de seu pensamento, as críticas que lhe foram dirigidas. Usa para isso trechos de jornais da época, de seus comentadores, dos próprios pensadores. Sua intenção não é tanto crítica, como narrativa. Neste quarto e último volume, a História da filosofia no Brasil apresenta os mais recentes pensadores nacionais, nascidos a partir de 1925. São os que viveram, ou vivem, nos últimos três quartos do século 20. Para além do sucesso editorial que obteve esta obra, é irrefutável a oportunidade e a necessidade de tal pesquisa. As Avaliações e críticas surgidas após a publicação dos três primeiros volumes indicam a seriedade, amplitude e profundidade com este trabalho foi conduzido. Além do ensino de qualidade e do serviço direto á comunidade , a universidade, que deve insaciavelmente estar em estado de pesquisa, necessita da fundamentação filosófica para alicerçar suas buscas. Partimos do pressuposto de que não existe em filosofia originalidade total. Os pensadores emergem do seio da milenária tradição filosófica ocidental, pensando problemas que são específicos da sua época e do seu meio. A originalidade filosófica deve ser procurada aí: nas peculiares condições histórico-culturais que influenciam na forma em que cada pensador reflete, condicionado ele próprio pela carga de fatores subjetivos e subjetivo-objetivos presentes em todo ato humano: valores, sensibilidade, experiências, vivências etc. Levando em consideração esta observação, será utilizado neste trabalho o método de estudo da filosofia brasileira proposto por Miguel Reale (nasc. 1910) e Antônio Paim (nasc. 1927). Este método consiste em identificar o problema ou os problemas aos que pretende responder o pensador, a fim de ver a sua peculiar contribuição no terreno da filosofia e poder traçar, posteriormente, um quadro dos elos e derivações da sua meditação, em relação a outros autores e correntes [cf. Reale, 1951; Paim, 1979].
Veja : O Fundador da Filosofia no Brasil
A Filosofia no Brasil por Gilberto de Mello Kujawski (O Estado de São Paulo de 17 de Abril de 2003)
Há
40 anos, aide quem se aventurasse a falar em "filosofia brasileira".
Correria o mesmo ridículo de quem mencionasse, por exemplo, a
"arquitetura gótica no Sião", conforme ouvi então de um ilustre
catedrático da USP. Faz parte da nossa baixa auto-estima a crença
generalizada de que o brasileiro não tem bossa para a filosofia. Desmentindo
essa convicção tão arraigada, três livros recém-publicados acusam um
salto qualitativo impressionante da pesquisa filosófica entre nós,
comprovando que ela sempre existiu, porquanto o exercício da filosofia não
se improvisa de uma hora para outra.
Luiz
Alberto Cerqueira, carioca, professor-adjunto no Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da UFRJ, batiza o seu livro, precisamente, com o nome de Filosofia
Brasileira (Vozes\Faperj, 2002). Reconhecendo a contribuição do Iseb na
compreensão crítica da historiografia filosófica brasileira, Cerqueira
acompanha Antonio Paim ao incluir em nossa história da filosofia o período
colonial, mas atribui a Miguel Reale os louros pela revolução na
historiografia filosófica brasileira. Reportando-se ao "conhece-te a ti
mesmo" socrático e ao "cogito" cartesiano, Cerqueira liga o
desenvolvimento da filosofia à evolução da "consciência de si".
Num lance certeiro, descobre a germinação da consciência de si ainda na
fase colonial, localizada na obra do padre Antônio Vieira, sob o aspecto da
conversão religiosa. Segue-se Gonçalves de Magalhães, que substituiu a
antiga conversão religiosa pelo "cogito" cartesiano, renovando o
princípio da autoconsciência e inserindo o Brasil mental no século 19. Na
seqüência surgem Tobias Barreto, o vulcânico pensador e poeta sergipano,
"verdadeiro responsável pela definitiva superação do aristotelismo no
Brasil", Farias Brito, o discípulo criativo de Bergson, e, finalmente, o
próprio Miguel Reale, que, mais do que ninguém, insistiu na necessidade de
vincular as idéias e doutrinas dos autores estrangeiros à "imanência
de nossas circunstâncias".
Cerqueira
atinge em cheio seu propósito, patenteando que a filosofia brasileira existe,
sim, senhor, tem uma história que remonta aos tempos coloniais e inclui um
projeto que consiste na modernização e no desenvolvimento da consciência de
si. Maria Cristina Franco Ferraz desponta no panorama da filosofia brasileira
como a intérprete ideal de Nietzsche. Não simples expositora ou comentadora,
mas "intérprete" no sentido musical da palavra, sonorizando
magistralmente a partitura filosófica do autor de Assim Falava Zaratustra em
todo o vigor, a riqueza de matizes e recônditos segredos que encerra, sem
esquecer seu relampejante senso de humor, em que poucos reparam.
Maria
Cristina é também do Rio, professora da Universidade Federal Fluminense, e
autora de Nietzsche, o Bufão dos Deuses. Publica agora Nove Variações sobre
Temas Nietzschianos (Relume Dumará, 2002). Nenhum outro pensador é vítima
de leitura tão apressada e superficial como Frederico Nietzsche. Em conseqüência,
forjou-se dele uma figura torva de energúmeno cultural, perdendo-se de vista
seu perfil filosófico de linhas clássicas e poderosa envergadura.
No
primeiro ensaio do livro relembra a autora, precisamente, o questionamento de
Nietzsche acerca da leitura, indagando que é "ler", tarefa que
exige "dedos e olhos delicados", imersão demorada no texto,
"ruminação" obstinada. Para quê? Não será para desvendar alguma
"verdade" oculta no texto, nada disso. Não, a leitura ruminativa
tem por finalidade entrar na "perspectiva" adotada pelo texto,
adequar-se ao seu modo peculiar de ver as coisas. Nietzsche diverte-se com a
dança variada das aparências em sua diversidade de matizes, ou, como dizia
ele, emprestando a palavra da pintura, com seus diferentes "valeurs"
(valores, tons mais ou menos escuros, mais ou menos saturados). Para
Nietzsche, nada de dogmatismo e contraposições grosseiras (bem-mal, essência-aparência,
verdadeiro-falso, etc.). Nada dessa fixação tosca do mundo em preto e
branco, insensível à multiplicidade dos matizes.
Oportuna
denúncia. É de perguntar se esta não constitui a melhor lição e a mais
aguda advertência para nosso tempo maniqueísta, que desencadeia guerras do
"bem" contra o "mal", só sabe falar em esquerda e
direita, em id, ego e superego. Entretanto, dos três livros mencionados, a
maior surpresa fica por conta do volume de 500 páginas Introdução à
Filosofia da Razão Vital de Ortega y Gasset, (Ed. Cefil), da autoria de José
Maurício de Carvalho. Mineiro de São João del Rei, o autor, que já
publicou muitos títulos de filosofia, tem em comum com o mestre espanhol o
dom da clareza, a limpidez coloquial da exposição, trazendo os grandes temas
filosóficos ao alcance de qualquer leitor.
Que
é a razão vital? Um ovo de Colombo. Para Ortega, viver já é entender.
Viver
é, constantemente, ver-se vivendo. A vida humana ganha transparência consigo
mesma nesse ver-se vivendo, de modo a dar conta da sucessão de seus passos e
da direção que assumem. A transparência da vida consigo mesma a ilumina por
dentro, e isso é entender. Entender uma coisa, na acepção mais primária e
radical, significa ver como ela funciona dentro da minha vida em movimento. A
razão vital é a vida mesma funcionando como razão. Pensamos com a vida.
Esta é o órgão próprio do entendimento. E, à força de entender-se a cada
passo, a vida constitui-se, necessariamente, em planejamento de si mesma. A
vida humana é projeto, antecipação, futurição.
Se
a razão constitui a forma e a função da vida, o irracionalismo fica desde
logo descartado. Por outro lado, a razão vital ultrapassa de um golpe todo
intelectualismo e todo racionalismo: a razão não se limita a conceber a
realidade "sub specie aeternitatis", nem como a réplica das idéias
claras e distintas. Identificada com a vida, a razão acompanha seu fluxo
sinuoso, em sua temporalidade, historicidade e singularidade. Chama-se razão
a "apreensão da realidade em sua conexão" (J. Marías). Razão não
consiste só em lidar com equações matemáticas, mas também em descobrir de
César e São Francisco a equação histórica constitutiva e rigorosa.
Como
assim? A razão vital é razão histórica. Ela não induz nem deduz, não
calcula nem mede. A razão histórica narra, é razão narrativa, encadeia as
coisas em sua gênese e sucessão temporal, "vê como se faz o
fato". O livro de José Maurício de Carvalho representa verdadeira façanha intelectual. Mostra domínio completo do pensamento orteguiano, que é integrado e sistemático, mas totalmente fragmentário. A visão mais abrangente e esclarecedora das idéias orteguianas em língua portuguesa, e a melhor depois dos estudos de Julián Marías. Gilberto de Mello Kujawski, jornalista e escritor, é autor de O Ocidente e sua Sombra E-mail: [email protected] O Panorama da Filosofia Brasileira por Ricardo Vélez Rodrigues 1) A filosofia brasileira nos séculos XVII, XVIII e XIX As mais importantes obras que estudaram o momento colonial e o desenvolvimento do pensamento filosófico brasileiro ao longo do século XIX são: a História das idéias filosóficas no Brasil de Antônio Paim [1967]; Contribuição à história das idéias no Brasil, de João Cruz Costa [1956]; Panorama da filosofia no Brasil, de Luís Washington Vita [1969]; Filosofia em São Paulo, de Miguel Reale [1976]; Antologia do pensamento social e político no Brasil, de Luís Washington Vita [1968]; As idéias filosóficas no Brasil: séculos XVIII e XIX, obra em colaboração organizada por Adolpho Crippa [1978a]; Achegas à história da filosofia, de Alcides Bezerra [1936]; O humanismo brasileiro, de Vamireh Chacon [1980] e História da filosofia no Brasil, de Jorge Jaime [1997]. Entre os estudos realizados por autores estrangeiros, merecem destaque as seguintes obras: Filósofos brasileiros, do escritor boliviano Guillermo Francovich [1979]; Filosofia luso-brasileira, trabalho em colaboração organizado por Ricardo Vélez Rodríguez [1983] e Pensamento luso-brasileiro, de Eduardo Abranches de Soveral [1996]. No terreno do estudos bibliográficos, o mais importante é o de Antônio Paim [1982], intitulado Bibliografia filosófica brasileira: 1808-1930 . A meditação filosófica brasileira durante o período colonial caracteriza-se pela sua inspiração nos temas tratados pela Segunda Escolástica portuguesa. O ponto central desta consistia na defesa da ortodoxia católica, a partir das disposições adotadas no Concílio de Trento (1545-1563) como reação contra a reforma protestante. A máxima expressão desse esforço foi a Ratio Studiorum, sistematizada definitivamente em 1599, e que consistia num estrito regulamento que pautava as atividades acadêmicas da Companhia de Jesus em Portugal e na Espanha. Tal regulamento disciplinou o ensino no Colégio das Artes de Coimbra, na Universidade de Evora e nas demais escolas jesuíticas, que praticamente monopolizavam os estudos secundários em Portugal. Dois
aspectos típicos da Ratio Studiorum eram a subordinação do ensino
superior à teologia e o dogmatismo, que
se alicerçava na procura de uma ortodoxia definida pelos próprios jesuítas
e que conduzia a expurgar os textos
dos autores, inclusive os do próprio São Tomás de Aquino. Como
acertadamente destacou Antônio José Saraiva
[1955: 229-230], "Não é necessário colocar em evidência o caráter
dogmático desse ensino, perfeitamente
coerente com o sistema no qual se integra. O ensino da filosofia não
visava a desenvolver a capacidade
crítica do aluno, mas a incutir nele uma determinada doutrina, a
prevenir os possíveis desvios em relação
a ela e a prepará-lo para defendê-la". O
ambiente cultural ensejado em Portugal pela Ratio Studiorum não
favoreceu a abertura às filosofias modernas formuladas
na Europa durante os séculos XVI e XVII. Conseqüentemente, a meditação
filosófica colonial correspondeu,
no Brasil, à corrente chamada por Luís Washington Vita de "saber
de salvação", cujos principais representantes
foram Manuel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza
Nunes. Desse conjunto
destaca-se a obra de Marques Pereira (1652-1735) intitulada Compêndio
narrativo do peregrino da América
[Pereira, 1939], que foi editada sucessivamente em 1728, 1731, 1752,
1760 e 1765. A obra respondia à
problemática típica da espiritualidade monástica, centrada na idéia
de que o homem não foi criado por Deus para
esta vida, destacando-se, em conseqüência, o caráter negativo da
corporeidade e das tarefas terrenas. Na
segunda metade do século XVIII, consolidou-se em Portugal a corrente do
empirismo mitigado, que se caracterizava
por uma forte crítica à Segunda Escolástica e ao papel monopolizador
que exerciam os jesuítas no ensino,
bem como pela tentativa de formular uma noção de filosofia que se
reduzisse à ciência aplicada. Duas obras
serviram de base a essa nova corrente: Instituições lógicas do
italiano Antonio Genovesi (1713-1769) [1937]
e o Verdadeiro método de estudar, do sacerdote oratoriano português Luís
Antônio Verney (1713-1792)
[1950]. O empirismo mitigado foi formulado e se desenvolveu no contexto
mais amplo das reformas
educacionais do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo
(1699-1782), que pretendiam incorporar
a ciência aplicada ao esforço de modernização despótica do Estado
português. Contudo, ao responder
a uma problemática formulada a partir das necessidades do Estado
patrimonial e não a partir de uma O
empirismo mitigado inspirou, no entanto, a importantes segmentos da
intelligentsia brasileira, a partir da mudança
da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. A geração de
homens públicos que organizou as primeiras
instituições de ensino superior era de formação
cientificista-pombalina. Entre eles, cabe destacar a figura de
dom Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), conde de Linhares, quem em
1810 organizou a Real Academia
Militar do Rio de Janeiro. O
esforço em prol da superação do empirismo mitigado coube a Silvestre
Pinheiro Ferreira (1769-1846). Inspirado
na filosofia de Leibniz (1646-1716) e, de outro lado, na lógica aristotélica
e no empirismo lockeano, o pensador
português, quem foi ministro da corte de dom João VI no Brasil,
formulou um amplo sistema que abarcava
três partes: a teoria do discurso e da linguagem, o saber do homem e o
sistema do mundo. A sua mais importante
contribuição ao pensamento brasileiro consistiu na tentativa de superação
da filosofia até então vigente; a sua proposta teórica foi
sistematizada principalmente nas Preleções filosóficas [Ferreira,
1970] e na formulação do
liberalismo político e das bases do sistema representativo, no Manual
do cidadão num governo representativo
[In: Ferreira, 1976]. Graças à sua valiosa colaboração teórica, o
Império brasileiro conseguiu superar
os problemas do liberalismo radical e deitou as bases para a prática
parlamentar. No entanto, a sua meditação
não conseguiu formular de maneira completa uma explicação filosófica
para o problema da liberdade. Os
temas da consciência e da liberdade ocuparam o foco do debate filosófico
que se efetivou no Brasil ao longo do
século XIX. A partir das bases colocadas pela meditação de Silvestre
Pinheiro Ferreira, os pensadores ecléticos
procuraram dar uma resposta de caráter espiritualista à problemática
do homem. Sem dúvida que os filósofos
brasileiros deste período inspiraram-se no ecletismo espiritualista
francês formulado por Maine de Biran (1766-1824)
e divulgado por Victor Cousin (1792-1867), que permitiu superar o
extremado sensismo de Condillac
(1715-1780). Mas o pensamento dos primeiros reveste-se da originalidade
que tinham as circunstâncias
históricas do Brasil no século XIX, relacionadas com o problema da
construção do sentimento de nação
e com a organização do Estado. As
duas figuras mais representativas do ecletismo brasileiro são Eduardo
Ferreira França (1809-1857) e Domingos
Gonçalves de Magalhães (1811-1882). A obra do primeiro caracteriza-se
por buscar uma fundamentação
filosófica para o exercício da liberdade política. Apesar de ter
formulado uma visão determinista do
homem nos seus primeiros escritos, o seu pensamento evolui até uma
concepção espiritualista na obra fundamental
intitulada Investigações de psicologia [França, 1973], publicada em
Paris em 1854. Sem abandonar a
perspectiva empirista que tinha adotado desde o início da sua meditação
filosófica, Ferreira França, graças à influência
de Maine de Biran, consegue desenvolver o tema da introspeção, que lhe
permitirá chegar, com o rigor da
observação empírica, à constatação da existência do espírito. Na
sua meditação, Ferreira França dará especial ênfase
ao tema da vontade, a qual é concebida como o elemento capitalizador
dos diversos poderes de que está dotado
o homem, cabendo-lhe a função primordial de constituí-lo como pessoa.
Gonçalves
de Magalhães expôs o seu pensamento filosófico na obra intitulada
Fatos do espírito humano [Magalhães,
1865], publicada em Paris em 1859. O problema ao qual respondeu a
filosofia do maior pensador romântico
do Brasil foi o da construção da idéia de nação. Isso fez com que a
obra de Magalhães, como destaca o
seu mais importante estudioso, Roque Spencer Maciel de Barros [1973], se
formulasse no contexto de uma proposta
pedagógica. Magalhães baseia a sua visão da liberdade e da moral numa
análise filosófica inspirada em Victor
Cousin e parcialmente em Malebranche (1638-1715) e Berkeley (1685-1753);
formula uma explicação do homem
em termos puramente espiritualistas, que negam qualquer valor
substancial ao mundo material, inclusive ao próprio corpo, já que o
universo sensível só existe intelectualmente em Deus, como pensamentos
seus. O homem, preso ao corpo, é livre por ser espírito e adquire a
conotação de ente moral justamente em virtude dessa "resistência
do corpo". A moral de Magalhães, como a de Cousin, é uma moral do
dever que valoriza a intenção do
autor e não o resultado do ato. A inspiração romântica dessa
filosofia aparece na importância conferida por Magalhães
ao fator religioso como motor da nacionalidade, bem como no papel
desempenhado pela poesia
enquanto
educadora do povo (ele foi o mais importante representante do romantismo
literário no Brasil). Dessa forma,
Magalhães desempenha, no contexto brasileiro, um papel semelhante ao
representado em Portugal pelo primeiro
romântico luso, Alexandre Herculano (1810-1877). Outras figuras de menor imporância na corrente eclética brasileira foram Salustiano José Pedrosa (falecido em 1858) e Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859), quem traduziu ao português o Curso de história da filosofia moderna de Victor Cousin. O ocaso da corrente eclética dá-se ao longo do período de 1880 a 1900, em decorrência do fenômeno cultural denominado por Sílvio Romero (1851-1914) de "surto de idéias novas", e que se caracterizou pela entrada, nos meios acadêmicos, de filosofias contrárias ao espiritualismo eclético, como o darwinismo, o determinismo monista e o positivismo. Sem
dúvida alguma que, entre as correntes filosóficas em ascensão nas últimas
décadas do século XIX, o
positivismo
foi a que mais repercussão teve no seio do pensamento brasileiro. A razão
fundamental desse fato radica
na pré-existente tradição cientificista que se iniciou com as
reformas pombalinas, à luz das quais estruturou-se
todo o sistema de ensino superior, em bases que privilegiavam a ciência
aplicada e a instrução estritamente
profissional. Isso explica a tardia aparição da idéia de universidade
(entendida como instância de cultura
superior e de pesquisa básica), no contexto cultural brasileiro.
Efetivamente, só a partir da década de 1920 ganharia
corpo a idéia de universidade, como reação contra o positivismo
reinante. O
positivismo teve no Brasil quatro manifestações diferentes: a
ortodoxa, a ilustrada, a política e a militar. A corrente
ortodoxa teve como principais representantes Miguel Lemos (1854-1917) e
Teixeira Mendes (1855-1927),
os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito
de fomentar o culto da "religião
da humanidade", proposta por Comte (1798-1857), no seu Catecismo
positivista. A
corrente ilustrada teve como principais representantes Luís Pereira
Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904),
Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins
(1904-1975). Esta corrente defendia
o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845,
antes de formular a sua "religião da
humanidade", e que poderia ser sintetizado assim: o positivismo
constitui a última etapa (científica) da evolução do
espírito humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e
que deve ser educado na ciência positiva, a
fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico, a verdadeira
ordem social, que foi alterada pelas revoluções
burguesas dos séculos XVII e XVIII. A
corrente política do positivismo teve como maior expoente Júlio de
Castilhos (1860-1903) [cf. Vélez, 1980], quem
em 1891 redigiu a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que
entrou em vigor nesse mesmo ano. Segundo
essa carta, as funções legislativas passavam às mãos do poder
executivo, sendo os outros dois poderes públicos
(legislativo e judiciário) tributários do executivo hipertrofiado.
Para Castilhos, deveria se inverter o dogma
comteano de que à educação moralizadora seguiria pacificamente a
ordem social e política. O Estado forte deveria,
ao contrário, impor coercitivamente a ordem social e política, para
depois educar compulsoriamente o cidadão
na nova mentalidade, ilustrada pela ciência positiva. Esta corrente
ganhou maior repercussão do que as outras
três, devido a que obedeceu à tendência cientificista de que já se
tinha impregnado o modelo modernizador do
Estado consolidado pelo marquês de Pombal. Assim, as reformas autoritárias
de tipo modernizador que o Brasil
iria experimentar ao longo do século XX, deram continuidade à
mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrático.
Este modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getúlio
Vargas (1883-1954), como
será detalhado mais adiante. Aconteceu com o castilhismo algo
semelhante ao ocorrido no México com o porfirismo:
ambas as doutrinas cooptaram a filosofia positivista como ideologia
estatizante e reformista. A
corrente militar positivista teve como principal representante Benjamin
Constant Botelho de Magalhães (1836-1891),
professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que
derrubou a monarquia em
1889. Esta corrente estruturou-se paralelamente à ilustrada, projetando
ao longo das últimas décadas do século
XIX o ideário cientificista pombalino, conforme destacou Antônio Paim
[1980: 259]: "A adesão às doutrinas
de Comte por parte dos líderes da Academia Militar, deu-se no estreito
limite em que contribuiu para desenvolver
as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na
possibilidade da moral e da política científicas.
Para comprová-lo, basta comparar as funções às que Comte destinava
as forças armadas e o papel que
Benjamin Constant atribui ao Exército". A
filosofia positivista foi vigorosamente criticada pela corrente
denominada de "Escola do Recife" [cf. Paim, 1966].
O fundador e mais destacado representante dessa corrente de pensamento
foi Tobias Barreto (1839-1889).
Outras figuras dignas de menção são Sílvio Romero (1851-1914), Clóvis
Beviláqua (1859-1944), Artur
Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara
(1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906),
Tito Livio de Castro (1864-1890) e Graça Aranha (1868-1931). Os
pensadores da "Escola do Recife" protagonizaram uma clara reação
contra as duas formas de pensamento que dominavam
o panorama filosófico nacional nas últimas décadas do século XIX: o
ecletismo espiritualista e o positivismo.
Apesar de que no início os seus principais expoentes tivessem tomado
elementos do monismo de Haeckel
(1834-1919) e da própria filosofia comteana, muito cedo superaram esses
limitados pontos de vista para se
abrirem às idéias que garantiriam a tematização da cultura, no
contexto do neo-kantismo. Esse esforço teórico
foi
iniciado por Tobias Barreto e coroado por Artur Orlando. Rosa Mendonça
de Brito [1980: 33] sintetizou assim
a contribuição deste último: "A sua filosofia é uma meditação
sobre as ciências e a crítica ou teoria do conhecimento.
Esta é a parte da filosofia que lhe dá um objeto próprio, capaz de
justificar-lhe a existência, representando,
pois, o núcleo central do pensamento filosófico moderno e contemporâneo.
A teoria do real e do ideal
-- saber o que o nosso conhecimento possui de objetivo e de subjetivo --
é o seu problema fundamental". A
"Escola do Recife" foi, no contexto do pensamento filosófico
brasileiro do século XIX, a mais clara manifestação
da perspectiva transcendental kantiana, ao entender -- com Tobias
Barreto e Artur Orlando -- a filosofia
como epistemologia. Esses pensadores, sem dúvida, deitaram as bases
para o ingresso e a discussão, no meio
brasileiro, das idéias provenientes do neo-kantismo, nas primeiras décadas
do século XX. De outro lado, ao buscar uma fundamentação de tipo transcendental não só para o conhecimento, mas também para a ação humana, a "Escola do Recife", especialmente através da meditação dos dois autores mencionados anteriormente, desaguou na concepção da cultura como dimensão específica do humano, que se contrapõe ao mundo da natureza. Segundo o fundador da "Escola do Recife": "(...) a sociedade, que é o grande aparato da cultura humana, deixa-se figurar através da imagem de um emaranhado imenso de relações sinérgicas; é um sistema de regras, é uma rede de normas, que se não limitam ao mundo da ação, chegando até os domínios do pensamento. Moral, direito, gramática, lógica, civilidade, cortesia, etiqueta, etc., são outros tantos corpos de doutrina que têm de comum entre si o caráter normativo (...). E tudo isso é obra da cultura em luta com a natureza (...), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral o fio de ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Um direito natural possui tanto sentido quanto uma moral natural, uma gramática natural, uma ortografia natural, uma civilidade natural, pois todas essas normas são efeitos, invenções culturais" [Tobias Barreto, 1966: 331-332]. A
"Escola do Recife", ao mesmo tempo que permitiu fazer uma crítica
de fundo ao determinismo positivista, que
ancorava
na submissão naturista da liberdade e da consciência, reduzindo-as a
efeitos da "física social", deitou também
as bases para a corrente de pensamento que no século XX revelar-se-ia
mais vital no contexto da meditação
filosófica brasileira: o culturalismo. Apesar de que a "Escola do Recife" foi a mais importante herdeira do kantismo ao longo do século XIX, não podemos ignorar o papel pioneiro que representaram os Cadernos de Filosofia [Feijó, 1967] do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que sintetizam o magistério do regente do Império (1835-1837). Neles, encontramos viva a presença de Kant (1724-1804), tanto no que se refere à forma em que Feijó entende a razão humana, quanto no que diz relação ao exercício da liberdade. As seguintes palavras, que ilustram a idéia que o padre paulista tinha acerca da meditação filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do filósofo de Königsberg, de enxergar a problemática do conhecimento sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental: "Sendo o homem -- afirma Feijó em seus Cadernos -- a única substância conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, quer dizer, para ter um valor real em si, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originais e primitivos de toda a ciência humana". A
meditação filosófica brasileira do século XIX não seria alheia à
influência do krausismo. Miguel Reale destaca que
o pensamento de Krause (1781-1832), apesar de ter entrado indiretamente
no panorama brasileiro por intermédio
do jurista português Vicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886) e dos
krausistas Ahrens (1808-1874) e Tiberghien
(1819-1901), teve ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco, em São Paulo.
Os principais representantes dessa tendência foram Galvão Bueno
(1834-1883) e João Theodoro Xavier (1820-1878),
cuja obra Teoria transcendental do direito (1876), segundo Reale,
"compendia os princípios fundamentais
do racionalismo harmônico de Krause, com freqüentes referências à
doutrina de Kant". João Theodoro
tentou superar o individualismo da concepção kantiana do direito, numa
visão que desse lugar essencial ao
papel social do mesmo, sendo assim um dos precursores do chamado
"direito social", ou "direito trabalhista" no
Brasil. Uma
corrente de filosofia política bastante cultuada durante o Império foi
o denominado liberalismo doutrinário. O
pensamento de autores como François Guizot (1787-1874), Benjamin
Constant de Rebecque (1767-1830), Royer-Collard
(1763-1843), etc., exerceu bastante influência na consolidação do
sistema representativo. Os pensadores
brasileiros que mais diretamente receberam essa influência foram
Paulino Soares de Souza, visconde de
Uruguai (1807-1866) e o publicista Pimenta Bueno (1803-1878). A visão
liberal-conservadora legada pelos doutrinários
sofreria, em terras brasileiras, uma análise crítica do ponto de vista
do liberalismo democrático de Alexis
de Tocqueville (1805-1859). Tavares Bastos (1839-1875) e José de
Alencar (1829-1877) foram os pensadores
que melhor realizaram essa revisão crítica, que serviu de bandeira ao
Partido Liberal, notadamente ao longo
das décadas de 1860 e 1870 [cf. Vélez, 1997a e 1997b]. Como
reação ao pensamento liberal, o tradicionalismo teve bastante divulgação
ao longo do século passado. Podemos
citar, como representantes importantes dessa tendência, dom Romualdo
Seixas (1787-1860), quem foi arcebispo
de Salvador-Bahia e recebeu do Imperador o título de Marquês de Santa
Cruz, e José Soriano de Souza
(1833-1895). Apesar
de terem recebido a influência dos tradicionalistas franceses Joseph de
Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald
(1754-1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que
aqueles e do que os portugueses. Ubiratan
Macedo [1981: 19] sintetizou assim o núcleo da filosofia
tradicionalista brasileira: "Pode-se afirmar que os
tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham consciência clara de
um conjunto de teses filosóficas, religiosas
e de caráter social, ao redor das quais desenvolveram ensaios de certa
magnitude. Tais teses consistiam no
menosprezo pelo racionalismo e o liberalismo; na defesa da monarquia legítima;
no empenho em prol da união da Igreja e do Estado e em prol da
proscrição do matrimônio civil; na luta em defesa da liberdade de
imprensa e de pensamento, em nome do direito à verdade. Passando
ao nível político (...) e excetuando a preferência pela
2) A filosofia brasileira no século XX As
principais obras que têm estudado o desenvolvimento da filosofia
brasileira ao longo do século XX, são: de Antônio
Paim, História das idéias filosóficas no Brasil [1967], Problemática
do culturalismo [1977] e O estudo
do pensamento brasileiro [1979]; de João Cruz Costa, Contribuição à
história das idéias no Brasil [1956];
de Fernando Arruda Campos, Tomismo e neo-tomismo no Brasil [1968]; de
Luis Washington Vita, Panorama
da filosofia no Brasil [1969b] e Filosofia contemporânea em São Paulo
[1969a]; de Tarcísio Padilha
(organizador), Filosofia e realidade brasileira 1976]; de Adolpho Crippa
(organizador), As idéias filosóficas
no Brasil: século XX [1978b]; de Stanislavs Ladusans, Rumos da
filosofia atual no Brasil [1976]; de
dom Odilão Moura, Idéias católicas no Brasil: direções do
pensamento católico no Brasil no século XX [1978];
de Antônio Carlos Villaça, O pensamento católico no Brasil [1975]; de
Aquiles Côrtes Guimarães, O tema
da consciência na filosofia brasileira [1982]; de Tarcísio Padilha
(organizador), Anais da VII Semana Internacional
de Filosofia [1993]; de Roque Spencer Maciel de Barros, Estudos
brasileiros [1997] e de José Maurício
de Carvalho, Contribuição contemporânea à história da filosofia
brasileira [1998]. No terreno dos estudos
bibliográficos devem ser destacados os de Antônio Paim, intitulados:
Bibliografia filosófica brasileira: período
1931-1980 [1987] e Bibliografia filosófica brasileira: período
contemporâneo, 1981-1985 [1988]. É
importante lembrar também a obra de Geraldo Pinheiro Machado
(1918-1985) 1000 títulos de autores brasileiros
de filosofia [1983]. A
partir da queda do Império e da instauração da República em 1889, a
preocupação com a busca de uma sociedade
racional tornou-se meta prioritária da elite intelectual brasileira. O
século XX começa sob a inspiração positivista,
que deu ensejo às quatro correntes mencionadas anteriormente. A
vertente castilhista, consolidada, como já foi frisado, na Constituição
política do Estado do Rio Grande do Sul,
elaborada e promulgada por Castilhos em 1891, deu lugar à prática da
"ditadura científica" no mencionado Estado.
As figuras de maior relevo do castilhismo não foram teóricos do
positivismo, mas espíritos práticos que legislaram
e que modelaram uma forma autoritária de governo. Consolidado o
castilhismo no Rio Grande do Sul, a
partir de 1930 converteu-se na doutrina predominante do autoritarismo
republicano brasileiro. Duas
gerações podemos identificar no castilhismo: a primeira,
correspondente ao surgimento e consolidação dessa
tendência no Estado do Rio Grande do Sul, no período compreendido
entre 1891 e 1930 e que teve, além de
Castilhos, os seguintes representantes: Borges de Medeiros (1864-1961),
José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915)
e Getúlio Vargas (1883-1954). A segunda geração castilhista foi
integrada pela elite sul-riograndense
que acompanhou Getúlio Vargas na tomada do poder em 1930 e a sua influência
projetou-se diretamente no
cenário nacional durante o longo período getuliano até 1945, voltando
a exercer alguma influência durante o segundo governo de
Getúlio Vargas (1951-1954). Os representantes mais destacados desta
segunda geração foram Lindolfo Collor (1891-1942), João
Neves da Fontoura (1889-1963), Firmino Paim Filho (1884-1971),
João Batista Luzardo (1892-1982), Joaquim Maurício Cardoso (1888-1938)
e outros. Os
dois traços doutrinários centrais do castilhismo [cf. Vélez, 1980] são
a idéia da tutela do Estado sobre os cidadãos
e a concentração de poderes no Executivo. Como doutrina regeneradora,
o castilhismo revelou-se mais autoritário
do que a própria ditadura científica comteana. Enquanto o filósofo de
Montpellier considerava que da educação
positiva dos vários agentes sociais emergiria a ordem social e política,
os castilhistas, como já foi dito, inverteram
a equação: primeiro deveria se consolidar um Estado mais forte do que
a sociedade (mediante os expedientes
do partido único e do terror policial que destruísse qualquer oposição)
a fim de que, numa segunda etapa,
o Estado educasse compulsoriamente os cidadãos. Como pode-se observar,
este modelo incorporou muitos
elementos do totalitarismo rousseauniano, particularmente a idéia de
que ordem significa aniquilação de qualquer
dissenso. Em
que pese o fato de os castilhistas da segunda geração (na qual se
destacava a figura de Lindolfo Collor) Os
positivistas ilustrados (cujos nomes já foram mencionados no item
anterior) foram caracterizados assim por Antônio
Paim [1967]: "(...) sendo partidários de Augusto Comte, no que se
refere à possibilidade da organização racional
da sociedade, preferiam os procedimentos da democracia liberal, ao contrário
do totalitarismo castilhista".
Especial menção deve ser feita a Ivan Lins, cuja obra principal História
do positivismo no Brasil [1964]
tornou-se um dos clássicos para o estudo deste tema, justamente por
fazer um balanço objetivo e desapaixonado
da contribuição das várias manifestações do comtismo na cultura
brasileira. A
vertente militar do positivismo teve um importante representante neste século:
o marechal Cândido Mariano da Silva Rondón (1865-1956), quem foi
o principal discípulo do ideólogo do positivismo no meio militar,
Benjamin
Constant
Botelho de Magalhães. Inspirado no ideal positivista de incorporação
do proletariado à sociedade, Rondón
sempre insistiu na assimilação do índio à cultura ocidental,
respeitando as populações silvícolas nas suas propriedades,
nas suas pessoas e nas suas instituições políticas, sociais e
religiosas. Essa atitude permitiu-lhe realizar
importante trabalho de penetração nos longínquos confins da Amazônia
e do Mato Grosso. Convém salientar
que houve, no meio militar, um grupo de oficiais que seguiram o
positivismo castilhista, entre os quais cabe
mencionar o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956), quem
teve papel destacado durante os dois
governos de Getúlio Vargas. Nas
primeiras décadas do presente século a crítica ao positivismo foi
realizada por Otto de Alencar (1874-1912) e
Amoroso Costa (1885-1928), ambos professores da Escola Politécnica do
Rio de Janeiro e precursores da corrente
neo-positivista. A crítica era simples: o comtismo não corresponde a
uma autêntica filosofia da ciência devido
à sua índole dogmática, sendo necessária uma abertura à evolução
do conhecimento científico nas suas várias
manifestações, especialmente no tocante à física-matemática. A
finalidade essencial da filosofia seria a formulação
de uma teoria do conhecimento que buscasse fundamentar uma linguagem
elaborada com o máximo rigor e que se inspirasse na matemática.
Os esforços de Otto de Alencar e Amoroso Costa conduziram à criação
da Academia Brasileira de Ciências em 1916, que representou um espaço
aberto ao pensamento científico, livre por completo do dogmatismo
comteano. Na
atualidade, dois pensadores representam a tendência neo-positivista:
Pontes de Miranda (1892-1979) e Leônidas
Hegenberg (nasc. 1925). O primeiro caracteriza-se por ter aplicado os
princípios fundamentais dessa corrente
à ciência do direito, mas sem se restringir a ela, colocando-a num
contexto mais amplo em que medita sobre
a criação humana como um todo. O segundo é considerado por Antônio
Paim como "o principal artífice do processo contemporâneo
de superação do conceito oitocentista de ciência e do triunfo sobre o
positivismo comteano por
parte dos cultores das ciências exatas, interessados na correspondente
problemática filosófica. A
mais fecunda corrente de pensamento filosófico, ao longo do presente século,
é a culturalista. Tal corrente identifica-se
como herdeira do neo-kantismo e da tradição surgida a partir da crítica
ao positivismo, desenvolvida pela
"Escola do Recife", especialmente por Tobias Barreto. Os
principais representantes do culturalismo brasileiro são
Luís Washington Vita (1921-1968), Miguel Reale, Djacir Menezes
(1907-1996), Antônio Paim, Paulo Mercadante
(nasc. 1923) e Nelson Saldanha (nasc. 1931). As
teses fundamentais sustentadas pelos culturalistas poderiam ser
sintetizadas da seguinte forma, segundo Antônio
Paim [1977]: a) A filosofia implica multiplicidade de perspectivas,
sendo que no interior destas existe a possibilidade
de que surjam pontos de vista diversos. A escolha de uma perspectiva
determinada não obedece a critérios
uniformes. b) A ciência é a única forma de conhecimento capaz de
efetivar um discurso com validez universal,
mas para isso são estabelecidos objetos limitados, evita-se a busca da
totalidade e elimina-se o valor. c) As
ciências humanas experimentaram um processo de aproximação às ciências
naturais, mas por outro lado observa-se
uma subordinação de todas elas a esquemas filosóficos. d) Contudo, a
elucidação acerca das relações entre
ciência e filosofia, não chega a constituir objetivo primordial da
corrente culturalista, que centra a atenção, melhor,
numa meditação de tipo ontológico. e) O ser do homem constitui o
objeto próprio dos pensadores culturalistas,
que atendem sobretudo para o agir ou para as criações humanas. f) A
criação humana, ou seja, a cultura,
é entendida como "conjunto de bens objetivados pelo espírito
humano na realização de seus fins específicos".
g) É necessário atender, no terreno da cultura, ao âmbito da pura
idealidade, que possui um desenvolvimento
autônomo, apesar de ser influenciado pelo conjunto da atividade
cultural. h) A autonomia da variável
espiritual, no processo cultural, torna-se visível através da
capacidade humana de refletir filosoficamente acerca
dos problemas. i) Os problemas filosóficos são constituídos por questões
controvertidas no seio da tradição
cultural, desde o ponto de vista do sentido do ser e do agir humanos. j)
Apesar de enfatizar a autonomia e
a criatividade do espírito, os culturalistas não deixam de reconhecer
que a atividade humana é orientada pelo Raimundo
de Farias Brito (1862-1917) é o mais importante pensador de tendência
espiritualista no Brasil. Discípulo
da "Escola do Recife", combateu o positivismo não a partir do
neo-kantismo, como Tobias Barreto, mas
a partir do espiritualismo, que estava em ascensão na Europa graças à
meditação de Henri Bergson (1859-1941).
A influência de Farias Brito se fez sentir no pensamento do seu mais
importante discípulo, Jackson de
Figueiredo (1891-1928) quem, apesar de não ter formulado uma rigorosa
proposta filosófica como seu mestre,
teve o mérito de elaborar uma doutrina conservadora centrada nas idéias
de ordem e de autoridade, que serviu
de base teórica aos católicos para assimilar as instituições
republicanas e estabelecer um diálogo fecundo com
outras concepções políticas, superando destarte o dogmatismo
ultramontano, no qual a Igreja Católica tinha ancorado desde a
proclamação da República em 1889. O
mais destacado representante desta última posição foi o padre Leonel
Franca (1896-1948), da Companhia de Jesus,
quem partiu do ponto de vista de defesa intransigente do catolicismo
para uma classificação apologética dos
filósofos. Outros pensadores de inspiração católica têm
desenvolvido perspectivas mais abertas. Dentre os que
receberam a influência de Jacques Maritain (1882-1973) cabe mencionar a
Alceu Amoroso Lima (pseudônimo
Tristão de Athayde) (1893-1983) e Leonardo van Acker (1896-1986).
Amoroso Lima sistematizou
na sua obra os princípios do que ele denominou de "humanismo cristão",
contraposto ao marxismo e ao existencialismo. Alicerçado nessa
concepção, formulou críticas a filósofos contemporâneos e lutou no
Brasil pela defesa dos
direitos humanos. Van Acker, belga de nascimento, adotou um ponto de
vista neo-tomista para avaliar
as filosofias contemporâneas e formulou uma concepção moderna do que
seria o papel dessa corrente de pensamento
no mundo de hoje, no sentido de que deveria se abrir à análise, sem
preconceitos, de todas as tendências.
Continuador desta esclarecida opção é hoje monsenhor Urbano Zilles (nasc.
1937). Outros
pensadores de inspiração católica são: Tarcísio Meireles Padilha (nasc.
1928) quem, inspirado na meditação
de Louis Lavelle (1883-1951), formula uma "filosofia da esperança";
Geraldo Pinheiro Machado quem se
destacou como historiador das idéias filosóficas no Brasil; Ubiratan
Macedo (nasc. 1937) e Gilberto de Mello Kujawski
(nasc. 1925), os quais elaboraram a sua obra inspirando-se no pensador
espanhol José Ortega y Gasset
(1883-1955); Fernando Arruda Campos, reconhecido estudioso do
neo-tomismo brasileiro e o padre Stanislavs
Ladusans (1912-1993), da Companhia de Jesus, autor da obra, já citada,
Rumos da filosofia atual no
Brasil. Tentando
dar uma resposta concreta ao problema da pobreza e das desigualdades
sociais que afetam ao Brasil, alguns
pensadores de formação cristã têm desenvolvido, ao longo das últimas
décadas, o que poderia ser denominado
de projeto imanentista de libertação, que acolhe elementos conceituais
provindos das teologias católica
e protestante, bem como do hegelianismo, dos messianismos políticos
rousseauniano e saint-simoniano, do
personalismo de Emmanuel Mounier (1905-1950) e do marxismo. As
principais contribuições neste terreno pertencem
ao padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz (nasc. 1921), inspirador
do movimento chamado Ação
Popular (que posteriormente converter-se-ia na Ação Popular
Marxista-Leninista); a Hugo Assmann, destacado
professor universitário; ao padre Leonardo Boff, autor de numerosa
bibliografia nos terrenos teológico, político,
filosófico e ecológico; e ao pedagogo Paulo Freire. É importante destacar que, ao longo da última década, têm aparecido estudos que analisam a problemática da pobreza de outros ângulos, como por exemplo a partir da perspectiva liberal. A mais significativa contribuição nesse sentido é a obra de José Osvaldo de Meira Penna (nasc. 1917), intitulada Opção preferencial pela riqueza [Penna, 1991].No terreno do pensamento tradicionalista sobressaem: José Pedro Galvão de Souza (1912-1993), quem profundizou na análise da teoria da representação (fato que o aproxima curiosamente do liberalismo lockeano); Alexandre Correia (1890-1984), quem realizou a tradução íntegra ao português da Suma Teológica de São Tomás de Aquino (1225-1274) e Gustavo Corção (1896-1978). Os
pensadores de inspiração marxista têm desenvolvido no Brasil amplo
trabalho de análise, abordando
especialmente
os aspectos sócio-econômicos. Destaca-se nesse terreno Caio Prado Júnior
(1907-1990), para quem
seria infantil a pretensão comteana, adotada pela maior parte dos
marxistas brasileiros, de enquadrar a explicação
científica acerca da evolução social nos estreitos parâmetros de
leis gerais e eternas. "Tal pré-fixação de
etapas", escreve Prado Júnior [1966: 23], "através das quais
evoluem ou devem evoluir as sociedades humanas,
faz rir". Apesar da advertência crítica deste autor, a tendência
que veio a prevalecer no chamado "marxismo
acadêmico" brasileiro, foi a comteana ou cientificista. Os
principais representantes desta vertente (que
possui
como preocupação fundamental a implantação da sociedade racional, em
bases marxistas), foram Leônidas
de Rezend (1899-1950), Hermes Lima (1902-1978), Edgardo de Castro Rebelo
(1884-1970), João Cruz
Costa (1904-1978), Alvaro Vieira Pinto (nasc. 1909) e Roland Corbisier (nasc.
1914). Vale
a pena destacar os nomes de alguns autores de inspiração marxista,
desvinculados da opção comteana: Luiz Pinto
Ferreira (nasc. 1918) e Gláucio Veiga (nasc. 1923), os quais fazem uma
avaliação da problemática herdada da
"Escola do Recife", notadamente no terreno do direito.
Recentemente Leandro Konder (nasc. 1936) tem desenvolvido
uma crítica sistemática à opção comteana seguida pelo marxismo
brasileiro. Se apoiando em bases que
remontam a Hegel (1770-1831) e a Marx (1818-1883), este autor atribui a
"derrota da dialética", sofrida pelo
marxismo brasileiro, à versão positivista já anotada [Konder, 1988].
Leandro Konder situa-se, assim, nos dias
atuais, como o continuador da atitude crítica anteriormente sustentada
por Caio Prado Júnior. No
que tange à fenomenologia, a trajetória do pensamento brasileiro é
bastante rica. Ao longo das décadas de cinqüenta
e sessenta, a filosofia de Edmund Husserl (1859-1938) foi divulgada por
Evaldo Pauli (nasc. 1924) e Luís
Washington Vita. Interpretações da obra husserliana projetada sobre a
meditação brasileira foram realizadas por
Miguel Reale no seu livro Experiência e cultura [1977], por Antônio
Luiz Machado Neto (1930-1977) na sua
obra Para uma eidética sociológica [1977] e pelo já mencionado
pensador católico Leonardo van Acker, no
seu livro A filosofia contemporânea [1981]. Especial contribuição, no terreno dos estudos fenomenológicos, tem sido dada por Creusa Capalbo (nasc. 1934), para quem a meditação husserliana, longe de constituir um sistema, é mais um método que não se pode reduzir a uma teoria intuitiva do conhecimento, mas que se desenvolve no seio de uma hermenêutica e de uma dialética. Sobressaem ainda no terreno dos estudos fenomenológicos, Aquilles Côrtes Guimarães, quem aplica a perspectiva husserliana à historiografia da filosofia brasileira e Beneval de Oliveira (1916-1986), quem realiza um balanço da evolução desta corrente na sua obra A fenomenologia no Brasil [1983]. Alguns estudiosos utilizam fenomenologia como método de pesquisa no terreno das epistemologias regionais. Tal é o caso, por exemplo, de Nilton Campos (1898-1963), Isaias Paim e João Alberto Leivas Job. A
filosofia existencialista, no sentir de Antônio Paim [1967], teve dois
momentos no período contemporâneo. O primeiro
corresponde à entrada das idéias de Jean-Paul Sartre (1905-1982) no
panorama cultural brasileiro, imediatamente
depois da Segunda Guerra Mundial. O segundo corresponde à influência
deixada pelo pensamento de
Martin Heidegger (1889-1976), a partir da década de sessenta. As
idéias de Sartre foram divulgadas inicialmente por Roland Corbisier e
Alvaro Vieira Pinto. A influência do filósofo
francês no meio brasileiro consolidou-se com a série de conferências
que Sartre pronunciou no Rio de Janeiro
em 1961. A entrada do existencialismo sartreano produziu uma forte reação
dos pensadores católicos, que
passaram a criticar especialmente o ateísmo do pensador francês. O
autor que mais definidamente sofreu a influência
de Sartre foi Otávio de Mello Alvarenga [cf. Mourão, 1986]. À luz do
existencialismo sartreano foram discutidas
questões sociais relativas ao desenvolvimento, ao colonialismo e
outras, no Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB). Pelo
fato de se ajustar melhor à tradição espiritualista brasileira, a
filosofia hedeggeriana contou com mais seguidores.
Dentre os pensadores que sofreram a influência de Heidegger podem ser
mencionados os nomes de Vicente
Ferreira da Silva (1916-1963), Emmanuel Carneiro Leão, Gerd Bornheim (nasc.
1929),
Ernildo Stein, Wilson
Chagas (nasc. 1921),
Eduardo Portella e Benedito Nunes. No
seio dos existencialistas brasileiros mencionados, deve ser destacada a
figura de Vicente Ferreira da Silva, cujas
Obras completas [1964] abrem um caminho profundamente rico e original,
que une a problemática existencialista
à melhor tradição do espiritualismo de origem portuguesa.
Referindo-se à peculiaríssima contribuição
de Ferreira da Silva, Miguel Reale [in: Silva, 1964: I, 13] afirmou:
"A sua preocupação pelas origens e
pelo valor do infra-estrutural, já na raiz da personalidade (...), já
no evoluir das idéias, como revela a sua nota sobre
Heráclito ou o estudo sobre a origem religiosa da cultura, tem,
efetivamente, o alcance de uma historicidade
transcendente, de um regresso às origens, para dar início a um ciclo
diverso da história, diferente deste
em que o homem estaria divorciado da natureza e das fontes do divino;
para um retorno, em suma, ao ponto
original onde emergem todas as possibilidades naturais espontâneas,
liberadas das crostas opacas do experimentalismo
tecnológico, bem como das objetivações extrínsecas platônico-cristãs".
Adolpho
Crippa (nasc. 1929) desenvolveu a vertente espiritualista trabalhada por
Ferreira da Silva, aprofundando no
tema do mito como gerador da cultura. Uma perspectiva de análise
semelhante foi desenvolvida pelo filósofo português
Eudoro de Sousa (1911-1989), quem criou na Universidade de Brasília o
Centro de Estudos Clássicos.
Vale
a pena mencionar os nomes de alguns autores não filiados a correntes
dete rminadas e que se têm caracterizado
pela sua ativa participação no debate filosófico, se aproximando, em
alguns aspectos, da corrente culturalista.
Tal é o caso, por exemplo, de Vamireh Chacon (nasc. 1934), Renato
Cirell Czerna (nasc. 1922), Silvio
de Macedo ( nasc. 1920), Roque Spencer Maciel de Barros (nasc. 1927)
Evaristo de Moraes Filho (nasc. 1914),
Alcântara Nogueira (nasc. 1918), Jessy Santos (nasc. 1901) e Tércio
Sampaio Ferraz (nasc. 1941). O mais
importante representante do espiritualismo no momento atual é João de
Scantimburgo (nasc. 1915), quem se inspira no pensamento de
Maurice Blondel (1861-1949). A
cultura filosófica brasileira no século XX tem sido canalizada por um
número crescente de pensadores, em direção
a um estudo sistemático dos principais autores e correntes, a partir de
determinadas instituições não universitárias.
As mais destacadas entidades são: o Centro dom Vital (criado em 1922,
no Rio de Janeiro, por Jackson
de Figueiredo); o Instituto Brasileiro de Filosofia (criado em 1949, em
São Paulo, por Miguel Reale); a Sociedade
Brasileira de Cultura Convívio (criada em 1962 em São Paulo, por
Adolpho Crippa); o Conjunto de Pesquisa
Filosófica (organizado em 1967 em São Paulo pelo padre Stanislavs
Ladusans); a Sociedade Brasileira de
Filósofos Católicos (com sede no Rio de Janeiro e presidida desde 1973
por Tarcísio Padilha); o Centro de Documentação
do Pensamento Brasileiro (organizado em Salvador-Bahia em 1983 por Antônio
Paim e que possui, hoje, o
mais importante acervo na área do pensamento brasileiro); a sociedade
Tocqueville (criada no Rio de
Janeiro, em 1986, por José Osvaldo de Meira Penna e um grupo de
intelectuais liberais); o Centro de Estudos
Luso-Brasileiros
(criado em 1986, no Rio de Janeiro, por Anna Maria Moog Rodrigues, Italo
Joia e Gisela Bandeira
Pereira); o Instituto de Humanidades (com sede em Londrina, Paraná, e
criado em 1987 por Leonardo Prota,
Antônio Paim e Ricardo Vélez Rodríguez); a Academia Brasileira de
Filosofia (criada em 1989 no Rio de Janeiro
por iniciaitiva de Jorge Jaime, e presidida atualmente por João Ricardo
Moderno); o Centro de Estudos Filosóficos
de Londrina (criado em 1988 por Leonardo Prota); o Centro de Estudos
Filosóficos de Juiz de Fora (criado
em 1991 pelos ex-alunos do Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro da
Universidade Federal local),
etc. Nas
últimas décadas também têm surgido em várias universidades
programas de pós-graduação orientados ao estudo
da história das idéias filosóficas no Brasil. As principais
iniciativas têm sido tomadas pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, pela Universidade Gama Filho (do Rio de
Janeiro), pela Universidade Estadual
de Londrina e pela Universidade Federal de Juiz de Fora. De outro lado,
em aproximadamente 25 universidades
é ensinada regularmente a disciplina "filosofia brasileira".
Esse crescente interesse pelo estudo do pensamento
brasileiro levou o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina a realizar
a cada dois anos (a partir de 1989)
os Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia
Brasileira. No
terreno documental, sobressai a iniciativa do Centro de Documentação
do Pensamento Brasileiro de Salvador-Bahia,
que sob a orientação de Antônio Paim publica, desde 1983,
bibliografias e estudos críticos acerca
de pensadores e publicações periódicas. A nível internacional, é
digno de menção o Anuario del Pensamiento
Ibero e Iberoamericano, que a Universidade da Geórgia, nos Estados
Unidos, publica desde 1989
sob a direção de José Luis Gómez-Martínez, com uma seção dedicada
ao estudo do pensamento brasileiro. Esta
publicação constitui, na atualidade, o mais completo instrumento
bibliográfico no seu gênero, a nível mundial, somente comparável ao
Handbook of Latin-American Studies, que é publicado, sob a coordenação
de Juan Carlos Torchia Estrada, pela Biblioteca do Congresso dos
Estados Unidos. Por
último, cabe mencionar o importante trabalho de difusão da filosofia
brasileira que Luiz Antônio Barreto realiza
em Aracajú (Sergipe), a partir da Fundação Augusto Franco. As suas
duas mais recentes contribuições são
a edição das Obras Completas de Tobias Barreto [1991] e a promoção
anual, a partir de 1989, dos Colóquios
Luso-Brasileiros de Filosofia, que são realizados alternadamente em
Portugal e no Brasil, com a colaboração
do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, com sede em Lisboa, (sob a
presidência de José Esteves Pereira).
O fruto mais importante da cooperação luso-brasileira é a Enciclopédia
Lógos, que desde 1989 publica em
Lisboa a Editorial Verbo, sob a direção de Francisco da Gama Caeiro
(1928-1993), Antônio Paim e outros, com
o patrocínio da Universidade Católica Portuguesa.
A presença da filosofia francesa é, destarte, marcante em momentos significativos do pensamento brasileiro. ir : Home ou Filosofia: Geral - Introdução - Origem - Antiga - Medieval - Cristã - Moderna - Contemporânea - Paidéia - Frankfurt - Os Sofistas - Introdução- Estética - Lógica - Metafísica - Círculo de Viena - Filosofia no Ensino Médio |