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Capitalismo

Erich Fromm

A situação humana no capitalismo pós-moderno

A mudança do caráter social

No desenvolvimento da humanidade não houve talvez nunca uma medida maior de liberdade que na sociedade ocidental atual. As pessoas vivem em conforto material, têm muito tempo livre e têm à sua disposição um grande leque de escolhas profissionais e estilos de vida. Com o aumento da prosperidade, porém, os problemas psicossociais aumentaram igualmente. O caráter social prescreve ao indivíduo certas estruturas de pensamento e de comportamento. Estas são absorvidas pela maioria dos membros da sociedade como valores e normas e garantem, deste modo, o sobrevivência da cultura. Enquanto há um século o ser econômico era direcionado a caracteres como explorar os outros pelo maior lucro possível e não temer qualquer concorrência, parecem ganhar hoje significado cada vez mais importante características como a capacidade de trabalho em equipe e a conformidade. Apesar da responsabilidade individual ser fortemente enfatizada, espera-se, ao mesmo tempo, devido ao rápido desenvolvimento técnico, que as pessoas sejam altamente flexíveis. Se outrora havia autoridades explícitas, contra as quais se poderia levantar (o rei, o chefe), hoje não há qualquer fonte de poder personificada. Todo o poder parece ter-se despersonalizado e é no máximo compreensível como mercado anônimo, para cuja influência valem as leis da oferta e procura e conseqüentemente ninguém pode ser responsabilizado. Da anonimidade que continua a persistir mecanicamente surge a atitude esperada de fazer aquilo que todos os outros fazem. A perda de individualidade e identidade leva ao mais alto grau de conformidade, o que é extremamente notável em nossa sociedade. Indiferentemente de cada um ter certo grau de inteligência ou não, ter uma posição social elevada ou não, a maioria parece ter o mesmo ritmo de vida: Vêm os mesmos filmes e programas, lêem os mesmos jornais e livros. Como a busca pelo lucro máximo deu lugar ao desejo de um salário regular, todos trabalham em um mesmo ritmo. Acima de tudo, as pessoas produzem e consomem, sem fazer perguntas e parecem querer realmente evitar aprender sobre incidentes, origens e paralelos. Em lugar da consciência individual, a busca pela máxima adaptação e de reconhecimento disto por outros é que aparece. A civilização moderna parece não satisfazer às profundas necessidades do homem e com sua demasiadamente grande parcela de liberdade individual e prosperidade antes causando um sentimento de uma monotonia intensa e desorientação. As pessoas da sociedade atual não precisam mais lutar por liberdade política ou sexual; não estão mais em perigo de tornar-se escravos, mas sim, robôs.

O humano como grandeza abstrata

O ser é visto na sociedade atual e mundo econômico principalmente como partícula impessoal ao invés de personalidade individual. Indiferentemente se na empresa ou no mundo do consumo, ele se tornou uma grandeza abstrata que pode ser expressa em números e, por conseguinte, calculada. Um bom exemplo é o burocrata típico. Para ele, as pessoas, sobre cujo destino ele provavelmente decide, existem somente como objetos e números sobre um papel. Isto lhe possibilita tomar decisões sobre elas, sem empatia ou sentimentos interpessoais como simpatia ou antipatia. Algo similar ocorre com o grande empresário, que com uma assinatura pode despedir 100 pessoas, sem nunca tê-las conhecido e sem saber sobre suas condições de vida. Apenas é decisivo, se elas cumprem ou não com as condições da empresa. Uma causa decisiva para a abstração do ser é a busca pela máxima eficiência, que é tão característica no capitalismo. Sobretudo através do crescimento contínuo de grandes empresas e o desaparecimento de empresas menores ligado a isto, o indivíduo é avaliado principalmente por seu “valor de mercado” e pode ser trocado arbitrariamente como o parafuso estragado de uma máquina.

A situação humana

Os animais vivem em harmonia total com a natureza. Eles vivem em codições que aceitam como dadas e com as quais eles podem lidar. Em contraposição com os animais, desenvolveu-se no homem a capacidade de transcender seu ambiente, através da razão que lhe foi dada e com isso extrapolar a realidade que o cerca. Ele se elevou sobre a natureza e pode em certa medida recriá-la e dominá-la. Este seu dom dos mais elevados é ao mesmo tempo sua danação. Em palavras bem claras, ele deixa-se descrever como anomalia da natureza, pois no ser humano “a vida (...) tomou consciência de si”. Ele passa não somente a saber da aleatoriedade de sua existência, mas também da limitação de sua vida. Apesar de ainda ser parte da natureza, ele é igualmente saído dela e a harmonia entre ambos está para sempre perdida. Através desta consciência surge no ser humano um enorme sentimento de desamparo e fraqueza. Tem que viver e tomar decisões e todo passo em outra direção causa-lhe assombro, pois deixam-se estados já conhecidos e conseqüentemente mais seguros. O maior problema do ser é a sua pura existência (veja-se, relativamente a este ponto, igualmente o ser em si de Jean Paul Sartre). A vida humana é dominada por uma polaridade intransponível entre regressão e progressão: De um lado, a ânsia pela harmonia perdida com a natureza, que governou anteriormente em sua existência animal. De outro lado, o esforço por alcançar uma existência humana que corresponda a suas capacidades condicionadas à razão e lhe promete a solução do problema de sua existência. Este estado o leva a uma busca contínua por harmonia e impossibilita o existir estático. Estando as necessidades animais satisfeitas (fome, sono, sexo, etc), emergem as necessidades humanas no primeiro plano: ”Todas as paixões e buscas humanas são tentativas de encontrar uma resposta à sua existência ou, igualmente, poderia-se dizer que são tentativas de escapar ao adoecimento da alma.”

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Democracia e Capitalismo

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Gustavo Adolpo Siqueira Amarante*

Democracia e capitalismo, como estão, e a utopia do possível

Tenho escrito com alguma freqüência que penso que o capitalismo e a democracia, como estão, estão agonizando. Tentarei, a seguir, fundamentar minha crença, já bastante sofrida com a crítica dos entendidos.

O capitalismo, voltou a ser praticado no modo “selvagem” e só tem feito aumentar o abismo entre os ricos e os pobres. Os primeiros acumulam fortunas indecentes e imorais, que sustentam privilégios que deveriam estar mortos e enterrados, juntamente com os tiranos do passado. Ao mesmo tempo em que se locupletam com ganhos inexplicáveis, quando o sistema financeiro que proporciona estes ganhos, colapsa, os ricos socializam o prejuízo por todo o contingente de gentes trabalhadoras e pagadoras de impostos, e encontram sempre um economista de plantão para justificar e endossar as desgraças que se abatem sobre os que não carregam culpa. Também cooptam governos e governantes, distribuindo migalhas gordas para calar consciências e jurisprudências. Aos últimos cabe apenas sonhar com uma mobilidade social quase inatingível e acreditar na lisura do sistema e dos homens que o gerenciam; este tempo está se esgotando, como o demonstram as ocupações de Wall Street e outras.

A democracia, ao que me parece, foi comprada pelo capitalismo selvagem. Serve à um só senhor, o senhor mercado. Presidentes eleitos, primeiros ministros, governadores e demais mandatários, representantes do povo, nada fazem sem a consulta prévia ao tal mercado. Este ente onipresente e todo poderoso nos roubou a voz e a vez, deixando-nos órfãos de representação e de vontade. No segundo escalão deste poder, encontramos grupos de interesse e clãs familiares ou por associação, a quem cumpre aparentar ser a classe média alta ou alta burguesia, como se dizia antigamente. A estes cabe o papel de novos ricos, sempre atolados na orgia da ostentação dos sonhos fabricados e vendidos nos anúncios da televisão e da internet. Nos círculos mais distantes está a pequena burocracia, a quem cumpre fazer valer o poder de cima, com sua miríade incompreensível de regras e regulamentos, confusos e divergentes, que obedecem à máxima do dividir para reinar.

Esta democracia corrupta e este capitalismo, selvagem e corruptor, são a doença social do nosso tempo, que incide em maior ou menor grau em todo canto e acometeu todos os regimes e todos os sistemas do espectro ideológico. Ao olhar mais aprofundado, não há diferença entre a podridão britânica ou francesa ou americana, e a dos chineses ou dos antigos soviéticos. Todos são sistemas de castas, com vestimentas levemente diferentes e discursos apropriados ao grau de pasmaceira de seus povos e do momento de suas histórias.

Para a nossa sorte, a visão e o sentimento deste mal, feriu salutarmente todos os povos e todas as gentes, que se cansaram de suas febres e tremores e humores. Vivemos tempos de primaveras. Árabes e judeus, europeus e africanos, americanos do norte e do sul, e asiáticos, todos a seu tempo, estão se erguendo contra a ordem constituída. Ainda não sabem bem o que querem, mas sabem que não querem mais ser regidos pelos hediondos mercados e seus mercadores de tristezas e de pobreza.

Para a nossa sorte, a visão e o sentimento deste mal, feriu salutarmente todos os povos e todas as gentes, que se cansaram de suas febres e tremores e humores. Vivemos tempos de primaveras. Árabes e judeus, europeus e africanos, americanos do norte e do sul, e asiáticos, todos a seu tempo, estão se erguendo contra a ordem constituída. Ainda não sabem bem o que querem, mas sabem que não querem mais ser regidos pelos hediondos mercados e seus mercadores de tristezas e de pobreza.

* Médico, professor, blogueiro do "construindo o presente"

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