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A Coerência em Textos de Alunos do Ensino Médio 3. ANÁLISE DOS DADOS Visto que tanto as falhas no uso(inconsciente) das meta-regras como sua correta utilização não se verificam de forma estanque, isto é, não há um texto que apresente falhas ou acertos de uma só espécie, ou que apresente só falhas, ou só acertos, dividiremos nossa análise qualitativa em apenas dois grupos: o primeiro enfocará as redações com alta incidência de infrações às quatro meta-regras simultaneamente; o segundo tratará de textos que apresentam um bom nível na utilização das mesmas meta-regras. Procedendo assim, evitamos os problemas verificáveis no trabalho de Val(1991), onde ela tenta mas não consegue analisar em separado os diversos mecanismos de coerência. Por exemplo, ao tratar da continuidade, ela diz:
O problema metodológico pode ser rastreado através de toda a análise da autora. Isto não significa que sua análise tornou-se inviável ou falha. Apenas afirmamos que ela não conseguiu analisar os requisitos de textualidade em separado, sem se referir a outros a cada momento, pois não é assim que os textos são escritos. Dificilmente um escritor apresentará falhas textuais de uma só espécie. Entendemos ser producente analisar os textos como eles são, ou seja, como um todo, com falhas e acertos de diversos tipos. Para efeito de estudo, separaremos os textos onde predominam os acertos daqueles onde predominam as falhas. Esperamos seja esta separação viável, sem que se prejudique a análise global dos textos.
3.2. TEXTOS COM BOM PADRÃO DE COERÊNCIA Os textos a seguir são exemplos do uso correto, na maior parte do tempo, dos requisitos de coerência que estamos analisando. Naturalmente, eles também apresentam falhas, mas estas não são predominantes nem prejudicam a leitura do texto e o estabelecimento da coerência.
Este é um texto que não oferece dificuldades de decodificação. Podemos não concordar com algumas idéias do autor, considerá-las genéricas demais ou algo assim, mas facilmente sabemos o que ele quer dizer. Em um texto assim, é possível localizar o uso adequado dos requisitos de coerência. A boa estruturação textual é resultado da articulação das idéias e partes do texto(MR4). A introdução estabelece o plano de trabalho do aluno: falar sobre as "coisas boas" e as "coisas ruins" dos quinhentos anos do Brasil. O restante do texto, coerentemente, mantém-se rigorosamente dentro desse plano: um parágrafo fala sobre as "coisas boas", outro sobre as "coisas ruins" e um último é dedicado à conclusão. A progressão(MR2) encontra-se bem trabalhada, no segundo parágrafo, em "Começando pelas coisas boas...", que retoma adequadamente o que foi estabelecido na introdução, criando claramente uma seqüenciação do pensamento. Ainda nesse parágrafo, "também tivemos..." novamente assinala, no nível da expressão, a introdução de novas informações. Recursos semelhantes são utilizados nos demais parágrafos, desde o começo de cada um deles: "Falando das coisas ruins...", para o terceiro parágrafo, e "Como você vê...", para a conclusão. A meta-regra de repetição(MR1) é usada sem exagero, de modo a caracterizar a manutenção temática. Assim, termos e expressões que fazem parte do desenvolvimento do assunto naturalmente se repetem, sem prejuízo para o texto: por exemplo, "500 anos (de descobrimento)" aparece três vezes. A única seqüência na qual a reiteração de um termo poderia ter sido mais criativa foi naquela em que se fala do "governo":
Temos, portanto, no que diz respeito à coerência, um texto praticamente inatacável. Evidentemente, não é um texto perfeito, mas revela um considerável poder de articulação lógica do pensamento.
O primeiro detalhe que se destaca, nessa redação, é o título. Somente lendo o texto percebemos que "O Brasil no olho da rua e a caminho da irregularidade de vida" é equivalente a "Desemprego e marginalidade", um dos vários temas desenvolvidos pelos alunos. Com um título diferente, o escritor conseguiu destacar o seu texto dos demais. Em termos de estruturação do texto dissertativo, o esquema textual de introdução, desenvolvimento e conclusão não é considerado. Falta a essa redação uma introdução clara ao tema. O escritor começa falando diretamente do desemprego, evidenciando o que já ficou claro em outras redações: parece que, para o aluno, o título já é uma espécie de introdução ao texto. Falando sobre o desemprego, no primeiro parágrafo, o produtor do texto consegue aquele equilíbrio desejado por Charolles entre MR1 e MR2. "Desemprego" é reiterado na forma de "a triste realidade" e "uma coisa que é privilégio de poucos", ou seja, o autor dedica um parágrafo inteiro ao assunto "desemprego" sem que precise usar a palavra mais que uma única vez. A progressão é clara, sem problemas, embora a informatividade não seja tão elevada. A articulação entre as partes do texto, evidenciando tanto o requisito de relação(MR4) como o de progressão(MR2), é satisfatoriamente feita no início do parágrafo sobre a marginalidade(segundo parágrafo). O desemprego é relacionado com a marginalidade através da seqüência "como conseqüência desse aumento...". Desta forma, do ponto de vista lógico, a relação é criada. Evidentemente, ela pode ser questionada em termos pragmáticos, mas não nos parece que o autor estava falando de uma relação absoluta, isto é, que o desempregado necessariamente se torne um marginal. A conclusão apresenta acertos e desacertos. Por um lado, retoma coerentemente o assunto dos parágrafos anteriores e apresenta uma posição sobre eles. Por outro lado, as referências à "política brasileira", que faz o povo ficar alheio à informação, ferem a MR4 por não apresentarem relação imediata com o assunto.
Este é um texto do tipo narrativo, que se apresenta como mais um bom exemplo de como se pode examinar a presença ou não dos requisitos de coerência em redações que não sejam dissertativas. Vale dizer que o tema foi fruto da insistência de alguns alunos de uma determinada turma, que contra a opinião da maioria, queriam falar sobre "uma história de minha vida" de qualquer maneira. Os textos resultantes, antes de mais nada, são de muita utilidade para o professor conhecer a experiência de vida de seus alunos. O texto não apresenta problemas quanto ao uso de MR1 e MR2. O tema é constantemente retomado por meio de pronominalizações e sinônimos ou palavras relacionadas. O assunto "Natal" é reiterado através de alusões a compras("pessoas corriam de um lado para outro com sacolas na mão") e a mitos da época("papai noel havia me esquecido..."). Um mecanismo mais elaborado de pronominalização, embora prejudicado pela inexplicável presença de "que" e pela concordância equivocada, é verificado em "uma grande casa de menores abandonados que no qual vivi alegremente...".A ligação entre as idéias segue um ritmo acelerado, ditado pela forma narrativa do texto, e caracterizado, no plano da expressão, pelo conectivo e: "...estava só com meu banco e a chuva a lavar-me a alma e delirando de fome e...". Também não há problemas quanto ao emprego de MR3 e MR4. O texto, se submetido a outros critérios, será passível de diversas críticas. Entretanto, dentro dos requisitos abordados neste trabalho, ele se encaixa como um texto relativamente sem problemas, onde o pensamento encontra-se muito bem articulado e a coerência se faz presente.
Este texto apresenta boas qualidades no que diz respeito às regras de coerência, embora também contenha muitas falhas mais ou menos graves. A estrutura do texto já desperta a atenção pela infração ao esquema textual de introdução, desenvolvimento e conclusão. Temos, formalmente, apenas a introdução e um longo parágrafo de desenvolvimento. Do ponto de vista lógico, o parágrafo longo deveria ser dividido em pelo menos dois parágrafos menores, uma vez que claramente trata de dois assuntos diferentes, estabelecidos na introdução. Além da falta de conclusão, de um fechamento da discussão, há sérias lacunas quanto à estrutura paragráfica. Quanto aos requisitos de coerência, encontramos exemplos de uso razoável. Já na introdução, "drogas e DST" é reiterado através de "esses assuntos", configurando um bom exemplo de substituição lexical. No parágrafo seguinte, a expressão "as drogas" é retomada como "a primeira...", realizando outro excelente exemplo de repetição. A progressão(MR2) está bem caracterizada em seqüências como "tanto as drogas como as DST...", seguida de "a primeira...", referindo-se às drogas, e "já as DST...", falando das DST, naturalmente. O texto inteiro segue uma linha de pensamento que, se não é rica de informatividade, também não peca pela circularidade do discurso. O tema é articulado coerentemente com a introdução de novas informações. Por exemplo, na parte sobre as DST, duas seqüências demonstram a continuidade e a progressão do tema: "Já as DST..." e "a pior das DST é a AIDS". O texto encontra-se bem articulado tanto no plano da expressão como no plano lógico-semântico. A relação(MR4) entre as partes do texto não apresenta problemas, assim como não há contradições(MR3) na manutenção temática, nem contradições "léxico-semânticas"(Val:1991). Tanto no nível da expressão como no aspecto semântico, é um texto com satisfatório grau de coerência.
Este texto adequa-se também ao esquema textual de introdução, desenvolvimento e conclusão. Alguns pontos fracos são evidentes, mas por não serem propriamente o objeto de estudo deste trabalho, deixam de ser comentados. A série de clichês "nascido nesta terra abençoada por Deus, rica por natureza, de um povo mesclado de raças forte e batalhadoras", é pobre em informatividade. A conclusão apresenta uma solução simplista, muito vaga, para os problemas do Brasil, apontados no corpo da redação. No entanto, os requisitos de coerência são seguidos. O emprego de MR1 pode ser ilustrado pela seqüência "terra abençoada por Deus, rica por natureza, de um povo mesclado...", na qual o sintagma "terra" é substituído por sua elipse em "(terra) rica por natureza" e "(terra) de um povo mesclado...". O mecanismo de substituição lexical, previsto no emprego da MR1, encontra-se no trecho abaixo:
O requisito de progressão(MR2) é marcado nos aspectos semântico e lexical na seguinte seqüência:
As novas informações são acrescentadas na forma de uma enumeração de argumentos que visam à comprovação da tese de que o Brasil não se desenvolveu "como previsto", através de todo o corpo da redação. O pensamento é articulado em torno da pergunta "quinhentos anos de quê?", resultando numa visão talvez demasiadamente pessimista, mas coerente do ponto de vista lógico-semântico. Não são detectadas facilmente contradições internas ou externas. O escritor tem sua própria concepção do que deveria ser o Brasil após quinhentos anos de história.
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