A Casa    

 

A envolvente

 

"É preciso descer através de ruas estreitas e íngremes (S. Pedro de Moel está «burilado num rochedo») para se chegar ao centro, dominado por um largo que parece tirado de alguma aldeia de brincar, daquelas que se constroem em cartão, com as pequenas casinhas todas no seu lugar, cortinas brancas na janelas de guilhotina, varandas à espera de princesas que não tardarão a surgir, pelo menos na nossa imaginação."

"É por alturas da Páscoa que tudo se começa a movimentar, quando as pessoas regressam dos seus Invernos citadinos para arejarem as casas e prepararem o Verão."

"O largo é rente à praia, com as suas ondas mansas a abrirem-se no areal em concha. As casas, moradias de rés-do-chão e primeiro andar, são pintadas de branco ou de creme, com alpendres e varandas de madeira castanha em toda a volta. Tem o largo o nome de Afonso Lopes Vieira, e lá está ao fundo o busto do poeta que mais amou esta terra, a quem deixou como herança a casa onde viveu, também ela nos mesmos tons das que rodeiam todo o largo, e com a marca inconfundível da «casa portuguesa» de Raul Lino. Situa-se logo à entrada deste pinhal («catedral verde e sussurrante», «gótico pinhal navegador/em naus erguida levando/tua alma em flor nas pontas altas dos mastros», nas próprias palavras do poeta) na Rua Adolfo Leitão, mesmo perto da praia, a dois passos do café Central, e à sombra tutelar de D. Dinis e D. Isabel, estes em estátua de corpo inteiro, na rotunda principal da vila" (VIEIRA A, 1999, p. 136).

Alice Vieira refere também a estrada que conduz a S. Pedro: "É uma estrada deslumbrante, pelo meio da mata de pinheiros, acácias, giestas, uma recta que parece nunca mais acabar, a atrair o olhar de todos os viajantes, como atraiu o de José Saramago: «A mata de S. Pedro de Moel é incomparável. Outras podem ser mais opulentas de espécies e porte, nenhuma mereceria mais ter, como habitantes, o povo pequenino de gnomos, fadas e duendes» (José Saramago, Viagem a Portugal)" (VIEIRA A, 1999, p. 131).

 

A arquitectura

 

“A boa casinha portuguesa tem de ser encarada no conjunto da paisagem à qual se liga com toda a naturalidade. (...) Que alegres no seu variado matiz; que acomodadas nas proporções; que graça, que modéstia e contentamento não respiram! Nada têm de forçado ou de menos seguro efeito; tudo parece nascido do próprio lugar com toda a naturalidade. Os vãos alinham-se com simpleza; as mais das vezes não há feição que se saliente por qualquer pretensão arquitectónica; basta uma escada exterior, ou telheiro, ou simples parreira, para dar interesse à construção (...). (...) a par de motivos ocasionais que individualizam uma ou outra casa, aparece em todas elas o sistema que a experiência ou a prática recomendam e mandam que se adopte por aqueles sítios em redor. Daqui resulta que a todos nos transmitem a sensação própria e inerente às coisas que estão certas, a impressão de ordem e de calma que devia ser-nos grata." (LINO, 1933, 1992, pp. 72/73).

Estas impressões de Raúl Lino, conseguimos percebê-las em S. Pedro de Moel e particularmente na casa de ALV. É a esta arquitectura popular, que tanto inspirou o arquitecto da “casa à portuguesa”, que pertence a casa do poeta, a qual, supondo que seja a mais antiga da povoação,  terá influenciado toda a zona urbana.

A casa de ALV, pela sua localização e disposição em relação à praia, surge como um “umbigo” da localidade.

Caracteriza-se pelas proporções e pela harmonia com a envolvente natural e construída,  pelo alpendre e pelas colunas que emolduram a vista do mar, pelo telhado - simples coberta como uma lona e com sanqueado e beiral em telha -, pela cor - branco e matizes da cal, ainda bastante usada por estas bandas. Como diz Raúl Lino:

"O caiado dá às superfícies uma certa palpitação de vida, dá-lhes uma auréola de fresquidão na ardência do estio, suspende e alivia em cintilações a luz esmagadora do sol de Agosto, aumenta a transparência nas projecções da sombra... depois, com o tempo, nada perde do seu valor decorativo; quanto mais antiga a caiadura, mais interessante se torna o seu manchado de oxidação.

A caiação está para as casas como o fresco tecido de linho para as mesas das refeições, serve aos ricos, serve a todos, é clássico e o seu emprego e nunca poderia ser substituído com vantagem pela seda mais fina" (LINO, 1933, 1992, pp. 92-93).

 

Mas outros elementos da composição arquitectónica tornam o espaço pitoresco e característico, como os vãos e arquinhos que ritmam as transições, os muros altos "arrendados de tijolo", as escadas exteriores, o terraço rasgado para o mar e ornado no seu limite esquerdo por uma parede recortada em forma de onda avançando em direcção ao mar, os ornatos em azulejos, búzios e conchas, as cantarias, a moldura vegetal (onde existem árvores centenárias), mas também o interior, onde abunda o uso da madeira.

 

O legado

 

 

Foi nas ruínas da casa dos marqueses de Vila Real que se veio a construir a residência do poeta A.L.V. Esta casa, segundo o autor, permaneceu durante gerações na sua família:

“E, como ainda há pessoas que supõe que a minha casa de S. Pedro de Moel foi construída por mim, recordo que ela está há um século na posse da minha família, posse que se alienou apenas durante alguns anos."[1]

Depois da morte do poeta, em 1946, e por disposição testamentária, foi a casa entregue à Câmara Municipal da Marinha Grande para funcionar como colónia balnear para filhos de operários vidreiros e guardas florestais. No testamento à sua única herdeira e esposa, D. Helena de Aboim Lopes Vieira, aberto a 2 de Fevereiro de 1946, o poeta dispõe legar a sua propriedade de S. Pedro de Moel: residência, capela e anexos. Refere também algumas condições de utilização desta propriedade, designadamente:

a)      que nunca fosse alienada

b)      que nunca deixasse de ter a colónia balnear

c)      que uma parte da casa (sala, quarto, varanda) se destinasse à evocação da sua memória e que os seus objectos pessoais permanecessem nos locais onde os tinha em vida

d)      que a Câmara não usasse a casa para finalidades que lhe fossem estranhas

Desde então, a casa tem efectivamente albergado as funções de colónia balnear e de casa-museu, embora mais recentemente alguns aspectos da utilização tenham sido alterados: a colónia balnear deixou de ser apenas para os filhos dos operários locais e ali se realizam por vezes recepções e almoços organizados pela CMMG.



[1] Antologia, Fundação C. Gulbenkian, 1979.

 

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