O texto a seguir foi digitalizado do livro "Complexidade e Caos"
organizado por H. Moysés Nussenzveig, páginas 51 a 82
Rio de Janeiro: Editora UFRJ/COPEA, 1999

LIGAÇÕES DOS FRACTAIS COM OS SISTEMAS CAÓTICOS E COMPLEXOS

Vimos que muitos fractais são provenientes de operações não-lineares. Existe, portanto, uma relação bastante íntima entre eles e os sistemas dinâmicos não-lineares; estes sistemas apresentam, em geral, comportamentos caóticos e complexos. Mencionaremos, de forma superficial, alguns desses pontos de interface, muitos dos quais ainda não estão claramente entendidos e são pontos atuais de intensa pesquisa.

Dimensão fractal de atratores

Uma importante caracterização dos atratores caóticos é fornecida pela sua dimensão fractal (ou, mais precisamente, pelo seu espectro de dimensões). Um exemplo é o cômputo da capacidade do Atrator de Lorenz, um modelo paradigmático de atrator caótico; seu valor é de aproximadamente 2,1. Essa dimensão permite quantificar o grau de ocupação com que o atrator preenche o espaço de três dimensões e mostra que ele não pode estar contido em uma superfície.

Bacias fractais

Um fenômeno muitas vezes existente nos sistemas caóticos e complexos, e que tem significativas repercussões em processos evolutivos, é a existência de atratores múltiplos, ou seja, o sistema possui vários atratores para os mesmos valores dos parâmetros. As condições iniciais determinarão para qual atrator o sistema tenderá. Uma situação relativamente comum é aquela em que as fronteiras dessas bacias de atração são fractais. Pode ocorrer também que as próprias bacias se tomem extremamente entrelaçadas e sejam elas mesmas estruturas fractais. Isso tem implicações profundas na previsibilidade do comportamento futuro do sistema, quando se tenta prever para qual atrator ele convergirá ao longo do tempo: se as bacias foram muito entrelaçadas, tal previsão ficará bastante limitada.

Mesmo mapas unidimensionais simples podem apresentar bacias fractais[16]. Um exemplo bidimensional interessante ocorre no chamado mapa do triângulo: trata-se de um mapeamento não-linear no plano, analisado por Yorke e seus colegas[17], no qual existem seis atratores em competição (que, neste caso, são determinados segmentos de reta) e com bacias muito entrelaçadas. A Figura 36 mostra as bacias de atração para cada um dos atratores. Note-se que essas figuras não são interessantes apenas por seu aspecto estético.

FIGURA 36 – Bacias fractais do mapa do triângulo

As cores e sua distribuição carregam informações sobre toda a dinâmica do sistema. Tais figuras constituem-se em uma generalização dos gráficos tradicionais, em que a informação está contida apenas na curva (linha unidimensional) do gráfico de uma variável em função de outra. Já nessas figuras toda a área do papel é importante, pois condensa, em cada ponto, informações sobre o sistema (Figura 37).

FIGURA 37 – Trajetórias de períodos diferentes para um pêndulo forçado.
[Grupo de Caos – Universidade de Maryland]

Conjuntos de Julia e de Mandelbrot

Estruturas matemáticas interessantes emergiram do estudo do comportamento dos mapeamentos quando se usam números complexos. O exemplo mais importante surgiu com os chamados Conjuntos de Julia e com o Conjunto de Mandelbrot, uma figura muito bonita e dotada de grande riqueza matemática. Vamos apenas descrever como podem ser construídos; o livro de Peitgen e Richter[2] pode ser consultado para maiores detalhes.

Vamos considerar uma iteração quadrática no plano complexo, com a forma Zi+1 = Zi2 + C, ou seja:

(5)
onde C = A + iB e Z = X + iY. Quando partimos de um determinado ponto inicial e fazemos o computador calcular os pontos seguintes, através da iteração (5), o ponto tenderá, em geral, para zero ou para infinito.

Conjuntos de Julia. São os conjuntos constituídos pelos pontos que não tendem nem para zero nem para o infinito. A dinâmica dentro deles é caótica. São obtidos fazendo-se o ponto inicial Z0 fixo e variando-se C. Uma maneira para determinar um conjunto desse tipo é a seguinte: desenham-se todos os pontos que, sob iteração, não escapam para infinito. A fronteira desse conjunto é um Conjunto de Julia (Figura 38).

FIGURA 38 – Conjunto de Julia

Conjunto de Mandelbrot. Nesse caso tomamos C fixo e variamos Z0. O Conjunto de Mandelbrot (Figura 39) é o conjunto de pontos Z0, no plano complexo, para os quais os Zi sucessivos não tendem para infinito. Para determiná-lo, podemos proceder da seguinte maneira: para C = 0, por exemplo, faz-se a iteração (5), para cada Z0 e coloca-se cor branca nos pontos em que Z tende para infinito e preta se isto não ocorre. A fronteira do Conjunto de Mandelbrot tem dimensão fractal igual a 2.

O conjunto pode receber também uma estrutura a cores, que contém informações sobre a rapidez com que os pontos tendem para infinito. As cores diferentes são atribuídas aos pontos iniciais de acordo com o número de iterações necessárias para se atingir um certo raio grande, anteriormente definido. O Conjunto de Mandelbrot é um tipo de "dicionário" dos Conjuntos de Julia.

FIGURA 39 - Conjunto de Mandelbrot

Os pontos que pertencem ao Conjunto de Mandelbrot geram conjuntos de Julia conexos. Os pontos fora dele geram Conjuntos de Julia (fractais) constituídos de pontos isolados. Com iterações similares às de Mandelbrot, no plano complexo, muitas figuras bizarras podem ser construídas, lembrando estruturas naturais com forma de insetos, plantas, paisagens, etc. (Figura 40).

FIGURA 40 - Imagem fractal tridimensional

Outras questões significativas

Muitos temas novos de pesquisa na física e na matemática têm utilizado os conceitos da geometria fractal. Do ponto de vista matemático, menciono apenas dois exemplos. No primeiro deles, no estudo da integrabilidade, verifica-se que as singularidades móveis (que aparecem quando equações diferenciais não-lineares são analisadas no plano complexo) de sistemas de equações diferenciais que são não-integráveis apresentam, com freqüência, uma distribuição complicada no plano complexo; existe a conjectura de que essas distribuições são fractais[18]. Um outro ponto matemático, recentemente estudado, diz respeito às relações entre a geometria fractal e a teoria clássica da computação. Existem aí problemas da categoria dos indecidíveis, como, por exemplo, testar se um atrator de um IFS e um dado segmento de linha se interceptam[19]. Isso significa que não existem algoritmos que possam responder a certas questões simples sobre fractais.

Com a introdução e o uso dos fractais na física, inúmeras questões e aplicações novas têm surgido, entre elas as que buscam estabelecer conexões entre a estrutura fractal e o comportamento dinâmico de sistemas caóticos e complexos. Citemos três questões particularmente importantes:

1. A construção de modelos adequados para se descrever a turbulência é um dos grandes problemas da física; embora um avanço significativo tenha sido conseguido com as novas técnicas experimentais e com a introdução de muitos conceitos provenientes do estudo dos sistemas caóticos, o problema parece ainda longe de uma solução geral aceitável. Como outras equações básicas da física, as equações dos fluidos, como as de Euler,por exemplo, podem exibir simetria de escala. Além disso, os fluxos turbulentos devem ser tratados estatisticamente e seus espectros apresentam freqüentemente estrutura fractal Existe a conjectura de Mandelbrot de que as soluções das equações básicas da turbulência envolveriam singularidades que são conjuntos fractais [1(b)].

2. Outra questão bastante discutida nos últimos tempos, e ainda sem uma resposta definitiva, se refere à relação entre os fractais e os ruídos chamados de ruídos l/fα, que apresentam uma lei de potência na sua distribuição espectral (em geral, 0,5 < a < 1,5). Por exemplo, um corte ao longo de uma direção de uma paisagem fractal produz a curva de um gráfico com ruído l/fα. Uma distribuição desse tipo reflete a presença da simetria de escala e a toma, em princípio, aplicável a fenômenos que não possuem comprimento característico[20]. Os fenômenos críticos são também associados com fractais e caos e o conceito de criticalidade auto-organizada foi introduzido para tentar entender os sistemas que tendem naturalmente para uma situação crítica[21]. No estado crítico não há uma escala natural de comprimento e a estatística fractal se aplica. Os sistemas complexos existem no limiar do caos, onde situações críticas ocorrem e a lei de potência predomina. Muitos modelos que obedecem à lei de potência têm sido construídos e estudados: terremotos, avalanches, freqüência no uso de palavras, atividade solar, inversões no campo magnético da Terra, ruídos em circuitos eletrônicos, etc[20]. Uma questão cabível é: existe algum mecanismo universal para gerar ruídos desse tipo? Um possível mecanismo é o da criticalidade auto-organizada. Os fractais e o ruído l/fα a seriam, segundo a conjectura, as marcas espacial e temporal da criticalidade auto-organizada[21]. É mais provável; no entanto, que vários mecanismos genéricos existam e conduzam a esses fenômenos possuidores de simetria de escala. Mas as questões gerais sobre qual o significado da lei de potência e sua relação com os fractais, por que muitas formas naturais têm estrutura fractal e por que o ruído l/fα é prevalente em muitos processos dinâmicos da natureza, permanecem questões substantivas que aguardam respostas mais precisas.

3. Uma terceira área interessante de aplicação dos fractais se refere à construção de urna termodinâmica dos multifractais[22]. Em particular, existem interfaces entre esse estudo e as chamadas wavelets (que fornecem um tipo de generalização da análise de Fourier). Inspirado também na definição de dimensão fractal generalizada, Tsallis introduziu, em 1988[23], uma definição mais geral de entropia, que poderá ser útil em determinados contextos físicos. Nessa seqüência de idéias, a definição do expoente de Lyapounov também pode ser estendida para permitir a análise da taxa média de afastamento (ou aproximação) de trajetórias vizinhas, mesmo nos casos em que o expoente usual de Lyapounov é nulo. Isso significará que essa taxa não é exponencial e obedece a uma lei de potência, como ocorre no limiar do caos, com os sistemas complexos. Estruturas fractais, já presentes no cômputo dos expoentes usuais, poderão surgir também aqui.

Como iniciei o texto com Langevin, terminarei, após este sobrevôo ligeiro sobre conceitos matemáticos e físicos referentes aos fractais, com uma frase também instigante de Spinoza: "Não atribuo à natureza nem beleza nem deformidade, nem ordem nem confusão; é somente do ponto de vista de nossa imaginação que dizemos que as coisas são bonitas ou feias, ordenadas ou caóticas".

Quando nos deparamos com o caráter estranho e abstrato de muitas das novas idéias, como, por exemplo a da existência de dimensões fracionárias, considerações como as de Langevin e de Spinoza podem nos inspirar ou, até mesmo, consolar.

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FRACTAIS
O QUE SÃO FRACTAIS?
O QUE SÃO E COMO MEDIR AS DIMENSÕES FRACTAIS?
Um método de se medir a dimensão fractal de um conjunto: a contagem por caixa
Outras definições de dimensões fractais
MÉTODOS DE GERAÇÃO DE FRACTAIS
Geração de fractais por agregação
Modelo DLA (Diffusion-Limited Aggregation)
Modelo de junção de agregados
IFS (Iterated Function Systems)
APLICAÇÕES DOS FRACTAIS
LIGAÇÕES DOS FRACTAIS COM OS SISTEMAS CAÓTICOS E COMPLEXOS
Dimensão fractal de atratores
Bacias fractais
Conjuntos de Julia e de Mandelbrot
Outras questões significativas
APÊNDICE: ALGUNS PERSONAGENS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PIONEIRAS NO ESTUDO DOS FRACTAIS
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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