DEZEMBRO 1995
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DE ALHOS VEDROS.
A forma geográfica em que está inserido o salgado de
Alhos Vedros, é morfologicamente um anfiteatro em torno da depressão
causada pelo braço do Tejo. Divide-se em quatro subunidades, Alhos Vedros,
Moita, Esteiro Furado e Sarilhos, servidas por esteiros que formam
anfiteatros de menores dimensões.
Localiza-se a leste da ribeira de Coina englobando toda
a área de formação pliocénica (1). Os solos compostos de areias
e cascalhos são por isso bastante friáveis e pouco produtivos. Apenas nas
orlas dos esteiros é possível alguma agricultura devido aos solos serem
frescos e húmidos.
O relevo é em toda a região considerado suave e sem
acidentes. Em toda a zona ribeirinha a altimetria (2) é baixa
mas não ultrapassando a cota dez, subindo depois para o interior até aos
vinte e cinco metros e só pontualmente mais do que esta altura.
A drenagem (3) é feita pelas bacias centrais
do rio da Moita, do Vale da Amoreira e Vale do Grou. Todavia a região
ribeirinha por falta de pendentes e do baixo nível freático não, executa o
escoamento superficial dos terrenos. Para aproveitamento das terras
agrícolas foi necessário construir valas e lagoas para a drenagem fluvial.
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(1) Cruz, Maria Alfreda.
A Margem Sul do Estuário do Tejo: Factores e formas de organização do
espaço. Lisboa Ed. Autora, 1973
(2) Plano Director Municipal. Texto fotocopiado, 1981.
(3) Plano Director Municipal. Ob. cit.
GEOLOGIA
A geologia (1) é de formação dominantemente
de areias e dunas e de praias. As zonas baixas são formações aluvionares e
nas zonas de altura superior a vinte e cinco metros são formações
indiferenciadas do pliocénico.
Junto dos muros das marinhas (2), sobretudo
naqueles que estão destruídos, assim como junto das muralhas, é vulgar
encontrar-se um vasto espólio arqueológico, embora não se encontre " in
situ " devido à acção do mar, composto por núcleos, lamelas e fragmentos
de sílex, cerâmicas medievais, modernas e eventualmente árabes, vidros,
ferros, bóias de cortiça e cerâmica e diverso material orgânico como
ossos, espinhas e cascas de bivalves.
CLIMA
Existem várias situações micro climáticas (3).
A pluviosidade média è de 400 mm sendo as regiões limítrofes para o
interior menos pluviosas em cerca de 100 mm. A pluviosidade é de 1 mm ou
mais em quinze dias do ano e apenas de 10 mm ou mais em vinte dias do ano.
A temperatura média anual é de dezasseis graus sendo de
noventa a cento e vinte dias a temperatura superior a vinte e cinco graus
e somente em trinta dias temperatura inferior a cinco graus.
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(1) Cruz, Maria Alfreda. Ob. cit.
(2) Foto nº 1 e 2.
(3) Plano Director Municipal. Ob. cit.
A humidade é em média de nove g/ kg, o que é uma das
maiores do país. Faz nevoeiro em média vinte dias por ano e a insolação
média é de 3.000 h/ano. Só acontece cair geada desde princípios de Janeiro
até meados de Fevereiro num período que oscila de dez a vinte dias.
Esta região por estar situada abaixo do paralelo 37,
reúne todas as condições para a produção salineira, embora a agressividade
da morfologia fosse uma contrariedade.
EVOLUÇÃO GEOGRÁFICA.
A região inserida no termo do extinto concelho de Alhos
Vedros de "Riba Tejo", não conheceu transformações geográficas
significativas desde a reconquista Cristã.
A primeira referência geográfica é dada na Crónica de
D. Afonso Henriques (1), quando afirma que o nosso primeiro
Rei, depois de conquistar Lisboa, atravessou o Tejo com intuito de
conquistar Palmela, tendo para isso desembarcado na margem sul, numa
elevação de terreno, que formava um outeiro branco. Esse local seria
segundo a hipótese do Eng.º: João da Costa (2), o sítio do
Rosário, o que, não é despropositado, basta viajar de barco pelo Mar da
Palha para constatar a semelhança com o local descrito na Crónica. Todavia
essa hipótese é tão só uma hipótese, pois tanto o Lavradio como a Baixa da
Banheira poderiam eventualmente corresponder à citada descrição.
Nos séculos seguintes as doações feitas pela Ordem de
Santiago, mostram uma margem composta por praias, sapais, pauis e entradas
de água.
Estas características embora não sejam evidentes na
cartografia dos séculos XVI e XVII seguintes, pois não é uma cartografia
rigorosa e pormenorizada, o facto de não revelar para o termo de Alhos
Vedros de qualquer acidente significativo no relevo, ( ao contrário de
outras zonas onde são assinalados embora de modo pouco rigoroso), acentua
a ideia de uma zona de depressão geográfica.
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(1) Lopes, Fernão. Crónica de D. Afonso Henriques.
(2) Costa, Eng.: João da. Entrevista ao "Correio da
Manhã". 16 / 9 / 1982.
No virar da Idade Moderna para a Contemporânea outros
documentos acentuam e reforçam estas características geográficas. Assim
nas Informações Paroquiais de 1758 (1), o Vigário Lucas
Ferreira de Gouveia localiza assim a Moita; " está esta vila situada em um
sítio quase sapal, junto de um braço do Tejo". Quanto a Alhos Vedros, o
Padre Cláudio José da Silva Nogueira diz nas mesmas Informações (2)
que; " esta vila está situada num sítio quase vale, junto de um braço do
Tejo, ... , e não descobre as vilas e lugares filiais tão próximos, pela
razão de estar situada em um quase vale e somente avista a vila da Mouta,
imperfeitamente".
Ao longo do século XVIII outras informações de cariz
geográfico surgem nos Livros de Vereações da Câmara Municipal da Moita.
Foi costume os Vereadores eleitos anualmente, no acto de Tomada de Posse,
percorrerem todo o Concelho tomando assim a sua Posse simbólica. Em alguns
desses Autos de Posse o Escrivão descreve os locais por onde vão passando,
como no caso de 1747. Referindo o Rosário do Montijo diz que (3);
" os Vereadores foram pela estrada do Concelho até à praia e tomarão Posse
das terras, baldios, morraçais, juncais, lezírias e praias, que estão fora
da demarcação das marinhas".
Referindo Sarilhos diz (4); " tomarão Posse
de logradouros e sapais e seguindo pela estrada da ponte do Caia ficando
do lado direito pinhal e do esquerdo vinha atingiram o Esteiro Furado e
tomarão Posse de tudo até às marinhas". No sentido oposto os Vereadores
saíram do Porto do Alimo, indo pelo rio da Moita acima até à passagem da
água e daqui sempre pelo Brejo até à estrada que vai para Azeitão,
continuando a tomada de Posse por locais que
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(1) Alves, Padre Carlos Póvoa, Subsídios para a
história de Alhos Vedros
Ed. do autor, 1981
(2) Alves, Padre Carlos Póvoa, ob. cit.
(3) Livro de Vereações da Câmara Municipal da Moita, 07
de Fev., 1747, folhas 104 v e SS.
(4) Livro de Vereações da Câmara Municipal da Moita, 07
de Fev. 1750, folhas 74 v e SS.
não pormenoriza, acabam a volta na Broega que englobava
todo o Brejo.
O viajante francês Marigny (1) ficou
impressionado com a aridez e desertificação da região da Moita.
Estas informações dispersas quanto a geografia local,
acabam por se confirmar na cartografia do inicio do século XIX (2),
onde o rigor científico é já preocupação dos cartógrafos.
Nestes, os promenores são tratados com rigor e são por
isso excelentes documentos para localizar ou confirmar as zonas de
marinhas. A faixa em contacto com o Tejo, é um bordado contínuo de
marinhas, caracterizador da sua importância secular. As salinas
representadas nestes mapas são praticamente as mesmas que as representadas
nas cartas do século XX, não havendo pois, nestes séculos, aumento do
salgado, apesar de algumas tentativas nesse sentido, todas goradas,
principalmente pelas infiltrações de água doce.
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(1) Serrão, Joaquim Veríssimo. "Notícias de uma Viagem a Portugal em
1765 - 66"
in Arq. Hist. de Portugal II Série, T.I., Lx, 1960
(2) Mapas 4 e 5
TIPOLOGIA DAS MARINHAS.
As marinhas de Alhos Vedros, são em rega de fácil
acessibilidade ao mar, simplificando o transporte e escoamento do sal.
Isso deve-se ao facto de o conjunto de marinhas que
formam este salgado estarem situadas nos limites do mar não havendo
esteiros nem canais que transportem a água salgada para salinas no
interior.
Apesar de toda a região estar sujeita às marés que
condicionam o acesso e a saída de barcos apenas em metade do dia, estes
podem chegar até junto do produto a transportar, o que era uma vantagem em
relação aos salgados cujas marinhas não dispunham dessa acessibilidade.
Estas marinhas são estruturalmente designadas como de
cabeceira (1). A água vinda do mar entra nos viveiros,
caldeirões e governos pelas portas de água ou comportas, onde permanecerá
cerca de quinze dias. Estas operações visam manter as água em repouso para
eliminar eventuais impurezas, e aumentar o grau de salinidade. A água
corre depois para os corredores, cabeceiras e talhos, operação minuciosa
de forma a evitar tocar o solo para não sujar o sal.
Será então que a salinidade vai aumentando até atingir
o grau ideal, já nos talhos onde se dá a cristalização.
A água entra nos cristalizadores por furos, designados
" olhais ", de modo a controlar a quantidade que vai sendo necessário
introduzir. Quando a água no talho é excessiva, diz-se
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(1) Entrevistas com os salineiros: Amadeu Faquinha,
António Alvarez, Joaquim Parragudo, Manuel Bolinhas,
António Gaio e João Agrião
que está " bêbado ", sendo necessário retirar a
quantidade em excesso. Os talhos são separados por barachas ou travessas,
para onde se rapa o sal, e por madrizes ou matrizes que separam duas filas
de talhos e que servem de caminhos no transporte do sal para as eiras.
Quando uma cabeceira serve apenas uma fila de talhos
designa-se singela, quando serve duas filas designa-se dobrada.
Os talhos onde se efectua a cristalização, tem neste
salgado, dimensões reduzidas, raramente ultrapassando os seis metros de
lado, excepto na marinha Velha da Fonte, onde os talhos atingem o dobro da
área, designados por isso como sendo " à moda de Aveiro " (1),
mas tendo o inconveniente de obrigar os salineiros a um trabalho
permanente dentro de água e simultaneamente de levantar impurezas que
sujam o sal.
No Livro do Tombo da Santa Casa da Misericórdia de
Alhos Vedros (2), executado nos primeiros anos da década de
oitenta do século XVIII, são referidas duas marinhas, cuja estrutura é
assim definida; viveiro, caldeirão, caldeira, corredores, cabeceiras e
talhos. A marinha da Alfeirã tinha no final do século XV uma estrutura
semelhante, segundo a descrição feita no testamento (3) de Pero
Vicente " o Velho ", ou seja; viveiros, cabeceiras, governos e talhos.
Como se mostra, as estruturas tipológicas destas
marinhas não conheceram transformações e mantiveram-se inalteráveis até
aos nossos dias, simultaneamente as técnicas de produção mantiveram essa
imobilidade.
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(1) Cabaça, Joaquim Inácio Raminhos. " Defesa do
Património Natural e Cultural de Alhos Vedros.
Edição da Câmara Municipal de Palmela. 1984.
(2) Livro do Tombo da Santa Casa da Misericórdia de
Alhos Vedros, 1780, folhas 146 ss
Transcrição Fernando Pires
(3) Compromisso da Capela de S. Sebastião e Ermida de
Nª Srª Vitória, 1498, Transcrição Fernando Pires
Arq. Hist. Junta de Freguesia de Alhos Vedros
Comparativamente com o resto do país (1),
nota-se que os Alhosvedrenses não usam o termo " pejo ", mas sim viveiro.
Nos outros casos o vocabulário é bastante semelhante. Alguns instrumentos
como o " pombeiro " e as " rasas " não foram identificados pelos nossos
entrevistados o que significa que deixou de ser utilizado há já algum
tempo.
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(1) A revolta dos salineiros. Edição da Câmara Municipal de Alcochete.
1994.
Silva, João Ferreira da, " Inquérito à indústria do sal". Vol: V. O
salgado de Setúbal. 1957.
TÉCNICAS DE PRODUÇÃO.
Os trabalhos de preparação das marinhas começam na
Primavera, nos meses de Abril e Maio (1).
Os primeiros trabalhos são dedicados a vazar as águas de
toda a marinha caldeiras e viveiros e posterior limpeza que se inicia com
o corte de gramateiras, moitas, juncos e outros arbustos que crescem nos
muros e simultaneamente das lamas do fundo dos corredores cabeceiras e
talhos, que servem para consolidar matrizes, barachas, muros e acessos.
Depois de limpa e seca procede-se à compactação dos
fundos dos talhos, operação que se baseia a calcar e alisar o fundo do
talho com o objectivo de impedir fugas de água e simultaneamente criar uma
superfície que não permita a mistura de impurezas com a água destinada à
cristalização.
Esta operação substitui o feltro, que é uma alga que se
desenvolve no fundo dos talhos, consistente e compacta conhecida na
salicultura portuguesa como " traste ", " casco ", " cozimento " ou "
fermento " e que tem como função, isolar as impurezas em suspensão,
evitando que se misturem com o sal. O feltro foi sendo substituído nesta
região pelo fundo argiloso bem calcado e endurecido pelo sol.
Após esta primeira operação a marinha está em condições
de receber as águas o que acontece sensivelmente em Junho e durante uma
semana o salineiro vai passando as águas dos diversos reservatórios até
aos talhos. Cerca de duas semanas a salina está em condições
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(1) Entrevistas com os salineiros, referidas
anteriormente
de dar o primeiro sal. Após esta primeira colheita é
introduzida mais água nos talhos, mantendo sempre a água " mãe " que sobra
da primeira colheita, e passados cerca de vinte dias obtém-se uma segunda
colheita, mantendo sempre nos cristalizadores a água mãe.
Se as condições climatéricas forem favoráveis pode ainda
obter-se, uma terceira, e eventualmente mais colheitas no mesmo ano. O sal
entretanto produzido vai sendo transportado para as eiras em canastras,
carros de mão e modernamente passadeiras rolantes eléctricas, onde é
amontoado em serras e coberto com junco para evitar que se dissolva com a
águas das chuvas.
Entretanto com as primeiras chuvas termina a actividade
salineira. As marinhas são alagadas pela água doce ficando submersa até à
Primavera seguinte.
Durante o Inverno faz-se o escoamento do sal,
actualmente em transportes rodoviários para as fábricas de refinação e
higienização, até à pouco, de barco à vela para o comércio inteiro ou para
barcos de maior capacidade para exportação. As técnicas de fabrico de sal
, assim como os instrumentos de trabalho, não divergem das outras regiões
do país e revelam a mesma ancestralidade secular nos métodos de trabalho.
USOS E COSTUMES DOS SALINEIROS
Os salineiros são contratados por temporadas e são
assalariados, desde o Mestre aos ajudantes.
Os hábitos das gentes (1) que vivem nos
trabalhos das salinas são, em regra, os já apontados noutros estudos
(2), para o conjunto do território português.
Os horários de trabalho são extensos e começam logo
pela alvorada, para aproveitar as horas de menor calor. Depois de um
intervalo pelo meio do dia em que o calor se torna insuportável, continuam
até ao pôr do sol.
As suas habitações são rudimentares. Barracas, feitas
de tábuas de madeira, com coberturas de palha ou junco e térreas. Uma só
divisão, serve diversas funções, armazém, arrecadação, cozinha, quarto e
também guarda e vende sal. Outro tipo de habitações já com cobertura de
telha e paredes com cerca de meio metro, feitas de areia amassada com cal
e lotadas com cascas e ostra, caracóis do mar e outros moluscos
marinhos e bem assim restos e fragmentos de cerâmica, pedras diversas,
vidros e até material orgânico. As habitações mais recentes, tem
cobertura de telha, as paredes em alvenaria e o chão cimentado ou com
mosaicos de argila. Algumas possuem já duas divisões bem definidas; uma de
entrada que serve de cozinha, e outra que serve de quarto.
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(1) Entrevistas com os salineiros, referidos
anteriormente
(2) "Os Salineiros de Alcochete" Art.Jornal "O Século",
16 de Ago. 1957
Proença, Raul. "Guia de Portugal" III Vol
Silva, João Ferreira da, " Inquérito à indústria do sal". Vol: V. O
salgado de Setúbal. 1957.
Neste século o principal proprietário de salinas
construiu um bairro onde moravam os seus trabalhadores (1).
O vestuário é também rudimentar e elementar. Para
trabalhar usam uns simples calções, ou calças arregaçadas e uma camisa, ou
mesmo em tronco nu, andam descalços e na cabeça usam um chapéu de palha de
abas largas, por vezes sobre o chapéu utilizam um lenço que serve para
proteger mas que depois de húmido do suor também se torna agradável nos
momentos de maior intensidade de calor. Fora das salinas a indumentária
pouco se altera, apenas enfiam nos pés umas alpergatas.
A sua alimentação baseava-se muito na fauna piscatória
local, e das épocas migratórias do próprio pescado, sendo petisco
apreciado na zona as caldeiradas, feitas de diversas maneiras consoante o
peixe capturado, as enguias e irós fritos, para além dos berbigões,
lamuginhas, ostras, camarões, caranguejos, cozinhados de diversas formas.
Era todavia enriquecida pelos produtos hortícolas e
carnes, que obtinha pela troca directa com o sal. Na nossa visita à
marinha " da Freira ", o salineiro possuía na sua casa de venda de sal,
vinho e aguardente, alhos e cebolas, e outros géneros, e mostrou-nos um
alguidar com toucinho, febras e vísceras de porco e afirmou que tudo havia
sido trocado pelo sal.
Nesse dia, o almoço tinha sido carne assada, pão e
vinho, acompanhado com batatas fritas, salada de tomate e azeitonas.
Haviam participado para além do salineiro, os seus ajudantes e dois
convidados/clientes/fornecedores. Os restos da comezaina sobre a mesa e
pelo chão da barraca não deixavam dúvidas.
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(1) Planta nº 1
COLONIZAÇÃO E ORIGEM DAS MARINHAS
SÉCULOS XIII E XIV
Não existem provas documentais nem arqueológicas que
provem a existência de marinhas nem mesmo de qualquer povoamento em épocas
anteriores à ocupação Cristã. O espaço compreendido no limite do termo do
extinto Concelho de Alhos Vedros não conheceu qualquer povoamento ou
colonização anterior, nem mesmo no período Árabe.
As terras de " Riba Tejo " só conheceram uma
colonização ou um povoamento de forma sistemática depois de meados do
século XIII (1). Rui de Azevedo (2) refere que se
trata de uma colonização de tipo parcelar, verificando-se o " aparecimento
de minúsculas povoas ribeirinhas em grande parte para a exploração de
salinas". Estas povoas formavam no final do século XIII um grémio
Municipal rudimentar, o Concelho de " Riba Tejo " de que Alhos Vedros
teria sido sede por algum tempo.
A Profa.. Dr.ª. Maria Alfreda Cruz (3),
identifica para a Idade Média um povoamento de dispersão simples para a
região de " Riba Tejo ", atribuindo o surgimento de povoados à
importância
do litoral e à organização agrária. Mas se na extremidade Oriental da
Margem Sul se pode falar de povoamento baseado na exploração de grandes
herdades, tal não era possível na zona Ocidental. E, como afirma, não se
conhece com exactidão os fundamentos do Concelho de Alhos Vedros, esse
povoamento dever-se-à portanto, menos ao desinteresse
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(1) Vargas, José Manuel . Encontros sobre história
local, Palmela 1987, Ed. Câmara Municipal Palmela
(2) in, Vargas, José Manuel Ob. cit..
(3) Cruz, Maria Alfreda, Ob. cit.
Régio do que à situação e condições geográficas
específicas que o local oferecia aos colonos.
Entendemos também que o povoamento se deve inicialmente
a doações Régias ou da Ordem de Santiago, mas devido aos
circunstancialismos geográficos próprios essa doações tendiam a formar
unidades económicas autónomas capazes de suportarem a subsistência de,
pelo menos, uma família.
Nesse sentido perfilhamos as opiniões do Prof.; José
Manuel Vargas, pois as condições para a permanente fixação humana nesta
região, não se enquadra nos típicos modelos medievais.
Se a grande propriedade não é geograficamente possível
o povoamento baseia-se em três factores principais. A quinta com
habitação, criação de animais domésticos, pomar e terra de cultivo para
auto consumo, depois a vinha de extensão variável, mas sempre de pequenas
áreas, e a salina. Os trabalhos da vinha e da salina são temporalmente
complementares o que torna possível uma laboração regular ao longo de todo
o ano.
Ora a conquista destes terrenos foi decerto uma
actividade ciclópica. Por um lado a conquista de terrenos cobertos de
vegetação para a plantação de vinha, por outro lado a conquista de áreas
pantanosas e de sapais para construir marinhas.
É pois esta dupla conquista que permitiu a fixação
humana na zona ribeirinha a leste da ribeira de Coina. As povoas
existentes na Idade Média pertencentes ao Concelho de Alhos Vedros, a
saber; Palhais, Telha, Verderenas, Barreiro, Lavradio, Moita, Martim
Afonso e Sarilhos só no século XV adquirem estatuto de Freguesias, mas
desde o final da reconquista o povoamento ou repovoamento se processou
nesta vasta região.
A documentação mais recente mostra claramente uma
ocupação dispersa, com base na exploração económica exaustiva dos recursos
naturais e geográficos, ou seja, uma zona limitada pelo mar salgado ou
influenciada pelas marés, e aí desenvolve-se desde logo as marinhas, mas
também os viveiros de peixe e a partir do século XV azenhas e moinhos com
suas caldeiras e viveiros, outra zona não influenciada pelo salgado onde
predomina a cultura da vinha depois do pinho, sendo estas que
proporcionavam os recursos indispensáveis ao estabelecimento da população.
Uma terceira zona junto dos principais veios freáticos de todas a mais
fértil, onde surgem as quintas com suas casas hortas e pomares.
No limite as zonas de mato onde a primitiva vegetação
de Quercis, por ser de fraca qualidade como combustível e de morosa e
desordenada reposição foi sendo substituída pelo cultivo do pinheiro, (
que ainda assim não se adaptou a determinados terrenos que após várias
experiências se revelaram absolutamente estéreis ), cuja rentabilidade
económica é muito maior, pois permite continuar a exploração da vegetação
espontânea acrescida pela rama dos pinheiros como combustível doméstico e
o pinheiro adulto na indústria naval e de carpintaria.
Toda a zona está completamente isolada do sul do país
por via terrestre, ao contrário da opinião da Profa.. Dr.ª. Maria Alfreda
Cruz (1), pois só no século XVII (2) as vias
terrestres chegaram aos cais marítimos desta zona, concretamente à Moita e
em menos proporção a Alhos Vedros. Até essa época as duas vias de
comunicação terrestre para Lisboa vindas do sul terminavam
preferencialmente em Aldeia Galega ou em Coina que só perderia influência
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(1) Cruz, Maria Alfreda, Ob. cit.
(2) Santos, Maria Clara Curado "Moita Vila há 300
anos", Ed. Câmara Municipal da Moita, 1991
após o terramoto de 1755 (1). O Concelho de
Alhos Vedros foi contornado durante séculos por viajantes e mercadores
pelas duas principais vias referidas, não beneficiando por isso nenhuma
das povoas dos lucros e benefícios que esta actividade porprocionavam.
O caso da Moita (2) é revelador desta
opinião , pois até fins do século XVI não passa de uma minúscula aldeia,
crescendo depois em menos de um século até ser vila, tendo como base
económica o transporte de pessoas e bens que chegavam à localidade com
destino a Lisboa. Durante o século esta pequena povoa desenvolveu um
conjunto de infra-estruturas com esse objectivo, como seja a construção de
cais adaptados aos tipos de transportes, estalagens, igreja, assim como a
regulamentação da actividade dos barcos, das carretas e outros
complementares.
A documentação mais antiga referencia Alhos Vedros e a
Igreja Matriz nos finais do século XIII. Em 1316 (3), um
documento refere duas sentenças relativas a moradores de Alhos Vedros
condenando-os a que pagassem a dízima do sal pertencente ao Cabido da Sé
de Lisboa, pois andavam excomungados por aquele facto. O direito de
receber a dízima do sal de " Riba Tejo" prolongou-a até finais do século
XVI, e deu motivos a conflitos entre a Ordem de Santiago e o Cabido da Sé
de Lisboa, sendo necessária a intervenção Papal por diversas vezes.
No decorrer do século XIV multiplicam-se as referências
a Alhos Vedros geralmente em contratos de aforamento de vinhas e marinhas.
Surge-nos em 1355 (4) como terra senhorial,
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(1) Pires, Fernando. " O Pelourinho de Coina" , in "Um
Olhar Sobre o Barreiro", Nov. 1994
(2) Gonçalves, Luís Jorge "A Moita, os Barcos e o
Tejo". Ed. Câmara Municipal da Moita
(3) Vargas, José Manuel . Encontros sobre história
Local de Alhos Vedros, 1990. Ed. Fotocopiada
(4) Vargas, José Manuel. Ob. cit.
cujo donatário exerce jurisdição própria, pois Lopo Vaz
Cardoso vendeu o Senhorio de Alhos Vedros a Gonçalo Martins Vilela que
toma posse da dita vila e seus bens incluindo as marinhas.
Todavia a exploração salineira foi privilégio do
Mosteiro de Santos, desde o início do século como se verifica pelo
documento seguinte (1); 1322, Julho, 7. Palmela. Encampação que
Garcia Rodrigues, Comendador de Palmela, fez ao Mosteiro de Santos de umas
marinhas velhas e novas situadas no Ribatejo, entre a água da Lançada até
à água de Coina, excepto a marinha do Barreiro e a da Verderena que eram
da Casa de Palmela.
In nomini dominj Amem. Sabham todos como Eu Dom Garçia
rrodriguez Comendador de Palmela e de Setuual e de Ribatejo ffaço a ssaber
como Eu teuesse arrendado da Comendadeira e do Conuento das donas do
Moesteiro de Santos as marinhas velhas e nouas que ssom en Riba de Tego
conuem a ssaber dela augua da lançada ata Augua de Couna. Eu de meu e de
mha liure uoontade me lhis quito da Renda e das Marinhas com todo sseu
ssal que en elas esta E leixo-lhas e parto me lhis delas pera todo ssenpre
e mando que por mjm nem por outrem por mjm nunca lhis possam sser
enbargadas saluo a Marinha do barreiro e a da verderena que ssom da Cassa
de Palmela no ( rio couna. ) Rogey Lourenço Pires tabeliom de Palmela que
lhis ffezesse disto hum estromento ffeyto foj em Palmela que lhis ffezesse
disto hum estromento ffeyto foj em Palmela dentro no Castelo sete dias de
julho Era de Myll trezentos e Sesseeta anos. testemunhas Joham nicolas
Juiz Pedro ramayem Martim nuniz Comendador de Santos Vicente torrado
Antonyo martinz ( estevam Rogeyro ) ?
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(1) Vargas, José Manuel. Ob. Cit.
ffernam rrodriguez e outros Eu Lourenço Pires poblico
tabelliom de Palmela a esto pressente ffuy e a Rogo e per outorgamento do
dicto Dom Garcia rrodriguez este estromento escreuy e en ele meu ssinal
pugj em testemunho de uerdade que tal Est.
Também as localidades vizinhas do Lavradio e do
Barreiro surgem em meados do século XIV referidos como quintas com suas
marinhas (1). O Professor José Manuel Vargas (2)
refere a existência de marinhas velhas no início do século XIV entre Coina
e a Lançada e particularmente em Alhos Vedros, Barra-a-Barra, Barreiro e
Verderena.
Em 25 de Março de 1368 (3) o Rei D. Fernando
manda que se observe em " Riba Tejo " a postura que proibia a entrada de
vinhos de fora e os Homens Bons do Concelho afirmavam haver mais de cem
anos que não havia outro tipo de mantimento que vinho e sal.
Temos pois que a colonização e povoamento e portanto a
conquista das margens do rio para a construção de salinas é posterior à
ocupação Cristã, eventualmente após a reconquista Árabe de Palmela em 1191
por Almançor quando os moradores perdoados pelo Muçulmano puderam
abandonar o castelo, fixando-se nas terras litorais. Todavia a fixação
definitiva começaria após a reconquista de Alcacér-do-Sal em 1217 e das
campanhas do Algarve até 1250 em que acção dos Espadatários foi
determinante. Essa opinião é cimentada pelo estudo da onomástica e da
toponímia local (4). Constata-se a não existência de
referências remotas, tanto na toponímia, que se relaciona com aspectos
geográficos, naturais ou de aspectos da vida rural, como na onomástica
onde se demonstra um povoamento e colonização feitas por Cristãos oriundos
de outras regiões como Loures, Bucelas, Frielas, Faro e Portel.
______________________________________
(1) Vargas, José Manuel . Ob. Cit.
(2) Vargas, José Manuel . Ob. Cit.
(3) Vargas, José Manuel . Ob. Cit.
(4) Vargas, José Manuel . Ob. Cit.
As salinas e a exploração do sal da região foi portanto
uma actividade fundamental desde o início da nacionalidade na ocupação e
desenvolvimento económico de toda a Margem Sul e em particular no espaço
geográfico a que este estudo se reporta.
AS MARINHAS NOS SÉCULOS XV E XVI.
A construção de marinhas na Margem Sul desenvolveu-se
pelos séculos XV e XVI. Apesar de haver pouca documentação publicada,
podemos constatar que o Mosteiro de Santos manteve manteve e defendeu ao
longo dos séculos o privilégio da rendas do sal e doação de praias,
sapais e morraçais para fazer marinhas.
SESMARIAS DADAS PELA COMENDADEIRA DE SANTOS
Um documento de 1442 (1), diz que a
Comendadeira de Santos dava lugar e consentimento a Esteves Eanes,
contador d' el Rei, para fazer uma marinha na freguesia de Alhos Vedros em
um campo que é junto com o mar, onde chamam o Praial.
Ficava o dito Esteves Eanes obrigado a fazer a marinha
à sua custa, no prazo de três anos, e daí em diante " adubada " e reparada
todos os anos bem e direitamente, como deve ser uma marinha de modo a ser
sempre melhorada. Ficava ainda obrigado ao pagamento do dízimo e do quinto
e depois dele seus herdeiros. Se Esteves Eanes ou seus sucessores não
tratarem convenientemente a marinha de modo a haver prejuízos, pagará
pelos seus próprios bens. Se alguém demandar as marinhas, deverá opor-se.
Também não poderá vender nem "escambar" as marinhas sem conhecimento da
Comendadeira.
______________________________________
(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc 1134
Dois anos depois (1) a mesma Comendadeira e
Donas do Convento de Santos, deram e outorgaram de foro, para sempre a Gil
Vasques e sua mulher Margarida Pires e a seus sucessores, uma praia na
freguesia de Alhos Vedros, para fazer uma marinha. As condições divergem
da anterior. Agora será feita apenas em dois anos e nos quinze anos
seguintes pagará somente o dízimo sal e depois o quinto, cada ano. Não
fazendo a marinha ficavam obrigados a pagar dez moios de sal todos os anos
até que estivesse feita. No primeiro ano de laboração o sal ficava na
totalidade para os foreiros. Ficavam proibidos de tirar o sal das salinas
sem a presença do procurador do Mosteiro, ou fazendo-lhe primeiro saber.
Devem ainda cuidar da marinha de modo a ser sempre
melhorada. Não a podem vender, "escambar" ou " alhear " sem o fazerem
saber ao Senhorio.
SESMARIAS DADAS PELA ORDEM DE SANTIAGO
No entanto a Ordem de Santiago também se interessou por
essa àrea, procurando nela exercer um Senhorio que era incontestado nas
outras actividades económicas e bens de raiz.
Prova disso é a autorização (2) que o Mestre
da Ordem de Santiago, D. Men Roiz de Vasconcelos, em 1449, concedeu a seu
Almoxarife em " Riba Tejo", Lourenço Gomes, morador em Alcochete, para
poder dar praias e sapais onde se pudessem fazer marinhas de sal, em todos
os termos do Almoxarifado, a todas as pessoas que as pedissem e pudessem
fazer de sesmarias, com a obrigação de a fazerem no prazo de um ano e de
pagarem à Ordem o quinto, sexto ou sétimo do sal.
_____________________________________
(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc. 1357
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç nº 3 Doc. 1282
E logo apareceu um Martim Vasques de Alhos Vedros a
pedir em nome de João Eanes, Abade de Penalva, uma praia que está junto da
ponte da Moita, e parte da cal até à ponte e com pinhal e vai entestar à "
abicada " da Barroca. A qual praia nunca havia sido uma " benfeitoria ".
O Almoxarife deu a praia na condição de ser feita no
estipulado prazo de um ano, pagando o foreiro sete moios de sal cada ano
de todo o sal que a marinha der. Não a fazendo num ano pode o Mestre dá-la
a quem a quiser pagando o Abade para a Câmara do Mestre 500 libras.
Esta Decisão do Mestre da Ordem em dar praias e sapais
de sesmarias para fazer marinhas, na Margem esquerda do Tejo limite do seu
Senhorio, provocou reacção em velhos privilégios e regalias. Concretamente
em Alhos Vedros, as Donas do Convento de Santos.
Logo em 1451 (1), queixam-se ao Infante D.
Fernando, que algumas pessoas da freguesia de S. Lourenço de Alhos Vedros
não querem pagar o quinto, apenas o dízimo. D. Fernando ordena que todos
paguem o quinto e o dízimo ao Mosteiro como sempre pagaram. Quem não
quisesse pagar tinha de mostrar por Escritura Pública o motivo da isenção
e que ninguém tivesse a ousadia de tirar sal das marinhas sem o fazer
saber ao Procurador, Recebedor ou Rendeiro do Mosteiro, sob pena de 1000
reis para a Câmara do Infante.
Em 1454 (2), João Lobo, escolar em Direito e
Procurador do Mosteiro, solicita junto do Tabelião Real uma cópia
autenticada desta determinação de D. Fernando evocando o receio de se
poder extraviar ou degradar-se.
______________________________________
(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Cx. 15 Mç. nº 1 Doc. 1220
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Cx. 18 Mç. nº 1 Doc. 1315
DISPUTA ENTRE O CONVENTO E A ORDEM
Em 1459 (1), o Procurador do Mosteiro,
Gonçalo Nunes apresenta-se ao Tabelião de " Riba Tejo " para lavrar
Escritura Pública, em como pretendia tomar posse do sal e marinhas da
freguesia de S. Lourenço. Para o efeito justifica a sua posse de direitos
por outros documentos legais anteriores às determinações de D. Fernando de
1451. Esta atitude era um sinal de força e mostra que os recursos
jurídicos da Comendadeira eram grandes, pois o Procurador Gonçalo Nunes
apresenta perante o Juiz Chaves e o Tabelião do Rei, Álvaro Gomes um "
estormento ", segundo o qual no ano de 1442, Tomé Aires, Procurador da
Comendadeira e Donas de Santos, registou nos Livros de Pero Esteves,
Tabelião do Rei em Alhos Vedros e nas casas deste uma Procuração datada de
1432, assinada pelo Tabelião de Lisboa, João Joanis, em que a Comendadeira
lhe dá poder para tomar posse de todos os bens do Mosteiro. Acrescentava
que tudo o que fosse dito e feito pelo referido Procurador ficasse firme e
válido e para sempre. Entre outras coisas, o Procurador disse que o
Mosteiro, Comendadeira e Donas, tinha nesta terra de " Riba Tejo " "peça"
de marinhas de fazer sal, que pagam quinto e dízimo e que lhe mandavam
tomar posse delas, assim como do sal que nelas houvesse. Isto porque ( e
levanta a questão em disputa ), a Ordem cobrava no que pertencia ao
Mosteiro. Por isso que se visse as pessoas que trazem essas marinhas, para
que não dessem os quintos a ninguém, excepto ao Procurador do Mosteiro,
sob pena de pagarem ao Mosteiro o quinto pelo maior preço que o sal valer.
Depois de tomar posse de todas as marinhas, pediu ao Tabelião um, dois,
três " treslados " e mais se necessário para o dito Mosteiro saber parte
dos seus direitos.
______________________________________
(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc. 1368
QUEIXA DO PROCURADOR DO MOSTEIRO
Em 1469 (1), de novo o Procurador do
Mosteiro Tomás Eanes, queixa-se ao juiz de Alhos Vedros Afonso Martins,
que a Ordem mandava dar a seus sesmeiros praias e marinhas na freguesia de
Alhos Vedros.
O sesmeiro da Ordem, Gomes Lourenço, que estava
presente, retorquiu que não embargava à Comendadeira os seus quintos, nem
dízimos, nem sextos, nem sétimos do sal, como nas outras em que não
possuem o quinto do sal e que por essa razão não era de atender o
Procurador do Mosteiro.
ORDEM ACEITA SENHORIO DO CONVENTO
Posteriormente a Ordem dá terras de sesmarias na
freguesia de Alhos Vedros, mas nos documentos publicados não surge mais
nenhuma praia ou marinha. Apenas no início do século XVI (2), o
Mestre D. Jorge dá de sesmarias uma entrada de água salgada, para fazer um
moinho, eventualmente o que chamam de Encharroqueira. O documento (3)
frisa que o senhorio " tem encargo de dar as sesmarias pertencentes à
Ordem ". Percebe-se que a referência se aplica às marinhas, pois todas as
outras pertenciam à Ordem. As preocupações com os acessos às marinhas
ressaltam também neste documento pelo que se verifica pelo excerto
transcrito; " Dom Jorge cetera. A quamtos esta nossa carta de sesmaria
virem fazemos saber que temdo nós dado per nossa carta huua emtrada d’
agoa salgada que está
______________________________________
(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 4 Doc 1414
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 4 Doc 1620
(3) A.N.T.T. Doc. Cit.
em termo d’ alhos vedros omde se chama a das Roseiras
que parte ao Sul com viueiro da marinha de Lopo d’ albuquerque e com
viueiro da marinha de Tome Afomso e se chama Rego de Sapos e ao leuamte
com marinhas que foram de Pero Gomez caualeiro da casa del Rey meu Senhor
que Deus aja e com caminho do Concelho e com viueiros e marinhas de
Valemtim Fernandes e com muro da marinha que foi de Pero Vicemte e com
outras comfromtações com que de direito deua e aja de partir e isto ao
dito Pero Gomez e com comdição que lhis abrisse esteiro pera marinha e
viueiro do dito Tome Afomso per homde tomassem agoa e as barcas
carregassem seu sal pera fora da caldeira e asy outro tanto pera as
marinhas e viueiros do dito Pero Vicemte e demtro de seis anos fezesse na
dita emtrada huus muinhos ... ".~~
SALINAS ANEXAS A OUTRAS PROPRIEDADES SÃO DA ORDEM
Ao longo do século XVI surgem diversas referência a
marinhas dadas de aforamento pelo Mestre de Santiago, mas neste caso,
dadas juntamente com outros bens que constituíam uma única propriedade
indivisa.
SESMARIAS
Exemplo disso é contrato de sesmarias (1)
que o Mestre dá a Duarte Galvão para reedificar um moinho e marinhas, no
Lavradio.
______________________________________
(1) A.N.T.T., B 50-37, Convento de Palmela, fls. 93
vº-97, in "Um Olhar sobre o Barreiro"
AFORAMENTO
Em 1521 a Ordem dá uma carta de aforamento (1)
a Rodrigo de Vasconcelos, sobre a quinta da Verderena incluindo as suas
duas marinhas. Neste caso o aforamento já não segue o modelo tradicional,
" ab eternun ", para toda a vida e seus sucessores, aplicado anteriormente
aos aforamentos de marinhas, mas apenas em vida de três pessoas, como era
usual nas outras propriedades rústicas.
FORO EM GÉNEROS
A instituição do morgado de Pero Coelho em Coina, em
I550 (2), incluía também uma zona de contacto com o rio, onde
estavam construídos um moinho e uma marinha, que pagavam de foro ao
Mosteiro de Santos vinte alqueires de trigo, quinze pelo moinho e cinco
pela marinha. Também neste caso o aforamento diverge dos verificados nos
séculos anteriores, pois a cobrança do foro é feita em géneros, no caso
trigo, em vez do típico dízimo em sal. O primeiro é fixo, não fica à mercê
das oscilações da produção nem dos preços, o segundo é variável em função
das contingências conjunturais.
CONCLUSÃO
A Ordem podia pois ser proprietária dos foros, mas não
mais voltou a insinuar direitos sobre os quintos e dízimos do sal. Isso
torna-se evidente tanto no Foral de 1514 (3) como na
______________________________________
(1) A.N.T.T., Ordem de Santiago, B 50-12, in "Um Olhar
sobre o Barreiro
(2) Notarial de Azeitão, 1550, col. Privada, in "Um
Olhar sobre o Barreiro
(3) Leal, Ana de Sousa, Foral Manuelino e Descrição da
Vila de Alhos Vedros, 1614.Ed.CACAV, 1993
descrição da Vila de Alhos Vedros de 1614 (1).
Nestes documentos estão especificados os direitos e dízimos pertencentes à
Ordem, onde se incluem todos os rendimentos e produtos da terra, mas que é
omisso em relação ao sal.
Assim, o Mosteiro de Santos, através dos seus direitos
sobre o salgado do Concelho de Alhos Vedros, garantia o numerário
necessário à sua vida financeira pela cobrança dos dízimos em sal que
depois vendia, e os bens de primeira necessidade indispensáveis, pela
inclusão no foro da obrigatoriedade do pagamento ser efectuado nesses
bens, como seja em trigo, frangãos e galinhas.
O Mosteiro de Santos consegue portanto manter o
senhorio da zona ribeirinha, nos limites da freguesia de S. Lourenço, para
dar em sesmarias para fazer marinhas. Este Senhorio será sempre referido e
lembrado pela Comendadeira, ao longo dos séculos, nas epistolas e disputas
tanto com a Ordem de Santiago como com a Câmara da Alhos Vedros, para que
nunca lhe pusessem a posse em dúvida.
RELAÇÃO DAS MARINHAS EXISTENTES NO SÉCULO XV
Em 1432 (2), o Procurador do Mosteiro Tomé
Eanes, apresentou-se ao Tabelião de Alhos Vedros para registar a sua
intenção de tomar posse de todas as marinhas da freguesia de S. Lourenço,
por ordem da Comendadeira, o que nos permite elaborar para essa data um
quadro completo das marinhas existentes;
______________________________________
(1) Leal, Ana de Sousa, Foral Manuelino e Descrição da
Vila de Alhos Vedros, 1614.Ed.CACAV, 1993
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc. 1368
1- Marinhas que são as Verderenas.
2- Uma marinha da Ordem de Santiago que trás Vasco
Martins Daltaro. Mosteiro não pretende fazer prejuízos ao senhorio, mas
usar de seu direito e de sua posse.
3- Marinha que foi de Domingos Lourenço, do
Barreiro.
4- Duas marinhas, que chamam de João Velho junto da
quinta e capela de Dona Sancha que trás Lourenço Esteves do Lavradio.
5- Três marinhas de Afonso Furtado, no Lavradio.
Sal está nas eiras e não tem quintos.
6- Marinha grande de S. Eloi, de Gonçalo Dias
Mealheiro. Ordem para não responder pela marinha a ninguém, salvo ao
Procurador do Mosteiro.
7- Marinha de Lopo Afonso do Quintal, junto à de S.
Eloi. Tem um monte de sal dos dízimos.
8- Marinha de Lopo Esteves, no mesmo lugar. Tem
cinco moios de sal de quintos, disse Vasco Esteves. Logo foi defeso que o
não deixe levar a ninguém, salvo aos Procuradores do Mosteiro.
9- Marinha Nova, no mesmo lugar, que fez Rodrigo
Anes, que casou com Beatriz Gomes.
10- Marinha que chamam "allujsos " ( SIC ) que trás
João Dias. Pertencem às Donas de Chelas e não tinha sal.
11- Duas marinhas de João Eanes, na Estebeira.
Tinha um monte e meio de sal.
12- Uma marinha de João Velho, no mesmo lugar da
Estebeira. Tem um monte de sal de quintos.
13- Marinha de João Pires, dos Frades da Graça, que
trás João Vasques. Não tem quintos.
14- Três marinhas de Lopo Afonso do Quintal, no
Cabo da Estebeira. Não tinha quintos.
15- Marinha de Lourenço Gago, em Alfeirão. Afonso
disse que havia quatro moios de quintos e lhes disseram para não deixarem
ninguém levar o sal.
16- Uma marinha de Álvaro Afonso, chamada "a do
Cabo", no mesmo lugar. Tem dezoito moios de quintos. E defendeu a Lourenço
Vicente e a todos, que não acuda com nenhum direito do sal a ninguém,
excepto ao Mosteiro e que ele Lourenço Vicente não consinta que ninguém
leve o sal da sua marinha sem recado da Comendadeira.
17- Uma marinha que trás Simão Vicente no mesmo
lugar. Tem um monte de sal em que Simão Vicente disse haver dez ou onze
moios.
18- Uma marinha de Gonçalo Anes e de outros
herdeiros, no dito lugar de Alfeirão. Havia sete moios de dízimo, da parte
que Afonso Anes arranjou da salina.
19- Uma marinha de Álvaro Afonso, " a dos frades".
Não tem quintos.
20- Uma marinha que chamam " a de João Vicente, a
grande ".
21- Uma marinha junto da anterior de Álvaro Vasques
da Moita, com seus quintos.
22- Uma marinha de Maria Nascentes. Tem um monte de
sal que disse ter doze moios. Não consinta nem deixe levar o sal dos
quintos a ninguém.
23- Uma marinha de João Dias Pinheirom. É de
dízimo. Tem seis ou sete moios de sal de dízimo.
24- Uma marinha de Vicente Lourenço, onde chamam as
Roseiras. Éde dízimo. Tem quatro moios de sal de dízimo.
25- Uma marinha de Vasco Esteves. Não tem quintos.
26- Uma marinha de Leonardo Afonso. Tem oito moios
de sal de campanha.
27- Duas marinhas de Pero Coelho em Sarilhos
Grandes. Tem quintos, ordenado que não os deixem levar a ninguém.
28- Uma marinha de ( ...............
) . Não tinha quintos.
29- Uma marinha que foi de Álvaro Gonçalves. Trás,
Afonso Gonçalves morador no dito lugar de Sarilhos.
30- Duas marinhas. Uma de S. Clara, chamada "a
Nova", não tem quintos. Outra do Esteiro Furado tem 27 moios de quintos.
Defendeu o Procurador a Maria Anes, Dona Veleira de Santa Clara, que não
deixe levar os quintos.
31- Uma marinha de Gonçalo Roiz, que está na quinta
de Martim Afonso. Tem sete moios de quintos.
32- Uma marinha que foi de Bertolomeu Martins, na
Moita junto ao lagar onde chamam " a dandreia ". Tem treze moios de
quintos.
33- Uma marinha que foi do Bulhão.
34- Duas marinhas de João Pires, dos frades da
Moita.
35- Uma marinha que trás João Bertolomeu, na Moita.
Tinha um monte de sal de sessenta moios ou pouco menos, segundo disse João
Bertolomeu. Daqui em diante não a venda com dízimos.
36- Uma marinha de Gonçalo Anes, na Moita. Tem dois
montes de sal, cobertos. Ordenado que não dê quintos a ninguém.
37 - Uma marinha de João Torram , na Moita.
Como se verifica, existiria nos meados do século XV,
pelo menos quatro dezenas de marinhas, no espaço geográfico considerado
como sendo o salgado de Alhos Vedros.
JUNCO
De significativa importância, era o junco, para a
conservação e protecção do sal, pelo que era considerado comunitário.
Alguns abusos de pessoas poderosas na vila, levou a Ordem de Santiago a
consagrar na lei o costume, como se constata na Visitação de 1521, a
seguir transcrita (1);
Sobre os juncaes.
Item Foy-nos apomtado que avia mujtos juncaes no termo
da dita Vila, deles em caldeiras de moynhos delles em viueiros de marynhas
e em testadas de vinha e de marinhas e delles em bregeos de que sempre o
Comcelho está de poosse de ter logramento dos ditos juncaes
______________________________________
(1) Leal, Ana de Sousa. Pires, Fernando. Alhos Vedros
nas Visitações da Ordem de Santiago. CCAV, 1994
d’ panhar jumco pera a Igreja e ruas no tempo das
procissões e casas e pera cobrir sal asy dos lauradores como dos dizimos,
e agora de pouco tempo pera qua alguuas pessoas poderosas per seu proprio
poder e força tolhem e defemdem que nom se apanhe o dito jumco nom temdo
nele nenhum direito nem pose cetera, pedimdo-nos que njso prouesemos por
bem do pouo pollo quall porquamto o dito jumco he comum a todos pera se
poder aproueitar delle quem quiser, mandámos que pesoa alguua o nom
defemda sob pena de mjl reis por cada uez a metade pera quem o acusar e a
metade pera os catiuos. E quem a jsto teuer alguus enbargos os viurá (sic)
alegar perante nós e sera ouujdo com o Concelho.
DOAÇÕES
Logo nos primeiros séculos verificou-se a concentração
destas propriedades nas instituições religiosas, através de doações ou de
instituição de Capelas como se verifica pelo Compromisso das Capelas de S.
Sebastião e de Nª. Sª. da Vitória, instituído por Pero Vicente "o velho "
e sua mulher Catarina Lopes Bulhoa, a seguir transcrito (1);
E depois deste, Aos onze dias do dicto mes de Novembro
e da dicta era de mill e iiij e noventa e sinco anos. Os dictos Pero
Vicente ho moço Juiz e Pero Gonçalves Vereador, levando consigo Afomso
Piriz ho moço, e Joaham Afomso, e Joham Martyz ho moço, e Joham Eanes de
Benfica, e Jorge da Costa filho de mym, dicto notairo, todos homens bõos
na dicta Villa d’Alhos Vedros moradores. E comigo dicto notairo com o
dicto compromisso nas mãoos forom tomar a posse das marinhas contheudas no
dicto compromisso, scilicet,
______________________________________
(1) Compromisso da Capela de S. Sebastião e Ermida de
Nª Srª Vitória, 1498, Transcrição Fernando Pires
Arq. Hist. Junta de Freguesia de Alhos Vedros
que andom ambas em huua que se chama a marinha da
alfeirãa. A qual posse os dictos Juiz e Vereador comigo dicto notairo
tomarom pellos viveiros, cabeçeiras, governos, muros e com todollos
logramentos e eiras e entradas e saydas per terra e sal e gramateiras com
todos seus talhos moentes e correntes e auguas como em tal caso se requer,
e levando todo em suas mãaos com ramos de gramateiras e pello apegamento e
cousas asima nomeadas ouverom por tomada a posse das dictas marinhas para
as dictas capella de Sam Sebastiom e Irmida de Santa Maria da Vitória como
no compromisso era contheudo e cetera. E logo aly pello mesmo modo tomarom
a posse d’ hum brejo e doutras àrvores de fruyto que forom já em pomar, e
per mato que ally está per terra e auguas e ramos d’ àrvores, gramateiras
e lama. E requererom a mym dicto notairo que o escrepvesse assy
testemunhas e os sobre dictos todos açima nomeados e eu dicto notairo que
esto escrepvy.
ESCRAVATURA
Desde o início do século XVI que existem referências ao
trabalho escravo no Concelho. Os escravos executavam as tarefas mais
arduas, como fossem os trabalhos agrícolas e nas salinas.
Apesar de não ter encontrado nenhum documento que
declare expressamente que eles eram empregues nestes trabalhos, não
repugna a ideia visto que a sua importância foi crescente, havendo mesmo
duas Confrarias (1) de Nª. Sª. do Rosário dos Homens Pretos,
sedeadas uma na Igreja Matriz de S. Lourenço de Alhos Vedros e outra na
Igreja Paroquial de Nª. Sª. da Graça de Palhais, ambas formadas
exclusivamente por escravos.
_____________________________________
(1) Leal, Ana de Sousa. Pires, Fernando. Alhos Vedros
nas Visitações da Ordem de Santiago. CCAV, 1994
AS MARINHAS NOS SÉCULOS XVII, XVIII E XIX
No século XVII surgem nos Livros dos Tabeliães de Alhos
Vedros, contratos de aforamentos e de vendas de marinhas. Neste século
verifica-se a concentração destas propriedades em instituições Religiosas,
quer por testamentos e por instituição de Capelas ou ainda por aquisição e
compra dos foros.
FORO
A Fábrica da Igreja Matriz, surge-nos como proprietária
de marinhas em 1652 (1), quando o Reverendo Prior Sebastião
Pais de Matos, o Padre António Serqueira e o Padre Valentim Correia
Carneiro, como Procuradores da Igreja Matriz fazem uma inovação do
aforamento de vinte e cinco talhos de marinha, no limite das Roseiras onde
chamam dobrada de S. João, em Dona Juliana Pacheca, mulher de Manuel
Carneiro de Marcozelos. Confronta a Norte com talhos da marinha de Dona
Juliana Pacheca e do Sul com Marinha dos Frades de Nª. Sª. da Graça. O
foreiro ficava obrigado ao pagamento pelo foro de 850 reis anuais, pagos
em dia de natal e em moedas de prata.
VENDA
Os Frades de Nª. Sª. da Graça, são proprietários de
metade da marinha da Fonte e em
________________________________________
(1) Livros dos Tabeliães de Alhos Vedros, Cx 6, Lv. 19
fls. 1, Arq. Dist. Setúbal
1687 (1) compram a restante parte a António
de Matos Cardoso, morador na cidade de Lisboa, pelo preço de trezentos mil
reis, livre e desobrigada de todos os encargos pois lhe ficou de direito e
legítima herança de seu irmão Duarte de Carvalho de Matos.
Outras instituições religiosas surgem como
proprietárias de foros de marinhas, como a Irmandade do Santíssimo
Sacramento do Barreiro (2), proprietária da Marinha Velha da
Verderena.
VALOR RELATIVO
O preço da marinha é comparativamente com outros bens
dos mais elevados. Por exemplo em 1632 (3) um barco utilizado
na carreira da Moita custava cerca de cem mil reis, moradas de casas,
vinhas, terrenos surgem nos livros de Décimas das vilas da Moita e de
Alhos Vedros com preços muito inferiores e que oscilam entre os vinte e os
cem mil reis.
Cerca de dois séculos depois as marinhas mantêm um
valor alto em comparação com os outros bens, como se constata pela
(4) " ratificação da partilha amigável, entre os herdeiros de João
dosa Santos da Costa Sénior, antigo possuidor de um moinho de maré de seis
engenhos, sito na Verderena, avaliado em quatro contos de reis, uma
marinha de sal contígua, pelo lado Norte à caldeira desse moinho, por
1:348$000 réis ".
Era portanto um dos bens de raiz mais valiosos, só
equiparável em valor intrínseco aos moinhos e fornos.
______________________________________
(1) Livro dos Tabeliães de Alhos Vedros, Cx. 8 Lv. 28
fls. 30, Arq. Dist. Setúbal
(2) A.D.S., Notarial Barreiro, XI/74, in "Um Olhar
sobre o Barreiro"
(3) Livro dos Tabeliães de Alhos Vedros, Cx. 4 Lv. 12
fls. 166, Arq. Dist. Setúbal
(4) A.D.S., Notarial Barreiro, X/60, in "Um Olhar sobre
o Barreiro
O Tombo da Vila de Alhos Vedros (1),
realizado já nos princípios do século XVII, esclarece esta questão, pelo
que passamos a transcrever;
Descripção da Villa d’ Alhos Vedros em Ribatejo. 1614.
(
............................................................................................................................
)
E assim pertençe mais à Ordem os foros das marjnhas e
dos moinhos e d’ alguns pinhaes e vinhas e qujntas.
O Cabido e Arcebispo de Lixboa leuão o terço das
dízimas da ditta villa e termo excepto das propriedades forejras à Ordem
porque dessas hé o dizemo todo in solidum da Ordem sem nom emtrar
Arcebispo nem Cabido e por esse respeito não leua o Arcebispo e Cabido
terço algum dos dizemos das marinhas e mojnhos porquanto todas são da
Ordem e lhe fazem foro, que nas marjnhas ho se hé (sic) o dizemo do sal
com obrigação de o porem nas eiras e há sua custa dos possuidores das
marjnhas e a bom nado e assj de lhe fazerem as ejras para o dizemo e
alguas outras fazem foros de galinha e frangãos. E antigamente todas as
marjnhas de Ribatejo pagauão o qujnto à Ordem que o Mestre Dom Jorge
reduzio a dizemo de foro em lugar do qujnto como consta de registos de
aforamentos que estão no cartorjo do Convento de Palmella e ajnda há
alguas na Mouta que pagão o qujnto.
As frejras do Mosteiro de Sanctos da Ordem de Santjago
leuão todos os dizemos do sal das marinhas e dizem que per doacção que tem
do Mestre, a qual se lhes pedio neste tombo e não apresentarão. E está
dado per lembrança ao Procurador da Ordem para aseitar pollos
_______________________________________
(1) Leal, Ana de Sousa, Ob. Cit.
dittos dizemos que trazem, ou que mostrem titulo
valido.
(
...............................................................................................................................
)
A dada das sesmarias pertençe nesta villa e termos à
Ordem e seus offeçiaes conforme a lej das sesmarias e no salgado não se
podem dar de sesmarias sem foro e sem licença do Mestre.
POSTURAS MUNICIPAIS
Também a Câmara Municipal intervém no negócio do sal,
através das posturas que iam determinando sobre o assunto. Logo nos
primeiros livros de Vereações conhecidos surgem as preocupações em fazer
cumprir os regulamentos.
MOIADORES E ALMODADORES
Por isso a Câmara nomeia todos os anos moiadores e
almudadores para as diversas áreas do termo, com esse objectivo, a saber;
Palhais e Telha, Lavradio até à quinta do Diabo, Alhos Vedros, Moita e
Martim Afonso e Sarilhos, ou para as marinhas específicas de uma das
instituições proprietárias.
Logo no início do século algumas informações recolhidas
nos Livros de Vereações sobre esses moiadores, mostram que eles
ultrapassavam com alguma regularidade as suas competências, como aconteceu
com Felipe Barbosa (1), proibido de exercer o cargo por
______________________________________
(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos
Vedros, 18 Jun. 1628, fl. 85
desobediência e usar mal a licença. Isto porque o dito
moiador já havia sido advertido para servir na forma das ordenações da
Câmara e não de outra maneira.
MEDIDAS
Em 1633 (1), os Oficiais da Câmara mandarão
chamar os homens nobres e da governança e mais gente do povo,
informando-os que as leis do reino não permitiam o uso de medidas
acaguladas, resolvendo por isso chamar os moiadores à Câmara com as fangas
por onde mediam o sal. Estes na presença dos Oficiais da Câmara disseram
que davam por um moio vinte fangas com todo o cagulo que podiam levar, por
serem as fangas de três alqueires.
Os Oficiais mandarão então que lhes trouxessem uma
fanga de quatro alqueires e fazendo a estiva por uma e outra verificaram
que tanto levava a que davam por três alqueires de cuagulo como a que
davam por quatro alqueires rasada. Por isso determinaram, que nenhuma
pessoa pudesse vender nem comprar sal pelas fangas de cuagulo, e só fosse
utilizada a fanga de quatro alqueires rasada, e que os moiadores levassem
as fangas antigas à Câmara para se quebrarem.
O não cumprimento desta norma incorria numa multa de
seis mil reis.
PESCA NOS VIVEIROS
Nesse mesmo ano a Câmara de Alhos Vedros proíbe que se
pesque camarões nas marinhas e seus viveiros, sob pena de 2000 reis pagos
na cadeia.
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(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos
Vedros, 10 Dez. 1633, fl 190
Em 1686 (1) os Oficiais da Câmara são
informados que havia queixas do povo, devido aos moiadores não se
deslocaram às marinhas quando os solicitavam, não cumprindo por esse facto
com as suas obrigações. A Câmara decide afastar os moiadores faltosos e em
seu lugar nomear António Pereira e Marcos Pereira.
No mesmo ano (2) apresentou-se ao Senado da
Câmara o Frade Baltazar de Azevedo, residente na quinta dos Frades de Nª.
Sª . da Graça, e como Procurador do Convento dos ditos Frades disse que
consentia que os moiadores eleitos pela Câmara moiassem o sal das marinhas
do Convento, mas só na falta dos seus moiadores e na condição de nunca a
Câmara em tempo nenhum lhes prejudicar a posse.
No Auto de Posse destes moiadores e almudadores a
Câmara ordenava que dessem (3) " bom aviamento às partes, dando
a cada um a sua medida certa, não consentindo que outra pessoa moiasse ".
Não cumprindo com estas determinações o moiador
incorria na pena de seis mil reis pagos na prisão, para além de ser
afastado do cargo. Foi o que aconteceu a Francisco de Matos, morador em
Alhos Vedros, que foi (4) " escuso por não fazer bem seu oficio
e levar mais do que está taxado pela Câmara e não tratar de ter fanga para
medir o sal e fazendo as medidas dele por canastras ", por isso mandarão
que fosse notificado com pena de seis mil reis de pena e não usasse mais
do dito oficio, sendo nomeado para o seu lugar Luís Jorge Cabanelas.
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(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos
Vedros, 14 Abr. 1686, fl. 45
(2) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos
Vedros, 22 Jun. 1686, fl. 62
(3) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos
Vedros, 25 Abr. 1682. fl. 353
(4) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos
Vedros, 1 Jul. 1670, fl. 50
DÉCIMAS
A participação do Município nesta actividade é um pouco
confusa, pois este não tinha qualquer vantagem económica nem mesmo cobrava
a décima como prédio rústico, não sendo por isso referidas nos respectivos
livros (1).
BARCOS
A importância do sal revela-se também nas posturas e
regimentos dos barcos (2), pois estes são lotados ou estivados,
pelo tipo de carga mais usual, ou seja, em pipas de vinho e em moios de
trigo ou sal.
Também (3) os barcos destinados a carregar e
transportar sal para ir vender no interior do país, subindo o Tejo, têm um
estatuto privilegiado pois estão isentos do pagamento de impostos, ao
contrário de todos os outros tipos de barco, que, ou estão sujeitos às
normas de funcionamento da carreira, ou, fretejando sem cumprir tais
normas, sujeitos ao pagamento da coima, no valor de 6000 reis, ficando na
prisão até dar contas dos fretes efectuados sem autorização e prestado
juramento caso pretende-se exercer a sua actividade nos limites do termo
do Concelho.
DOAÇÕES
No século XVIII mantém-se as doações e testamentos a
favor das instituições Religiosas.
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(1) Livros de décimas dos prédios rústicos e urbanos da
Vila da Moita, 1800-1820, Arq. Câmara Municipal da Moita
(2) Vereações da Câmara Municipal de alhos Vedros, 21
Jan. 1671, fl. 58 e ss
(3) Vereações da Câmara Municipal de alhos Vedros, 21
Jan. 1671, fl. 66 e ss
Nas Informações Paroquiais de 1758 (1), o
Padre Cláudio José da Silva Nogueira informa que uma Leonor Duarte deixou
em testamento duas marinhas pequenas para a Santa Casa da Misericórdia de
Alhos Vedros, eventualmente as que vem referidas no seu Livro do Tombo e
mais à frente descritas.
Referindo-se às riquezas da região dá informações
bastante importantes sobre a actividade salineira, pelo que passamos a
transcrever (2); "Os frutos da terra que tem com maior
abundância são os das Marinhas de sal, porque tendo 54 marinhas, fora
algumas perdidas, nas margens do Rio Salgado, na outra parte do Rio que
vai para a Moita e nas margens da parte do Norte do Rio Tejo, costumam
lavrar estas o melhor de sete ou oito mil moios de sal que se extrai para
embarques, para as conquistas, para a cidade do Porto e principalmente
para o porto de Abrantes, aonde se distribui por várias terras do Alentejo
e Beiras ".
De notar o realce dado pelo Padre Cláudio José da Silva
Nogueira ao sector da produção destinado ao comércio interno. Esse teria
sido sempre o seu principal consumidor, ao contrário do sal de Setúbal,
vocacionado essencialmente para a exportação. O sal chegou ao interior do
país, através do Tejo, principal estrada para o interior até ao advento
dos transportes modernos, e o fornecedor não podia deixar de ser o seu
próprio salgado.
Nas mesmas Informações (3) o Vigário da Vila
da Moita, Lucas Ferreira da Silva, não considera a actividade salineira
como um dos " frutos abundantes " no Concelho nem no seu
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(1) Alves, Padre Carlos Póvoa, Ob. cit.
(2) Alves, Padre Carlos Póvoa, Ob. cit.
(3) Alves, Padre Carlos Póvoa, Ob. cit.
termo, o que é estranho visto na época toda a zona
ribeirinha estar ocupada pelo salgado e a sua importância ser de facto
significativa e competir em termos de importância económica com a lenha e
o vinho, considerados pelo Vigário como os mais abundantes. O próprio
Lacerda Lobo pela mesma época engloba a Moita entre as localidades com
mais marinhas a sul do Tejo.
DIFERENDOS
A tentativa de explorar todos os espaços possíveis com
a indústria salineira, provocou diferendos entre os fazendeiros, como em
1790 (1); " Petição de Manuel Morgado Ribeiro, Romão Nunes,
Manuel Jorge Gama, Eusébio Estanislau da Silva Couto e outros mais
fazendeiros, que têm e fazem fazendas, no termo do Lavradio e do Barreiro,
que eles estavam na posse mança e pacífica, por si e seus antepassados, de
se servirem eles, seus criados e trabalhadores, há tempo imemorável,
assim de pé, como de cavalo, e com carros do caminho que vai dos Moinhos
da Verderena para a Feitoria, aonde algum dia foi Ribeira das Naus, e
Moinho do Duque ao prolongamento da praia que fica de uma parte, e da
outra, a vinha de Malmeajudas, Quinta dos Arcos, das Canas e do Wanzeller,
e como Lourenço Leal Ferreira, neste presente ano de 1790, lhe tirou o
dito caminho com uma marinha que anda fazendo junto à Quinta dos Arcos,
com cujo facto lhe cometeu forço e esbulho, e porque querem ser
restituídos à sua antiga posse com todas as perdas e danos ( ... ) ".
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(1) A.N.T.T., Desembargo do Paço, Mç. 131, Doc. 18, in
"Um Olhar sobre o Barreiro"
ACESSOS
Nos contratos de vendas de propriedades junto ao
salgado, são normalmente salvaguardados os caminhos e acessos aos viveiros
e marinhas como se verifica na venda que D. Maria Floriana Wanzeller
(1) fez a João dos Santos da Costa Júnior, de um prédio rústico, que
" confrontava pelo Norte com a praia e o rio Tejo, Sul com o muro da
marinha, Nascente com rego que dá servidão à marinha de João Maria de
Abreu, Poente com propriedade da vendedora. O terreno tinha um quadrado de
27 varas (2), de maneira a ficar livre um muro entre o terreno
adquirido e o viveiro da marinha de sal da vendedora com 9 varas de largo
e pelo nascente um outro de 7,5 varas ".
MULTAS
A conservação e reparo dos muros e acessos das marinhas
era uma actividade que necessitava uma constante vigilância. Nesse sentido
a própria Câmara impunha coimas a quem destrui-se ou prejudica-se esses
acessos. Uma das coimas regularmente registadas (3) é aplicada
aos guardadores de gado, sobretudo os guardadores de bois, por deixarem
fugir os animais para os muros das marinhas, quer provocassem ou não a sua
destruição, cujo montante pecuniário era de 1000 reis, sendo um terço para
o acusador, outro para a Câmara e o restante para o Erário Régio.
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(1) A.D.S., Notarial do Barreiro, VIII / 51, in "Um Olhar
sobre o Barreiro"
(2) Vara = 1,10 m
(3) Livros de Coimas dos particulares da Câmara
Municipal da Moita, 1790-1810
Sabemos por notícias avulsas que outras marinhas
funcionavam normalmente nestes séculos, como a Bombaça, a do Esteiro
Furado, assim como a Nova e a Velha no Rosarinho, propriedade de José
Manuel Castelo Branco (1).
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(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal da Moita, 1
Dez 1747, fl. 122 v
MARINHAS NO SÉCULO XX.
Em 1936 Charles Lepirre (1) contou na Margem
esquerda do Tejo, 194 marinhas, enquanto Maia Alcaforado (2)
havia contado 207 em 1790.Acrescenta que trabalhavam nas salinas da Moita
e Rosário 200 pessoas e 150 no Barreiro para 23 e 61 marinhas
respectivamente. Nesse ano o preço do sal foi de 20$00 a tonelada.
Em 1935 (3) o Sr., Dias de Sousa, Presidente
da Secção Salineira da Associação Industrial Portuguesa, considera que a
situação da Indústria Salineira na margem esquerda do rio Tejo não é
brilhante, apontando para isso as seguintes causas; 1º . intensificação da
cultura do sal em outros países, 2º. uma má orientação dos exportadores (
também produtores ), quanto ao fabrico e qualidade do sal exportado.
Defeitos que podem desaparecer com a fusão das casas exportados, 3ª. a
desorganização patronal perante a organização dos trabalhadores, ( os
trabalhadores só estavam organizados sindicalmente na região do Tejo ).
Assim o Sr. Dias de Sousa refere que a fusão da Casa
Ventura com a firma R. L. Gonçalves e a Sociedade Agrícola Salineira Lda.,
( S.A.E.S. ), que era já uma fusão das casas Viúva Gonçalves e Quintela.
Seria uma medida necessária para melhor defender interesses dos produtos
portugueses no mercado internacional. Alerta para o facto de um corte de
relações comerciais com a França ser prejudicial para a salicultura, pois
este país é o nosso principal
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(1) Charles Lepierre, "Inquérito à Indústria do Sal em
Portugal", Ed. Univ. Téc. Lx.,Lisboa 1936
(2) Alcoforado, M. da Maia, "A Indústria do Sal", in
Museu Tecnológico, Ago. 1977
(3) Sousa, Dias de "A Cultura e comércio do Sal", in
Indústria Portuguesa, nº 87, Mai. 1935
importador, enquanto a Espanha é o principal
competidor. Em 1934 esse corte de relações reteve em Portugal 50.000 kg de
sal . Propõe que os países que fornecem bacalhau a Portugal sejam
obrigados a consumir o nosso sal, tal como já fora feito em 1511 para o
salgado de Setúbal.
Defende ainda que a diversidade dos preços do sal se
deve à desigualdade de salários nos diversos salgados, devido à
organização dos trabalhadores. No Tejo, o produtor paga quase o triplo do
salário dos produtores algarvios, o que provoca a concorrência entre eles.
Assim propõe para esta Indústria uma organização corporativa, que permite
acompanhar os preços médios dos países concorrentes, pois o sal dirige-se
sobretudo para exportação. Acrescenta ainda que essa diversidade de preços
se deve aos diversos sistemas de produção e exploração e bem assim à
variedade de trabalhos para a colheita o que obviamente provoca diversos
níveis de produtividade e rendimento.
Já em 1920 (1), B. Amzalak atribuía a
decadência da salicultura a processos antiquados e à concorrência. Estas
preocupações haviam já no tempo de Felipe II e a opção proposta vem na
linha das medidas Filipinas para o salgado de Setúbal.
O Eng.; José Duarte Ferreira, em 1934 (2),
reconhecia que os portugueses não aplicavam os princípios elementares de
física em que assentam os processos de salinização, muitas vezes mesmo em
desacordo com os princípios técnicos. Propunha a vulgarização dos
processos científicos e o ensino das modificações introduzidas, pois os
processos de salinagem utilizados são os mesmos que Lacerda Lobo,
descreveu nos fins do século XVIII.
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(1) Amzalak, Moses Bensabut, "A Salicultura em
Portugal", Bol. Assoc. C. Agric. Portuguesa (Out. 1920)
(2) In Sousa, Dias, Ob. Cit.
Nesse sentido opina o Eng.; José Duarte Ferreira que a
capacidade de produção do país é maior do que a sua produção efectiva.
Todavia se Portugal produzisse no limite das suas capacidades a crise
seria enorme.
A este respeito diz Charles Lepierre (1),
que não basta haver produção, é necessário que haja mercados que a possam
consumir e como o mercado estrangeiro não pode absorver mais sal português
a situação só é ultrapassável com novos tratados de comércio que permitam o
aumento da exportação.
Apontava ainda o referido Engenheiro, como causas da má
situação da Indústria salineira, a exiguidade de capital circulante e
dificuldades de crédito, o mau estado dos esteiros de acessos às marinhas,
o apetrechamento imperfeito dos portos de exportação e os transportes
demorados e incertos em barcos à vela.
Refere Charles Lepierre que o custo do transporte das
marinhas de Alcochete aos barcos surtos no Tejo custa tanto como o próprio
sal nas marinhas, mas que para substituir este transporte por outros mais
rentáveis é necessário dinheiro que os produtores não dispõem.
Neste sentido propõe o Eng.; José Duarte Ferreira, para ultrapassar as
dificuldades a formação de Grémios entre produtores da mesma região, para
entre outras medidas tratarem dos transportes do sal em comum. Mas
considera que os Grémios e Sindicatos são insuficientes face à crise, por
isso preconiza a organização forçada, semelhante ao acontecido com a
Indústria conserveira. As teses do Eng.; José Duarte Ferreira permitem uma
excelente abordagem ao estudo da salicultura nas primeiras décadas do
nosso século.
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(1) Ob. cit.
Na década de cinquenta deste século, houve tentativas
para melhorar a qualidade do sal produzido no salgado de Alhos Vedros,
chegando a funcionar a fábrica GENISAL, no limite das actuais vilas do
Lavradio e da Baixa da Banheira, a laborar exclusivamente com o sal desta
margem.
Apesar das dificuldades detectadas neste século, os
produtores tentaram não só manter as salinas em laboração, como fizeram
várias tentativas para alargar o salgado para o interior, mas depararam
sempre com o problema das infiltrações de água-doce que inviabilizava os
projectos.
Na década de cinquenta haviam dez marinhas em
funcionamento no Lavradio, entre as marinhas da CUF e a Barra-a-Barra, a
saber (1); Branquinha, Coitadinha ou Boi, Comprida, Fonte de
Cima, Lóios, Misericórdia, Nova, Pomarinho, Porto do Barro e Poseta.
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(1) Luzia, Ângela "Lavradio e as suas Gentes", Ed.
Junta de Freguesia do Lavradio, 1994
DECADÊNCIA DA EXPLORAÇÃO SALINEIRA
A decadência da exploração do sal na zona ribeirinha
da Margem esquerda do Tejo, deve-se fundamentalmente às causas atrás
apontadas pelo Eng.; José Duarte Ferreira, pelo Sr.; Dias de Sousa e por
Charles Lepierre, algumas já detectadas pelos autores mais antigos, mas
outros factores vieram acelerar o processo e de que os produtores hoje se
queixam.
O principal e que fez com que os importadores
estrangeiros deixassem de se interessar pelo produto oriundo do Tejo, é a
poluição. O sal aqui produzido contém impurezas de origem química, como o
mercúrio, provenientes das descargas de resíduos fabris, e bastante
nocivas à saúde.
Outras de carácter geral foram também influentes. A
utilização do frio na conservação de alimentos (1), descoberta
e exploração de sal gema (2) em melhores condições de
rentabilidade e mesmo pela sua destruição visando a reutilização da área
em espaços muito mais valorizados seja para a indústria seja para
habitação, como aconteceu com a propriedade de D. Maria Joaquina da Costa
(3), " localizada na praia do Lavradio, Freguesia de Santa
Margarida, que confrontava do Norte com a praia, Sul com a marinha O
Alqueivanço, Nascente com caminho para a praia e do Poente com vala que
vai para a marinha de sal de Abreu Moreira, vendeu à Companhia União
Fabril essa porção de terreno na praia, denominado o Moinho pelo preço de
75$000 reis ".
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(1) Romano, Prof. Luís, "Aspectos do Sal na História e
na Antropologia", Vol LXVIII,
Separata da Rev. "Ocidente", 1965
(2) Zbyszewski, Jeorges. Faria, J. Barreto, " Estudos
Notas e Trabalhos" do Serviço de Fomento Mineiro - Porto - 1971
(3) A.D.S., Notarial do Seixal, XV/127, in " Um Olhar
sobre o Barreiro"
Outra das causas para a destruição das salinas é a sua
própria fragilidade estrutural. Ao longo dos séculos por diversas vezes
são referidas marinhas perdidas, abandonadas ou quase sapais, devido a não
serem tratadas e cultivadas. Bastam alguns anos sem serem cuidadas para
que uma marinha quase desapareça, pelo que os cuidados após cada Inverno
são indispensáveis para a sua regular e correcta manutenção.
Nesta ponta do actual Concelho do Barreiro, hoje
totalmente ocupada com instalações fabris e zonas residenciais, estavam
referenciadas no início do século, diferentes proprietários de marinhas o
que mostra uma ocupação quase ininterrupta em toda a região ribeirinha com
salinas, e que é confirmado pela cartografia da época (1).
Actualmente as poucas marinhas ainda em laboração
produzem apenas para o comércio local e regional. As outras, ou já foram
entulhadas e envolvidas no processo de industrialização ou estão em ruína
esperando pelos entulhos e máquinas escavadoras.
Todavia até à poucos anos os produtores de sal
permitiam que os transeuntes retirassem pequenas quantidades de sal das
eiras, sendo para consumo próprio, porém eram bastante agressivos com os
pescadores furtivos dentro dos limites das suas marinhas e viveiros, sendo
esta prática reprimida com violência pelas autoridades. Segundo
testemunhos ainda vivos, quem era apanhado em tais furtos, levava uma sova
no posto da GNR local que não voltava a ter tais " tentações ".
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(1) Mapa 6