Os moradores obrigavam-se por si e seus herdeiros a
edificarem e decorarem a ermida de tudo o que fosse necessário para dizer
missa com decência, assim como reconstrui-la sempre que por motivo
imprevisto caísse ou se arruinasse, como sejam fogos e terramotos, sem que
a ordem ou a matriz tenham de contribuir das suas rendas. Ficariam também
obrigados a pagar à sua custa o sustento do sacerdote que nela servisse e
ir ouvir missa a Alhos Vedros em dia de S. Lourenço.
Na documentação disponível no arquivo municipal a
primeira informação sobre a festa de Nª Sª da Boa Viagem data de 1736.
Nesta se afirma que os estalajadeiros José da Rocha e Francisco Gomes
Bexiga, de sua livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma davam
de esmola para a festa de Nª Sª da Boa Viagem, uma moeda de oiro cada um.
Nos anos seguintes continuam a fazer estas ofertas. Embora as esmolas
fossem dadas de livre vontade, no fundo trata-se de um acordo comercial
entre a câmara municipal e os donos das estalagens, que se processava da
seguinte forma: a câmara estabelecia o preço de todos os géneros que se
vendiam no concelho, inclusivamente das palhas que os estalajadeiros
vendiam ao povo em geral, mas sobretudo aos viajantes e mercadores, em
regime de monopólio. Após a câmara estipular os preços das palhas, os
estalajadeiros queixavam-se da sua margem de lucro ser demasiado baixa,
então a câmara cedia às queixas elevando o preço, mas, junto do respectivo
auto que elevava o preço, um outro, considerado como escritura de doação
gratuita, os estalajadeiros aceitavam dar de esmola as respectivas moedas
de oiro. Caso para dizer, gato escondido com o rabo de fora, ou seja, sem
aumento de preços não havia esmola.
Outra forma de financiar as festas religiosas no século
XVII era a inclusão de verbas, fogaças ou charamelas, nas rendas públicas,
como em 1737 em que o arrematante da renda do verde fica obrigado a dar um
termo de charamelas para a festa de Nª Sª da Boa Viagem, para além da
verba com que arrematou a renda. Ao longo deste século foi sendo incluído
nesta renda diversas obrigações para com a festa de Nª Sª da Boa Viagem,
para além das charamelas, fogaças, atabales, dinheiro, ou de forma
genérica referindo apenas que devem dar as propinas do costume.
Para a festa de 1781 fica o arrematante obrigado a dar
duas trompas, duas rabecas e um pincaleiro, para acompanhar a festividade
na igreja e também a festa no arraial caso se fizesse. Quer dizer, que
embora fosse certa a festa religiosa acompanhada com música, não havia a
certeza de se realizar a festa profana.
Voltando ao princípio. Quando se realizou então a
primeira festa? Pela documentação disponível (note-se que a investigação
histórica na Moita está ainda na estaca zero, havendo por isso toneladas
de documentos dispersos por vários arquivos que decerto fornecerão novos
elementos e esclarecerão as dúvidas que temos não só nesta matéria como de
forma geral), a primeira referência seria como disse em 1736.
Não havendo documentos que façam referências directas
sobre o assunto (eu pelo menos não conheço), só de forma indirecta se pode
avançar. Sabemos que em 1686 a igreja de Nª Sª da Boa Viagem nomeou
procuradores para defender os seus direitos junto dos tribunais nas causas
e diferendos que tinham com outras instituições e particulares, e que o
funcionamento da igreja se processava com normalidade, com a respectiva
fábrica, juízes, escrivães e procuradores, pelo que dificilmente se
entende que esperassem meio século para fazer a festa. Alem disso, devemos
ter em consideração que nos séculos XVII e XVIII as festividades
religiosas eram bastante numerosas. Ao longo do ano, era feriado mais de
uma centena de dias, em que as pessoas estavam proibidas de trabalhar, sob
diversas penas, para se dedicarem exclusivamente às obrigações religiosas
e que nestes séculos o culto a Nossa Senhora se desenvolveu de tal modo
que estudos recentes, ainda incompletos, revelam que esse culto se
realizava em mais de 1 200 localidades por todo o país. Também na Moita
essas obrigações eram cumpridas escrupulosamente, e isto sabemos porque a
câmara permite que os barqueiros e padeiros não sejam abrangidos por esta
obrigação, visto que as marés não esperam e nesses dias há muita gente de
viagem. Sabemos também que ao longo do ano se realizaram na Moita dezenas
de procissões em honra dos diversos santos, pelo que seria muito
improvável e até caso original se não fizesse em honra da padroeira da
igreja.
Atrevo-me, por isso, a considerar que a primeira festa
coincidiu com a primeira missa, com o próprio acto da bênção do edifício
da igreja e da imagem de Nª Sª da Boa Viagem, não será correcto dizer que
foi a primeira festa da Moita, se quisermos, considerando que o primeiro
padroeiro da freguesia foi S. Sebastião, podemos dizer que os festejos em
honra deste santo foram as primitivas festas da Moita e da sua freguesia.
Assim, embora não dispondo de informação específica, seria possível
afirmar que as festas da Moita remontam a meados do século XV.
Estou convicto que sobre este assunto, a imensa
documentação por consultar nos dará ainda vasta informação e nos reserva
bastantes surpresas, esperemos que enquanto as autarquias e a própria
comissão de festas, não direccionem as suas preocupações e ciclópicos
trabalhos para esses assuntos, os historiadores locais por sua livre
vontade e empenho, assim como diversos amadores por carolice e amor pela
sua terra, vão encontrando novas informações que possam ser úteis a todos,
mesmo aqueles que por obrigação deveriam assumir essa responsabilidade.
Por mim, estou consciente das insuficiências deste
trabalho e das lacunas desta investigação, mas também feliz por
contribuir, embora imperfeitamente, para o conhecimento da História desta
terra, tendo só como apoios e colaboradores uma cabeça e duas mãos.
Notícias da Moita. 1 de Setembro de 1996.