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A Coerência em Textos de Alunos do Ensino Médio
Análise dos Dados II
Textos com bom padrão de coerência

de: Benedito Gomes Bezerra

3. ANÁLISE DOS DADOS

Visto que tanto as falhas no uso(inconsciente) das meta-regras como sua correta utilização não se verificam de forma estanque, isto é, não há um texto que apresente falhas ou acertos de uma só espécie, ou que apresente só falhas, ou só acertos, dividiremos nossa análise qualitativa em apenas dois grupos: o primeiro enfocará as redações com alta incidência de infrações às quatro meta-regras simultaneamente; o segundo tratará de textos que apresentam um bom nível na utilização das mesmas meta-regras. Procedendo assim, evitamos os problemas verificáveis no trabalho de Val(1991), onde ela tenta mas não consegue analisar em separado os diversos mecanismos de coerência. Por exemplo, ao tratar da continuidade, ela diz:

A descontinuidade é flagrante nesse texto, mas aparece aí associada à desarticulação. E esses não são os únicos problemas..."

O problema metodológico pode ser rastreado através de toda a análise da autora. Isto não significa que sua análise tornou-se inviável ou falha. Apenas afirmamos que ela não conseguiu analisar os requisitos de textualidade em separado, sem se referir a outros a cada momento, pois não é assim que os textos são escritos. Dificilmente um escritor apresentará falhas textuais de uma só espécie. Entendemos ser producente analisar os textos como eles são, ou seja, como um todo, com falhas e acertos de diversos tipos. Para efeito de estudo, separaremos os textos onde predominam os acertos daqueles onde predominam as falhas. Esperamos seja esta separação viável, sem que se prejudique a análise global dos textos.

 

3.2. TEXTOS COM BOM PADRÃO DE COERÊNCIA

Os textos a seguir são exemplos do uso correto, na maior parte do tempo, dos requisitos de coerência que estamos analisando. Naturalmente, eles também apresentam falhas, mas estas não são predominantes nem prejudicam a leitura do texto e o estabelecimento da coerência.

 

Texto 25

DESCOBRIMENTO DO BRASIL: 500 ANOS DE QUÊ?

No dia 22 de abril de 2000, comemoramos os 500 anos de descobrimento do Brasil. Durante esses 500 anos, tivemos muitas coisas boas, e também, muitas coisas ruins.

Começando pelas coisas boas, podemos citar o avanço do Brasil na medicina, alguns brasileiros foram campeões de: fórmula 1, futebol e alguns outros esportes. Também tivemos um grande avanço na música, por exemplo, o Brasil hoje tem uma orquestra sinfônica.

Falando das coisas ruins que o Brasil tem, devo destacar a prostituição infantil. Hoje, muita gente explora sexualmente as nossas crianças. Temos também, a discriminação dos nossos aposentados. Hoje em dia, o dinheiro que os nossos velhinhos ganham, não dá simplesmente para comprar nada. Enfrentamos hoje, no Brasil, o problema das drogas. Muita gente trafica drogas de outros países e obrigam as nossas crianças às venderem. Mas, o problema mais grave do nosso Brasil, é o nosso governo. Um governo que não dá oportunidade de trabalho, um governo que não tem pena dos pobres, em fim, um governo injusto.

Como você vê, comemoramos muita coisa boa, e também, muita coisa ruim. A esperança que eu tenho, é de ver um Brasil melhor, um Brasil em que todos trabalhem, e que assim, passe por poucos problemas. O que comemoramos nestes 500 anos de descobrimento do Brasil, é isso que escrevi acima.

 

Este é um texto que não oferece dificuldades de decodificação. Podemos não concordar com algumas idéias do autor, considerá-las genéricas demais ou algo assim, mas facilmente sabemos o que ele quer dizer. Em um texto assim, é possível localizar o uso adequado dos requisitos de coerência.

A boa estruturação textual é resultado da articulação das idéias e partes do texto(MR4). A introdução estabelece o plano de trabalho do aluno: falar sobre as "coisas boas" e as "coisas ruins" dos quinhentos anos do Brasil. O restante do texto, coerentemente, mantém-se rigorosamente dentro desse plano: um parágrafo fala sobre as "coisas boas", outro sobre as "coisas ruins" e um último é dedicado à conclusão.

A progressão(MR2) encontra-se bem trabalhada, no segundo parágrafo, em "Começando pelas coisas boas...", que retoma adequadamente o que foi estabelecido na introdução, criando claramente uma seqüenciação do pensamento. Ainda nesse parágrafo, "também tivemos..." novamente assinala, no nível da expressão, a introdução de novas informações. Recursos semelhantes são utilizados nos demais parágrafos, desde o começo de cada um deles: "Falando das coisas ruins...", para o terceiro parágrafo, e "Como você vê...", para a conclusão.

A meta-regra de repetição(MR1) é usada sem exagero, de modo a caracterizar a manutenção temática. Assim, termos e expressões que fazem parte do desenvolvimento do assunto naturalmente se repetem, sem prejuízo para o texto: por exemplo, "500 anos (de descobrimento)" aparece três vezes. A única seqüência na qual a reiteração de um termo poderia ter sido mais criativa foi naquela em que se fala do "governo":

Mas, o problema mais grave do nosso Brasil, é o nosso governo. Um governo que não dá oportunidade de trabalho, um governo que não tem pena dos pobres, em fim, um governo injusto.

Temos, portanto, no que diz respeito à coerência, um texto praticamente inatacável. Evidentemente, não é um texto perfeito, mas revela um considerável poder de articulação lógica do pensamento.

 

Texto 30

O BRASIL NO OLHO DA RUA E A CAMINHO DA IRREGULARIDADE DE VIDA

Há muitos anos, um fantasma chamado desemprego abala estruturalmente o quadro social e econômico do nosso país. A triste realidade é vivida atualmente por milhões de brasileiros que, todos os dias, procuram incansavelmente por trabalho e chegam a ficar anos sem usufruir de uma coisa que, por incrível que pareça, é privilégio de poucos.

Como conseqüência desse aumento no desemprego, a sociedade em geral pode sentir na pele o crescimento diário da marginalidade, um outro grave problema que o país enfrenta na atualidade. São simplesmente pessoas que, ao fracassarem inúmeras vezes na procura ao trabalho de cada dia, não encontram outra saída senão partir para o mundo do crime.

No nosso país, portanto, desemprego e marginalidade, de uns ano pra cá, têm andado sempre juntos e por influência também da política brasileira, que faz de um tudo para manter o povo alheio de todo tipo de informação e, principalmente, do que realmente vem a ser senso de desenvolvimento econômico.

 

O primeiro detalhe que se destaca, nessa redação, é o título. Somente lendo o texto percebemos que "O Brasil no olho da rua e a caminho da irregularidade de vida" é equivalente a "Desemprego e marginalidade", um dos vários temas desenvolvidos pelos alunos. Com um título diferente, o escritor conseguiu destacar o seu texto dos demais.

Em termos de estruturação do texto dissertativo, o esquema textual de introdução, desenvolvimento e conclusão não é considerado. Falta a essa redação uma introdução clara ao tema. O escritor começa falando diretamente do desemprego, evidenciando o que já ficou claro em outras redações: parece que, para o aluno, o título já é uma espécie de introdução ao texto.

Falando sobre o desemprego, no primeiro parágrafo, o produtor do texto consegue aquele equilíbrio desejado por Charolles entre MR1 e MR2. "Desemprego" é reiterado na forma de "a triste realidade" e "uma coisa que é privilégio de poucos", ou seja, o autor dedica um parágrafo inteiro ao assunto "desemprego" sem que precise usar a palavra mais que uma única vez. A progressão é clara, sem problemas, embora a informatividade não seja tão elevada.

A articulação entre as partes do texto, evidenciando tanto o requisito de relação(MR4) como o de progressão(MR2), é satisfatoriamente feita no início do parágrafo sobre a marginalidade(segundo parágrafo). O desemprego é relacionado com a marginalidade através da seqüência "como conseqüência desse aumento...". Desta forma, do ponto de vista lógico, a relação é criada. Evidentemente, ela pode ser questionada em termos pragmáticos, mas não nos parece que o autor estava falando de uma relação absoluta, isto é, que o desempregado necessariamente se torne um marginal.

A conclusão apresenta acertos e desacertos. Por um lado, retoma coerentemente o assunto dos parágrafos anteriores e apresenta uma posição sobre eles. Por outro lado, as referências à "política brasileira", que faz o povo ficar alheio à informação, ferem a MR4 por não apresentarem relação imediata com o assunto.

 

Texto 14

UMA HISTÓRIA DE MINHA VIDA

Era natal, muitas pessoas corriam de um lado para outro com sacolas na mão e eu ali com apenas 13 anos de idade quase que completamente imóvel pois havia somente meu triste coração a pulsar fortemente sem rumo, cheio de amor pra dar, mas infelizmente não havia um ser para compartilhar.

Então a amargura reinava em meu ser, ninguem olha pra mim, até papai noel havia me esquecido. Agora mais do que nunca estava só com meu banco e a chuva a lavar-me a alma e delirando de fome e amei quando uma moça de aparência meiga me levou a uma grande casa de menores abandonados que no qual vivi alegremente, estudei e me formei.

Hoje sou casada tenho dois belos filhos, mas não esqueço daquele dia em que passei das trevas para a luz.

 

Este é um texto do tipo narrativo, que se apresenta como mais um bom exemplo de como se pode examinar a presença ou não dos requisitos de coerência em redações que não sejam dissertativas. Vale dizer que o tema foi fruto da insistência de alguns alunos de uma determinada turma, que contra a opinião da maioria, queriam falar sobre "uma história de minha vida" de qualquer maneira. Os textos resultantes, antes de mais nada, são de muita utilidade para o professor conhecer a experiência de vida de seus alunos.

O texto não apresenta problemas quanto ao uso de MR1 e MR2. O tema é constantemente retomado por meio de pronominalizações e sinônimos ou palavras relacionadas. O assunto "Natal" é reiterado através de alusões a compras("pessoas corriam de um lado para outro com sacolas na mão") e a mitos da época("papai noel havia me esquecido..."). Um mecanismo mais elaborado de pronominalização, embora prejudicado pela inexplicável presença de "que" e pela concordância equivocada, é verificado em "uma grande casa de menores abandonados que no qual vivi alegremente...".A ligação entre as idéias segue um ritmo acelerado, ditado pela forma narrativa do texto, e caracterizado, no plano da expressão, pelo conectivo e: "...estava só com meu banco e a chuva a lavar-me a alma e delirando de fome e...". Também não há problemas quanto ao emprego de MR3 e MR4.

O texto, se submetido a outros critérios, será passível de diversas críticas. Entretanto, dentro dos requisitos abordados neste trabalho, ele se encaixa como um texto relativamente sem problemas, onde o pensamento encontra-se muito bem articulado e a coerência se faz presente.

 

Texto 17

DROGAS DST

Falar em drogas e DST é um assunto delicado tanto para os filhos quanto para os pais. Mas falar desses assuntos são importantes por que é uma forma de passar conhecimentos como também aprender.

Tanto as drogas como as DST são maléficas a nossa saúde. A primeira por que vai nos destruindo pouco a pouco e por que começar é fácil, mais deixar é uma guerra com nós mesmos e com os outros. Por que para comerçarmos no mundo das drogas tem sempre um caminho e que nos oferece tudo de graça mas depois nós vemos o quanto elas nos custa. Por causa delas nós perdemos o nosso amor próprio e o amor de quem está ao nosso lado. Mas tem sempre um caminho para deixar as drogas e recuperar o nosso amor próprio. Já as DST são doenças que poderiam ser evitadas através de informações, mais a pior das DSTs é a AIDS, por que ela mata e o preconceito é maior, o que mata mais depressa. Ninguém quer chegar perto de um aidético por que acha que se pega AIDS através de abraço, aperto de mão ou seja através de carinho e atenção o que nos leva a pensar o quanto nós somos desinformados e quanto precisamos nos informar por que as DSTs mais comum tem cura e tratamento e que pode ser evitada através da prevenção ou seja com o uso de camisinhas que não é difícil e é de livre acesso para população. As DSTs no passado já foram sinônimo de morte hoje não é mais por causa das novas descobertas e tratamentos o que nos leva a não ter mais vergonha de dizer que se está com DST. Mas a realidade é bem diferente mas que eu espero que mude esse panorama

 

Este texto apresenta boas qualidades no que diz respeito às regras de coerência, embora também contenha muitas falhas mais ou menos graves. A estrutura do texto já desperta a atenção pela infração ao esquema textual de introdução, desenvolvimento e conclusão. Temos, formalmente, apenas a introdução e um longo parágrafo de desenvolvimento. Do ponto de vista lógico, o parágrafo longo deveria ser dividido em pelo menos dois parágrafos menores, uma vez que claramente trata de dois assuntos diferentes, estabelecidos na introdução. Além da falta de conclusão, de um fechamento da discussão, há sérias lacunas quanto à estrutura paragráfica.

Quanto aos requisitos de coerência, encontramos exemplos de uso razoável. Já na introdução, "drogas e DST" é reiterado através de "esses assuntos", configurando um bom exemplo de substituição lexical. No parágrafo seguinte, a expressão "as drogas" é retomada como "a primeira...", realizando outro excelente exemplo de repetição.

A progressão(MR2) está bem caracterizada em seqüências como "tanto as drogas como as DST...", seguida de "a primeira...", referindo-se às drogas, e "já as DST...", falando das DST, naturalmente. O texto inteiro segue uma linha de pensamento que, se não é rica de informatividade, também não peca pela circularidade do discurso. O tema é articulado coerentemente com a introdução de novas informações. Por exemplo, na parte sobre as DST, duas seqüências demonstram a continuidade e a progressão do tema: "Já as DST..." e "a pior das DST é a AIDS".

O texto encontra-se bem articulado tanto no plano da expressão como no plano lógico-semântico. A relação(MR4) entre as partes do texto não apresenta problemas, assim como não há contradições(MR3) na manutenção temática, nem contradições "léxico-semânticas"(Val:1991). Tanto no nível da expressão como no aspecto semântico, é um texto com satisfatório grau de coerência.

 

Texto 18

O DESCOBRIMENTO DO BRASIL: QUINHENTOS ANOS DE QUÊ?

O Brasil que todos nós temos passará para 500 anos de descobrimento; tempo bastante para ter crescido, se desenvolvido de uma forma esplêndida e digna de seus filhos, nascido nesta terra abençoada por Deus, rica por natureza, de um povo mesclado de raças fortes e batalhadoras. Mas tudo não ocorreu como previsto. O desenvolvimento foi lento, o povo não tem educação digna, a marginalização é crescente, o desemprego e a fome lideram um dos problemas mais gritantes que um país pode ter.

O Brasil é um país que chora o abandono e a exploração de suas crianças, onde a educação praticamente é inexistente ou é deficiente. Como dizer que as crianças serão o futuro dessa nação? 500 anos de quê para quem espera a cada dia um progresso no campo educacional e tecnológico onde possa levar o povo para o desenvolvimento completo e nos lares de cada brasileiro possa existir o pão farto, com filhos bem educados, pais com empregos fixos, a saúde bem assistida e no poder público possa haver dignidade e justiça, sem lugar para a corrupção, exploração ou descaso.

Como mudar esse sistema? Basta cada um se comprometer e se unir nesta luta incessante por uma nação justa, Exemplos, capaz de dar orgulho a seus filhos, mostrando-lhe que o futuro vem a galope trazendo o bastão do desenvolvimento.

 

Este texto adequa-se também ao esquema textual de introdução, desenvolvimento e conclusão. Alguns pontos fracos são evidentes, mas por não serem propriamente o objeto de estudo deste trabalho, deixam de ser comentados. A série de clichês "nascido nesta terra abençoada por Deus, rica por natureza, de um povo mesclado de raças forte e batalhadoras", é pobre em informatividade. A conclusão apresenta uma solução simplista, muito vaga, para os problemas do Brasil, apontados no corpo da redação.

No entanto, os requisitos de coerência são seguidos. O emprego de MR1 pode ser ilustrado pela seqüência "terra abençoada por Deus, rica por natureza, de um povo mesclado...", na qual o sintagma "terra" é substituído por sua elipse em "(terra) rica por natureza" e "(terra) de um povo mesclado...". O mecanismo de substituição lexical, previsto no emprego da MR1, encontra-se no trecho abaixo:

O Brasil é um país que chora o abandono e a exploração de suas crianças... Como dizer que as crianças serão o futuro dessa nação?

O requisito de progressão(MR2) é marcado nos aspectos semântico e lexical na seguinte seqüência:

"...tempo bastante para ter crescido, se desenvolvido... Mas tudo não ocorreu como previsto..."

As novas informações são acrescentadas na forma de uma enumeração de argumentos que visam à comprovação da tese de que o Brasil não se desenvolveu "como previsto", através de todo o corpo da redação. O pensamento é articulado em torno da pergunta "quinhentos anos de quê?", resultando numa visão talvez demasiadamente pessimista, mas coerente do ponto de vista lógico-semântico. Não são detectadas facilmente contradições internas ou externas. O escritor tem sua própria concepção do que deveria ser o Brasil após quinhentos anos de história.

 

Índice
A coerência em textos de alunos do ensino médio:
Sobre o trabalho (créditos, introdução, conclusão e bibliografia).
1. Fundamentação Teórica
(A lingüística textual, Coerência e coesão e As meta-regras de coerência)
2. Metodologia de Trabalho
(os temas, o monento histórico, o contexto imediato e os produtores dos textos)
3. Análise dos Dados
3.1 Textos com baixo padrão de coerência
3.2 Textos com bom padrão de coerência
4. Análise Global do Corpus
Anexo - Textos de Alunos

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