O texto a seguir foi digitalizado do livro "Complexidade e Caos"
organizado por H. Moysés Nussenzveig, páginas 51 a 82
Rio de Janeiro: Editora UFRJ/COPEA, 1999

O QUE SÃO E COMO MEDIR AS DIMENSÕES FRACTAIS?

A noção de dimensão é uma questão fundamental tanto na matemática quanto na física. Vamos discuti-Ia de um modo superficial, mas que nos ajude a entender a idéia de dimensão fractal. Duas idéias próximas, mas diversas, estão ligadas ao termo dimensão usualmente empregado: 1) o número de informações (no caso, dadas pelas coordenadas) necessárias para se localizar um ponto no espaço: falamos que o espaço possui três dimensões. Após a teoria da relatividade, a idéia de um espaço quadridimensional se firmou na física, com a introdução também da dimensão temporal para a caracterização de um evento que ocorre no espaço-tempo; 2) a noção de medida de comprimento. Assim, dizemos, por exemplo, que a dimensão de um objeto é 50cm.

Uma noção importante de dimensão, a chamada dimensão topológica, relacionada à primeira idéia, foi discutida por Poincaré em 1911 e por Brouwer, em 1913. Diz o seguinte: um contínuo tem n dimensões quando podemos dividi-lo por meio de cortes que sejam eles próprios contínuos de (n-1) dimensões. Considera-se que o ponto possui dimensão zero. Por essa definição, a reta terá dimensão 1 (porque pode ser separada por um ponto), o plano terá dimensão 2 (porque pode ser separado por uma reta), o espaço usual terá três dimensões (porque pode ser separado por um plano: as paredes de uma casa, por exemplo), e assim, sucessivamente, podemos imaginar conjuntos contínuos com um número crescente de dimensões. Note-se que, nessa definição, não entra a noção de medida de distância (métrica), que, como dissemos, aparece também associada ao termo dimensão. Trata-se aqui de uma noção topológica, relacionada apenas à noção de vizinhança (proximidade) entre os pontos de um conjunto, o que permite a definição de continuidade.

Vamos considerar agora o aspecto métrico ligado à noção de dimensão. Neste século surgiram várias noções de dimensão, às vezes não-equivalentes, baseadas nessa característica. A primeira delas é a denominada capacidade, definida por Kolmogorov, que mede o quanto o conjunto ou objeto considerado preenche o espaço em que está imerso. Por ser, talvez, a definição de dimensão mais simples que permite caracterizar os fractais, é usualmente chamada de dimensão fractal, embora existam, como veremos, vários outros tipos de dimensões métricas utilizadas para caracterizar os graus de 'fractalidade' de um conjunto. Essa definição de capacidade é bastante próxima da noção de dimensão introduzida por Hausdorff, em 1919.

A definição da capacidade dcap de um conjunto é a seguinte:

(1)
onde N(ε) é o número mínimo de cubos elementares necessários para cobrir o conjunto considerado e ε é a dimensão linear do cubo elementar. Vamos considerar dois exemplos simples que mostram como essa dimensão pode ser calculada:

1. Conjunto de Cantor. É um conjunto construído da seguinte maneira: tomamos um segmento de reta e o partimos em três segmentos iguais. Em seguida, o pedaço intermediário é retirado. Os dois segmentos restantes são de novo repartidos em três segmentos iguais e os segmentos intermediários são retirados. O processo de repartir os segmentos e de retirar o pedaço intermediário prossegue ad infinitum. O Conjunto de Cantor é o conjunto de pontos restantes, após infinitas operações terem sido realizadas.

A capacidade, ou dimensão fractal, desse conjunto, como pode ser inferido diretamente da Figura 25, vale: dcap = log(2)/log(3) ≈ 0,6. Isto porque, em cada etapa do processo de construção do conjunto, utilizamos dois segmentos (cubos elementares) para cobrir a figura, sendo que cada segmento elementar tinha comprimento de 1/3. Observe-se que esse conjunto tem comprimento zero, porque, a cada etapa do processo, seu comprimento é reduzido por um fator 2/3. Logo, seu comprimento, no limite em que n → ∞, será L = (2/3)n → 0.

FIGURA 25 - Processo de formação do Conjunto de Cantor

2. Conjunto de Koch: Este conjunto é construído como indicado na Figura 26. Em vez de retirarmos o pedaço intermediário do segmento inicial, nós o substituímos por mais dois segmentos iguais, como indicado. Percebe-se logo que a dimensão fractal desse conjunto será dada por dcap= log(4)/log(3) ≈ 1,26. O comprimento desse conjunto tende para infinito, valendo em cada etapa do processo de construção (4/3)n.

FIGURA 26 - Processo de formação do Conjunto de Koch

Muitos outros conjuntos fractais similares podem ser imaginados com regras de construção semelhantes. O leitor poderá facilmente se convencer, pelo uso da definição (1), que a dimensão fractal de uma reta é 1, a do plano vale 2 e a do espaço usual é 3, coincidentes com a dimensão topológica. A figura 27 exibe um fractal, chamado de esponja de Menger, que tem dimensão fractal maior que 2 (dcap ≈ 2,727).

FIGURA 27 - Esponja de Menger

Uma característica estranha que surge logo à primeira vista, com esses fractais, é a presença de dimensões que não são números inteiros. Isso ocorre em aparente contradição com nossa 'intuição', que espera que os objetos tenham dimensão inteira n = 1, 2, 3, etc.; a dimensão topológica, por sua definição exposta acima, satisfaz essa propriedade 'intuitiva'. A dimensão (capacidade) dos conjuntos fractais é maior ou igual à sua dimensão topológica. Mas vamos procurar mostrar que a idéia de uma dimensão não-inteira não é absurda, que ela pode ser expressa matematicamente de forma coerente e que pode mesmo fornecer informações interessantes sobre o grau de 'fractalidade' e de ocupação, pela estrutura analisada, do espaço no qual está imersa. Note-se que poderão existir fractais cuja dimensão é inteira; isso ocorre, por exemplo, com a trajetória de uma partícula no movimento browniano, cuja capacidade é 2.

Tomemos um exemplo concreto bem simples, e que já se tomou clássico, para mostrar que a idéia de dimensão fracionária não é tão absurda como parece: a medida do comprimento da linha costeira de um país. Richardson chamou a atenção, em 1961, para o fato de que esse comprimento não é uma quantidade bem definida como em geral se imagina: seu valor depende do comprimento da 'régua' (unidade de medida) que é escolhida para medi-la. Assim, se tomamos unidades de medida cada vez menores (primeiro 10km, depois 1 km, em seguida 100m, e assim sucessivamente), o comprimento da linha costeira, em função de suas inúmeras reentrâncias, cresce proporcionalmente na medida em que E (comprimento da 'régua' utilizada) decresce; a relação, proveniente de (1), tem a forma: L(ε) ~ ε1-d, onde d é a dimensão fractal. Esse tipo de dependência de uma quantidade, no caso L, em relação a outra, ε neste caso, é chamada de lei de potência.

Você poderá tomar um mapa, da Baía de Guanabara, por exemplo, e verificar através da medida da periferia da baía, tomando várias 'réguas' como sua unidade básica de medida, que a dimensão fractal obtida, como ocorre com as linhas costeiras de outros países analisadas por Richardson, fica em tomo de 1,25; trata-se de um valor próximo da dimensão fractal da Curva de Koch, embora esta seja um fractal exato e não estatístico.

Um método de se medir a dimensão fractal de um conjunto: a contagem por caixa

Nos exemplos acima, como o processo de construção do conjunto é bastante simples e sempre igual em cada escala, fica fácil o cômputo da dimensão fractal. Para se medir a dimensão fractal de estruturas naturais ou de fractais aproximados ou estatísticos, devemos realizar uma análise mais cuidadosa. Note­se que, para objetos naturais, o processo de escalonamento tem limites e só funciona dentro de uma certa faixa de escalas. Em geral, se pode ir até uma certa escala inferior cujo valor é determinado pelo tamanho dos constituintes elementares do objeto (ou pela precisão das medidas), ou seja, chega-se a um ponto onde não se pode mais ampliar as partes do objeto e ainda se obter uma estrutura similar. O processo tem também um limite superior dado pelo tamanho finito do objeto considerado. Existem vários procedimentos de medição da dimensão fractal já propostos; vamos discutir um deles e aplicá-lo a um conjunto importante, no plano, que emana do estudo dos sistemas dinâmicos não-lineares.

O procedimento básico é o seguinte: divide-se a área (ou volume) do conjunto analisado em um certo número de caixas (cubos elementares) iguais. Conta-se o número de caixas em que existe pelo menos um ponto do conjunto. Reduz-se sucessivamente o tamanho das caixas e mede-se, a cada vez, o número de caixas que possuem pelo menos um ponto do conjunto. Desenha-se o gráfico do logaritmo de N (número de caixas ocupadas) em função do logaritmo de (1/ε), onde ε é a dimensão linear da caixa, em cada etapa. A dimensão fractal do conjunto é dada pelo valor da inclinação do gráfico.

Consideremos o chamado Atrator de Hénon, uma figura que surge quando aplicamos a seguinte transformação para obter pontos sucessivos no plano (X,Y):
(2)
com A = 1,4 e B = 0,3. O atrator é obtido pela aplicação repetida da regra acima: a partir do conhecimento do ponto inicial (X0, Y0) a regra (2) permite que se determine o ponto (Xl,Y1); a partir de (Xl,Y1) a mesma regra leva ao ponto (X2,Y2), e assim sucessivamente, num processo iterativo. A Figura 28 mostra uma etapa do processo de determinação da dimensão fractal do Atrator de Hénon. A inclinação do gráfico de log(N) versus log(1/ε) nos dá a dimensão fractal aproximada desse atrator; nesse caso, seu valor é d ≈ 1,2.

FIGURA 28 - Atrator de Hénon e o cálculo de sua dimensão fractal

Esse método de medida da dimensão fractal tem algumas limitações. Ele não distingue caixas com números diferentes de pontos e, portanto, não é muito adequado para descrever fractais probabilísticos ou aqueles resultantes de um processo dinâmico complicado, já que não permite determinar quais caixas são visitadas com maior freqüência. Além disso, de um ponto de vista operacional, o método converge lentamente e o número de caixas necessário para se efetuar a medida cresce rapidamente, tornando-se pouco prático para dimensões maiores que dois. Existem outros métodos alternativos de medida da dimensão fractal, mas não trataremos deles aqui. O leitor interessado poderá consultar os livros citados nas referências, nos quais alguns desses métodos são discutidos.

Outras definições de dimensões fractais

Da análise anterior, começa também a ficar claro que outras definições de dimensão fractal são possíveis. De alguns anos para cá, várias delas foram introduzidas, destacando aspectos variados da 'fractalidade' de um conjunto. O Quadro 1 apresenta um sumário das definições de dimensão mais utilizadas. Significativamente, em 1983, foi definida uma noção de dimensão fractal generalizada que incorpora muitas das definições anteriores em um esquema único e progressivo.

Dimensão de informação. É uma certa generalização da capacidade, que leva em conta a probabilidade relativa de ocupação dos cubos elementares usados para cobrir o conjunto. Fornece o mesmo valor que a capacidade se as probabilidades de visita a todos os cubos forem idênticas.

Dimensão de correlação. Quantifica o número de pontos que estão a uma distância menor que e de um dado ponto. A função de correlação C (ε,r) mede o número de pontos situados dentro de uma distância ε e a dimensão de correlação é uma média disso, tomada sobre cada par de pontos. As três definições anteriores de dimensão fractal podem ser vistas, como se observa no Quadro 1, como casos particulares de uma noção mais geral de dimensão fractal, denominada dimensão generalizada, que caracteriza o conjunto através de todo um espectro de dimensões. Com isso, estruturas fractais mais complexas podem ser analisadas. Os conjuntos para os quais as dimensões generalizadas Dq não fornecem resultados idênticos são denominados de multifractais. Eles descrevem situações em que diferentes regiões de um objeto têm diferentes propriedades fractais.

Dimensão de Lyapounov. Trata-se de uma noção de dimensão bem diversa das anteriores. Está ligada ao comportamento temporal dos sistemas dinâmicos. Parte-se, aqui, da idéia de que os expoentes de Lyapounov (que medem a taxa exponencial média de esticamento ou contração, em direções características, de trajetórias que geram a figura de um atrator no espaço de fase) estão relacionados à dimensão fractal do atrator. A definição dessa dimensão, em duas dimensões, é: d = 1 + λ1/|λ2|, onde os λi são os expoentes de Lyapounov. Essa dimensão, que pode ser calculada computacionalmente, é, em alguns casos, igual à dimensão fractal fornecida pelas outras definições.

Quadro 1 - Definições de dimensão fractal

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FRACTAIS
O QUE SÃO FRACTAIS?
O QUE SÃO E COMO MEDIR AS DIMENSÕES FRACTAIS?
Um método de se medir a dimensão fractal de um conjunto: a contagem por caixa
Outras definições de dimensões fractais
MÉTODOS DE GERAÇÃO DE FRACTAIS
Geração de fractais por agregação
Modelo DLA (Diffusion-Limited Aggregation)
Modelo de junção de agregados
IFS (Iterated Function Systems)
APLICAÇÕES DOS FRACTAIS
LIGAÇÕES DOS FRACTAIS COM OS SISTEMAS CAÓTICOS E COMPLEXOS
Dimensão fractal de atratores
Bacias fractais
Conjuntos de Julia e de Mandelbrot
Outras questões significativas
APÊNDICE: ALGUNS PERSONAGENS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PIONEIRAS NO ESTUDO DOS FRACTAIS
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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