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A Coerência em Textos de Alunos do Ensino Médio
Análise dos Dados I
Textos com baixo padrão de coerência

de: Benedito Gomes Bezerra

3. ANÁLISE DOS DADOS

Visto que tanto as falhas no uso(inconsciente) das meta-regras como sua correta utilização não se verificam de forma estanque, isto é, não há um texto que apresente falhas ou acertos de uma só espécie, ou que apresente só falhas, ou só acertos, dividiremos nossa análise qualitativa em apenas dois grupos: o primeiro enfocará as redações com alta incidência de infrações às quatro meta-regras simultaneamente; o segundo tratará de textos que apresentam um bom nível na utilização das mesmas meta-regras. Procedendo assim, evitamos os problemas verificáveis no trabalho de Val(1991), onde ela tenta mas não consegue analisar em separado os diversos mecanismos de coerência. Por exemplo, ao tratar da continuidade, ela diz:

A descontinuidade é flagrante nesse texto, mas aparece aí associada à desarticulação. E esses não são os únicos problemas..."

O problema metodológico pode ser rastreado através de toda a análise da autora. Isto não significa que sua análise tornou-se inviável ou falha. Apenas afirmamos que ela não conseguiu analisar os requisitos de textualidade em separado, sem se referir a outros a cada momento, pois não é assim que os textos são escritos. Dificilmente um escritor apresentará falhas textuais de uma só espécie. Entendemos ser producente analisar os textos como eles são, ou seja, como um todo, com falhas e acertos de diversos tipos. Para efeito de estudo, separaremos os textos onde predominam os acertos daqueles onde predominam as falhas. Esperamos seja esta separação viável, sem que se prejudique a análise global dos textos.

 

3.1. TEXTOS COM BAIXO PADRÃO DE COERÊNCIA

Texto 22

DROGAS

Antes seus pais davam-lhe tudo o que queria: roupas, comida e dinheiro. Não lhe deixavam faltar nada, mas tudo que é bom dura pouco. Além de seus pais pagarem colégios caros para ele estudar, ele nunca se interessou em aprender nada.

Quando se apaixonou por uma garota e poucos meses ela ficou grávida aí precisou arrumar um emprego, tinha perdido seus pais num acidente e seu pai passava por varias dificuldades financeira e tinha grandes dividas e não o deixou nada em bens financeiros.

Mais os empregos que conseguia não lhe ofereciam melhores condições aí que ele percebeu o quanto lhe fazia falta o estudo naquele momento.

Para a piora do seu estado ele perdeu o emprego, já ganhava pouco, passavam-se os dias só piorava a sintuação, quando no dia bem cedo saiu a procura emprego passou a manhã e a tarde, quando retornava para sua casa ao atravessar a rua ele viu um velho amigo que logo convidou para ir na sua casa. Ao chegar, ele convidou para acender o cachimbo. Ele muito revoltado da vida ele acendeu, logo se viciou. Como tinha o corpo muito fraco para aquela droga, apenas 6 meses foram suficientes para cometer suicídio e pôr um fim por causa dessa maldita droga.

 

O texto surpreende, mesmo antes de uma análise mais aprofundada, pela extrema dificuldade do aluno em utilizar aceitavelmente a modalidade escrita da língua portuguesa. Os desvios em nível formal, especialmente no tocante à ortografia, à acentuação gráfica e à pontuação são graves, mas foram regularizados, por não serem objeto deste trabalho. Além da desestruturação formal, há problemas no aspecto lógico-semântico. De fato, é possível localizar infrações às quatro meta-regras, ao longo do texto.

Uma leitura global revela uma quase total desarticulação entre o texto e o tema proposto no título "Drogas". Apenas no último dos quatro parágrafos do texto é mencionado o fato de que a pessoa de quem se fala no texto "se viciou" numa droga cujo nome não é dado e, por causa disso, cometeu suicídio. A desarticulação entre título e conteúdo do texto configura uma espécie de infração à meta-regra de relação(MR4).

O texto começa com um indicador temporal("antes") que logo faz surgir a pergunta pelo antecedente: antes de quê? Como se notará no decorrer do texto, o autor faz referência a um período anterior à morte dos pais de seu personagem, onde a vida era tranqüila e confortável. O termo, apropriado para caracterizar a progressão(MR2) em um texto, causa problemas aqui por não poder ser remetido a um antecedente no texto.

Do mesmo modo, "seus pais" levanta a pergunta: pais de quem? A pronominalização, característica do uso da meta-regra de repetição(MR1), foi pouco efetiva, neste caso, por ter sido usada cataforicamente num período longo onde o sintagma "ele" aparece muito tardiamente. E, sobretudo, porque "ele" já remete a um referente que não foi expresso. O mau uso da pronominalização é ainda mais evidente na seguinte seqüência:

"...quando retornava para sua casa, ao atravessar a rua, ele viu um velho amigo que logo convidou para ir na sua casa. Ao chegar, ele convidou para acender o cachimbo..."

A ambigüidade é completa. O verbo "convidou", se aceitarmos a frase como está, tem como sujeito um elíptico "ele" que só podemos identificar como sendo o nosso personagem central. O mesmo se aplica aos outros termos destacados("sua" e "ele"): ambos se referem ao personagem de quem o texto fala. No entanto, uma visão global do texto deixa claro que o sujeito de "convidou" é, na verdade, o "velho amigo", a quem também se referem os termos "sua" e "ele". A ausência do pronome "o" antecedendo a "convidou" e o excesso de pronominalização subseqüente dificultaram o estabelecimento da coerência, evidenciando o desrespeito à MR1.

A meta-regra de não-contradição(MR3) é infringida na seqüência inicial do segundo parágrafo, pelo uso inadequado do indicador temporal "quando", em conexão com "poucos meses (depois?)". Ali se diz que "(ele?) precisou arrumar um emprego". Difícil é saber se isso aconteceu "quando se apaixonou por uma garota" ou quando ela ficou grávida. A contradição, talvez apenas aparente, seria eliminada se o escritor evitasse o "quando" e mantivesse "poucos meses (depois)".

Outra seqüência mal construída, ainda no segundo parágrafo, diz que "tinha perdido seus pais num acidente", mas imediatamente nos surpreende com a afirmação de que "seu pai passava por varias dificuldades finaceira", configurando uma nova e gravíssima contradição. A recuperação da real intenção do escritor se dá no final do parágrafo com a afirmação de que o pai "não o deixou nada em bens finaceiro", quando se entende que ele tinha dificuldade financeiras antes de morrer em um acidente.

Em síntese, o texto apresenta sérios problemas de coerência, segundo as meta-regras de Charolles, que repercutem na estruturação deficiente do conteúdo. O tema proposto absolutamente não é desenvolvido, até pela generalidade do título. Mesmo quando se fala de "drogas", são apresentados apenas referências como "cachimbo", "aquela droga" e "maldita droga". O não-iniciado se perguntará: que droga?

A redação a seguir tem em comum com a anterior o fato de ser um texto narrativo. Vejamos que observações se podem fazer quanto à infração às meta-regras de coerência.

 

Texto 04

O ADOLESCENTE E AS DROGAS

A vida de muitos adolescentes mudou naquela noite de sábado, pois aconteceu uma tragédia que ficou marcante na vida de cada um.

Eles não queriam nada com a vida, muita diversão, malandragem e drogas. Entraram num mundo no qual não podiam sair, tudo começou quando um dos pais de um garoto(Beto) se mudaram. Ele morando sozinho, podia fazer o que quisesse na vida. E começaram com maconha, depois cocaína e por fim ácido. Quando perceberam já estavam viciados e participando de contrabando. Um dos garotos tinha que fazer uma "entrega" mas falou que estava doente e o Beto foi em seu lugar. Mas tudo não passava de uma armação de um esquadrão policial, eles torturaram o Beto até a morte.

Desde o dia em que o Beto morreu, resolveram mudar de vida, estudaram e se formaram, hoje eles livraram-se das drogas e aconselham aos jovens que nunca entrem em negócio tão sujo como drogas.

Devemos nossas vidas a um amigo que morreu por todos nós.

 

Considerada globalmente, a redação não apresenta maiores problemas. Conta a história de um grupo de adolescentes que se envolve com o consumo e o contrabando de drogas até que resolvem mudar de vida devido à morte de um deles. A narração, na terceira pessoa, muda abruptamente para a primeira pessoa do plural na conclusão, sugerindo a identificação do narrador com um dos participantes do grupo. Neste caso, é preciso admitir o caráter ficcional da narrativa, para tentar estabelecer a coerência, já que uma afirmação do tipo "estudaram e se formaram"(penúltimo parágrafo) não se aplica referencialmente ao produtor do texto. Feita esta tentativa de decodificação, o recebedor do texto evita a caracterização de uma infração à MR3(contradição).

Entre as infrações localizadas, o segundo parágrafo traz "uma tragédia que ficou marcante...", configurando o que Val(1991) chama de contradição léxico-semântica. Esperávamos que o produtor do texto evitasse a quebra da MR3 utilizando simplesmente "uma tragédia marcante.." ou "uma tragédia que ficou marcada...". O desconhecimento semântico, neste caso, gera uma incoerência no nível da expressão. Outro exemplo de falha está no uso do "eles" que antecede a "policial". É uma infração à MR1(repetição) porque substitui por pronome um elemento expresso na superfície textual.

Uma infração mais séria à MR3, talvez causada pela incapacidade do escritor de se expressar adequadamente, encontra-se na seguinte seqüência:

...tudo começou quando um dos pais de um garoto(Beto) se mudaram. Ele morando sozinho, podia fazer o que quizesse na vida.

O texto exige esforço e um bom nível de pressuposição da parte do leitor para evitar a pergunta: se apenas um dos pais se mudou, como ele pode estar morando sozinho?

Ainda no que diz respeito à MR3(não-contradição), o texto é no mínimo ambíguo, pois vem falando como os garotos "não queriam nada com a vida" e, de repente, nos surpreende com um "tudo começou quando..." Terão sido as circunstâncias particulares da vida de Beto que fizeram com que eles se envolvessem com as drogas? Não é isso que vinha sendo afirmado no texto. Aliás, as mudanças bruscas de "eles"(o grupo) para "ele"(Beto) são mais um dificultador e um criador de contradições.

O texto sugere que "um dos garotos" traiu Beto, fingindo(?) que estava doente e enviando-o para fazer a "entrega". Em seguida, entretanto, o autor refere-se a uma "armação de um esquadrão policial". O nível de pressuposição exigido para a decodificação do texto é tão elevado que prejudica o correto entendimento do mesmo.

Um detalhe que chama muito a atenção do leitor é a afirmação aparentemente natural de que os integrantes do esquadrão policial "torturaram Beto até a morte". A MR3 novamente é evocada, pois a tortura não é esperada, nem do ponto de vista do texto nem da lei, por parte de policiais.

Uma falha no requisito de progressão(MR2), no nível coesivo, provavelmente causada por uma revisão não criteriosa. Tudo indica que, se o aluno encarasse seriamente (se fosse educado para isso) a revisão do texto, um enunciado como "Eles não queriam nada com a vida, muita diversão..." seria modificada para "Eles não queriam nada com a vida, a não ser muita diversão...". Naturalmente, outras expressões poderiam ser postuladas para o lugar de "a não ser".

O final moralizante, expresso pelo último parágrafo, peca pela ausência de informatividade, embora não configure nenhum maior dano à questão da coerência.

Texto 36

A PÁSCOA DOS MEUS SONHOS

A páscoa dos meus sonhos deve ter tudo que se tem direito. Ovos de chocolate, coelhinhos, muita paz, afinal na páscoa comemoramos a ressurreição de Cristo. Na páscoa temos a semana santa, é uma semana de refletimento, orações, penitências, é o momento que nós católicos pedimos perdão pelos nossos pecados. Na semana santa temos costume de comer, o pão, e o vinho, e peixe.

O pão e o vinho significa o corpo e o sangue de Cristo. Na minha infância, sonhava que um coelhinho trazia um ovo de chocolate e na época eu me comportava muito bem e imaginava que na noite de páscoa o coelho me traria o meu tão esperado ovo, e até hoje não passou de sonho e ilusão de infância.

Os cristão já não tem respeito pela semana santa, na semana santa já não se ver mais caridade e sim violência.

 

Este texto apresenta problemas, primeiramente, pelo uso desequilibrado dos requisitos de repetição(MR1) e progressão(MR2). A repetição, desejada por demonstrar a retomada e a manutenção da mesma seqüência temática, fica empobrecida pelo uso automático das mesmas palavras. Em apenas três linhas, temos três ocorrências da palavra "páscoa", quando o desejável era que ela fosse retomada através de um dos mecanismos anteriormente descritos: a pronominalização, ou outro recurso. A expressão "semana santa" é outro exemplo desse tipo de reiteração que, se não retira a coerência, pelo menos enfraquece o texto do ponto de vista da complexidade lexical própria da língua escrita, em que a repetição baixa o nível do texto. O texto apresenta duas seqüências desse tipo, repetições que poderiam ser evitadas.

...na páscoa temos a semana santa é uma semana de refletimento...na semana santa temos o costume...

Os cristão já não tem respeito pela semana santa, na semana santa já não se ver mais caridade e sim violência.

O segundo grande problema desse texto diz respeito à relação(MR4). O primeiro parágrafo relaciona "ovos de chocolate, coelhinhos, muita paz" com o evento da ressurreição de Cristo e outros detalhes que fazem parte da celebração religiosa, católica, da semana santa, utilizando para tanto o termo "afinal". Deste modo, são relacionados fatos e coisas que não mantêm necessariamente uma maior relação entre si. O fato de Cristo haver ressuscitado durante a páscoa nada tem a ver, historicamente, com "ovos de chocolate" e "coelhinhos". Novamente, não é esclarecido por que uma semana de reflexão, oração e penitência, na qual, conforme o texto, "temos o costume de comer, o pão, e o vinho, e peixe" deve ter "ovos de chocolate" e "coelhinhos". Temos aqui uma confusão dos aspecto folclórico e comercial da festa com o sentido propriamente histórico e religioso, confusão esta que não se deve atribuir pura e simplesmente ao produtor do texto, pois é fruto de um contexto maior, de uma visão de mundo onde os valores aqui implicados são misturados e desvirtuados.

O problema continua no que imaginamos ser, apesar da deficiência dos indicadores formais(pontuação, espaço indicativo de parágrafo) o segundo parágrafo. A oração "O pão e o vinho significa o corpo e o sangue de Cristo" não mantém qualquer relação lógica ou semântica com o que se segue. Aliás, é preciso dizer que apenas neste ponto o aluno retoma o tema proposto, voltando a falar de seus sonhos relacionados com a páscoa, que tinham sido mencionados de passagem no início da redação e no título. Note-se o conteúdo do "sonho e ilusão de infância" do aluno.

A conclusão retoma o tema da semana santa, abandonando outra vez o discurso sobre "a páscoa dos meus sonhos". É feita uma declaração genérica sobre a falta de "respeito" para com a semana santa, na qual não haveria mais "caridade" e sim "violência". Em que consiste a "violência", ficamos sem saber.

O texto, visto como um todo, apresenta-se desarticulado em suas partes. É possível vislumbrar duas seqüências de pensamento, como se fossem dois textos em um só. O primeiro fala da "páscoa dos sonhos"; o segundo, da semana santa e dos eventos que acontecem ou deveriam acontecer no período. Quanto às meta-regras, o texto apresenta um desequilíbrio no uso de MR1 e MR2: repete demasiadamente e, ao invés de acrescentar novas informações ao texto, insere dados sem relação com o tema, incorrendo em infração à MR4.

 

Texto 10

DESEMPREGO E MARGINALIDADE

Um dos problemas seríssimos que nós estamos enfrentando hoje em dia é o desemprego que atinge não só as famílias de classe alta, mas também as família de classe média e baixa. Isso vêm acontecendo por causa de nossos políticos que não sabem administrar o nosso país de maneira correta e séria.

Isso nos deixa preocupado, por que quando você ver um pai de família desempregado e que não tem mais chance de trabalhar, ele sem sombra de dúvidas se tornará marginal por que a sociedade não tem coragem de ajuda-lo de maneira correta e humana, ajudando-lhe com remédios, alimentos, enfim, mantimentos em gerais.

Um pai de família quando chega no ponto de pedir esmola sua integridade física e moral é degrinida pela sociedade, e daí vem a revolta e o desespero de uma pessoa que nunca passou pela uma humilhação tão grande que é pedir esmola.

 

O produtor desse texto emprega bem o mecanismo de repetição, de modo que há pouco a se falar no tocante à MR1, a não ser dois casos muito interessantes de pronominalização verificados no primeiro parágrafo e no início do segundo, e que levantam a questão da proximidade do antecedente. Refiro-me ao demonstrativo isso. No primeiro caso, "isso vem acontecendo..." aponta para o problema do desemprego referido no período anterior, sem problemas. No entanto, "isso nos deixa preocupado..." refere-se aos políticos que não sabem administrar ou ao problema do desemprego? Em outras palavras, o antecedente de "isso nos deixa preocupado..." é o período imediatamente anterior ou a primeira seqüência do texto, onde se fala do desemprego? Este fato mostra a necessidade de se usar criteriosamente os pronomes, de modo que eles sejam remetidos aos seus antecedentes de maneira clara e inequívoca.

O requisito de não-contradição(MR3) não é cumprido na primeira afirmação do texto sobre o desemprego, onde se diz que este "atinge não só as famílias de classe alta, mas também as família de classe média e baixa". A afirmação não é coerente com nosso conhecimento de mundo, pelo qual a classe alta jamais enfrentou o problema do desemprego, uma vez que ela é formada por uma pequena parcela da população e que detém a maior parte do capital, não sendo os seus membros empregados e sim empregadores. O recurso coesivo utilizado(não só...mas também) tal como está força uma leitura no sentido de que a principal classe atingida pelo desemprego seria a classe alta. A classe média e a classe baixa, verdadeira vítimas do desemprego, são colocadas como vítimas adicionais("mas também").

O restante do texto é rico em generalizações e estereótipos que atingem diretamente a MR4(relação). A primeira dessas infrações afirma que o desemprego é um problema "por causa de nossos políticos que não sabem administrar...". Como o texto não procura demonstrar a veracidade de sua afirmação, ficamos com uma alusão muito genérica, que não podemos relacionar facilmente com o problema. De quais políticos estamos falando? A administração do país é exclusividade dos políticos? Qual o papel dos empresários, quais os efeitos da crescente informatização e automação de serviços? Várias questões podem ser colocadas contra a afirmação do texto. Não é que ela esteja completamente equivocada, mas sua generalidade não permite que seja relacionada objetivamente com o problema em discussão.

O segundo parágrafo é rico em problemas relacionados com MR4 e com fatores pragmáticos relativos tais como a informatividade e a aceitabilidade. Praticamente todas as afirmações do parágrafo são passíveis de questionamento quanto à sua articulação lógica e às idéias pressupostas. Para começar, o autor escreve: "...quando você ver um pai de família desempregado e que não tem mais chance de trabalhar...". Que relação existe entre estar desempregado e não ter mais chance de trabalhar? É como se o desemprego fosse equiparado a uma invalidez física ou mental permanente. Continuando a mesma frase, o escritor afirma que "ele sem sombra de dúvidas se tornarar um marginal...", produzindo uma radical generalização, ferindo o requisito de relação, já que uma afirmação não pode ser apontada como causa, condição ou conseqüência da outra. Mencione-se, ainda, a concepção paternalista apontada como explicação ou causa adicional da transformação do trabalhador em marginal: se a sociedade ajudasse com "remédios, alimentos, enfim, mantimentos em gerais", o problema da marginalidade seria evitado(?).

O último parágrafo pode apenas remotamente ser remetido ao tema da redação, ou pelo menos à questão do desemprego, que seria a causa de o pai de família chegar ao ponto de "pedir esmola". No entanto, o leitor não tem como entender de que modo "pedir esmola" afeta a integridade física e mesmo a integridade moral do citado pai de família. Essa integridade física e moral seria "degrinida" pela sociedade, de acordo com o autor. Mesmo lendo denegrida, é difícil perceber a relação. Os conceitos são muito próprios da cosmovisão do produtor do texto, para quem pedir esmola é "uma humilhação tão grande" que pode levar alguém ao desespero e à revolta. O desespero e a revolta, o escritor não diz, levariam a pessoa aos caminhos da marginalidade?

Os problemas mais significativos, neste texto, foram as contradições e a intensa desarticulação das partes, tanto local como globalmente falando. Na verdade, embora se proponha falar a respeito de "desemprego e marginalidade", a relação entre os dois problemas é tocada apenas de passagem e de modo muito generalizado e estereotipado. O texto poderia ser considerado, com muita dificuldade, uma redação sobre desemprego, nunca sobre desemprego e marginalidade.

 

Texto 05

PÁSCOA

Páscoa não significa só páscoa, mais sim o renascimento de Jesus Cristo.

A páscoa dos meus sonhos seria que todos unissem para compartilhar a ceia que muitos não têm neste dia, mais vale ressaltar que tanto faz por que Jesus não vai excluir você.

Páscoa significava a lembrança e a comemoração da libertação no Egito. Portanto, a palavra páscoa significa passagem da morte para a vida. Hoje, na páscoa, festejamos a ressurreição de Cristo.

Páscoa não significa muitas mortes, muitos acidentes, brigas de casais. Mais sim a união, paz, felicidade, prósperidade, fraternidade e claro a vida para novo mundo.

Para que haja uma páscoa com Jesus é necessário que todos estejam reunidos para, celebrar-mos uma missa. Páscoa não faz parte só dos ricos, mais sim dos pobres, os medigos, os doentes em fim todos.

A páscoa é o ponto central da fé cristã.

 

Este texto chama a atenção pela constante reiteração do termo "páscoa", começando por afirmações absolutamente desprovidas de informatividade, como "páscoa não significa só páscoa". O exagero na repetição de palavras e idéias fere o requisito de progressão(MR2), incorrendo no que Charolles(1978) chamou de "circularidade" do discurso.

A idéia da ressurreição de Jesus Cristo aparece no início como "o renascimento de Jesus Cristo" e depois como "a ressurreição de Cristo". Essa idéia é relacionada com a "libertação do Egito", mas não sabemos como se dá tal relação. Não é dada qualquer informação que justifique "portanto, a palavra páscoa significa passagem da morte para a vida" como conseqüência de "libertação do Egito".

Seqüências inteiras aparecem completamente desprovidas tanto de informações novas, que dêem progressividade ao texto, como de dados sem relação lógica entre si. Veja-se o caso do seguinte parágrafo:

Páscoa não significa muitas mortes, muitos acidentes, brigas de casais. Mais sim a união, paz, felicidade, prosperidade, fraternidade e claro a vida para novo mundo.

São idéias tão genéricas, tão vagas, que não são remissíveis ao contexto imediato. Elas provocam no leitor a pergunta pela relação(MR4): o que tem uma coisa a ver com a outra? O mesmo acontece no penúltimo parágrafo do texto. O requisito de relação entre as partes não é seguido quando se afirma que "para que haja uma páscoa com Jesus é necessário que todos estejam reunidos para celebrar-mos uma missa". Para o autor do texto, a equação é simples: páscoa com Jesus = celebração de um rito religioso.

O sentido de algumas afirmações demandam do leitor um exercício de boa vontade, uma participação desigual no chamado pacto de cooperação de Grice, pois, além de não trazerem qualquer contribuição ao andamento do discurso(MR2), revelam um elevado grau de desarticulação lógica e semântica(MR4). Por exemplo, o que será que significa "páscoa não faz parte dos ricos, mais sim dos pobres, os medigos em fim todos"? Novamente, a experiência e a visão de mundo do aluno de periferia se revela em suas idéias: ao confundir o evento páscoa com sua comemoração, nota-se o sentimento de que o rico parece ter o privilégio de experimentar a páscoa, pois falta aos pobres recursos para tal. Tal sentimento de inferioridade e certa denúncia social já se revelara em "a páscoa dos meus sonhos seria que todos unissem para compartilhar a ceia que muitos não têm neste dia..." Tudo isso, no entanto está jogado no texto de modo desarticulado e circular.

Em síntese, esse texto é um exemplo de como é possível produzir um ajuntamento de frases, em geral orações coordenadas, que mantém apenas uma frouxa relação lógico-semântica entre si. O nível de textualidade resultante é baixíssimo, o discurso soa como se produzido por muitas vozes e ao mesmo tempo pela voz do senso comum.

 

Índice
A coerência em textos de alunos do ensino médio:
Sobre o trabalho (créditos, introdução, conclusão e bibliografia).
1. Fundamentação Teórica
(A lingüística textual, Coerência e coesão e As meta-regras de coerência)
2. Metodologia de Trabalho
(os temas, o monento histórico, o contexto imediato e os produtores dos textos)
3. Análise dos Dados
3.1 Textos com baixo padrão de coerência
3.2 Textos com bom padrão de coerência
4. Análise Global do Corpus
Anexo - Textos de Alunos

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