O porto da lama e a limpeza da vila da Moita
No início do século passado surge na documentação local
várias referências à higiene e limpeza da vila da Moita, como seja a
proibição, sob pena de 400 reis de multa, de deitar lixo ou fazer
estrumeiras nas ruas. Não pretendemos desenvolver este aspecto mas tão só
incluir que o seu cumprimento implicava que a Câmara definisse um local
adequado para depósito dos lixos. Inicialmente o problema parece não ter
grande importância, mas com o decorrer dos anos tornou-se grave, devido ao
aumento das quantidades de lixo tornarem exíguos e insalubres os locais de
depósito.
Após meados do século a Câmara entende ser necessário
construir um depósito com as condições próprias para o efeito. Após
diversas diligências é aprovado em 1864, adaptar um terreno no sítio da
Quebrada para depósito de lamas, estrumes, lenhas e matos, porque o que
estava em funcionamento no sítio do Porto era insalubre e pessimamente
colocado, pelo que prejudicava os moradores, sendo urgente a sua rápida
remoção.
A Câmara resolve então contrair um empréstimo de 2000
reis junto do Banco Aliança do Porto, para realizar as obras de adaptação
do sítio da Quebrada para depósito do lixo. A adaptação deste terreno
obrigava a que fosse limpa a caldeira e desentupido o rio da Moita.
Para tornar possível as obras foi necessário proceder a
algumas expropriações, com o objectivo de alargar a rua da Quebrada de
modo a tornar possível e a facilitar o trânsito e comunicação da rua da
Fábrica para o Porto. Depois de longas discussões com os proprietários dos
terrenos, acordaram na expropriação de um terreno com dimensões superiores
a 42.000 m2 pela quantia de 264.000 reis. Saliente-se, pela raridade do
exemplo, a atitude do vereador Manuel António Livério que se recusou a
receber 48.000 reis, correspondentes à expropriação de parte do seu
quintal e respectivo muro na extensão de 40 metros, onde faz a curva para
a rua da Quebrada e era conveniente que ficasse em linha recta, desde a
Palmeira até ao extremo sul do matadouro, isto por estar convencido que
primeiro estava a utilidade municipal e só depois os seus próprios
interesses.
A obra de adaptação do local consiste no desaterro da
caldeira desde a muralha do cais até onde der nivelamento, tendo por base
a laje onde assenta a porta de água, ficando por desaterrar a zona de
casas frente à caldeira, que deve ter 6 metros frente à primeira casa e 7
metros frente das outras, de modo que fique em linha recta e o trânsito se
possa efectuar à beira da caldeira. Tanto destas casas como em toda a
volta da caldeira devia ficar um declive de 0,2 metros em relação à porta
de água, de modo a permitir um perfeito escoamento das águas, tanto do mar
como pluviais.
Desde logo se percebe que não é muito explícito o tipo
de trabalho a executar, pois não surgem interessados em arrematar a obra
na totalidade. Apenas um indivíduo de nome Joaquim Cardoso se propunha
fazer parte de 244 m3 de aterro pela quantia de 58 560 reis. A Câmara
aceitou, na condição do arrematante depositar 9000 reis como garantia e de
executar os trabalhos em cerca de um mês, o que veio a acontecer.
A obra foi de novo posta a
concurso público e arrematada em Setembro desse ano pela quantia de 681
340 reis por José Francisco de Almeida, morador na cidade de Lisboa, na
base da medição feita pelos peritos nomeados pela Câmara que calculava em
2672 m3 a quantidade de aterro e executar. Caso nas novas medições se
constatasse que a quantidade de aterro não correspondia àquela medição a
diferença seria reposta pelo contratante beneficiado à razão de 220 reis
por metro cúbico. Este aterro deveria ficar concluído até final de
Novembro, salvo motivo de força maior e seria pago em quatro prestações. A
estando pronto um quarto do trabalho, a segunda estando feita mais de dois
terços, a terceira, estando feito dois terços e a última, depois de
acabada, aprovada e vistoriada. O arrematante ficava obrigado a fazer um
depósito de 45 000 reis que lhe seria seriam devolvidos depois da obra
concluída e aprovada.
Todavia este arrematante não concluiu as obras,
declarando ser impossível fazê-las no estado em que o local a aterrar se
encontrava devido às chuvas, e por isso suplicava à Câmara que entendesse
o motivo como de força maior e o desobrigasse dos termos contratuais. A
Câmara entende que o arrematante deveria continuar a obra logo que o tempo
o permitisse sob pena de perder o depósito que havia feito. Ainda assim o
arrematante não concorda, argumentando que na Primavera não pode
afastar-se da administração da lavoura de sua casa, pelo que prefere
perder o depósito feito e as verbas a que tinha direito pelos trabalhos já
executados.
Em Abril de 1865 volta a ser posto a concurso público o
resto dos trabalhos. Neste novo projecto, o Porto Velho deverá levar uma
camada de 0,3 metros de areia sobre o aterro, que deveria ser trazida do
Largo do Poço das Bravas para diante. A Câmara sublinha nesta nova
arrematação que os eventuais interessados não podem recusar-se a fazer a
obra por mais forte que fosse o motivo. Acaba por ser arrematado por
Agostinho Gomes de Almeida pelo preço de 245 reis por metro cúbico de
aterro ou desaterro, na condição de concluir o trabalho até final de
Julho, sob pena de 2000 reis de multa por cada dia que exceder esse prazo
e de depositar 45 000 reis como garantia.
No início de Julho a Câmara informa que as obras estão
concluídas pelo que ordena que sejam retirados todos os objectos do Porto
Velho para o Novo. Esta medida dá origem a que fique uma grande porção de
terreno livre e baldio no sítio do antigo Porto. Como era notória a falta
de casas de habitação na vila, considerou a Câmara da maior conveniência
municipal aforar todo o terreno. Assim pela vistoria feita, sabemos que
tinha uma área de 3946 m2, o que tirando a área de duas ruas com 4 metros
de largo e 42 e 49 metros de comprimento, ficam livres para edificação 68
metros pelo Norte e 58 metros pelo Poente para além das zonas contíguas às
ruas. Acrescente-se que os principais interessados no aforamento destes
terrenos são os titulares dos cargos municipais, começando pelo Presidente
José Pedro Alexandrino de Sousa. Em Setembro os terrenos são aforados aos
interessados.
A obra do Porto Novo é dada como concluída no prazo
previsto tendo a Câmara ordenado que se fixasse editais no Porto Velho a
proibir a sua utilização, pois os moradores continuavam a descarregar ali,
as lamas, matos e estrumes, apesar do novo Porto estar construído.
Nos anos imediatos a Câmara continuou a incluir no seu
orçamento geral verbas destinadas a obras no local, o que pode significar
que a mudança se fez devido à urgência da situação ou que, com a sua
utilização se depararam situações não previstas, pois nem os autos de
vereação, nem os livros de receitas e despesas pormenorizam o tipo de
trabalhos efectuados.
A construção da lixeira no sítio da Quebrada não reuniu
o consenso geral. Pelas informações que chegaram até hoje, o principal
opositor seria, a principal autoridade na matéria, ou seja, o médico do
concelho, que nessa época era o Dr; Silva Evaristo, homem de elevada
competência profissional e bastante popular, que dá hoje nome a uma das
principais ruas da vila. Declarava o clínico que a acumulação de estrumes
tão perto da vila, não podia deixar de ter uma influência nociva sobre a
saúde pública, especialmente no tempo quente. Era de opinião que a postura
municipal sobre esta questão era deficientíssimas e ainda assim não era
cumprida, pelo que propunha à Câmara que pelo menos a fizesse cumprir na
parte respeitante ao tempo em que os estrumes podiam ficar a céu aberto no
Porto. Em virtude desta fundada opinião, o Administrador do Concelho,
vê-se na necessidade de fazer diversas considerações tendentes a evitar os
perigos que a lixeira representava e a Câmara tomar a decisão de não
alterar os regulamentos, limitando-se a intimar os donos dos estrumes a
retirá-los nos prazos fixados.
Os conceitos higiénicos eram rudimentares, apenas a
classe médica relacionava a higiene com a melhoria das condições de vida e
de saúde das populações, cujos hábitos, aliás, em nada contribuíam para
melhorar a situação. Para ilustrar tais hábitos é exemplar a decisão
camarária de 1870 que nos dá uma ideia dos hábitos higiénicos. Reconhece a
Câmara que os habitantes sujam constantemente as ruas tornando-as
insalubres, isto porque deitam fora lixo e imundices a toda a hora, por
isso determina e manda afixar editais, para que os moradores da vila
fossem proibidos de deitar o lixo e imundices para a rua antes das onze
horas da noite.
Notícias da Moita. 1 /6 /1996.