Em 1728 autoriza a câmara a aumentar os fretes
particulares de 12 para 16 tostõe, não só devido à carestia da manutenção
dos barcos, mas também porque 12 tostões divididos por todos os
companheiros era muito pouco.
No final do século XVIII é estipulado que, se
acontecendo o caso extraordinário de uma bateira seguir atrás do barco da
carreira em vez do precalço, não poderia cobrar mais de 50 reis por pessoa
e 20 reis por costal de quatro arrobas. Os arrais das bateiras e faluas
exigiam nessa época 50 reis aos moradores da Moita para os transportarem
para Lisboa ou para os trazerem de volta, o que a câmara proibiu
expressamente sob pena de 3000 reis e de 30 dias de prisão a quem se
recusasse a transportar os moradores e a exigir-lhes dinheiro pelo
transporte.
O acesso ao cais era difícil quando se verificavam
atrasos na carreira, porque os barcos não conseguiam acostar por falta de
água. As pessoas eram então transportadas em pequenos barcos, designados
como saveiros, que eram puxados manualmente. Se fosse possível trazer o
saveiro ao cais mesmo com pouca água o barqueiro cobraria 10 reis por
pessoa, mas se tivesse de ser puxado pela lama cobraria 20 reis. Se o
barco da carreira ficasse na cal, ou seja, frente às morraceiras, poderia
cobrar 30 reis, em virtude de ser uma considerável distância.
Um acordão de 1805 estipula novo preço para a passagem,
depois das quexas dos donos dos barcos devido à carestia, inclusivé nas
reparações, pelo que propunham que os passageiros pagassem 80 reis que
significava mais 30 reis, (não houve aumentos em 130 anos), o costal a 40
reis e a cavalgadura a 240 reis. Determinava ainda que o precalço fizesse
viagem se tivesse um mínimo de 1200 reis de frete, mas que o
contra-precalço tinha de a fazer com qualquer número de passageiros. Logo,
em 1807, o preço da passagem sobe para 120 reis, acrescentando o acordão
que se deve cumprir com a roda.
Obrigações
O barco da carreira ficava então obrigado a ir todos os
dias a Lisboa, e caso não fosse, e estando no cais ou no porto, ou não
sendo a sua maré, não poderia impedir outros barcos em que os passageiros
quisessem ir com o seu fato e não lhes pagariam nada, excepto os
almocreves porque sempre pertenceram à carreira.
O barco da carreira ficava ainda obrigado a dirigir-se
ao porto da ribeira. Se por conveniência o barco da carreira quisesse
levar o frete para outro porto, deveria apresentar uma declaração do
contra percalço em que este se comprometia a garantir a realização da
carreira.
Nenhum porto e respectivo percalço podia retirar-se do
cais estando na sua maré, sem motivo justificado eprecedido de vistoria.
Acessórios
Ficavam também obrigados a trazer sempre na embarcação,
como acessórios, três remos, um martelo de ferro, pregos, verruma, estopa,
umquarto ou barril com capacidade de um almude cheio de água doce e os
regimentos que tiravam todos os anos em Janeiro. Estando o barco da
carreira na sua maré, nenhum outro barco, pequeno ou grande, levaria cousa
alguma, salvo se lhe pagassem o frete.
Novos preços e normas
Um acordão de 1805 estipula novo preço para a passagem,
depois das quexas dos donos dos barcos devido à carestia, inclusivé nas
reparações, pelo que propunham que os passageiros pagassem 80 reis que
significava mais 30 reis, (não houve aumentos em 130 anos), o costal a 40
reis e a cavalgadura a 240 reis. Determinava ainda que o precalço fizesse
viagem se tivesse um mínimo de 1200 reis de frete, mas que o
contra-precalço tinha de a fazer com qualquer número de passageiros.
Logo, em 1807, o preço da passagem sobe para 120 reis,
acrescentando o acordão que se deve cumprir com a roda.
Daí em diante toma carreira ou frete aquele que
primeiro chegar ao cais, não havendo barco da maré anterior.
Nenhuma falua podia demorar a carreira tendo vinte
passageiros ou um frete de 1400 reis, e neste caso não podia o arrais
meter pessoas ou cargas sem consentimento do fretador.
Os rapazes dos barcos de carreira, precalço e contra
precalço, acordarão logo no início do século XVIII em se tornar parceiros
nos ganhos auferidos na respectiva semana de carreira, dividindo-os
igualmente entre si, inclusive durante os períodos de realização das
feiras de Setúbal e Palmela.
Tripulação
No princípio do século XIX foi ainda estabelecido que
atripulação fosse constituída no mínimo por três homens práticos e
inteligentes e um rapaz, sob pena de perder a roda e 200 reis de coima.
Poderiam recusar os fretes que não quisessem transportar, mas em
contraparttida perdiam o lugar nessa roda.
Os companheiros eram obrigados a trabalhar no mesmo
barco enquanto durasse as obrigações da carreira e nas três semanas
seguintes, tendo o barco que fazer. Na mesma forma os arrais e donos dos
barcos não podiam dispensá-los nesse período sob pena de 6000 reis de
coima.
Os arrais também não podem faltar na embarcação
mandando apenas a tripulação sob pena de 3000 reis. Eram ainda obrigados a
possuir uma carta que os habilitasse a exercer a profissão e a terem
sempre consigo a relação completa dos homens que constituem a tripulação.
Os companheiros que não comparecessem nas embarcações
nas suas marés e a horas competentes eram penalizados com 2000 reis de
coima.
As desordens entre arrais eram frequentes o que
provocava constantes requerimentos da parte destes para que a câmara
interviesse. A câmara determina então que fosse o Juiz de Fora a resolver
as questões que carecessem de resolução imediata, ouvindo o Juiz do
respectivo ofício. Sujeitava ainda os arrais a cumprirem todas as
determinações do Juiz do ofício, sob pena de 500 reis de coima e três dias
de prisão, se reincidisse seria expulso sem possibilidade de readmissão.
Em face das novas obrigações dos arrais impõe a câmara que os
proprietários fossem fiadores dos arrais que empregassem nos seus barcos.
Roda
O funcionamento da roda era obrigatório, porque alguns
barcos quando estavam no fim da mesma, faziam fretes extras ou aproveitam
para transportar produtos próprios, o que foi expressamente proibido.
Mesmo que fossem géneros pertencentes ao dono do barco, comprados com o
seu dinheiro, os quais só poderia carregar quando chegasse a sua vez na
roda.
Também as trocas e permutas eram proibidas, seguindo a
roda sempre pela ordem estabelecida. Pela mesma forma os arrais a quem
competia a carreira terão de a fazer com o barco que lhe está atribuído,
não podendo sob qualquer pretexto utilizar outro. A troca de barcos por
bateiras era também proibida por ser contrária ao contrato estabelecido
entre os donos dos barcos e os moradores e mercadores de Setúbal.
Caso o arrais se recusasse a fazer a viagem alegando
mau tempo, ou for impedido por insegurança da embarcação realiza a
carreira o que se seguir na roda.
Se o arrais quisesse ser dispensado de fazer carreira,
podia pedir autorização, mas esta só lhe seria concedida se o arrais
afrontasse todos os outros barcos, por ordem, até arranjar quem a fizesse
no seu lugar. Se quisesse repetir a dispensa várias vezes, também podia
fazê-lo seguindo o mesmo critério, mas o barco substituto não o podia
fazer duas vezes seguidas. Não arranjando substituto conforme estabelecido
teria de fazer a viagem.
Em 1732 uma decisão camarária autoriza Estêvão Aires
Veloso a usar as embarcações que quisesse nas viagens entre Lisboa e a
Moita, o que foi caso único e eventualmente por motivos específicos que o
auto não esclarece.
Aumentando o movimento no cais, as normas podiam ser
alteradas, mas só com autorização do Juiz de Fora, para não haver
complicações desnecessárias. Em 1828 a Câmara anula uma decisão de 1826
que permitia aos arrais mudarem de maré, determinando que tal só era
possível se não tivessem maré até à meia noite, e o barco da carreira só
podia recusar-se em caso de temporal. Por várias vezes a Câmara teve que
intervir para solucionar desentendimentos que davam origem a violências,
facto pelo qual a importância do cargo de Juiz do Ofício dos Homens do
Mar aumenta em função da própria estrutura populacional do lugar.
A roda tinha sempre que funcionar, porque alguns barcos
quando estavam no fim da mesma faziam fretes extras ou aproveitam para
transportar produtos próprios, o que foi expressamente proibido, mesmo que
fossem géneros pertencentes ao dono do barco, comprados com o seu
dinheiro, os quais só poderia carregar quando chegasse a sua vez na roda.
Importância da carreira noutras actividades
Ermida de Nª Sª da Boa Viagem
A importância da carreira revela-se em diversos
documentos, como no pedido dos moradores para construir a ermida de Nª Sª
da Boa Viagem. Argumentam os moradores que a Moita é lugar de passagem de
muita gente, tanto do Alentejo como de Castela, e por não terem onde dizer
nem ouvir missa, os passageiros preferem viajar por outras localidades em
seu detrimento.
A súplica dos moradores é assinada por 33 pessoas, das
quais pelo menos 20 tem interesses marítimos, que se responsabilizam por
si e seus herdeiros a construir a ermida e a comprar os ornamentos
necessários, de modo que se diga missa com decência, a custear as
necessidades do pároco e ainda a reconstruí-la caso se arruinasse pelo
tempo ou por alguma catástrofe. Ficava a ermida sujeita à matriz de Alhos
Vedros, sendo a primeira missa rezada pelo prior desta vila, e a prestar
contasaos visitadores da Ordem de Santiago.
Fuga de prisioneiros
Mesmo em casos insólitos o barco tem papel de relevo,
como aconteceu no início do século XIX quando um grupo de prisioneiros
provenientes de Vila Franca de Xira atacou o juiz e os guardas que os
escoltavam, lançando-os ao mar e fugindo depois por estas bandas, o que
originou uma perseguição das autoridades e populares, acabando quatro
deles por serem capturados e posteriormente enforcados em Alhos Vedros.
Condução de prisioneiros
Alguns anos depois, Catarina Gomes, por ser mulher de
mau procedimento e vadia, determinou a câmara que o alcaide a levasse na
barca para Lisboa, com pena de um ano de degredo e nunca mais, nem sua
filha, pela vergonha de suas pessoas.
Era também de barco que os prisioneiros vindos do sul
chegavam a Lisboa. Estes eram conduzidos à custa e sob responsabilidade
dos concelhos por onde passavam, pelo que os concelhos ribeirinhos da
martagem sul tinham de requisitar os barcos necessários para cumprimento
dessa obrigação.
Estalagem do Rosário
Outro caso foi a estalagem e carreira que José Gomes
Claro abriu no Rosário no princípio do século XIX, onde era dono de quase
todo o lugar e em cuja construção utilizou toda a pedra que encontrou, não
lhe escapando um carro de pedra dado pelos devotos de Nª Sª do Rosário que
se encontrava no arraial onde se corriam touros, bem como a pedra do
cruzeiro do dito arraial que desmanchou fazendo outro em barro. Além
destas razões a câmara opôs-se, em virtude de haver embarque público na
vila da Moita, que ficava a meia légua e onde era possível haver controlo
( uma das actividades do Claro era o contrabando ), e ainda porque era na
vila que os habitantes estavam estabelecidos com o necessário para
acomodar os passageiros, não esquecendo o facto da corporação marítima ter
construído o cais à sua custa, que orçara em 12 000 cruzados.
Requisições
Os barcos podem ainda ser requisitados para trabalhos
de interesse da coroa como em 1818 em que uma Provisão Régia determinava
que os donos dos pinhais fizessem aceiros e talhadas para se evitarem
incêndios, e que simultaneamente os barqueiros dessem duas viagens de
carga de mato para abastecer Lisboa.
O barco é ainda requisitado para transportes militares,
de prisioneiros e dos próprios moradores, pelo privilégio da corporação.
Jogo a bordo
Até grupos de batoteiros alugavam barcos para assim
poderem jogar sem o risco de serem supreendidos. Em 1822, uma Sociedade
Patriótica dá conhecimento ao Rei que nos botes de Belém, Moita e Aldeia
Galega, os rendeiros combinados com jogadores de cartas, faziam um
manifesto roubo aos passageiros.
Condução de doentes
No barco da carreira seguiam também os doentes e
feridos para os hospitais da capital, acontecendo por vezes morrerem
durante a viagem, como aconteceu a Bento Preto quando era transportado
para o Hospital Real de S. José.
Conclusão
O barco trás as novidades, os almocreves, os
caminheiros, os correios, os decretos e ordens reais. A fácil ligação com
Lisboa foi a maior riqueza dos moitenses, como testemunha o viajante sueco
Carl Ruders, que saíu de Lisboa às seis horas e às oito já estava na
Moita. Mesmo o médico da Vila só aceita o cargo por ter na Moita pessoas
da sua familiaridade e ficar perto da Corte, onde tem a família.
Transporte de Géneros
Lenhas
Os produtos locais tinham como destino a Capital. Tudo
passava pelo cais: lenhas e tojos, necessários para a terra e para a
cidade de Lisboa, mas para os transportar era necessário um alvaráda
Câmara, e dar conta ao mateiro carregando ao forcado, que a contava em voz
alta, e aos Domingos dar conta aos donos do que carregaram. O seu
transporte tinha de seguir a ordem na roda, pelo que a carga das faluas e
de outros barcos pequenos deviam ser desmanchadas caso não cumprissem.
Em épocas de carência esta norma podia ser alterada
como em 1798, em que a câmara considerando que eram de extrema necessidade
os matos e as lenhas para a cidade e caiarias de Lisboa e também para as
tropas de Sua Magestade, permite que as bateiras que costumavam fretejar
no cais possam seguir de percalço atrás da carreira se transportassem
aquele género.
Também a madeira grossa se destinava à capital sendo
costume os mateiros enterrá-la na praia para a proteger, ficando obrigado
a tapar as covas depois de a retirar, sob pena de serem tapadas à custa
dos donos e multados em 10 tostões.
Cereais
Farinhas e trigos, transportados para Lisboa em
qualquer tipo de embarcações era alvo de proibição, sem licença da Câmara
e sempre os moradores se aviavam primeiro, medida que visava impedir os
atravessamentos. Mas esta forma de abastecer a vila era sazonal e
irregular pelo que era necessário a importação via marítima, levando a
câmara a regular e taxar este produto diferenciando-os como da terra e do
mar.
Os padeiros não eram dispensados de cozer, inclusivé
aos Domingos e dias santos, antes das dez horas nem depois da missa
conventual (o que era contrário à mentalidade religiosa e aos padrões
morais da época), para não prejudicar o povo que necessitava aproveitar as
águas que eram curtas, e porque nesses dias havia frequente passagem de
tropas.
Vinho
O vinho era proíbido comprar e transportar de outras
localidades sem que os lavradores da terra vendessem toda a sua produção,
sob pena do mesmo ser derramado na via pública e 6000 reis de multa. Esta
é uma das infrações mais regularmente registada nos livros de coimas.
Tanto em pipas como em odres a tentação de trazer vinho de fora era
grande, visto a produção local ser de péssima qualidadee não chegar para
fornecer a Vila todo o ano, como demonstram os Livros de Rendas Públicas,
onde se verifica que praticamente todos os anos são adquiridos vinhos de
fora, sobretudo de armazéns de Lisboa e Palmela e em segundo lugar de
importância dos concelhos vizinhos.
Actividades dependentes da carreira
Dependente do barco e da maré estão o carregador, o
carreteiro, a estalagem, a taberna, o boticário, o almotacé, o cobrador, o
rendeiro, as obras na igreja e outras várias que se iam efectuando, e que
constituiram uma estrutura preparada para receber passageiros e cargas
relativamente volumosas.
Fragateiros e carregadores
Com a implementação da carreira tornou-se necessário
defenir competências e obrigações inerentes a cada função. Devido aos
desacatos é determinado que os fragateiros não pudessem ser carregadores,
nem vice-versa, pelos inconvenientes nos passageiros, podendo o arrais
lançar toda a carga ao rio. O preço da viagem mantém-se, pagando o arrais
ao fragateiro e ficando por conta do passageiro o pagamento ao carregador.
Posteriormente os carregadores que trabalham no cais
são designados pela Câmara e passam a necessitar de uma licença para
poderem carregar o que originou uma corporação própria. São solicitados em
diversas ocasiões, sobretudo com os trabalhos nos muros das caldeiras, na
cal, no porto e no cais. Este grupo fundamental durante séculos para a
vida local desaparece quase instantaneamente no final do século XIX, com a
instalação no cais de um guincho, apesar das manisfestações mais ou menos
vilentas e das sabotagens contra o maquinismo.
No início do século XIX são estabelecidos no cais dois
candieiros à semelhança dos de Lisboa e guaritas para servir de abrigo aos
soldados que controlavam os passageiros que embarcavam para Lisboa, na
intenção de evitar que a peste contaminasse a capital. A manutenção e a
garantia da sua funcionalidade acabam por ficar a cargo dos carregadores,
levando estes mais 30 reis por costal que levarem do barco para o cais ou
deste para a estalagem. Os carregadores queixam-se sempre destes encargos
só com muita dificuldade se poderem pagar.
Carreteiros
Logo no início do século XVII os carreteiros aparecem a
exigir carreiras ordenadas no transporte de pipas de Palmela para as
muitas barcas que havia no lugar da Moita, porque uns levavam tudo e
outros nada. A acessibilidade a Lisboa era um privilégio geográfico, mas
era também a sua limitação por estar sujeita às marés e as grandes vias
serem desviadas para os concelhos vizinhos onde o embarque era sempre
possível. Daí a especificidade da sua actividade, ou seja, também eles
dependentes da maré alta ou baixa, de haver pouco ou muito vento, bom ou
mau tempo. A sua finalidade era o serviço dos passageiros e dos moradores
tanto no transporte de suas pessoas, como dos seus bens e produtos. Nas
ocasiões em que os barcos estavam impedidos de navegar tambem eles paravam
como carreto que deixa de ter outro motriz.
A actividade dos carreteiros está imtimamente ligada á
conservação das estradas e calçadas para garantir a fácil e rápida
acessibilidade às vilas vizinhas sobretudo a estrada para Palmela. Para
isso pagam as carretas que entram no cais 100 reis para as obras de
conservação das calçadas. Os carreteiros foram sistematicamente
requisitados para serviços militares ou outros de interesse do Rei como
nos fornos de biscoito de Vale de Zebro. A Câmara nomeava dois juizes que
garantiam o cumprimento das posturas e zelavam pelo seu normal
funcionamento2. Em 1630 havia 18 carretas registadas e os carreteios eram
obrigados a carregar os fretes em quatro horas sob pena de perderem o
lugar nessa roda.
Animais de transporte
Na sequencia das invasões francesas as necessidades
militares obrigam a uma inventariação dos recursos dos país em animais e
transportes. A Câmara da Moita respondeu ao questionário revelando
existirem;
Carros de bestas 0.
Carros de Bois de aluguer 53. sendo 40 de quadrilha.
Carros de Bois particulares 1.
Bois de trabalho sem carro 0.
Bois e Vacas de criação 9.
Muares particulares de tiro e sela 0.
Muares particulares de carga 5.
Muares de aluguer de carga 2.
Muares de criação 0.
Cavalos e éguas particulares de sela 29.
Cavalos e éguas particulares de carga 0.
Cavalos e éguas particulares de aluguer de sela e carga
0.
Cavalos pais 0.
Poldros 3.
Èguas de cavalaria 0.
Jumentos e jumentas particulares 43.
Jumentos e jumentas de aluguer 2.
Jumentos e jumentas de criação 0.
Como se verifica, em dois séculos o número de carretas
triplica, revelador da sua continua importancia. A criação tanto de gado
cavalar como de bovinos não é relevante na economia local. Os animais dos
moradores estão sobretudo destinados aos transportes, sendo reduzida a
quantidade destinada a outras actividades como a agricultura, excepto os
burros que seriam destinados aos trabalhos auxiliares dos moradores e
muito menor ainda os animais com a finalidade de procriação.
Preço dos tranportes terrestes
Logo no início do século XVIII a Câmara estabelceu os
seguintes preços dos fretes nos transportes; sem qualquer especificação
determina que seja de 100 reis para Alhos Vedros, 150
para o Lavradio e 180 para o Barreiro. Para Palmela, Setúbal, Aldeia
Galega ou Atalaia e Azeitão o transporte de uma ou duas pessoas em
cavalgadura grande custava respectivamente, 200 e 300 reis, 300 e 450
reis, 180 e 240 reis e 240 e 400 reis. O mesmo tranporte de uma
cavalgadura pequena custava 150 reis, 200 reis, 120 reis e 170 reis. O
transporte para Setúbal de cargas em cavalgaduras grandes custava 400
reis.
Quanto a carretas singeleiras , assim de lenha, tranca,
mato, moledo e tudo o mais como tojo, regulam-se pelas carretas que
conduzem trancas para os barcos, pelos preços ditos segundo a distância
dos pinhais e charnecas. Os fretes das carradas de esterco custariam 60
reis até à vinha das viúvas da banda do Arneiro e para o arrabalde até às
courelas e para S. Sebastião até às Órtinhas, se fôr para mais longe 100
reis.
Estalagens
Também os estalajadeiros podiam perder o arrendamento
se os passageiros tivessem razões de queixa. Para além de negociarem em
estrume, que era vendido a 3 vintéis a carrada, primeiro aos moradores e
só depois para os de fora, e em palha, proveniente dos animais que por
obrigação tinham de recolher pois eram pagos para isso, era sobretudo com
os géneros que não passavam pelo paço, adquiridos portanto directamente ao
arrais, ou permitindo que os almocreves negociassem na própria estalagem
que o comércio é mais lucrativo, apesar dos avisos da Câmara no sentido de
se moralizarem estas práticas serem constantes.
A palha para fornecimento nas estalagens não podia ser
descarregada no cais embora esporadicamente fosse autorizado sob condição
de efectuar a respectiva limpeza imediatamente após a desgarga.
Os estalajadeiros são regularmente penalizados com
contribuições para a realização de obras, festejos religiosos e cívicos ou
para fornecer alimentos e rações aos militares.
Lavadeiras
Mesmo as lavadeiras, apesar da pouca documentação onde
são referidas, parecem também dependentes do movimento de passageiros pois
são intimadas a não alterar os preços estipulados pela Câmara, a saber; 3
camisas ou 3 lençois pequenos 20 reis, 3 lençois grandes 30 reis , 3
anágoas 25 reis, 1 toalha de mesa 7 reis, 1 celoura, 1 sertum36, 1 colete
branco e 1 travesseiro grande a 5 reis, 1 toalha de mão 4 reis, 1 par de
meias brancas, 1 guardanapo ou 1 almofadinha 3 reis, sobretudo com os
passageiros e almocreves, sob pena de 6. 000 reis. O local de lavagem era
no rio de Água Doce à saída da vila.
Importância social dos marítimos
Nos primeiros livros de Décimas dos Prédios da Moita,
existentes no Arquivo Municipal, relativos aos últimos anos do século XIX,
são referenciados cerca de 40% dos moradores como marítimos, o que é
ilucidativo comparados com as outras actividades que na mesma época eram
sujeitas a impostos, a saber; 6 carpinteiros, 4 pedreiros, 2 alfaiates, 5
sapateiros, 3 barbeiros, 3 ferradores, 1 ferreiro, 2 boticários, 2
forneiros, 5 moleiros, 12 tendeiros, 6 rendeiros de rendas públicas, 13
padeiros, 2 industriais fabris,21 negociantes e traficantes e 23 lojas de
bebibas.
Outras profissões são também referidas em documentos
dispersos como trabalhadores de enxada, tosquiadores, tecedeiros,
aguadeiros, maiorais, feitores, cardadores, boieiros, caminheiros,
cortadores, talhantes, passeiros, lavradores, fazendeiros e remadores mas
a sua importancia social seria muito pequena considerados como classe
profissional.
Os marítimos apesar da sua importância social teriam um
peso político insignificante, sendo raros os que eram nomeados para
qualquer cargo público, e quando o eram, normalmente recusavam pelo
previlégio de serem homens de mar pois era uma actividade incompativel com
as obrigações em terra. Apenas uma meia dúzia teria direito a
pronunciar-se sobre as questões do Concelho como se verifica pela contagem
de votos de uma questão relativa ao marchante em que foram contados 14
votos da classe da nobreza e 54 da classe do povo. Eram quase sempre
assalariados, inclusivamente os arrais, ou esporadicamente alugavam o
barco ao proprietário.
A sua formação escolar era também nula pois nas
questões em que intervêm assinam os documentos de cruz ou fazendo uma
assinatura que desde logo evidencia que pouco mais saberiam escrever que o
nome.
Rendas públicas
A importância dos marítimos verifica-se também nas
rendas públicas da Câmara. Em épocas de crise, como no princípio do séc.
XIX86, as rendas em geral apresentam grande irregularidade nos preços e
não surgem rendeiros para as arrematar, excepto as do cais. Como as rendas
e as coimas, e, eventualmente contribuições de foros, vendas de pinheiros
ou lenha, ou até da festa, constituem as fontes de receita da Câmara, a
renda do cais tornou-se imprescindível para os gastos em benefício da
comunidade, encargos administrativos e contribuições extraordinárias.
Durante o séc. XVIII foi prática corrente a licitação das rendas serem
feitas na base do ordenado de um funcionário da edilidade, como seja o
médico, o cirurgião, o professor e o escrivão, ou em obras, limpezas e
procissões, mais determinada verba em dinheiro. Sobretudo no período
senhorial, os Condes de Alvor garantiram desta forma o funcionamento das
instituições, que depois continuou a ser utilizada. Todavia o seu
cumprimento nem sempre era feito com a regularidade exigida e a
intransigência da Câmara atingia frequentemente o limite como aconteceu ao
Tesoureiro do Cofre da Renda do Cais e Iluminação, Félix António Soeiro
que foi preso oito dias por não ter apresentado as contas no dia para que
tinha sido notificado88. Sobretudo em épocas de crise os tesoureiros e
rendeiros e por inerencia os fiadores, tanto da renda do cais como das
outras rendas, foram diversas vezes penhorados em todos os seus bens por
incapacidade financeira para cumprir os encargos e os prazos. Por morte do
rendeiro era penhorada a viúva ou os herdeiros caso não podessem pagar
pelo titular.
Coimas
Também nas coimas é relevante a participação dos
marítimos, sendo multados por fazerem fretes sem autorização, por não
seguirem o lugar na roda, pelo transporte de produtos proibidos, por
tomarem cargas fora do cais, por cargas excessivas (o que era uma prática
regular), por defeciências de conserto ou por não cumprirem alguma das
normas do regimento.
Impostos indirectos
Como actividade lucrativa e financeiramente desafogada
era sobrecarregada com contribuições para quase tudo. Em 1683 fixa a
Câmara de Alhos Vedros um imposto de 800 reis para os barcos grandes cada
semana que fizessem carreira e de 10 tostões anuais para os barcos
pequenos. Para além deste, pagam a renda do usual que era de dois cruzados
cada semana da carreira. Os barcos grandes ou pequenos pagam mais uma
renda anual de 300 reis e as muletas 10 tostões para as obras necessárias
no cais. Estas últimas por pouco utilizarem o cais pedem que lhes seja
diminuido o imposto, o que lhes é concedido ficando a pagar apenas 600
reis.
Nos anos de 1716 / 17 todos os barcos que fizeram
carreira na Moita pagarão amigavelmente uma contribuição de 2.000 reis por
semana, para a reconstrução do moinho do Alimo e limpeza da caldeira que o
Conde de Alvor queria reedificar. Isto porque a laboração do moinho era
necessária sobretido a quem tem barcos porque desentope a cal do porto.
Com este acordão ficavam os arrais desobrigados de um outro em que se
comprometiam a dar cento e tantos homens.
Em 1719 voltam a ser solicitados, desta vez para as
obras da igreja. Obrigavam-se os arrais a entregar todos os fretes que
cobrassem da gente da terra, que é um vintém de ida e outro de volta,
fazendo toda a diligencia para o cobrarem e se alguem pusesse dúvidas em
pagar a dessem em rol para pagar pela justiça.
Em 1758, diz o Padre Lucas Ferreira de Gouveia, que há
um grande cais, feito à custa dos homens do mar, cuja obra orçou para mais
de 13.000 cruzados. Que existiam sete barcos grandes que servem na
carreira e dezesseis bateiras de pesca, das quais três estão sempre
prontas para transportar passageiros quando os barcos o não podem fazer
por falta de maré ( um século depois já se nota algum declínio pois
existião sómente quatro barcos, seis botes e nove fragatas). A própria
placa colocada no cais diz ter sido construido em 1722 à custa dos
marítimos.
Sobre os efeitos do terramoto registou que a capela mor
da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem caíu mas já estava feita de novo,
acrescentada e coberta, forrada e pintada à custa dos homens do mar e de
algumas esmolas.
Juiz do ofício dos homens do mar
Por várias vezes a câmara teve de interferir para
solucionar desentendimentos que davam origem a violências, facto que
aumenta a importância do cargo de juiz do ofício dos homens do mar,
acrescido pela importância da classe na própria estrutura populacional da
localidade. O cargo era exercido de forma mais ou menos vitalícia por um
dos principais proprietários de barcos.
Jorge Gonçalves ocupou o cargo de Juiz em substituição
do sogro Manuel Gomes Cardeal, porque este era um homem muito velho e já
não podia cumprir bem com as suas obrigações. Pouco depois era nomeado
para segundo Juiz Ensenso Dias. Noutras nomeações que encontrei, ou para
acertos de contas ou ainda para responder pela companhia, era chamado o
homem mais velho. O cargo era exercido de forma mais ou menos vitalícia
por um dos principais propritários de barcos.
Estes juizes, para além de zelarem pelo funcionamento
da carreira e fazerem cumprir as posturas da Câmara, são responsáveis pela
nomeação dos marinheiros para as armadas reais, sempre que que
solicitados, como em 1668, com os marinheiros destinados à armada que
estava para correr a costa.
É notória a importância dos marítimos, pois sendo no
ano anterior a Câmara de Alhos Vedros solicitada a fornecer quinze
cavalgaduras, respondeu que, fazendo toda a deligência na vila e seu
termo, não havia pessoas que tivessem cavalgaduras, nem nunca as houve,
porque os moradores da vila e seu termo são barqueiros, carreteiros,
calafates e biscoiteiros.
O Juiz do Ofício dos Homens do Mar é convocado para
comparecer nas reuniões da Câmara sempre que surgem conflitos, litígios,
situações não previstas ou para alterar normas em desuso e introduzir
outras, ou ainda para obter a sua aprovação no lançamento de impostos ou
contribuições em benefício da comunidade.
Cabo dos homens de mar
O cabo para além de vigiar e fazer cumprir as posturas
sobre o ofício, exercia outras funções como cobrar o dinheiro necessário
para manter os marinheiros que o concelho obrigatoriamente tinha de nomear
para as armadas reais. O cabo era um subalterno do capataz e executava as
tarefas que este lhe atribuía.
Capataz dos homens do mar
O capataz ordenava e conduzia o trabalho de todos os
que utilizavam o cais, mas o cargo foi suprimido em 1788, com a indicação
de nunca mais haver tal ocupação. A câmara passa então a nomear quatro de
ganhar no cais, sendo um deles porteiro e outro jurado. O primeiro para os
ofícios da câmara e o segundo para correr a renda do verde. Eram
dispensados do serviço apenas em dias de câmara ou de audiências. Faltando
eram penalizados em dois dias de vencimento na primeira vez, na segunda
vez uma semana de vencimento e à terceira era expulso não podendo voltar a
trabalhar no cais. Os homens de ganhar nomeiam um dos menbros que fica
obrigado a fazer a coleta e respectivo pagamento todas as semanas.
Confraria dos homens do mar
Desde meados do século XVII que os marítimos estão
enquadrados no plano profissional e religioso, através das suas
corporações e confrarias, assumindo sempre um protagonismo nos principais
acontecimentos, porque são invariavelmente os principais contribuintes.
Podem recusar nomeações para cargos públicos invocando serem homens do mar
e de pertencer à confraria, como fez António Gomes Lanseta.
Estiva
A estiva era atribuída de diversas formas. A mais comum
foi em pipas, cheias ou vazias, mas também surgem em pessoas, moios e
bestas.
A segurança era um problema grave e real e a Câmara
proíbe as muletas de fretar na Moita, porque se viravam muita vez, e
determina que todos os barcos fizessem estiva de passageiros. Todavia, as
multas por incumprimento deste acordão foram sempre muitas: os arrais
optam pelos seus interesses económicos e não hesitam em correr riscos. Um
deles, cujo barco tinha de estiva vinte pessoas, transportava trinta e
sete; alegou que os excedentes eram todos da Moita, e como não pagavam,
podiam viajar para além da estiva.
Vistorias
Todos os barcos estão sujeitos a vestorias, que
analisam as condições de navegabilidade, interditando os que não
apresentavam segurança, que eram executadas mesmo à revelia dos
proprietários, acontecendo os jurados darem licença para navegar apenas
por algumas marés.
A falta dos acessórios obrigatórios ou outra qualquer
anomalia podia impedir o barco de seguir viagem. Se a falta não pusesse o
barco em perigo imediato, era concedido um tempo determinado para repor as
faltas, como aconteceu em 1800, quando se constatou durante a vistoria a
uma embarcação que esta não tinha prancha. Foi-lhe autorizado fazer a
viagem na condição do dono do barco comprar outra no prazo de 24 horas.
Acidentes
A partir de de 1788 os jurados e louvados que fazem as
vestorias ficam responsáveis pelos prejuizos caso haja acidente provocado
por excesso de estiva. Não sabemos qual a amplitude dos acidentes
marítimos pois tal só será possivel investigando toda a documentação que a
tal respeito possa dar informações como os Livros Mistos e os Livros de
Óbitos, todavia deveriam ser regulares pois abrindo um dos Livros Mistos
da Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem deparei com o caso de um jovem
de nome Veríssimo referido como tendo morrido afogado, e também tendo em
consideração alguns estudos efectuados em concelhos vizinhos sobre esta
temática.
Também a vereação de 1788 declara que todos os dias
acontecem estragos lastimosos, que necessitam pronta vigilância para
segurança geral, visto os barcos andarem desaparelhados, carcomidos e sem
tripulação adequada.
Em 1800 o barco de Manuel Inácio estava tão arruinado
que à saída do Montijo (entenda-se Rosário) voltou para trás porque metia
tanta água que punha em perigo a vida dos passageiros.
A tradiçaõ popular também fgaz referências aos homens
que morriam nas bateiras origem de muitas viúvas que haviam.
Significativa é também a contínua referência às verbas
necessárias para manter acessa a lâmpada das almas dos passageiros, que ao
longo dos séculos foi obtida por diversas formas e revela a preocupação da
comunidade tanto em relação aos que pereceram como aos que eventualmente
viessem a ser vítimas de naufrágios.
Barcos de pesca
Mas a actividade dos barcos não se esgota na carreira.
Os barcos estão ligados a todas as outras actividades do Concelho. Nesse
contexto os pescadores assumem um papel de relevo porque simultaneamente
fazem fretes de cargas e passageiros sempre que o movimento na carreira
aumenta, funcionando como precalço e contra-precalço e pareçem muito mais
interessados nesta actividade do que propriamente em pescar. Em 1672
determinou a Câmara de Alhos Vedros que os pescadores da vila e termo
pudessem vender o peixe em sua própria casa depois de almutaçado e quem
viesse de fora teria de o vender no paço. Os pescadores da terra levariam
a maior quantidade de peixe capturado para Lisboa e outras praças pois nas
suas petições à Câmara referem sempre o pouco uso que dão ao cais da
Moita. O consumo de pescado (e também de carne) era baixo pois os
pescadores estavam sujeitos a trazer à vila uma canastra de peixe ou duas
caso fizessem cerco nos limites do termo, o que era muito pouco tanto em
relação à capacidade de pesca como em relação às necessidades de consumo.
Nesta matéria a frugalidade era a principal característica dos moitenses
assim como as condições de habitação e o nível de vida a roçar a miséria.
O peixe mais consumido seria decerto a sardinha pois é regularmente
referida entre os géneros sujeitos ao imposto do usual e referido como
alimento do povo.
Barcos com funções específicas
Moinhos e fornos tem barcos próprios, carregadores de
mato são simultaneamente barqueiros que levam mato e tojo para Lisboa em
barcos a remos. Barcos de água acima vinham vender azeite e outros
produtos. As pequenas indústrias locais que aí existiam como o vidro, a
cerâmica, a cal e os cortumes, tinham barcos próprios. Também são
referidos nos documentos barcos de pescar e outros pequenos que sobem o
Tejo, assim como barcos chatos de remos, canoas, muletas, fragatas e
escaleres cacilheiros. Para carregar sal vinham toda a espécie de barcos.
Valor dos barcos
O barco comparado com outros bens é um bom
investimento. Apenas algumas estalagens e alguns moinhos se lhe
equiparavam no investimento e nos lucros, por isso é também sobrecarregado
com os impostos. Para o arrendatário tambem é um bom negócio, porque fica
com larga margem de lucro, mas será sobre ele que recaem as dificuldades
locais.
Compra
Os compradores de barcos optavam pela construção dos
seus próprios barcos e foi por isso um bem raramente trasacionado,
assumindo um valor só acessível aos mais endinheirados. O seu custo era de
cerca de 100 000 reis em 1630, pelo que se depreende do negócio entre Pero
Fernandes Monte e Tomé de Matos Neto, em que o primeiro cede metade de uma
barca que havia construído por 49 308 reis.
Outras pessoas adquiriram barcos como José Ferreira em
1732, não referindo o seu custo mas tão só a solicitação para entrar na
carreira pagando o mesmo que os outros barcos
Renda
O arrendamento foi também pouco frequente pois os
proprietários preferiram contratar a tripulação.
Em 1646 Francisco da Rosa arrendou um barco aparelhado
com todos os seus governos, assim de velas como de fateixas e cordas, a
Gonçalo Fernandes e sua mulher, por um ano à razão de 30 000 reis pagos
aos quartéis em moedas de prata.
O conde de Alvor, em 1697, arrendou um barco chamado
o pequeno, por três anos, à razão de 60 000 reis por ano, a António
Gomes, homem marinheiro. O barco seria entregue no fim do arrendamento no
mesmo estado, ou seja, bom de conserto de calafate, com suas velas e mais
aparelhos e uma vela nova. Somente deixará de fazer a entrega caso Deus
não permita e se arruine por fogo ou tempestade ou outro caso em que o
rendeiro não seja culpado.
Obras no cais e acesso
Tanto o cais e seus acessos, como a respectiva cal
exigiam constantes obras de reparação e manutenção, pelo que representava
elevados encargos financeiros. As vistorias e ordens de pagamento para a
realização destas obras surgem amiúde nos Livros de Vereações.
No século XVII são eferidas diversas obras de
manutenção ou aumento do cais contratando a Câmara de Alhos Vedros os
pedreiros e carpinteiros necessários para a sua execução.
Em 1722 a Câmara da Moita decide mandar fazer o cais em
pedra. A obra foi arrematada pelo pedreiro Pedro Gomes, de Lisboa, pelo
seguinte preçario:
Braça de grade 4.760 reis.
Braça de alvenaria 5.700 reis.
Vara de enchelharia 960 reis.
Vara de degrau de padaria com seus rebochos 1.160 reis.
Vara de lajedo de gasto 460 reis.
Vara de jajedo tosco para fundamentos 360 reis.
Vara de betume 70 reis.
Cada gato de ferro para lear as juntas à pedraria 300
reis.
Braça de estacaria 4.760 reis.
Da importância total da obra depois de acabada o
arrendatário comprometia-se a abater a importância de 100.000 reis.
Alguns anos depois um acórdão municipal proíbe que se
façam fogueiras junto às paredes do cais, fosse para tingir redes ou para
derreter alcatrão ou breu para as calafatagens pelo evidente prejuízo.
Consequentemente segue uma determinação para que o cais fosse betumado.
Nas décadas seguintes continuam a surgir diversos autos
que referem o lançamento de impostos para obras de reparação e manutenção
do cais.
No final do século o cais já ameaça ruína. Por isso os
donos dos barcos decidiram contribuir com algum dinheiro para a sua
recuperação, assim definido; o barco da carreira 1.200 reis semanais, e as
bateiras e faluas 200 reis, enquanto a obra durasse. Nesta contribuição
deveriam também participar os almocreves de Setúbal em virtude dos acordos
que tinham estabelecido com as corporações moitenses e pelos quais
usutruiam das mesmas condições dos sseus moradores. Todavia estes recusam
pagar, excepto Joaquim Duarte que tinha vinte bestas em serviço de aluguer
entre Setúbal e a Moita e se obrigou a pagar por cada uma 500 reis.
Os acessos foram objecto de melhoramentos a partir do
século XIX com a finalidade de proporcionar uma melhor acessibilidade às
carretas que necessitavam chegar ao cais. O principal foi a construção de
calçadas nas principais ruas da vila, sobretudo na estrada que vai para
Setúbal.
Antes ainda do final do século os marítimos sustentam
que são donos do cais, pois foi à sua custa a construção e de igual modo a
manutenção, mas a câmara nunca o reconheceu mantendo sempre a sua
administração, regulamenmtação e direitos, sendo assim a proprietéria
directa e a beneficiária das contribuições e impostos lançados sobre os
seus utilizadores.
O estabelecimento de algumas indústrias obrigou à
construção de cais adequado ao produto a transportar. Foi o caso da
fábrica de sola situada à saída da vila cujo proprietário pediu
autorização para construir um cais que servisse de serventia à dita
fábrica. A câmara permitiu a construção na condição de outros barcos
utilizarem o cais, desde que não impedissem o trabalho normal da fábrica.
A Vila
A vida local é regulada pela maré; do cais à igreja
ficava a estalagem, a taberna, o boticário, o ferrador, o pelourinho e a
cadeia. Era esse o centro económico e social da Vila, pois ao longo de
dois séculos houve sempre passageiros, mesmo em épocas de crise.
Pelos livros de registo das décimas dos prédios
urbanos, sabemos que a vila constava de duas ruas, designadas rua da
estrada de Setúbal e rua direita, ruas secundárias para os lados do cais,
do porto, da praia e para ambos os lados da igreja, todas ligadas por
travessas, que mostra um urbanismo que se foi desenvolvendo em função do
rio.
Tomando como exemplo o ano de 1810 podemos constatar
que na vila da Moita, num total de 226 prédios urbanos havia 4 fornos, 2
adegas, 1 fábrica de sola, 1 moinho, 3 lagares, 1 casas nobres com adega,
1 cadeia, 2 estalagens, 2 cavalariças, 1 fábrica de aguardente, 1 açougue,
1 forja, 2 casarões, 3 armazéns, 1 casa para cobrança de dízimos e 1 casas
da câmara.
Tipologia dos barcos
Os barcos admitidos na carreira tem características
específicas inerentes à sua função. São designados por botes,
bateiras e faluas. Outros barcos não são admitidos por não
oferecerem segurança. A tipologia dos botes e bateiras, nos autos
referidos, não se enquadra totalmente na compilação iconográfica elaborada
por João de Sousa.
Quanto ao velame são muito semelhantes às fragatas e às
bateiras de Porto Brandão, mas quanto ao casco, por serem chatos ou de
meia quilha, encontram-se mais ligações aos batéis e barcos de Ribatejo.
A. A. Baldaque da Silva mostra que o bote da Moita é um varino um pouco
maior, adoptando a sua vela e acrescentando outra de estai. Quanto ao
casco são muito semelhantes aos diversos tipos de embarcações destas vilas
ribeirinhas.
O bote da Moita é, pois, uma fragata mais pequena de
fundo chato, ou um varino maior com vela de estai. E é um filho deste
acasalamento que a descrição poética de Luís Chaves explica muito bem: o
varino é feminino, gentileza grácil de feitio leve e risonha, a fragata é
masculino, bem assente na água, tão à vontade como um cavaleiro seguro a
cavalo.
A forma destes botes – fragatas – varinos distinguem-se
por pequenos grandes promenores de que resulta uma grande variedade. A
descrição de Baldaque da Silva aplica-se perfeitamente ao que se passa na
Moita, tanto em relação aos barcos que navegam como aos que são só
esqueletos enterrados na lama. A tipologia arquitectónica é adaptada a
cada função, assim como as características decorativas que divergem
segundo essas funções. Nos vários autores consultados nenhum deles faz
qualquer referência a características específicas do barco da Moita,
todavia o bote – varino, embora da família das embarcações usadas nos
concelhos vizinhos, e mesmo em outras regiões como o Sado e na Ria de
Aveiro, as suas dimensões e calado logo a sua capacidade de transporte,
que visava obter o máximo rendimento do esteiro e da cal que utilizavam
todos os dias, acaba por adquirir uma forma ideal nesse objectivo, fruto
da experiência que gerações foram acumulando.
Decoração
As típicas pinturas decorativas, cujas origens
remontarão possivelmente aos romanos, surgem com características diversas
nas fragatas, moliceiros e saveiros. Na Moita podem ainda encontrar-se
barcos que se enquadram em qualquer dos tipos referidos sendo uso cumum os
painéis de evocação amorosa ou religiosa, atitudes e costumes locais e
flores estilizadas. O bote e o varino da Moita é pintado exteriormente em
faixas horizontais de cores vivas, que se enquadra num movimento mais
vasto em todo o rio Tejo e mesmo nas vilas atlânticas.
Este trabalho fui publicado no jornal "Notícias da
Moita" entre Março e Agosto de 1997.