Confrarias Judaicas
Sociedades Secretas no Brasil Colonial
As irmandades laicas religiosas constituíram, nos tempos
inquisitoriais, o melhor disfarce para os judaizantes, e ainda
serviam como “prova” de sua fidelidade ao catolicismo.
O historiador João Lúcio de Azevedo conta que em Lisboa,
depois da execução do judaizante Frei Diogo de Assunção, em
1603, foi fundada a Irmandade de São Diogo, com a finalidade de
“perpetuar, sob aparência de rito católico, a recordação do mártir”
(História dos Cristãos-Novos Portugueses, pp. 159-161).
A fundação dessa irmandade foi idéia de um outro
judaizante, o cônego Antônio Homem, que mais tarde, em 1624, também
seria queimado pela Inquisição. Sua morte também originaria a
fundação de uma outra confraria em Lisboa, a de Santo Antônio,
mas isso foi impedido pelas autoridades eclesiásticas. (AZEVEDO, João
Lúcio de. ob. cit. p. 177). Ao invés disso, sua memória seria
lembrada do outro lado do oceano por seu irmão, Gonçalo Homem,
morador da Bahia, que foi acusado na Segunda Visitação de ter em
sua capela particular um retrato do familiar penitenciado, e não a
imagem de Santo Antônio (NOVINSKY, Anita. Cristãos-Novos na Bahia,
p. 159).
No Brasil, os judaizantes tentaram se reunir em confrarias
por diversas vezes. Augusto de Lima Júnior, em sua obra “A
Capitania de Minas Gerais”, na página 84, conta que “em Vila
Rica, meados do século dezoito, havia uma comunidade judaica muito
bem disfarçada, que tentou organizar-se numa falsa irmandade, com o
título de “Fiéis de Deus”. Como se sabe, assim se intitulavam
os seguidores do profeta Eliseu que, em meio da idolatria de Israel,
proclamavam sua fidelidade a Yaveh. Chegaram a ocupar uma casa junto
da atual Capela de Bom Jesus dos Perdões, então em construção, e
enganaram o Bispo de Mariana, que somente depois de muito tempo
desconfiou dessa confraria e resolveu dissolvê-la”.
Também o Rio de Janeiro teve a sua confraria, chamada de
Nossa Senhora de Ajuda, ou como mais tarde ficou conhecida, a de
Maria de Judá. Vivaldo Coaracy, em “Memórias da Cidade do Rio de
Janeiro”, pp. 222-23, relata a história dessa confraria: “Outra
ermida antiqüíssima, de que também não se sabe quando foi
originalmente construída nem quem a fundou, era a de Nossa Senhora
de Ajuda. (...) Gozou esta capela de prestígio e fama, sabendo-se
que da irmandade que nela mantinha o culto fizeram parte
personalidades eminentes da capitania, entre as quais alguns dos
governadores. (...) Teve a ermida também o seu tempo de desprestígio.
Era ela em certa época, muito procurada pelos cristãos-novos que
abundaram na respectiva irmandade. Espalhou-se então entre o povo o
rumor de que, em vez do culto à Mãe de Deus, celebravam nela os
judeus encapotados festas em honra de certa Maria de Judá.
Apontava-se como promotor desta profanação um tal Antônio
Rodrigues Flores. (...) Todas as informações sobre esta fase de
desprestígio são vagas e imprecisas; mas parece que a Inquisição
andou dando uma vassourada por lá e várias personalidades
suspeitas de judaísmo praticante, foram pelo prelado enviadas para
Lisboa, acusadas de praticar o suposto culto de Maria de Judá”.
É interessante notar a caracterização que o autor fez dos judeus
em suas festas, ele diz: “os judeus encapotados”. Possivelmente
o autor estava se referindo ao uso do talit pelos judeus em suas
celebrações. (talit é um manto usado em alguns rituais
religiosos)
Outro
autor, Joseph Barbosa de Sá, bem mais antigo, também menciona em
seu livro, “Diálogos geográficos, cronológicos, políticos e
naturais”, escrito em 1769, a infiltração de cripto-judeus na
confraria de Nossa Senhora de Ajuda. No diálogo nº 11 após falar
dos vários cristãos-novos que retornaram ao judaísmo durante a
presença holandesa no Nordeste do Brasil, ele diz: “Foi no Rio de
Janeiro com tanto silêncio e simulação que deles se achavam
sacerdotes, pregadores, mestres de artes, médicos, letrados e
outras graduações, sem que o mal que padeciam contaminasse o
cristianismo”.
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