O uso de paus e varas
O uso de paus e varas na vida diária das comunidades
humanas é óbvio, desde as comunidades mais primitivas às contemporâneas,
e, em quase todas as situações de carácter social.
No nosso país, a utilização humana de varas e paus,
porque salta à vista em praticamente todas as actividades, não carece de
prova. Desde os tempos mais remotos, até aos nossos dias, os paus e varas
continuam presentes na vida diária das pessoas.
Enquanto arma, é também referenciado desde épocas
primitivas. Ao longo dos séculos, por todas as civilizações, a sua
presença é constante e determinante, nas guerras, motins, revoltas,
arruaças várias. No caso concreto de Portugal, foram decisivos em alturas
críticas da nossa história.
Já em épocas medievais se pratica a modalidade em
Portugal, sobretudo entre os nobres que se preparavam para a guerra, com
armas cujo manejo se assemelhava ao uso do pau, e também o contrário, mas,
provam os factos, também em todas as outras classes sociais. E até aos
nossos dias o seu uso foi generalizado e continua a ser.
O Jogo do Pau Português
O Jogo do Pau, como o praticamos e entendemos hoje em
Portugal remonta ao início do século XIX. Desde então é possível seguir
uma trajectória de desenvolvimento da modalidade. Em meados do século XIX,
há um método de ensino sistematizado, numa técnica concreta, fruto
obviamente de toda uma experiência acumulada.
Nos finais do século XIX a prática da modalidade estava
generalizada pelo país. Dezenas de escolas e mestres estão referenciadas,
todas com o seu estilo próprio, num tronco comum.
A última geração por motivos próprios, perdeu essa
vitalidade, e no fim deste século existem menos escolas e menos mestres em
actividade que no seu princípio.
Raízes do Jogo do Pau
Muitos autores apontam o Norte de Portugal, por razões
culturais e etnográficas, (entre outras), como o berço do Jogo do Pau
Português, enquanto outros, entendem que o Jogo do Pau, na sua vertente
desportiva, foi desenvolvido e estudado nos meios urbanos, em especial
Lisboa e Porto, por bons ginastas, especialmente conhecedores de outras
modalidades que poderiam trazer um acréscimo de qualidade como a esgrima.
Ao certo é que está generalizado desde finais do século
XIX em todo o país e em todas as camadas sociais.
Desde essa época, pelo menos, por toda a região
caramela se joga e se treina com método, se contacta e se combina
encontros com outras Escolas, no sentido de trocar experiências, estudar e
resolver os aspectos técnicos e éticos que são próprios da modalidade.
O Jogo do Sul
No início do século XX muitos jogadores e mestres de
Lisboa e de outras regiões do país frequentavam regularmente a margem sul
do Tejo. Outros, porque viviam exclusivamente do ensino do Jogo do Pau,
por aqui paravam, esperando ser contratados e arranjar alunos. Muitos dos
habitantes locais, eram naturais de outras regiões do país, trazendo as
suas técnicas e tradições. Esta amálgama de contactos e de troca de
experiências, fez nascer um novo estilo de jogo, com o seu próprio método
de ensino, com princípio, meio e fim, aquilo que se pode definir como uma
escola de Jogo do Pau, absolutamente original, e, em rigor, do mais puro
jogo do pau português, assumindo-se como os rivais de Lisboetas e
Nortenhos, ou outros, e com respeito, termos a pretensão, (nem que seja só
isso), de sermos melhores.
Poderemos, com efeito, falar de uma Escola do Sul, da
Borda d’ Água, do Ribatejo, caramela, e outras. Em minha opinião podemos e
devemos. E nessa ordem de ideias, com rigor será caramela, no sentido que
neste contexto atribuímos a esse termo.
De todas as Escolas que rivalizaram na nossa região,
duas se distinguem em termos técnicos, que alguns dos seus discípulos
tentam manter. Devido a percursos e aprendizagens diferentes essas Escolas
são simbolizadas nos seus principais mestres: António Moleiro e Domingos
Margarido. Ambos caramelos, um de Pinhal Novo e o outro de Valdera. Foi em
torno destes dois símbolos do Jogo do Pau Português que aprendem dezenas
de jovens, do Penteado a Águas de Moura, de Palmela a Pegões. Os
discípulos destes mestres formaram novos núcleos em praticamente todas as
localidades da região.
O trabalho destes primeiros mestres, que estão
referenciados documentalmente, de recolher e estudar todas as técnicas e
estilos conhecidos, contactando regularmente com outras escolas e outros
jogadores, permitiu que tudo pudesse ser sistematizado por duas figuras
ímpares do Jogo do Pau Português, os Mestres José Ribeiro Chula e Silvino
Melro. Em torno destas escolas assenta todo o saber do Jogo do Pau,
Caramelo, do Sul, da Borda d’ Água, ou outra. Após a morte destes Mestres
o Jogo do Pau na nossa região entrou em declínio.
Como jogamos
O Jogo do Pau que se pratica na Escola de Jogo do Pau
de Alhos Vedros é o mais puro Jogo do Pau Português. Todo o método de
ensino e de jogo é o que aprendi com o Mestre José Ribeiro Chula, tanto
nos aspectos técnicos e competitivos como nos éticos e desportivos. O
método com que o Mestre me ensinou é rigorosamente o mesmo que aplico com
os meus alunos, nada alterei ou modifiquei. Mas aceito todas as sugestões
dos meus alunos desde que sensatas e bem intencionadas.
Cada demonstração técnica de Jogo do Pau, feita por
esta Escola, é reviver uma época, com garantia de qualidade e verdade no
jogo aplicado e na tradição a que se refere.
Pessoalmente tive oportunidade de conhecer e ter lições
de quase todos os Mestres antigos que jogaram na nossa região, conheço e
exemplifico as "entradas" e "cortesias" de todas elas, assim como algumas
das virtudes desses estilos, mas, com o devido respeito e amizade,
continuo a pensar que a minha escola, ou, aquela que mestre José Ribeiro
Chula sintetizou, é a mais evoluída e competitiva de todas elas. Por isso,
queremos manter o espírito legado pelos nossos Mestres, de continuar a
aprender, vendo e jogando com todos os jogadores de todas as Escolas,
procurando neles o que de melhor tiverem e se possível enriquecendo a
nossa técnica, em ambientes de convívio e de amizade.
Actas da 2ª eira folclórica da região caramela. Fevereiro
2000.
Lagameças.