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A Coerência em Textos de Alunos do Ensino Médio
Análise Global do Corpus

de: Benedito Gomes Bezerra

Analisando todos os textos do corpus, foi possível dividi-los em três categorias: textos com baixo, médio ou bom padrão no que diz respeito à coerência, e esta apurada a partir dos requisitos estabelecidos por Charolles(1978). Encontramos em Val(1991) uma classificação semelhante, porém mais abrangente, uma vez que a referida autora avaliou seu corpus também à luz de outros critérios que não somente as meta-regras de coerência. No capítulo anterior, examinamos alguns dos textos classificados dentro da categoria de "bom" e "baixo" nível de coerência. As redações consideradas "médias" são aquelas onde se verificam desvios pouco significativos em relação às meta-regras, por um lado, ou que não evidenciam um maior padrão de excelência em seu emprego, por outro.

Assim, dado que o único critério aqui considerado foi a coerência, e esta englobando, conforme a proposta de Charolles(1978), a coesão, chegamos à seguinte tabela:

 

Distribuição dos textos analisados

% de textos de bom padrão

% de textos de médio padrão

% de textos de baixo padrão

25

25

50

Quadro 1: Avaliação do corpus

 

Uma comparação direta com os dados de Val(1991:113), revela algumas diferenças significativas nos percentuais relativos à questão da coerência, conforme abaixo:

 

Distribuição dos textos quanto à coerência

 

% textos de bom padrão

% textos de médio padrão

% textos de baixo padrão

VAL

14

62

24

ESTE TRABALHO

25

25

50

Quadro 2: Comparação

 

Quais seriam as causas das diferenças verificadas acima? Sugerimos em seguida três hipóteses: em primeiro lugar, a questão da disponibilidade para tarefas escolares. Os produtores dos textos de Val, em sua maioria, eram pessoas que não trabalhavam na época do exame vestibular, dedicando-se mais às tarefas escolares. Já os produtores do corpus analisado neste trabalho são, quase todos, trabalhadores que contribuem para a renda de sua família e, algumas vezes, são os próprios cabeças dessa família. Esta situação afeta a disponibilidade de tempo para o estudo. O nível de fadiga do aluno durante as aulas e a concentração nos estudos, evidentemente, alterará o resultado final de uma produção de texto.

A segunda hipótese diz respeito ao nível de adestramento dos alunos. No corpus de Val, a maioria dos alunos havia passado por cursinho pré-vestibular, o que fez com que se tornassem pessoas bem treinadas para desenvolver textos dentro do esquema esperado no concurso vestibular e, no caso analisado, com um nível maior de coerência. Quanto ao nosso corpus, pelo contrário, temos alunos pouco habituados e mesmo desmotivados a escrever. A prática em sala de aula mostra que o ensino de gramática tem sido predominante, de modo que a ênfase em produção de textos tem pouca receptividade por parte dos alunos. Muitos textos caracterizam-se pelas chamadas marcas de oralidade, denotando a pouca familiaridade dos alunos com a modalidade escrita da língua portuguesa. Numa época em que a informação nos chega predominante através da linguagem visual e sonora da televisão, talvez a pouca habilidade para se escrever não seja algo a estranhar.

Por último, temos a clássica comparação entre alunos da escola particular e alunos da escola pública. Os textos de Val foram produzidos, quase em sua totalidade, por alunos que estudaram em escolas particulares. Não é o caso de se repetir a velha e estereotipada visão maniqueísta do problema, pela qual a escola particular é "boa" e a escola pública é "ruim". O relevante é que a escola particular, especialmente em se tratando de alunos do terceiro ano do ensino médio, concentra suas forças nos conteúdos a serem cobrados no vestibular, e a produção de textos é um desses conteúdos. Muitas escolas possuem professores e disciplinas específicos para produção textual, o que não acontece na escola pública, onde o professor tem liberdade quase total para estabelecer seu programa de curso e muitos não dedicam qualquer ênfase à escrita de textos.

Assim, creio que podemos afirmar que o aluno da escola particular está mais familiarizado com textos do que o aluno de escola pública, até por questões extra-escola, como o nível social, por exemplo. O aluno da escola privada, além de ser mais solicitado a escrever textos, está, em seu cotidiano, muito mais exposto a textos, seja de revistas, de jornais ou mesmo através da Internet.

Considerando ainda que os textos analisados aqui não foram produzidos, como na maioria das vezes acontece, inclusive no vestibular, sem planejamento e muito menos revisão adequados, surpreendem as falhas tanto na estrutura de superfície como no nível semântico e lógico. Muitas delas, e algumas foram apontadas no decorrer de nossa análise, poderiam ter sido evitadas por meio de uma revisão mais criteriosa. Além disso, os textos denotam, quanto ao planejamento e à coleta de idéias que antecederam sua produção, ou uma quase total ausência dessas fases ou uma coleta acrítica de dados que resultou, algumas vezes, em textos onde não era possível ouvir a voz do aluno. Citemos um texto onde o escritor pesquisou mas não elaborou as idéias com suas próprias palavras, apenas as transcreveu. Quando ele abandona sua fonte, percebe-se claramente sua incapacidade de articular as idéias por escrito, tanto formal como semanticamente:

 

Texto 35

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

Vou falar de uma delas, à "AIDS"

O virus que causa a aids foi descoberto nos Estados Unidos em 1981, mas só em 1983 foi constatado que era um virus que destruia o sistema imunológico.

A aids é transmitida por: secreção vaginal, transfusão de sangue e leite materno contaminado. Não se pega o HIV atravéz do abraço, beijo, acentos, toalha, sabonete, etc.

A aids hoje em dia no Brasil tornou-se uma doença muito popular...

 

Para chegar a textos inteiramente coerentes e que também atendam às demais condições de textualidade não examinadas por este trabalho, as teorias contemporâneas acerca do texto apontam como um caminho necessário o abandono do texto como mero produto e uma adesão à escrita como um processo. O corpus que resultou neste trabalho foi fruto de um processo, mas possivelmente não alcançou melhores resultados porque os alunos não estavam devidamente preparados para isto. Parece que o professor terá que passar por uma etapa de preparação dos alunos para abandonarem os antigos métodos de escrita. Eles terão que perceber a importância de cada fase do processo, desde a seleção de temas, passando pela coleta e seleção de idéias e pelo planejamento do texto em si. Ao escreverem o texto, deverão saber que o processo não acabou. Essa primeira versão do texto deverá ser objeto de revisão criteriosa e reescritura. Mesmo esse texto revisto e reescrito poderá e deverá ser alvo não só de avaliação, mas de análise crítica por parte de alunos e professor.

A análise do texto escrito, mesmo quando busca um determinado aspecto do texto, o que em nosso caso foi a coerência, acaba por revelar o aluno para o professor de uma maneira que a leitura e o ensino de gramática dificilmente poderão fazer. O aluno que produziu o texto parcialmente transcrito abaixo pouco deixa transparecer de suas dificuldades com a escrita formal nos exercícios regulares de gramática e leitura:

 

Texto 09

ADOLESCENTES E A SEXUALIDADE

O Brasil é um país que bate o recorde com adolescente que vai para a prostituição, e que chega a ter relação sexual antes dos 13 anos. É raro ver alguma adolescente que conheça o sexo, elas podem ter relação mas não conhece os meios de evitar uma gravidez ou doenças como por exemplo a AIDS. Existe adolescente que não conversa com os pais...

 

A análise dos textos mostrou que a coerência, juntamente com a coesão, constituem a base da avaliação de um texto. No entanto, a análise da coerência e da coesão não é suficiente para avaliar a textualidade. Um texto com nível aceitável de coerência não será necessariamente um texto bem estruturado em sua globalidade. Os fatores que possibilitam uma análise mais completa estão exemplificados em Val(1991:113) e incluem não só a coerência e a coesão, mas também a informatividade, a estruturação formal e a correção gramatical.

 

Índice
A coerência em textos de alunos do ensino médio:
Sobre o trabalho (créditos, introdução, conclusão e bibliografia).
1. Fundamentação Teórica
(A lingüística textual, Coerência e coesão e As meta-regras de coerência)
2. Metodologia de Trabalho
(os temas, o monento histórico, o contexto imediato e os produtores dos textos)
3. Análise dos Dados
3.1 Textos com baixo padrão de coerência
3.2 Textos com bom padrão de coerência
4. Análise Global do Corpus
Anexo - Textos de Alunos

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