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A Coerência em Textos de Alunos do Ensino Médio
Metodologia de Trabalho

de: Benedito Gomes Bezerra

Embora o objeto desta análise restrinja-se a aspectos da coerência textual, consideramos relevante, a exemplo de Val:1991, comentar os fatores pragmáticos intervenientes na produção dos textos dos alunos. Isto significa uma visão panorâmica dos aspectos de situacionalidade, intencionalidade e aceitabilidade.

 

2.1. Os temas

Os temas, resultado de negociação do professor com os alunos, englobavam assuntos como Doenças sexualmente transmissíveis, Desemprego e marginalidade, O Brasil em ano de Copa do Mundo, A Páscoa dos meus sonhos, A seca no nordeste e O sexo na adolescência, entre outros. A idéia era dar ao aluno a oportunidade de discorrer sobre tema de sua preferência e, principalmente, relacionado com sua experiência de vida. A diversidade de temas possibilitou alcançar esse objetivo. Para efeito de avaliação com atribuição de notas, tornou-se impossível ao professor adotar critérios do tipo comparativo. Cada texto, neste caso, teria que ser avaliado quase que individualmente, o que não é uma desvantagem, em nossa opinião.

 

2.2. O momento histórico

Os textos começaram a ser produzidos logo após as comemorações da Páscoa cristã deste ano de 1998 (final do mês de abril e início de maio). Os ideais e valores relacionados com a festa estavam bem claros para os alunos, naquele momento, em contraposição às distorções comerciais que apenas induziam ao consumismo. Freqüentemente, os textos dos alunos aludem ao verdadeiro sentido da Páscoa e rejeitam a propaganda veiculada pelos meios de comunicação.

No domínio esportivo, crescia a expectativa em relação à XVI Copa do Mundo de futebol, de onde se esperava que o Brasil retornasse novamente campeão. De modo geral, o otimismo era a tônica. Mesmo as alunas, que normalmente não se empolgam com futebol, já estavam no clima festivo da Copa do Mundo.

Problemas sociais como o desemprego crescente no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, a marginalidade em geral, o uso de drogas e a prática indiscriminada do sexo pelos adolescentes, tendo como conseqüência a gravidez, o aborto e as doenças sexualmente transmissíveis, são compreendidos muito empiricamente pelos alunos, pois trata-se de problemas muito próximos de sua realidade.

Alguns textos enfocam, ainda, problemas locais como a seca, destacando a mobilização da sociedade em favor das famílias atingidas. O aluno tem uma opinião formada sobre o assunto, valorizando a atitude altruísta daqueles que ajudam e criticando a inércia dos governantes, sobre quem recai a culpa pelo flagelo.

 

2.3. O contexto imediato

Os textos analisados foram produzidos em sala de aula. Embora a avaliação tenha recaído predominantemente sobre o produto final, o processo de produção foi também enfatizado. Os temas foram propostos e discutidos previamente, inclusive aqueles sugeridos pelos próprios alunos. Estes saíram daquela aula com a responsabilidade de pesquisar sobre o tema de sua preferência, a fim de produzirem uma primeira versão do texto na aula subseqüente. Após a produção dessa versão-rascunho, passou-se a uma etapa de revisão, que foi feita pelos próprios alunos, divididos em grupos de cinco pessoas. Finalmente, cada um produziu o que considerava ser sua versão final do texto. Com essa versão revisada pelos grupos de alunos é que trabalhamos nesta análise.

É preciso dizer que, para efeito do trabalho com textos em sala de aula, duas outras etapas ainda estavam previstas: na primeira, o professor revisaria, em conjunto com os alunos, um ou mais textos aleatoriamente escolhidos; na segunda, os alunos seriam desafiados a reescreverem o texto que já haviam considerado como final, à luz da revisão feita em conjunto com o professor. Os textos foram analisados antes dessas duas etapas porque desejávamos trabalhar com textos não corrigidos pelo professor.

Tais textos foram produzidos em um clima levemente competitivo. Foi dito aos alunos que, após o processo de revisão e reescritura final, eles mesmos escolheriam os três melhores textos, os quais seriam premiados com notas que os eximiriam de submeter-se a uma das avaliações escritas do bimestre. Para os demais, a participação valeria apenas um ponto adicional à nota da referida avaliação. Além disso, decidiu-se publicar em mural interno as melhores redações. O objetivo era proporcionar ao aluno um interlocutor, evitando a sensação de se escrever para o professor ou para ninguém.

Dada a situação de produção dos textos, algumas observações puderam ser feitas, no que concerne ao comportamento dos alunos no processo.

Em primeiro lugar, o fato de eles terem a oportunidade de se prepararem em casa para a produção do texto fez com alguns deles simplesmente copiassem matérias de outras disciplinas, revistas ou livros, e as apresentassem como sua própria criação. Alguns de fato pesquisaram, informaram-se, e escreverem seus textos com base nas informações obtidas. A maioria, porém, simplesmente desperdiçou a oportunidade de se preparar para a redação, conforme depoimento deles próprios.

Em segundo lugar, a revisão em grupo foi bastante direcionada para os aspectos subjetivos da avaliação em "bom", "mais ou menos" ou "ruim". Os alunos não fizeram revisões de caráter formal ou estrutural, com raríssimas exceções, pelo que se explicam os defeitos formais facilmente visíveis nos textos em estudo.

 

2.4. Os produtores dos textos

O perfil sócio-econômico dos alunos transparece freqüentemente nos textos e nos temas abordados. São, em sua maioria, adolescentes na faixa etária entre 16 e 18 anos. Alguns situam-se fora dessa faixa, como é esperado em um curso noturno. Eles sentem que os problemas explorados nos textos afetam direta ou indiretamente suas vidas. O desemprego, por exemplo, já é um fantasma para muitos, como se pode verificar no texto 16:

Sou uma mulher que também como muitos outros sofre com o desemprego. Tenho 20 anos e quando vou a procura de trabalho me deparo com uma imensa dificuldade: apesar de já ter trabalhado, não me dão oportunidade, por não ter experiência comprovada em carteira. Como posso mostrar-lhes meu trabalho se não me dão chance...

Muitos apontarão o problema do desemprego como um incentivador da marginalidade, como acontece com a autora do texto acima:

As veses nos deparamos com cidadãos de bem, partindo para o lado da marginalidade, por não terem emprego, vendo seus filhos passando fome...

A responsabilidade pelo desemprego recai, segundo a opinião dos alunos, sobre "os políticos", cuja insensibilidade e descaso são recriminados. Uma solução é esperada para o futuro, quando o país será um lugar digno de se viver. Essas idéias estão presentes ainda no texto 16:

... me pergunto onde estão os políticos que nós elegemos. Onde estão que nada fazem, Eles sim poderiam pelo menos minotizar(sic) tanto sofrimento. Espero que um dia tudo isto mude e seja um país com farturas, sem injustiças e digno de um ser humano viver.

A visão de mundo desses alunos, fruto se sua experiência, faz com que eles produzam textos que dificilmente seriam produzidos em outro contexto. Qual o limite entre ficção e realidade em um texto como o de número 14, no qual a autora esquece os principais temas propostos e resolve narrar "uma história da minha vida"?

Era natal, muitas pessoas corriam de um lado para outro com sacolas na mão e eu ali com apenas 13 anos de idade, quase que completamente imóvel, pois havia somente meu triste coração a pulsar fortemente sem rumo, cheio de amor pra dar, mas infelizmente não havia um ser para compartilhar.

Então a amargura reinava em meu ser, ninguém olha pra mim, até Papai Noel havia me esquecido. Agora mais do que nunca estava só com meu banco e a chuva a lavar-me a alma e delirando de fome e amei quando uma moça de aparência meiga me levou a uma grande casa de menores abandonados que no qual vivi alegremente, estudei e me formei.

Hoje sou casada tenho dois belos filhos e meu emprego, mas não esqueço daquele dia em que passei das trevas para a luz.

Os alunos convivem com a realidade e com a proximidade das drogas, outro tema abordado. Em geral, eles conhecem o assunto de perto, conhecem pessoas viciadas e têm consciência do perigo ocasionado pelo envolvimento com drogas. Um texto muito apreciado pelo alunos, no processo de revisão e de seleção das melhores redações, não apresenta nenhum grande atrativo formal, mas empolga por contar a história de um adolescente que morreu em conseqüência do envolvimento com drogas, fazendo com que seus amigos percebessem o perigo que corriam e mudassem de vida. "Mudar de vida" implica sempre "estudar e se formar". O fragmento abaixo, parte do texto 04, evidencia essa mentalidade:

Desde o dia em que o Beto morreu, resolveram mudar de vida, estudaram e se formaram, hoje eles livraram-se das drogas e aconselham aos jovens que nunca entrem em negócio tão sujo como as drogas.

Devemos nossas vidas a um amigo que morreu por todos nós.

A questão da sexualidade do adolescente também foi um tema bastante escolhido pelos alunos. A prática indiscriminada do sexo, a gravidez, o aborto e a maternidade precoce são um fato muito presente na experiência das alunas. É curioso notar que os rapazes falam sobre problemas com a sexualidade apenas quando relacionada com doenças sexualmente transmissíveis como a AIDS. Esta é, na maioria das vezes, a única conseqüência adversa que pode lhes sobrevir. Já para as garotas, a situação é muito diferente: o problema mais freqüente é a gravidez indesejada. Não é raro encontrar alunas com 18 ou 19 anos, solteiras, e com filhos de até 03 anos de idade. É certo que há mães solteiras bem mais jovens em nossa sociedade, mas não deixa de ser chocante constatar fatos assim em nossa própria sala de aula.

Ao falar do tema, a adolescente expressa conceitos como estes do texto 40:

Sexo é muito bom, mas tem que ser menos praticado. As adolescentes hoje em dia se iludem muito fácil pelos homens, se entregam, engravidam...

O seu parceiro não assume a criança, a adolescente se vê sozinha sem ninguém.

Como se pode verificar, os textos são produzidos em um contexto de exclusão social, por indivíduos marcados por idéias estereotipadas, fruto de sua experiência de vida. Em uma análise mais abrangente, esses dados pragmáticos seriam de fundamental importância para o entendimento dos textos. Uma vez que nosso objetivo alcança apenas a questão da coerência, os referidos dados são apenas mencionados, sem um maior aprofundamento e relacionamento com os textos.

 

Índice
A coerência em textos de alunos do ensino médio:
Sobre o trabalho (créditos, introdução, conclusão e bibliografia).
1. Fundamentação Teórica
(A lingüística textual, Coerência e coesão e As meta-regras de coerência)
2. Metodologia de Trabalho
(os temas, o monento histórico, o contexto imediato e os produtores dos textos)
3. Análise dos Dados
3.1 Textos com baixo padrão de coerência
3.2 Textos com bom padrão de coerência
4. Análise Global do Corpus
Anexo - Textos de Alunos

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