A festa no final da modernidade
O conceito de festa tem contornos bastante amplos que
pode abarcar uma enormidade de situações, provocada por diversos motivos.
As festividades de maior impacto social na Época
Moderna e até final do século XIX foram festividades oficiais,
institucionalizadas e ritualizadas. Revelam invariavelmente uma cultura
política ou ideológica, mesmo tornando-se celebração pela união Estado –
Igreja, e em ambos os casos é um acto colectivo e social.
A festa assim instituída pretende dar a imagem do poder
público, onde retrata a própria sociedade, aderindo à ideia de nação,
acente na figura real e na moral católica, realçando os valores que ambas
representam.
O problema de saber, em que medida se deve dar festas
ao povo, é milenar. O poder tende a controlar a festa, representando o
próprio poder. O motivo dos festejos é sempre algo que ultrapassa a
comunidade, acontecimentos considerados importantes ou celebrações
católicas, que também participa nos acontecimentos oficiais. O diálogo que
se estabelece entre a festa e as populações prolonga-se para lá do tempo
de vida de qualquer geração e torna-se um espelho onde se vê o que se
deseja ou se rejeita o que se vê.
A festa gera também a anti-festa, ambas obedecem a uma
ordem pré-estabelecida, como projecção simbólica da imagem produzida pelos
grupos. A anti-festa revela-se como manifestação popular colectiva,
contestatária ou festa proibida, nas paródias, caricaturas, ou práticas
censuráveis. Pode tornar-se de forma espontânea, agressiva, polémica,
utópica ou mesmo subversiva numa acção reacção geradora de História.
As festividades mais numerosas foram as religiosas e os
ditames eclesiais regulamentaram o comportamento humano individual e
colectivo. A igreja, contra atitudes mentais e culturais adversas,
enquadra-se através de mecanismos de substituição. Quando a igreja decide
prescindir de muitos desses dias festivos, serão as autoridades civis a
opor-se.
A festa religiosa assumiu diversíssimas
características; procissões, arranjo e transporte de círios, ladainhas,
autos de fé, Te deum, exposições de santos, criancinhas pela rua a cantar
e a rezar, suplicias públicas, demonstrações de piedade, solenidades,
natal e Páscoa, do orago, do padroeiro, que preenchiam o calendário com
feriados que permitia quebrar a monotonia e a rotina social de forma
equilibrada, sempre por um motivo católico.
Os festejos reais eram permanentes, a própria presença
da pessoa do rei era motivo de festa. Para os reis absolutistas foram
verdadeiras exibições públicas, luxuosas, galantes, espectaculares
demonstrações de riqueza com o objectivo político de conquistar as
populações, num sentido colectivo de consciência nacional. Eram assim
motivo de festa as cerimónias oficiais, os casamentos reais, nascimentos,
baptizados, aniversários ou outros acontecimentos por vezes
insignificantes. Nestas ocasiões eram feitos dotes, obras pias, esmolas,
fogos, banquetes, touradas, cavalhadas...
Também a morte de algum membro da família real
provocava demonstrações de pesar, com casas fechadas, luto nos edifícios
públicos, cerimónias litúrgicas com a presença dos vereadores com as
respectivas capas e estandartes.
Nas festas locais e regionais de carácter político e
religioso, as comunidades e autoridades locais, constroem uma comunhão de
sentido com as festas da igreja. Não rompem a tradição, mas
redireccionam-se. Há mais continuidade que invenção nos rituais das
comemorações políticas, repetindo actividades presentes na festa
religiosa. Os discursos políticos e os sermões católicos, constituem a
parte séria da festa, onde se expõem as imagens que desejam glorificar ou
perpetuar.
A parte lúdica da festa pretende atrair populações
pelos espectáculos, corridas, cavalhadas, exibições militares, mascaradas,
fogos, bailes, etc, etc, a espaços públicos, onde os órgãos de poder
pretendem mostrar e impor a sua autoridade.
Associações particulares e privadas também promoviam
festas, de âmbito restrito, com características e motivações artísticas e
científicas. Nos séculos XVII e XVIII foram frequentes os salões de
exposição onde se demonstrava física electrostática, se observavam efeitos
algo surpreendentes como levantar objectos pesados com pouco esforço,
obter imagens ampliadas, ver pela lanterna mágica, provocar granizo
eléctrico, manipular objectos como o carrilhão, o torniquete ou o íman, ou
onde as damas provocavam faísca, juntando dois fios metálicos e eram
esclarecidas sobre os perigos da operação. A ciência tornou-se
divertimento e dos salões saltou para a rua.
Outros salões tinham motivações culturais e artísticas,
onde se ouvia música coral e instrumental, se recitavam sonetos, odes e
elegias ou se expunham brilhantes conceitos e orações sapientíssimas.
Notícias da Moita. 1 /9 /1996.