Fundação Cascais - PDM - Plano Director Municipal

 
 

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PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DE CASCAIS
Análise Estrutural e Funcional da Fundação Cascais

6.     Análise Regulamentar e Funcional

Após termos abordado, desta forma linear, aquilo que consideramos que são as orientações programáticas mais importantes relativamente ao planeamento urbano de Cascais, e que deveriam ficar contidas na revisão que actualmente se está a promover ao Plano Director Municipal de Cascais, abordaremos agora, de uma forma aprofundada, a regulamentação e a funcionalidade do plano ao longo dos últimos anos de vigência.

É fundamental, ao abordar este tipo de problemas, que se tenha em consideração o conjunto de princípios e de orientações previamente estabelecidas, bem como as soluções propostas no âmbito da recriação de uma qualidade de visa acrescida no Concelho e da concretização da sua vocação primordial.

Em termos objectivos, a regulamentação que enforma o Plano Director Municipal de Cascais peca, logo à partida, pelo facto de raramente se ter feito sentir no processo decisório quotidiano do município. Assim, grande parte dos fundamentos que se encontram contidos neste documento, para além de se apresentarem perfeitamente interconectados com as necessidades mais prementes do Concelho, têm contribuído, de forma decisiva, para que se tenha assistido a um paulatino aumento da descaracterização e da degradação urbana de Cascais.

Vamos desta forma, proceder a uma análise de todos os factores que implicam directamente nesta concretização, salvaguardando, em nome de uma complementaridade que se afigura fundamental, a necessidade de se promover uma permanente ligação com as medidas orientadoras que atrás mencionámos, as quais deverão fornecer ao Concelho uma orientação específica que atribui objectivos concretos ao regulamento.

O primeiro artigo que sugere uma preocupação municipal com o controle da ocupação e da expansão urbana de Cascais, demonstrativo de tudo o que fomos dizendo em relação à orientação específica do plano, é o artigo 6ºB, no qual se expressa, de forma veemente, a necessidade de zelar por um desenvolvimento sustentável no Concelho. Para isso, o PDM considera que Cascais se vê obrigado a encontrar medidas cautelares que possam ser implementadas, de modo a controlar a preocupação e expansão urbana do seu território. O fornecimento semestral à Assembleia Municipal de um relatório que contenha a quantificação dos novos fogos licenciados no decorrer desse período pela Câmara Municipal, é assim a forma encontrada para favorecer o carácter inspectivo da Assembleia e para garantir uma proximidade efectiva entre as duas formas de poder.

Como é fácil de perceber, a actual revisão do Plano Director Municipal, pelo menos na fase de consulta pública, deveria obrigatoriamente conter estes dados, sem os quais se torna inviável uma apreciação correcta daquilo que foram as consequências da aplicação do actual Plano, em termos da edificabilidade do Concelho de Cascais. 

No que concerne ao Artigo 3º, no qual se expõem os objectivos do plano, determinam-se as seguintes necessidades como imperativos para a concretização das políticas municipais:

a.      Elaboração de planos gerais de circulação e gestão da via pública: como facilmente percebem todos os cascalenses que diariamente transitam no Concelho, quer em termos de acessibilidade externa, quer em termos de circulação interna, o caos está instalado no trânsito local. A inclusão deste objectivo no Regulamento do Plano Director Municipal,  para além de demonstrar uma preocupação permanente com este problema, obviamente resultante das necessidades efectivas que quotidianamente afectam os cidadãos, pressupõe que os referidos planos foram, de facto, concretizados. Se assim foi, porque motivo não está resolvido, ou pelo menos minorado, o problema da circulação no Concelho de Cascais? Se foram cumpridos os preceitos do PDM, e se realizaram estes planos, onde é que eles se encontram? Foram sujeitos a consulta pública? Existiu participação? Foram apresentados à Assembleia Municipal? Onde estão? Podem ser consultados?!... Por outro lado, se não existem, demonstrando que não foram cumpridos os preceitos contidos no PDM, de quem é a responsabilidade?

b.      Prosseguir a reestruturação e requalificação da rede ferroviária do Concelho de Cascais: Neste ponto, verdadeiramente importante para resolver até o grave problema da circulação viária no Concelho, julgamos ser consensual a constatação de que nada foi feito para se proceder a uma reconversão nesta área. Com  excepção de duas novas carruagens que, com um atraso de vários anos em relação às expectativas inicialmente criadas, a C.P. colocou ao serviço da Linha de Cascais, mais nenhuma melhoria se promoveu ao nível da rede ferroviária, facto que contradiz o PDM e que deveria ser convenientemente explicado aos cascalenses;

c.       Conduzir os planos municipais de intervenção na floresta: A primeira questão que se coloca, quando se referem os planos de intervenção na floresta, é saber qual a floresta a que se refere o PDM. Será a área florestal do Parque Natural Sintra-Cascais, na qual expressamente se refere que o PDM não interfere? Ou serão os vastos matagais em que se têm transformado os jardins municipais? A Praça João Martinho de Freitas, no Bairro da Assunção em Cascais, é hoje, depois de investimentos avultados efectuados pela Junta de Freguesia local, um exemplo paradigmático da incúria a que foram votados os espaços verdes. Recuperados à conta do erário público a poucos meses das eleições autárquicas, o espaço em questão encontra-se hoje completamente abandonado. Será que aguardamos que o mato que se foi juntando se transforme numa floresta para que a Câmara Municipal de Cascais promova a concretização deste plano municipal de intervenção para actuar? A inclusão desta artigo no Plano Director Municipal, para o qual, em anteriores ocasiões, chamámos a atenção, é demonstrativo do desconhecimento daqueles que realizaram o plano face à realidade do Concelho de Cascais. Incluindo-se este objectivo neste Artigo 3º. porque motivo não se concretizam os planos referidos?

d.      Iniciar e prosseguir uma política sistemática de instruir programas de investimento direccionados à reabilitação do património cultural e edificado: Dando continuidade à ideia anteriormente apresentada de que é fundamental para o Concelho de Cascais a criação de incentivos que permitam reabilitar a estrutura patrimonial do município, única forma de consubstanciar a sua vocação turística e cultural, julgamos incrível a inclusão deste artigo nos objectivos estratégicos do Plano Director Municipal. Em primeiro lugar, o actual plano refere explicitamente na página 108 do seu relatório que “ [...] o turismo cultural e urbano tem condições de atractividade sugeridas pela proximidade de Sintra, Mafra e Óbidos”. É deveras preocupante, após ter sugerido o afastamento face a modelos importados, que o Plano Director Municipal de Cascais, vá procurar saída para o seu desenvolvimento em municípios alheios, despromovendo desinteressadamente as riquezas do Concelho e, ao mesmo tempo, apelando para a importância da sua recuperação! Será que quem elaborou este PDM e quem posteriormente o aprovou não o leu integralmente? Que incentivos concretos foram criados para tornar acessível o conjunto de programas de apoio à recuperação de imóveis?

e.       Implementação do Plano Estratégico para a Área do Turismo: Onde é que se encontra este plano? Será que foram ouvidos os operadores turístico do Concelho e a Sociedade Civil quando o mesmo foi elaborado? Será que, afinal de contas, o actual Plano Director Municipal considera o turismo uma actividade importante? Então, porque razão não são promovidas as acções necessárias à conversão de uma qualidade de vida para os munícipes que suporte o desenvolvimento de um turismo de qualidade? A menção à necessidade de incluir no PDM este conjunto de planos, obviamente positiva pela forma como assegura qualidade na concretização dos objectivos que se definem, torna-se completamente incongruente quando Cascais não viu nem foi verdadeiramente ouvido na ocasião da sua realização, o que pode ser considerado um factor grave de afastamento da população de Cascais das decisões mais importantes relativas ao seu futuro. E se não foi concretizado, sendo essa a razão apontada para que os cascalenses nunca tenham ouvido falar destes planos, então a situação é mais grave ainda, pois não foram cumpridos os principais objectivos programáticos do Plano Director Municipal;

No que diz respeito aos outros objectivos do Plano Director Municipal de Cascais, refere o mesmo artigo que é fundamental a aplicação das disposições legais e regulamentares vigentes e dos princípios gerais de disciplina urbanística e de ordenamento do território e salvaguarda e valorização do património natural e cultural, para que seja possível concretizar a qualidade de vida que o plano procura instituir. Se, por um lado, é importante ressalvar a preocupação municipal em aplicar em Cascais os princípio gerais que hoje enformam a intervenção urbanística, demonstrando que, pelo menos se reconhece que existem formas evoluídas de abordar o problema, por outro não se entende porque motivo, desde a entrada em vigor deste regulamento, nunca assistimos à aplicação de qualquer destas disposições.

O principal património natural existente no Concelho de Cascais, hoje tão badalado pela comunicação social por ter sido envolvido em polémicas que alteraram por completo os equilíbrios políticos nesta área, é o Parque Natural Sintra-Cascais, no qual o Plano Director Municipal não intervêm devido ao facto de esta área se encontrar subordinada a um plano regulamentar próprio.  No entanto, e mesmo perante as insuficiências regulamentares do parque, que oportunamente analisámos com alguma profundidade, a Câmara Municipal de Cascais teve, nos momentos de principal controvérsia dentro desta instituição, permanente assento na Comissão Directiva da mesma. O Vereador do Ambiente da Câmara Municipal de Cascais, membro da Comissão Política do Partido Socialista e apoiado publicamente pela edilidade, foi um dos três membros da extinta Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais que se viu envolvida em polémica devido àquilo que o Ministro do Ambiente, José Sócrates, considera ser uma actuação ilegal. Desta forma, e mesmo tendo em conta o carácter castrador do regulamento do parque face à intervenção municipal, é fácil de perceber que o Concelho de Cascais, ao contrário do que acontece com o de Sintra, teve sempre o direito de decidir o que fazer nesta área fundamental para a preservação dos valores naturais. Desta forma, é também fácil de perceber que a Câmara Municipal de Cascais, mesmo colocando no Plano Director Municipal este objectivo, é co-responsável pela situação caótica em que se encontra o parque, e é conivente com o desaparecimento e a desvalorização do património natural e cultural que o mesmo ainda contém.

Ainda dentro deste objectivo mais específico, o Plano Director Municipal de Cascais refere expressamente a necessidade de se proceder à compatibilização da protecção e valorização das áreas agrícolas ou de expansão rústica, cultural e natural, com espaços destinados predominantemente ao exercício de actividades para fins residenciais, industriais e de serviços. Como é evidente, áreas como a da Quinta do Barão, em Carcavelos; da Quinta de Rana; do Vale da Castelhana, em Cascais; da Quinta da Alagoa, em Carcavelos; da Quinta do Marquês da Angeja, junto à Penha Longa; da Quinta de Vale de Cavalos, junto a Janes; da Quinta dos Ingleses, em Carcavelos; da Quinta das Vinhas, em Cascais, ou da Quinta da Atrozela, no troço junto à ribeira com o mesmo nome, os valores agrícolas e rurais têm vindo a ser substituídos por estruturas descaracterizadas que misturam a habitacionalidade e a urbanização com aquilo que deveria ser preservado nessas áreas. O desaparecimento e o abandono a que foram votados os moinhos de vento de Alcabideche, bem como a generalidade das quintas que os envolviam, e que hoje estão urbanizadas ou semi-industrializadas, é exemplo demonstrativo do incumprimento municipal deste preceito tão importante do Plano Director Municipal.

Na alínea 1 do Artigo 11º do Plano Director Municipal quando se referem as condicionantes do domínio público hídrico, a edilidade cascalense afirma que esse domínio, em conjunto com o domínio público marítimo, é constituído no Concelho de Cascais pelas margens das águas do mar, e pelas margens das ribeiras.  Assim, reitera no ponto 4 deste artigo, que é interdito implantar edifícios ou realizar obras susceptíveis de constituir obstrução à livre passagem das águas, destruir o revestimento vegetal ou alterar o relevo natural e instalar vazadouros, lixeiras, parques para sucata ou quaisquer outros depósitos de materiais.

Como infelizmente todos sabem, são inúmeros os exemplos de desrespeito por estes preceitos.

Em termos legais, foram licenciadas obras em locais que, pelas suas características,  permitem inferir que provocam alterações substanciais nos leitos das ribeiras. Veja-se, a título de exemplo, o que está a acontecer no Vale da Castelhana, a norte do Parque de Palmela, junto ao Monte Estoril, numa encosta que enforma uma importante linha de água do Concelho, e onde está a ser construída uma urbanização com características verdadeiramente aterradoras. A dimensão dos novos imóveis, bem como seu enquadramento na estrutura urbana e natural envolvente, para além de ser verdadeiramente questionável, não tem sequer em linha de conta um problema fundamental que deveria estar contido no Plano Director Municipal: a impermeabilização dos solos. De facto, a construção deste tipo de urbanizações, principalmente em espaços em que os equilíbrios ambientais são tão precários, como é o caso dos leitos das ribeiras provoca um aumento significativo na velocidade de escorrência das águas, provocando uma saturação nos canais de saída das mesmas e, como consequência, inundações graves em vários pontos em que existe contacto com o seu leito de cheia.

Por outro lado, e no que concerne às ilegalidades, existem centenas de construções clandestinas em fase de consolidação neste momento, em variadíssimo leitos de cheia de ribeiras por todo o Concelho de Cascais. Um dos mais notórios situa-se junto à Ribeira da Atrozela, na Quinta da Azenha, onde, sem qualquer espécie de respeito pelo enquadramento paisagístico, pela preservação da natureza, ou pela proximidade do leito em questão, se estão a construir pavilhões onde a fina flor da sociedade política actual teima em festejar eventos variados. O conhecimento que se possui deste tipo de situação, aliado ao seu carácter nocivo para a qualidade de vida dos cascalenses, nada augura de positivo, em relação à concretização dos princípios fundamentais contidos no PDM.

Em relação às lixeiras e aos vazadouros, é quase impossível encontrar um terreno livre no Concelho de Cascais que não se tenha transformado numa lixeira ou num vazadouro para a população. Em situações extremas como acontece na Quinta do Marquês da Angeja, junto à aldeia da Ribeira da Penha Longa, o depósito ilegal de lixo acumula-se em espaço contíguo à pista do autódromo, demonstrando que não é o desconhecimento da sua existência que protela a implementação de medidas activas de fiscalização das deposições. No caso em apreço, a deposição de lixo, que ultrapassa já os milhares de toneladas, agrava-se por nos encontrarmos em área do Parque Natural Sintra-Cascais e, ainda para mais, no leito da Ribeira da Penha Longa. Sem a rápida implementação de medidas que permitam salvaguardar estes princípios, dificilmente teremos em Cascais um Plano Director Municipal que requalifique verdadeiramente o Concelho.

No Artigo 17º do regulamento, o Plano Director Municipal de Cascais refere explicitamente a necessidade de as indústrias extractivas se submeterem a aprovação camarária e à apresentação e aprovação de planos de recuperação paisagística, elaborados por arquitecto paisagística, com o pedido de licenciamento. Como sabemos, existem no Concelho de Cascais inúmeras explorações extractivas que possuem um impacto bastante grande na estrutura paisagística do Concelho. Torna-se impossível analisar de forma conveniente este PDM sem que antes se proceda a um estudo aprofundado dos planos de recuperação paisagística que eventualmente existam. De qualquer forma, estes plano, antes da aprovação pela edilidade, deviam ser  sujeitos a discussão pública ou, pelo menos, a aprovação prévia pela Assembleia Municipal.

Quando este Plano Director Municipal se refere às condicionantes decorrentes do regime de protecção ao património edificado, e sobretudo quando se debruça sobre as estações arqueológicas existentes no Concelho, refere que devem ser protegidos e preservados os sítios e estações classificadas ou em vias de classificação constantes dos números três e quatro do artigo 21º, bem como as constantes da Carta Arqueológica produzida no processo de planeamento do PDM-Cascais com acompanhamento do Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (IPPAR) e constituindo elemento anexo ao mesmo, nos termos do Decreto-Lei nº69/90 de 2 de Março.

Em Cascais, como felizmente se sabe, existe uma Carta Arqueológica da autoria de Guilherme Cardoso, publicada em 1991 pela Câmara Municipal de Cascais que, embora desactualizada em 1995, e mais desactualizada ainda neste ano de 2000, contém menção fundamentada a cerca de 172 estações ou sítios arqueológicos. O que não se entende, quando se procede a uma análise cuidada a este PDM, é se a carta arqueológica em questão foi esquecida na concretização do plano ou se, pelo contrário, da totalidade de estações e jazidas listadas por Guilherme Cardoso, somente se consideraram importantes o pequeno número que se inclui na listagem que se anexou ao mesmo. O que é certo, no entanto, é que qualquer listagem patrimonial que se anexe ao PDM, obviamente constrangendo as perspectivas de utilização e aproveitamento do solo, e as condicionantes constantes das cartas, deverá estar em permanente actualização, sendo acompanhada por constantes e aprofundados esforços de revisão que se fundamentem em escavações de emergência e em sondagens que acabem por dar lugar a escavações criteriosas. Com excepção da Rua Marques Leal, no Centro Histórico da Vila de Cascais e da Villa Romana de Freiria, junto ao Outeiro de Polima, não se conhecem trabalhos sistemáticos que permitam assegurar o cumprimento deste importante preceito do Plano Director Municipal.

O povoado romano dos Casais Velhos, na Areia, é um dos exemplos paradigmáticos da forma como o plano tem contribuído negativamente para a preservação patrimonial do Concelho de Cascais. Exemplo único de uma monumentalidade praticamente irrepetível na Península Ibérica, os Casais Velhos estão inseridos no Plano Director Municipal a partir da classificação de que foram alvo pela instituição que os tutela. Esta classificação, no entanto, foi feita com base em sondagens realizadas há mais de quarenta anos que, para além de não definirem a totalidade da extensão do povoado, restringindo-se ao espaço  muito pequeno que foi sondado, permitiu que toda zona envolvente fosse edificada de forma legal, com ela desaparecendo alguns dos mais importantes vestígios de um local que ainda é único no território Nacional. A inclusão no Plano Director Municipal de listagens patrimoniais, para que possam ser salvaguardados os valores que ele advoga, obriga a um esforço acrescido por parte da autarquia que, a não existir, compromete o futuro da memória histórica, arqueológica e patrimonial de Cascais. 

Na segunda secção do plano, quando o regulamento se debruça sobre o regime de administração urbanística dos espaços, é advogada a necessidade de se encontrarem instrumentos de planeamento que promovam a recuperação ou reconversão dos sectores urbanos degradados, o respeito pelas características e especificidades dos aglomerados que confiram identidade aos conjuntos, designadamente no que se refere ao património arquitectónico, paisagístico, histórico ou cultural, a reabilitação de espaços industriais degradados, a manutenção e valorização das linhas de água, e a criação de espaços verdes de dimensões adequadas. Estes facto são ainda corroborados pela alínea 3 do Artigo 24º, no qual se refere que as áreas inscritas na RAN ou na REN ou sujeitas a servidões administrativas de utilidade pública, devem destinar-se preferencialmente à estrutura verde primária e secundária das áreas urbanas envolventes, ou à afectação de equipamentos ou redes públicas concordantes com os respectivos regimes.

Esta orientação, fundamental se atendermos à necessidade de promoção de um equilíbrio ambiental que sustente uma verdadeira recuperação de todas as zonas urbanisticamente degradadas, como é, por exemplo, o caso dos bairros de clandestinos, esbarra na prática com diversos problemas fundamentais. Por um lado,  a recuperação, renovação ou reconversão de sectores urbanos degradados, principalmente se nos ativermos ao necessário respeito pelas suas características e especificidades, obriga ao reconhecimento profundo dos mesmos, o que não se compadece com as actuais cartas de condicionantes que nem sequer determinam com precisão as malhas urbanas consolidadas dos principais aglomerados urbanos.

Com efeito, zonas como o Monte Estoril, possuidor de um conjunto patrimonial digno de um destaque de âmbito internacional, surgem neste Plano Director Municipal como meras manchas urbanas de média densidade, sem que sejam definidas áreas prioritárias de conservação e de recuperação, obviamente necessárias, se não fundamentais, para que se preservem as suas características próprias promovendo a vocação turística do Concelho. A especificidade deste tipo de aglomerados é de tal maneira grande que, mesmo existindo um vasto levantamento patrimonial como elemento anexo ao PDM, o que não acontece, se tornaria difícil perspectivar politicamente a sua gestão sem que se remetessem os elementos técnicos para planos de pormenor concertados com a sociedade civil e os proprietários dos imóveis. Desta  forma, e para ser possível salvaguardar o património arquitectónico, paisagístico, histórico e cultural, é fundamental que as acções de reabilitação se promovam de forma concertada, assegurando princípios comuns de intervenção que permitam uma gestão correcta do espaço e das gentes que nele habitam.

Da mesma forma, no que concerne aos espaços industriais, como é que é possível perspectivar uma reabilitação, quando não existe uma delimitação funcional daquilo que vocacionalmente lhes está atribuído? A inclusão em planos de pormenor deste tipo de equipamentos degradados, pelo investimento que está inerente a qualquer recuperação, e também pela necessária atribuição, em casos específicos de outros fins, como aliás o regulamento frisa muito bem, obriga a que em termos de gestão, se entenda o conjunto urbano como uma estrutura viva e dinâmica, que vale não só pelas suas características e especificidades, como também pelo valor daqueles que nele habitam ou trabalham. Intervir nestas áreas, no caso específico do Concelho de Cascais, obriga a que o Plano Director Municipal contenha no seu regulamento a orientação definida que permite aos agentes uma imediata percepção dos horizontes do seu investimento e, consequentemente, da mais valia do seu empenhamento na acção concreta de recuperação.

Os espaços verdes, de que o Concelho tão carenciado está, é outro dos problemas a que este Plano Director Municipal não consegue responder com clareza. Em primeiro lugar, e dando continuidade às anteriores ilações desenvolvidas sobre as ribeiras, a alínea e) deste Artigo 24º aponta para a necessidade de manter e valorizar as linhas de águas, nomeadamente nos seus leitos e margens, inscrevendo estas áreas na dotação de espaços verdes de desenvolvimento linear. Por outro lado, a alínea f) do mesmo artigo, constrange a edilidade na medida em que obriga à criação de espaços verdes com dimensão adequada que sejam preenchidos por estruturas e equipamentos destinados ao lazer recreativo e passivo.

No Concelho de Cascais, e sobretudo na sua área mais problemática situada na região nascente, onde o impacto urbanístico mais se tem feito sentir, é notória a falta de espaços verdes  e de estruturas de fruição, facto que se consubstancia na evidente lacuna de construção deste tipo de locais desde a entrada em vigor do plano. Na região situada entre Talaíde e Polima, numa área anexa à margem da Ribeira de Sassoeiros, e num local no qual têm vindo a desaparecer as antigas explorações agrícolas que o caracterizavam desde há milénios,  existe um vasto espaço consolidado pelo morfologia geográfica que o constrange, que possui as características ideais para a recriação de um vasto e apetecível espaço verde. Localidades como Quenene, situadas junto a este local, e adversamente infectadas pela putrefacção inerente à antiga lixeira de Trajouce, beneficiariam assim desta área verde, dando azo a que as escolas e os diversos equipamentos que proliferam na região pudessem estabelecer ali as suas sedes, ou pelo menos estruturas de aproveitamento provisório, facto que reabilitaria a zona, sem influenciar o problema político das reconversões de clandestinos, e permitindo uma fruição que se traduziria em qualidade de vida. Por outro lado, junto à Ribeira do Mochos, das Vinhas, da Penha Longa, de Manique, da Atrozela, e de Porto Côvo, para não referir outros pequenos leitos de água que pelas suas características poderiam ser reconvertidos possibilitando o seu aproveitamento, existem espaços onde a adaptabilidade paisagística seria quase linear.

O actual Plano Director Municipal de Cascais, que agora se encontra em fase de revisão, para além de não definir com clareza a sua implantação no território, não providencia a criação de condicionantes que promovam a impossibilidade da sua destruição. A inclusão destes princípios no PDM, ainda para mais em cumprimento daquilo que em termos regulamentares ele advoga, é fundamental para que se alicerce a vocação concelhia e para que se ultrapasse o impasse terrível que tem sido criado com a enorme pressão urbanística que a generalidade do Concelho tem conhecido.

No ponto 4.1. do mesmo artigo, quando se aborda as novas construções no Concelho de Cascais, o Plano Director Municipal refere que as operações de loteamento urbano ou as obras de qualquer natureza, devem por princípio, respeitar os valores ou enquadramentos arquitectónicos ou paisagísticos relevantes e as características dominantes da malha urbana envolvente, nomeadamente dos quarteirões onde se inserem. Este pressuposto, pela formulação linguística que o caracteriza, é exemplo flagrante da forma como o plano se encontra mal adequado às especificidades e às pressões que hoje existem no Concelho de Cascais. A linearidade nas afirmações, num plano que, qualquer que seja o conjunto de soluções propostas, será sempre algo de muito controverso, não pode nunca assumir medidas importantes como estas, que facilitam a reconversão da paisagem cultural do município, através de alíneas em que a obrigatoriedade de determinados procedimentos, acaba por ser coarctada através de expressões como aquela que aqui se utiliza. Quando neste ponto o plano refere que as operações de loteamento devem respeitar as normas do Concelho, que ainda para mais não define, refere também a expressão “por princípio”! Que princípio? Quem define este princípio? Quando é que aplica este princípio? Quem controla este princípio?

Como é evidente, sempre que por “princípio” não interessa aprovar determinada obra ou modificação, o promotor fica obrigado a cumprir o PDM. Quando, pelo contrário, interessa que se aprove determinada obra, o por “princípio” assume-se como elemento fundamental e, mesmo desvirtuando por completo a paisagem envolvente, a obra torna-se imediatamente concretizável...

Um dos pontos mais graves deste regulamento, ainda para mais porque fundamenta uma das ilações que anteriormente pretendemos demonstrar, é o ponto 7 deste Artigo 24º. Aqui, contrariando todo o bom senso necessário à requalificação do Concelho de Cascais, o Plano Director Municipal refere que nas áreas inseridas na Classe de Espaços Urbanos e que se reportem a áreas urbanas de génese ilegal, os índices e parâmetros urbanísticos de referência são os dos espaços ou lotes já construídos!!!!!!

Traduzindo este ponto para uma linguagem acessível a todos, o que se refere neste ponto é que, ao contrário do que acontece nos espaços legais, nos quais os proprietários cumpriram todas as obrigações e foram constrangidos a construir as suas habitações com base nas regras definidas pela edilidade, nos espaços de génese ilegal ninguém é obrigado a cumprir as regras nem a Lei. Aqui, tal como refere este ponto, o único constrangimento morfológico à urbanização, é o de cumprir os parâmetros de referência dos espaços e dos lotes já construídos! O que isto quer dizer, em termos mais sintéticos ainda, é que nos bairros clandestinos, nos quais o saneamento e as estruturas são pagas com o erário público, ou seja, por aqueles que pagaram já para efectuarem legalmente as suas habitações, se podem perpetuar os índices e as características das construções caóticas que já lá existem!!!!!

Como é possível?... Como é que Cascais se pode requalificar desta maneira, garantindo que todo o caos e degradação criada pelos clandestinos até 1995 pode, a partir daí, tornar-se regra para a legalidade actual? É, certamente, uma regra típica de países situados fora do espaço civilizacional europeu, que condena Cascais a um fim pouco digno e, sobretudo, pouco inserido naquilo que tradicionalmente sempre foi a sua história intrínseca....

A construção de novos edifícios, a ampliação, a reconversão e a beneficiação dos edifícios existentes em parcelas já destacadas ficam sujeitas a um elevado número de condicionantes descritas na alínea a) do Artigo 25º. A principal destas condicionantes é a necessária e obrigatória inserção  do mesmo no conjunto de características dos lotes e nos parâmetros urbanísticos do quarteirão onde se inserem, bem como nas tipologias arquitectónicas da envolvência. De acordo com este Artigo, a cércea deve decorrer do valor modal das cérceas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra o novo edifício, no troço da rua entre duas transversais ou no troço da rua que apresenta características morfologicamente homogéneas

Uma vez mais partindo do pressuposto de que o erro passado deve consolidar e legalizar o erro do presente, o Plano Director Municipal institui assim que, mesmo em espaço urbanos consolidados, onde o valor modal da cércea é afectado pela altura de um determinado edifício que descomunalmente altere a morfologia da rua, o novo edifício deverá ser projectado de forma a medianamente se enquadrar no desastroso erro de outrora. Das centenas de exemplos que erradamente se concretizaram em Cascais desde a implementação deste PDM, um acaba por ser paradigmático por ter servido de base à destruição de uma parcela importante do património e da paisagem da Vila.

Na Alameda dos Combatentes da Grande Guerra, junto ao edifício da Loja das Meias, existia um segundo imóvel datado de 1942 que se encostava è empena cega de um terceiro possuidor de uma cércea verdadeiramente descomunal. Ao invés de se zelar pela adequação do disforme edifício que erradamente alterou de forma radical a morfologia da rua e a paisagem do  quarteirão, o interessante e importante edifício em questão, com os seus dois andares, foi completamente demolido, dando origem a um novo que aumentando a sua cércea para o valor modal que aquele impôs ao espaço em questão, institucionaliza o erro e garante que, de futuro, todas as obras a efectuar naquele zona do centro histórico de Cascais incorram no erro que este PDM propiciou. Como é evidente, está condenado todo aquele quarteirão histórico, e com ele toda a memória colectiva de Cascais!

Mas os erros patrimoniais e urbanísticos não ficam por aqui. No Artigo 26º, quando se referem os usos dos imóveis, o Plano Director Municipal de Cascais refere que em edifícios existentes não é permitida a alteração do uso habitacional para uso terciário ou para equipamento colectivo, salvo se se verificarem um conjunto de condições que, uma vez mais, promovem a possibilidade de tudo se fazer.

A primeira condição  referida prende-se com o facto de o imóvel em questão se tratar de um edifício identificado como sendo de interesse no catálogo ou inventário do Património Arquitectónico, constando do anexo I do regulamento. Sem levantar, uma vez mais, a questão de o conjunto destes anexos serem manifestamente insuficientes, dando azo a que desapareçam e se modifiquem quase todos os edifícios com interesse patrimonial mas que, sem ninguém perceber porquê, não constam do referido inventário, é importante ressalvar o facto de que deveria ser precisamente o contrário do que aqui se expressa. Se o imóvel não possuir nenhuma espécie de interesse, é impossível modificar o seu uso de acordo com os princípios constantes do PDM. Mas se, caso contrário, ele for um imóvel de interesse patrimonial, então o plano já prevê que ele possa ser alterado!

O que é que isto quer dizer?

Num caso específico situado na Avenida Dom Carlos I, numa das mais privilegiadas zonas históricas da Vila de Cascais, estão a decorrer obras licenciadas pela Câmara Municipal de Cascais num dos mais importantes edifícios com  interesse histórico, arquitectónico e patrimonial dos que ali existem. Com parecer contrário da extinta Comissão do Património Histórico e Cultural, foi permitida a abertura de um vão que veio destruir a espacialidade restante da antiga muralha medieval de Cascais. Embora não integrado na listagem anexa ao PDM, este conjunto de edifícios situam-se numa das áreas mais relevantes em termos patrimoniais do Concelho de Cascais. A demolição do antigo edifício, feita com o licenciamento devido da Câmara Municipal, para além de não cumprir o regulamento deste plano, pois o imóvel em questão não se encontrava classificado, implicou a destruição de uma das mais importantes peças da memória histórica do município. Por outro lado, a demolição e a posterior construção do novo prédio foi efectivada sem que sequer tenha sido levada a efeito uma sondagem arqueológica no local! Num Concelho que se assume como um dos mais importantes da Área Metropolitana de Lisboa e eventualmente do próprio panorama Nacional, não é possível que se proceda desta forma com a memória dos seus habitantes!

A segunda condição que permite a alteração do uso dos edifícios, é a possibilidade de adaptação dos mesmos ao conjunto de características arquitectónicas do espaço envolvente. No caso supra mencionado, como é evidente, nem sequer esta condição se coloca, uma vez que todos os restantes edifícios, com excepção daquele onde funciona o Restaurante Baluarte, mantêm a traça original preservando a memória da antiga muralha do Castelo Medieval de Cascais. Através desta norma do PDM, à qual se vem juntar um profundo desconhecimento das equipas técnicas e dos quadros políticos municipais sobre as verdadeiras características do Concelho de Cascais,  é possível fazer desaparecer quase tudo aquilo que poderia contribuir para uma melhor promoção do Concelho e da sua eminente vocação turística.

No Artigo 36º, quando se aborda a questão da delimitação e da caracterização das novas urbanizações, o Plano Director Municipal de Cascais refere que cabe aos instrumentos de planeamento definidos no Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, a criação dos planos de urbanização e de pormenor, bem como nas actuações de edificabilidade, designadamente nas obras singulares ou nas operações de loteamento, definindo a sua estruturação urbanística tendo em conta a necessidade de conter o alastramento urbano desordenado, incoerente e de expressão sub-urbanizada e desqualificada.

Este norma, evidentemente importante num Concelho como o de Cascais que assiste a uma proliferação preocupante dos espaços em construção é, no entanto, perfeitamente desenquadrada da realidade, uma vez que é o próprio plano que a define que a contraria, criando especificidades urbanísticas importantes, como acontece por exemplo, no caso do Abano, do Cabo Raso, da Quinta da Marinha, da Quinta dos Ingleses, da Quinta do Barão, da Quinta das Taínhas, ou da Ribeira das Marianas, nas quais não são aplicáveis as normas regulamentares do PDM, salvaguardando-se assim a possibilidade de encontrar soluções alternativas mais adequadas aos interesses em questão. Mantendo  no Plano Director Municipal de Cascais as orientações programáticas que veiculem este ideia, está a promover-se o profundo desrespeito por Cascais e pelos cascalenses que, durante vários anos, caracterizou o Concelho. A injustiça latente verifica-se quando alguém que possui uma habitação numa área legal que se encontra fora do âmbito destas especificidades procura construir ou modificar uma janela, sendo obrigada ao cumprimentos burocráticos muito complexos e morosos que inibem a concretização do melhoramento, e cidadãos que, por sorte ou azar, possuem uma mesma habitação situada num espaço clandestino ou num local inserido numa das especificidades, pode concretizar o seu intento, sem sequer ter de se preocupar com as complicas formulações administrativas municipais.

Esta norma regulamentar é ainda possível, de acordo com o PDM, para suportar a possibilidade de ajustar a escalas mais adequadas os perímetros urbanos, constituindo zonas de amortização do processo urbano sobre a paisagem natural ou de expressão rústica. Por outro lado, procura garantir a obtenção de desenhos urbanos de condução pública indutores de qualificação urbana e redutores das expressões de periferia sub-urbanizada e de reduzido conforto estético-ambiental, que se traduzam em referências de valorização do Concelho de Cascais.

Como facilmente se percebe em qualquer passeio de Domingo pelo Concelho de Cascais, a aplicabilidade deste princípio, para além de se ter verificado completamente nula, ainda é contraposta com a urbanização com base comissional, de vastos recintos urbanizados situados em fronteiras com a paisagem natural ou com os núcleos urbanos de expressão rústica, destruindo por completo equilíbrios entre essas realidades que se caracterizavam fundamental pela sua antiguidade. A aldeia da Areia, por exemplo, é um caso sintomático da forma como este desregramento implicou o desaparecimento de grande parte das características rústicas do lugar, pois a demolição de importantes imóveis de génese rural, aliás incluídos em posição de destaque no único livro existente sobre a ruralidade cascalense que recentemente publicámos em Cascais (4), acabou por determinar a construção de novos edifícios que, ao abrigo de planos de pormenor elaborados como forma de garantir o cumprimentos dos preceitos do PDM, alteraram por completo a morfologia arquitectónica do lugar, e a paisagem rústica que ali existia.

No centro da aldeia do Zambujal, muito próximo daquele que foi, durante séculos, o espaço privilegiado de sociabilidade do local, foi cometida proeza semelhante. Com os licenciamentos municipais devidos, foi destruído por completo o núcleo original da primitiva aldeia oitocentista, sendo substituído por um único edifício de dimensões avantajadas que, não só demoliu de forma sistemática o que restava do antigo ambiente rural, como também condenou definitivamente a possibilidade de se reconverter a povoação, numa lógica de conforto urbano, àquilo que são os critérios de qualidade que o plano deveria procurar definir.

No mesmo artigo, o PDM afirma que a criação destas comissões deverá ainda salvaguardar a necessidade de se garantir a satisfação global das dotações em equipamentos para toda a área territorial urbanizável, incorporando os défices dos espaços urbanos envolventes, bem como a manutenção, a adequação e valorização das linhas de água do Concelho. Por outro lado, infere novamente a necessidade de criação de vastas áreas de espaços verdes, de recreio e de lazer que, em conexão com a qualificação das redes viárias permita à generalidade dos munícipes o usufruto das condições de vida satisfatórias que este tipo de equipamento supõe.

É verdadeiramente contraditório verificar que no Concelho de Cascais, pelo menos desde a entrada em vigor deste Plano Director Municipal, nenhum destes preceitos tenha sido cumprido. Pelo contrário! Na grande maioria dos casos, e principalmente naqueles que se prendem com necessidades efectivas da população, a desarticulação entre a rede viária e as estruturas e equipamentos de apoio tem-se agravado, agravando também a já de si preocupante degradação crescente em que se encontram os espaços verdes do Concelho.

Senão vejamos: em termos de rede viária, e com excepção da nova entrada em Cascais, que pouco resolveu em termos do já antigo estado caótico em que se encontra a circulação rodoviária na Vila de Cascais, nada mais foi feito em prol da criação de uma fluidez que garanta acessibilidade aos habitante do Concelho. Por outro lado, a recente política dos parquímetros, espécie de fisco acrescido que afecta todos aqueles que precisam  de trabalhar, agravou a questão do estacionamento, uma vez que, ao contrário do que seria de esperar, a rotatividade que se pressupunha com a colocação deste equipamento pura e simplesmente não se verifica. Em termos práticos, e sempre que um munícipe de Cascais precisa de utilizar a sua viatura particular para se dirigir aos transportes público, por exemplo à estação de caminhos-de-ferro de Cascais, deverá deixar o seu carro em dois locais distinto: ou em casa, tentando encontrar um autocarro que o transporte até ao centro dentro dos horários que permitam uma integração nos dos comboios e das empresas empregadoras; ou então, em último caso, em casa, empreendendo uma caminhada mais ou menos demorada mas que, pelo menos, o salva das intermináveis filas de trânsito que o acompanham até ao centro, e dos insuportáveis incumprimentos de horários por parte dos transportes públicos. De qualquer forma, e em termos dos equipamentos, normalmente situados em locais centrais das localidades, verifica-se que os mesmos se encontram amplamente inacessíveis ao cidadão comum, que, mesmo que o deseje, dificilmente a eles consegue chegar.

É fundamental, como aliás determina o próprio PDM, a criação urgente de uma comissão não-municipal,  integrando associações de moradores, colectividades, grupos desportivos e culturais, e outras instituições verdadeiramente representativas das populações, que aborde com eficácia o problema do trânsito no Concelho que, como facilmente se entende, deverá por sua vez orientar a política de urbanibilidade do Concelho em consonância com as suas directivas.

O Artigo 43º, integrado na Subsecção IV do Plano Director Municipal, abordando de uma forma que se pretendeu exaustiva a categoria de espaços de desenvolvimento turístico e, principalmente a sua delimitação e caracterização, vem uma vez mais contrariar muitas das afirmações mais peremptórias do próprio plano. Em primeiro lugar, afirma-se de forma taxativa, que nestes espaço não devem ser previstas ou autorizadas acções ou empreendimentos que, pela sua natureza, dimensão ou características, causem degradação das condições naturais, paisagísticas e do meio ambiente. Por outro lado, estas urbanizações não devem implicar um volume de tráfego incompatível com as condições de conforto, silêncio e bem-estar desejáveis nos espaços de desenvolvimento turístico, que não devem comprometer em termos da sua exequibilidade.

Como se sabe, quase todos os empreendimentos turísticos que têm sido aprovados para o Concelho de Cascais, têm trazido implicações graves ao nível dos problemas que se mencionam neste artigo. Relativamente às mais significantes, por exemplo aquelas que se prendem com a degradação dos equilíbrios ambientais e a destruição da paisagem, é fácil perceber que se situam no espaço consignado na área do Parque Natural Sintra-Cascais, assegurando assim que se colocam fora do âmbito de intervenção deste Plano Director Municipal. Ao contrário que deveria acontecer, o PDM remete permanentemente as decisões urbanisticamente mais importantes para o Decreto Regulamentar que enforma o funcionamento do parque natural, refugiando-se assim naquela instituição para diminuir as responsabilidades municipais na aprovação dos empreendimentos mais polémicos. A actual revisão do plano, pelas implicações que vai ter no futuro urbanístico do Concelho, e sobretudo por se encontrar também agora em fase de revisão o próprio decreto que determina a vivência e a gestão do parque, deveria conter em permanência uma orientação que garantisse a inclusão na legislação daquela instituição ambiental de membros efectivos que representassem o Concelho de Cascais. As responsabilidades urbanísticas da Câmara Municipal de Cascais, enquadradas nas normas regulamentares contidas no Plano Director Municipal, deverão ser obrigatoriamente alargadas aos espaços contidos no Parque Natural Sintra-Cascais e às áreas consideradas   normativamente especiais. A clareza e a justiça que deveria suportar o sistema democrático obriga a que os órgãos representativos dos munícipes  actuem de forma perceptível. No caso específico do Parque Natural Sintra-Cascais, e sobretudo após a determinação ministerial de anular as decisões da Comissão Directiva do parque relativas à urbanização ao Abano, a Câmara Municipal de Cascais remeteu-se a um silêncio profundo. Será possível esquecer que da Comissão Directiva que agora se encontra extinta fazia parte o Vereador do Ambiente da Câmara que é, ao mesmo tempo, membro da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista? Será que a Câmara Municipal de Cascais concorda com a afirmação do Ministro do Ambiente de que foram ilegais as autorizações emitidas pela Comissão Directiva da qual a própria Câmara fazia parte? E se não concorda, o que é que fez para clarificar a questão? Paradoxalmente, e embora o Plano Director Municipal encubra esse facto, a edilidade municipal teve sempre voz activa na Comissão Directiva do Parque, sendo, por tudo isso, co-responsável pelas decisões tomadas nesse âmbito.

Na Subsecção V do Plano, quando se determina a categoria de Espaços de desenvolvimento Singular, ou seja, do conjunto de espaços que se encontram fora do âmbito e das determinações do PDM, e sujeitos a regimes especiais de isenção, referem-se os seguintes espaços: Euronova Norte (94 hectares); Euronova Sul (75 hectares); Alto dos Gaios; Bairro das Marianas; Quinta do Patiño (47 hectares); Estação ferroviária de Cascais; Estação Ferroviária de São João do Estoril; Aeródromo de Tires; Estoril-Sol; Empreendimento Dom Carlos (Areia); Quinta da Bicuda (20 hectares); Guia; Mação; São Pedro/Parede (Bairro das Taínhas); Ribeira da Penha Longa; Complexo do Estoril-Praia.

Não são precisas muitas palavras para mostrar que este conjunto de lugares e de empreendimentos representa na sua quase totalidade os espaços mais importantes do Concelho de Cascais, nos quais as normas do Plano Director  Municipal não se aplicam...

No que concerne à delimitação, caracterização, usos e parâmetros urbanísticos dos espaços florestais, matéria na qual novamente assume importância inaudita a generalidade da área contida no Parque Natural Sintra-Cascais, verifica-se que o Plano Director Municipal  determina que os mesmos se compõem da generalidade dos espaços em que subsiste um coberto arbóreo natural, que deverá obrigatoriamente ser protegido, ou então daqueles que, pelas suas características intrínsecas, demonstram aptidão para a implantação de cobertura vegetal suficiente à recriação do equilíbrio paisagístico concelhio.

Nestas áreas são admissíveis, de acordo com a regulamentação do PDM os modelos de exploração compatíveis com as actividades agrícolas, silvícolas e pastoris, e todas as actividades que sejam adequadas à protecção do solo, bem como à recuperação do seu fundo de fertilidade. Refere ainda,  como forma de salvaguarda de eventuais desastres ecológicos que coloquem em risco a integridade florestal do Concelho de Cascais, a necessidade de, em articulação com a Administração Central, se promover a elaboração de planos especiais onde, designadamente, devem ser programados os caminhos corta-fogo com continuidade a assegurar nas áreas envolventes aos espaços florestais. Infelizmente, como acontece noutros artigos, também aqui se tem assistido a um total vazio implementativo por parte da autarquia, uma vez que o espaço florestal concelhio, pelo impasse causado pela institucionalidade do Parque Natural, se encontra num atroz estado de abandono, não só no que concerne aos caminhos corta-fogo, que se encontram em avançado estado de degradação, como também nos aspectos relacionados com deposições ilegais de lixos, sucatas e entulhos, bem como da implementação de construções clandestinas.

O Plano Director Municipal, enquanto documento representativo da vontade popular, e sobretudo neste momento de revisão, deve ser capaz de enquadrar a vinculação que é obrigatória entre os poderes e as instituições autárquicas e os espaços florestais. A alienação que a existência do Decreto Regulamentar do Parque Natural Sintra-Cascais provoca, é contraproducente em relação aos interesses de Cascais e, por esse motivo, deverá passar a esta contida no PDM. O que isto quer dizer, porque por muito que tal situação acarrete responsabilidades acrescidas à edilidade, é que o Parque, pelo menos na sua área integrada no Concelho de Cascais, deverá ser também alvo da acção, pelo menos fiscalizadora da autarquia, sob pena de, ao abrigo de formulações legais verdadeiramente preparadas para satisfazer necessidades pontuais, se proceder a um encobrimento do trabalho, da vontade e da dinâmica dos que se interessam pelo Concelho, em prol de uma desfaçatez que resulta da total desresponsabilização formal dos nossos eleitos. O incentivo à responsabilidade passa sobretudo pela inclusão no PDM do articulado que atribua à Câmara Municipal a responsabilidade pelo incumprimento da regulamentação do parque. Se é certo que o Parque Natural Sintra-Cascais é hoje, de uma forma institucionalizada, uma realidade de âmbito Nacional, não é com toda a certeza menos verdade, que o mesmo faz parte integrante da riqueza natural do Concelho de Cascais, devendo por isso ser salvaguardado a todo o custo.

No que concerne aos espaços de protecção e enquadramento, definidos no Artigo 50º da Secção VIIII do Regulamento do Plano Director Municipal, refere-se que os mesmos deverão privilegiar a protecção dos recursos naturais ou culturais salvaguardando  os valores paisagísticos e constituem áreas de compartimentação paisagística, de satisfação de procura urbana, oferecendo panorâmicas dignas de protecção. Estes espaços, que o PDM refere poderem encontrar-se nas unidades operativas de planeamento e gestão cujo uso dominante é urbano, devem destinar-se exclusivamente a estruturas verdes de âmbito secundário.

Relativamente a estas áreas, de facto fundamentais para diminuir o impacto negativo que resulta do desenvolvimento desconcertado do Concelho de Cascais que temos vindo a mencionar, é fundamental perceber que a sua implantação representa, de facto, a criação de uma espécie de cortina de aço que sustenta a manutenção da paisagem natural ou histórica onde ela exista. Por estes motivos, e porque as cartas de condicionantes que se anexam ao PDM são pouco claras, sobretudo em relação à verdadeira determinação das zonas onde se implantam estas áreas, é muito importante proceder a uma revisão integral da qualificação dos seus espaços, por forma a garantir que os mesmos abarcam a generalidade dos espaços de transição de paisagem que urge preservar.

Assim,  e para além das linhas de água e da área de transição que envolve a totalidade do território contido no Parque Natural Sintra-Cascais, é fundamental que o Plano Director Municipal integre ainda uma correcta delimitação dos perímetros dos núcleos históricos das diversas aldeias e locais do Concelho, bem como uma área de protecção integrativa da generalidade dos monumentos, habitações com importância histórica e sítios ou estações arqueológicas. A criação destas redes de espaços de protecção ou enquadramento, não só potencializa rentabilizando o aproveitamento turístico deste tipo de estruturas, como garante uma progressiva integração dos restantes espaços urbanos menos planeados naquilo que são as características naturais e culturais do Concelho de Cascais.  Nos espaços urbanos, a delimitação destas áreas deverá ainda obedecer a parâmetros bem definidos de redistribuição do amontoado paisagístico, facilitando assim aos urbanistas e projectistas a tarefa de rentabilização do uso indevido dos solos.

Outro dos aspectos fundamentais a ter em conta no Plano Director Municipal de Cascais, exigindo uma intervenção que garanta uma maior rigidez na aplicação das suas regras, e uma melhoria substancial na obtenção dos apoio sociais necessário a uma verdadeira requalificação do Concelho, é a da protecção do património histórico.

Foi com grande prazer que, em 1995, pouco tempos depois do início da exposição público do actual PDM, nos deparámos com uma frase de abertura no relatório que o acompanhava que patenteia as ideias básicas que defendemos para o desenvolvimento concertado do Concelho: “Cascais deve saber renunciar, sobretudo na sua expressão territorial, à tentação de seguir as especializações dos outros, afirmando a diferença que constitui a sua atractividade sustentável”.

Esta afirmação, obviamente eivada da necessidade efectiva de apoiar aquilo que os projectistas entendiam dever ser a vocação construtiva do Concelho, previa a possibilidade de se saber exactamente qual era o caminho a trilhar pelo Município, garantindo assim uma harmonia entre as diferentes sensibilidades políticas, económicas e sociais, que suportaria um favorecimento concertado das condições de vida dos munícipes.

Como facilmente se percebe, a necessidade de Cascais se assumir como Concelho orientador de estratégias na Área Metropolitana de Lisboa, e não, como muitos têm feito dele, um mero e fiel seguidor do que de melhor os outros vão conseguindo efectivar, é factor decisivo na determinação do que fazer nos próximos anos. Com a assumpção da sua especificidade, Cascais garante a possibilidade de exercer junto dos outros a mais valia que resulta das condições únicas que possui, potencializando as suas riquezas e promovendo uma relação bi-unívoca com os restantes, que rentabilize a utilização das suas próprias estruturas. Imaginemos, por exemplo, a necessidade efectiva de criação de alojamento específico para todos os habitantes de bairros degradados existentes no Concelho de Cascais. A assumpção de uma vocação turística, incompatível com a existência desse fenómeno, aliada à promoção do emprego e da sensibilização metropolitana desta vasta área, possibilitaria a resolução do problema através da criação de parceiras estratégias com outros Concelhos. Em casos mais específicos, como por exemplo a criação de um estabelecimento de ensino superior, ou de um grande hospital, a parceria funcionaria da mesma maneira.

De acordo com a expressão recentemente utilizada pelo Presidente da Câmara Municipal de Cascais, numa entrevista concedida ao Jornal A Capital (5), “de uma forma realista e sem bairrismo, julgo que será muito importante se, no triângulo que une Cascais, Sintra e Oeiras, perto de Talaíde, se concretizar a nova Universidade Católica”. A efectiva concretização deste tipo de projectos, que ninguém duvida que sejam importantes para o desenvolvimento com qualidade do Concelho, é fundamental a assumpção desta singularidade, na qual se efectivam as medidas necessárias ao seu aproveitamento e melhoria. 

De facto, quer pela já mencionada privilegiada posição estratégica no seio da Península de Lisboa, quer ainda por todas as características internas, o Concelho de Cascais é uma realidade única e inconfundível, não podendo nem devendo seguir pisadas alheias, nem tão pouco confundir a sua riqueza, paisagística, patrimonial e social, com aquela que caracteriza os Concelhos vizinhos. A sua história e os seus valores, transformam Cascais num sítio único, onde cada casa e cada jardim, semeados por entre as vastas superfícies dos antigos pinheirais comunicam ao cidadão os elementos básicos da sua vivência, As muitas fontes e moinhos, padrões e grutas artificiais, casais rurais e saloios, casas operárias e habitações aldeãs, em conjugação com os padrões comemorativos das muitas efemérides que decorreram em Cascais, formam um todo patrimonial invejável e que, caso estivesse preservado e fosse bem conhecido, poderia causar o espanto de muitos dos turistas que nos visitam, bem como dos próprios cascalense  de fim-de-semana que, mercê das necessidades quotidianas de deslocações a Lisboa para trabalhar, apenas possuem os dias feriados e de folga para o desenvolvimento do conhecimento sobre o seu local de habitação.

No entanto, e apesar da gloriosa expressão que utiliza para descrever o procedimento mais adequado à concretização das especificidades do Concelho, o mesmo relatório do PDM reflecte mais adiante sobre a sua vocação turística, referindo que a proximidade de outros Concelhos, promove, de alguma forma, a vertente lúdica do Concelho de Cascais: “[...] o turismo cultural e urbano tem condições de atractividade sugeridas pela proximidade de Sintra, Mafra e Óbidos”.

Como não podemos deixar de reiterar, é deveras preocupante, após ter sugerido o afastamento face aos modelos exteriores, que o Plano Director Municipal de Cascais vá procurar saídas para o seu desenvolvimento em municípios alheios, despromovendo desinteressadamente as riquezas que Cascais poderia oferecer. De facto, e ao contrário do que é veiculado por este estudo, o Concelho de Cascais possui vastas riquezas patrimoniais, tomando em conta o facto de que por património se entende o conjunto de imóveis de interesse histórico, cultural, económico, artístico, estético ou arquitectónico. Nesse sentido, são largas centenas os velhos casais saloios, rurais, aldeões e operários, exemplares únicos da arquitectura popular portuguesa e transmissores privilegiados de uma forma de viver e de correlação com o meio ambiente. Este imóveis, se bem que altamente degradados, são facilmente recuperáveis, quer devido à sua simplicidade tipológica e construtiva, quer devido ao facto de existir um grande número de casos em que os mesmos se encontram devolutos. É assim completamente incompreensível que a edilidade cascalense, neste documento orientador das políticas municipais em termos urbanos, promova a procura de exemplares patrimoniais em Concelhos alheios, despromovendo aqueles que subsistem em Cascais e traçando-lhes um destino que, desde 1995, tem levado à ruína e à demolição de várias dezenas de excelentes exemplos.

Fig. 1: Imóveis com Interesse Patrimonial em Estado de Ruína ou de Abandono

Freguesia

Abandonados

Em Ruína

Total

Alcabideche

27

75

102

Carcavelos

8

13

21

Cascais

20

19

39

Estoril

17

19

36

Parede

12

4

16

São Dom. de Rana

28

28

56

Total Geral

112

158

270

 

Em termos rurais, e como procurámos demonstrar através da obra já mencionada anteriormente, são ainda de salientar as presenças de inúmeros espécimes de casas senhoriais degradadas, mas ricamente exemplares na forma como determinaram a vivência concelhia nos anos em que se mantiveram em plenas funções. Exemplos desta situação, pela gravosidade que atestam, são o já mencionado caso da Quinta da Alagoa, agravada por ser desde há muito propriedade municipal, o Palácio da Ribeira da Penha Longa, o Palácio da Quinta do Marquês, o Casal da Assamassa, a Quinta do Pisão, a Quinta de Porto Côvo, a Quinta do Barão e a Quinta das Rosas.

Em termos concretos, o Plano Director Municipal, a partir da Secção I do seu Capítulo IV, intitulado “Das Condições Gerais e Específicas de Protecção e Valorização do Património Histórico”, estabelece um conjunto de regras que visam salvaguardar aquilo que o município entende ser o conjunto do património histórico do Concelho.  Partindo do pressuposto de que se entende por património histórico o conjunto de bens culturais e económicos de carácter natural ou produto da cultura e que constituem a identidade dos cidadãos e dos sítios, o PDM pretende criar princípios afirmativos que instituam uma política de salvaguarda dos valores intrínsecos que os mesmos possuem.

Nas alíneas a) e b) do Artigo 56º, o Plano Director Municipal determina que a protecção e a valorização das actividades tradicionais que, pela relevância de manutenção e enriquecimento do tecido social, não devem ser modificadas ou transformadas desnecessariamente por motivos de aparente rentabilidade económica, é ponto fundamental da política urbana do Concelho. Por outro lado, expressa ainda a preocupação de que a generalizada e descontrolada substituição de edifícios e o consumo desregrado de elementos naturais supõe um desperdício económico, social e cultural.

Na realidade, e principalmente no decorrer deste últimos anos, foram várias dezenas os imóveis com interesse patrimonial que desapareceram no Concelho de Cascais. A razão de ser deste fenómeno, mais do que com o resultado da acção inexorável do tempo, prende-se com o desinteresse, a incúria e o desconhecimento patrimonial e cultural que este Plano Director Municipal institucionaliza. Senão vejamos: a dada altura, quando se debruça sobre a necessidade de preservar, o PDM determina que o conjunto de imóveis de interesse patrimonial a defender deverá fazer parte de uma listagem que se encontra anexa ao plano. Uma análise mesmo pouco cuidado a esta listagem permite verificar vários aspectos dignos de um interesse especial: em primeiro lugar, é fundamentalmente muito reduzido o número de imóveis que fazem parte desta lista, mesmo quando comparados com aqueles que constam dos inúmeros levantamentos de património realizados pela Drª. Raquel Henriques da Silva e publicados nos Boletins Municipais, ou com as listagens oficiais do IPPAR ou da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Em segundo lugar, constam dessa listagem imóveis que se definem apenas pela seu uso ou natureza. Exemplo desta situação é a menção às casas de génese saloia de Alcabideche que surgem na lista apenas com esta designação. Os problemas que esta situação acarreta passam, logo à partida por saber quais são esses imóveis que o PDM considera que devem ser preservados. Em terceiro lugar, incluem-se na listagem em questão imóveis que, na altura da aprovação do PDM já haviam desaparecido. A situação mais paradigmática é a da Pensão Royal, no Monte Estoril, que a edilidade demoliu como forma de zelar pela preservação da segurança física dos transeuntes, e que, mais tarde, incluiu na lista como imóvel a preservar. Por último, integram-se na lista imóveis com grande importância patrimonial, mas, por razão inexplicável, omitem-se outros situados em locais muito próximos, e que, pelas suas características próprias merecem essa inclusão, sem que nem sequer sejam mencionados no plano.

Esta situação, aliás assaz curiosa quando comparada com aquilo que acontece noutras partes do País, onde, embora a riqueza patrimonial seja muito menor, as acções de recuperação e valorização do mesmo se fazem com especial incidência na componente divulgativa, tem contribuído de forma tristemente preocupante para o desaparecimento progressivo de inúmeros casos de exemplares únicos no nosso País. Como se pode ver na figura 2, existem actualmente no Concelho de Cascais algumas dezenas de imóveis em risco de desaparecimento eminente, devendo perceber-se que é fundamental uma adaptação do Plano Director Municipal às necessidades efectivas do momento, como única forma de se assegurar a manutenção dos equilíbrios que suportam uma verdadeira qualidade de vida no Concelho.

Fig. 2: Imóveis com Interesse Patrimonial em Risco de Desaparecimento

Nome

Local

Ano

Quinta do Marquês

Alcabideche

Século XVIII

Casais Velhos

Areia

Século I d.C.

Quinta da Alagoa

Carcavelos

Século XVIII

Casa Poitier

Cascais

1940

Casa dos Navegantes

Cascais

s.d.

Casa Pinto Basto II

Cascais

1905

Casa de Sabóia

Cascais

s.d.

Casa Sommer

Cascais

s.d.

Casa do Sol

Cascais

1946

Casa das Rosas

Cascais

1930

Casa dos Cunhas

Cascais

s.d.

Casa de Sant’Anna

Estoril

s.d.

Casa das Janelas

Estoril

s.d.

Casa da Torre

Estoril

Demolida

Casa Luís Teixeira Beltrão

Estoril

1923

Vivenda Monte Branco

Estoril

s.d.

Casa do Lido

Estoril

1957

Hotel Miramar

Monte Estoril

1889

Villa Pomares

Monte Estoril

s.d.

Vivenda Bela Vista

Monte Estoril

s.d.

Pensão São Boaventura

Monte Estoril

1900

Chalet da Condessa d’Edla

Parede

1901

Casa S.João Baptista

São João do Estoril

1921

Casa de Santa Maria

São João do Estoril

1923

Casa Particular

São João do Estoril

1900

Chalet Brito

São João do Estoril

1890

Casa Particular

São Pedro do Estoril

s.d.

Quando, no ponto 2 deste Artigo 56º, o Plano Director Municipal descreve a forma como deve ser promovida a protecção e valorização do património histórico, refere taxativamente que a mesma se faz através das condições gerais de protecção e valorização contidas na Lei em vigor designadamente a Lei nº 13/85 de 6 de Julho, a Lei nº 11/87 de 7 de Abril, que promove as bases da salvaguarda ambiental, e o Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais.

Neste último caso,  e pese embora o facto de estar correctamente formulada, esta indicação, peca por ser totalmente irrealista. A primeira ilação a retirar depois de se analisar os planos em questão, quer através do regulamento do PDM, quer através do Decreto Regulamentar que enforma o Parque Natural Sintra-Cascais, é a de que em ambos os documentos, e é preciso relembrar que o segundo não se encontra neste momento em vigor,  se promovem interconexões com o outro. O que isto quer dizer é que nenhum é omisso em questões patrimoniais, precisamente porque se complementa com aquilo que teoricamente deveria estar contido no restante. No entanto, e como facilmente se percebe, sobretudo no que diz respeito à salvaguarda do património histórico e arqueológico que subsiste na área de vigência do Parque Natural, a sua principal característica é o abandono galopante a que se encontra votado.

Embora não façam parte do conjunto de imóveis que o Plano Director inclui nas suas listagens, são inúmeros os exemplos de património com elevado interesse histórico, arquitectónico e paisagístico que existem na área do Parque que se situa em território do Concelho de Cascais e que são, pela situação atrás referidas, completamente obliterados. Estes imóveis, no entanto, estão todos eles classificados a nível oficial Nacional, estando por isso mesmo sujeitos a um cuidado especial em termos legais:

1.      Bateria Alta ao norte da Praia da Água Doce – Vestígios das muralhas que se situam entre o mar e o lado poente do Hotel do Guincho, na Freguesia de Cascais, classificadas como Imóvel de Interesse Público através do decreto nº 129/77 de 29 de Setembro;

2.      Cidadela de Cascais, incluindo a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz e a Torre Fortificada de Cascais – Incluindo toda a parte fortificada que está compreendida entre a Ponta do Salmodo e o Clube Naval de Cascais, na Freguesia de Cascais, classificadas como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 129/77 de 29 de Setembro;

3.      Estação Lusitana-Romana dos Casais Velhos – Povoado romano com complexo industrial possuidor de características únicas na Península Ibérica e integrando uma fábrica de preparação de púrpura, sito na Rua de São Rafael, Areia, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 29/84 de 25 de Setembro;

4.      Forte da Cresmina – Situado a sul da Praia da Água Doce, entre a Estrada Marginal e o mar, junto à EN 247, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 95/78, de 29 de Setembro;

5.      Forte de Santa Marta – Situado no lado direito da foz da Ribeira dos Mochos, na Ponta de Santa Marta, incluindo o Farol que possui o mesmo nome, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 129/77 de 29 de Setembro, e do Decreto nº 95/78 de 12 de Setembro;

6.      Forte de Nossa Senhora da Guia – Situado entre o Farol da Guia e a Lage do Ramil, junto à EN 247, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 129/77 de 29 de Setembro;

7.      Forte de São Jorge de Oitavos – Situado junto à Duna Grande de Oitavos, junto ao mar, encostado à EN 247, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 735/74, de 21 de dezembro;

8.      Forte do Guincho – Situado na ponta da Praia do Abano, na Freguesia de Alcabideche, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 129/77 de 29 de Setembro;

9.      Forte Novo – Situado em frente da Pedra da Nau, entre Santa Marta e a Boca do Inferno , junto à EN 6, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 129/77 de 29 de Setembro;

10.  Palácio dos Condes de Castro Guimarães, também conhecido por Torre de São Sebastião – Situado na Avenida Rei Humberto de Itália, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 45/93 de 30 de Novembro;

11.  Vigia do Facho – Situado na zona fronteira à Boca do Inferno, do lado Norte da estrada, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 129/77 de 29 de Setembro;

12.  Marégrafo de Cascais – Situado no Passeio Rainha Dona Maria Pia, a 30 metros da parte Este da Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, na Freguesia de Cascais, classificado como Imóvel de Interesse Público através do Decreto nº 67/97 de 31 de Dezembro;

Quanto aos imóveis com processo de classificação em estudo, no que concerne à área de influência do Parque Natural Sintra Cascais, o IPPAR aponta exclusivamente um único, facto que fica substancialmente aquém do número total de imóveis que merecem, pelo seu valor um cuidado especial por parte dos organismos públicos. A situação em vias de estudo apontada na listagem mencionada é a seguinte:

1.      Forte de São Braz – Situado no Cabo Raso, na Freguesia de Cascais, este imóvel encontra-se em fase de estudo, aguardando o IPPAR as instruções por parte da Câmara Municipal de Cascais;

Na Carta Arqueológica do Concelho de Cascais, da autoria de Guilherme Cardoso, apontam-se mais uma série de sítios, estações e jazidas arqueológicas que padecem do mesmo tipo de problemas dos imóveis anteriormente mencionados:

1.      Espigão das Ruivas – Situado na Freguesia de Alcabideche, no lado poente da Ribeira de Touro, apresenta vestígios superficiais da Idade do Ferro e do período romano;

2.      Peninha – Situado na Freguesia de Alcabideche, na encosta SE da Peninha, foi ali encontrado um achado isolado datado do período Mesolítico. Possivelmente encontrar-se-ão ali vestígios mais vastos deste período, caso sejam devidamente exploradas as imediações;

3.      Barragem do Rio da Mula – Situada na Freguesia de Alcabideche, na margem N da Barragem, foi ali encontrado um achado isolado datado do período Neolítico e Calcolítico;

4.      Gruta de Porto Côvo – Situada na Freguesia de Alcabideche, no lado Norte da antiga Quinta de Porto Côvo, é uma gruta natural, escavada por Carlos Ribeiro no Século XIX. Foram ali encontrados, associados a enterramentos, machados de pedra polida, facas de sílex, vasos cerâmicos, fusiola e ponta de seta de cobre. Há que destacar uma taça campaniforme de pé alto sem decoração, tendo-se ainda encontrado uma raspadeira de sílex nas parte superior do maciço calcário;

5.      Chão do Mato – Situado num bordo de planalto sobre a encosta poente da Quinta de Porto Côvo, na Freguesia de Alcabideche, ali se encontra uma concentração de fragmentos de cerâmica lisa, grosseira e friável;

6.      Cartaxas I – Era o antigo Casal das Cartaxas, hoje em ruínas, onde se encontraram fragmentos de cerâmica lisa e grosseira dispersos à superfície do terreno. Situa-se na Freguesia de Alcabideche;

7.      Cartaxas II – No vale a Sul do casal das Cartaxas foram encontrados fragmentos de cerâmica lisa dispersos à superfície do terreno. Os achados foram datados dos períodos Neolítico e Calcolítico;

8.      Barril – No Alto do Barril, a Norte do campo da bola da Malveira da Serra, foram encontradas lascas de sílex e fragmentos de mó. Situado na Freguesia de Alcabideche, este sítio foi datado do Neolítico e do Calcolítico;

9.      Miroiços – No planalto a Sul do Alto do Barril existe uma Villa romana com vestígios de muros à superfície do terreno, que permitiram a sua datação nos períodos romano e medieval;

10.  Abano – Situado no planalto junto às arribas entre o Forte do Guincho e o segundo espigão a Norte da Praia do Abano, aqui se encontraram vestígios de indústrias líticas sobre seixos e lascas numa antiga praia tirreniana. Na zona de contacto entre a parte inferior das dunas e a parte superior da praia, Leonel Ribeiro recolheu alguns machados de pedra polida. Esta jazida pode ser datada do Paleolítico Médio e Superior;

11.  Guincho Norte – Nas dunas a Norte da Praia do Guincho encontraram-se fragmentos de cerâmica isolados e alguns sílices datáveis do Calcolítico, da Idade do Bronze e do período romano;

12.  Murches I – Numa pequena elevação junto à serração de pedra foi encontrado um fragmento isolado de um grande vaso carenado datável da Idade do Bronze. Situa-se na Freguesia de Alcabideche;

13.  Guincho – No leito da Ribeira de Alcorvim encontraram-se restos de indústrias líticas sobre seixos e lascas. Existe também um estrato com fragmentos de cerâmica rolada datável do pelo Paleolítico e romano;

14.  Murches II – No centro da localidade de Murches foi encontrado um campo de túmulos, do tipo caixa, forrados com lajes de calcário e contendo mais do que um esqueleto. No interior de um dos túmulos encontrou-se uma vasilha de barro grosseiro, tendo sido também descoberta num muro uma lápide romana com inscrição. É datável do período romano e visigótico situando na Freguesia de Alcabideche;

15.  Bateria Alta – Aqui se encontraram fragmentos de um machado de anfibolite verde datável do período Neolítico ou Calcolítico, na Freguesia de Cascais, no espaço que se situa entre o Hotel do Guincho e a Estalagem do Muchaxo

16.  Crismina – Situado na Freguesia de Cascais, a NW do parque de campismo da Areia, aqui se encontraram alguns achados isolados datáveis do período paleolítico.

17.  Selão – Situado junto ao marco geodésico a Norte da povoação da Areia, na Freguesia de cascais, é uma nascente de água que alimentava a villa romana dos Casais Velhos, através de um aqueduto. Nos terrenos lavrados à roda da pequena elevação, onde se situa o marco, encontram-se indústrias líticas sobre seixos rolados, datáveis do período Paleolítico e romano;

18.  Cruz da Areia – À entrada da Quinta da marinha, junto ao hipódromo, foi encontrado um frontão de uma ara romana;

19.  Areia – Nos terrenos a Sul e a Norte da povoação da Areia foram encontrados alguns achados isolados datáveis do período Paleolítico;

20.  Cabo Raso – Entre os trezentos e os oitocentos metros a NE do Farol do Cabo Raso, na Freguesia de Cascais, foram encontrados fragmentos de cerâmica grosseira na base das dunas datável dos períodos Neolítico, Calcolítico e Bronze;

21.  Forte de Oitavos – Situado entre a linha de mosqueteria e o mar, foi um acampamento sazonal dos períodos Neolítico e Calcolítico;

22.  Boca do Inferno – Ao fundo das escadas de acesso ao mar, em plena Freguesia de Cascais, foram encontrados vestígios de uma antiga praia do Grimaldiano, com indústrias líticas sobre seixos, possivelmente do Languedocense;

De qualquer maneira, o ponto 3 do mesmo Artigo, referindo-se ao problema da actualização das listagem patrimoniais, refere de forma peremptória que o inventário do património arquitectónico que constitui o anexo I ao mencionado regulamento pode ser actualizado a todo o tempo, por proposta da Câmara Municipal de Cascais a aprovar pela Assembleia Municipal. Porque razão nunca se procedeu a esta actualização? Desinteresse? Incúria? Desconhecimento?...

O Artigo 57º do PDM, reafirmando a necessidade de conhecimento e de preservação que tem vindo a publicitar, inclui uma menção aos catálogos-inventários municipais de protecção e valorização. Neste artigo, e pese embora alguma qualidade que o envolve, o PDM refere que as condições de protecção e de valorização são estabelecidas pelas normas do seu regulamento, e progressivamente pela elaboração sistemática de inventariação e catalogação a produzir num processo de planeamento e decisão municipal ou supramunicipal, e que abranja pelos menos um conjunto de quatro catálogos ou inventários. Iniciando a descrição pelo catálogo dos elementos naturais e de paisagem, o PDM atribui também uma importância fundamental aos inventários do património arqueológico e arquitectónico, dos parques, jardins e elementos singulares de interesse relevante e ao dos  espaços urbanos históricos.

A pouco menos de quatro anos de distância relativamente à data de entrada em vigor do Plano Director Municipal, quando desapareceram já dezenas de imóveis historicamente importantes para o Concelho de Cascais, para a sua memória colectiva e para a consolidação da sua vocação turística, é difícil perceber porque razão não existe ainda nenhum destes catálogos ou inventários, bem como a razão pela qual a edilidade não promoveu, à semelhança do que aconteceu recentemente com a Fundação Cascais, parcerias estratégicas com a sociedade civil do Concelho, com vista à concretização atempada e com qualidade destes instrumentos de conservação, que o próprio PDM considera fundamentais...

Por outro lado, assume preocupação fundamental, o facto de nos encontramos agora a braços com uma situação verdadeiramente inquietante, em que mais de duas dezenas de imóveis se vêm a braços com a derrocada eminente, sem que existam os meios legalmente necessários à ultrapassagem da burocracia que permitira salvá-los.

No Artigo 63º do Plano Director Municipal, após referenciar a necessidade de, tal como acontece com o património arquitectónico, ser fundamental para a qualidade de vida no Concelho de Cascais a preservação do património arqueológico, o regulamento do documento aponta o facto de os sítios e estações arqueológicas referidas no Artigo 21º, nºs 3, 4 e 5 , estarem sujeitos a um regime de protecção especial, que obriga a parecer prévio do IPPAR qualquer intervenção desenvolvida no seu âmbito, bem como o acompanhamento obrigatório de técnicos de arqueologia em trabalhos efectuados nesses locais. Salvo raríssimas excepções, são quase inexistentes os casos em que se compre esta regra. O primeiro motivo que determina este problema e´, como não podia deixar de ser o desconhecimento completo e absoluto de tudo aquilo que existe no Concelho. Salvaguardada no desconhecimento que permanentemente utiliza como desculpa, o conjunto de sítios ou jazidas que a edilidade colocou nas listagens apensas ao PDM é, de facto, ínfimo. O que isto traduz, na realidade, é a possibilidade de abreviar de sobremaneira os casos em que a presença do arqueólogo e de cuidados especiais nas obras se torna necessária. Quantas vezes já viu um arqueólogo a acompanhar obras efectuadas nos perímetros consolidados dos núcleos urbanos de Cascais?... Quantas jazidas e sítios arqueológicos não desapareceram, desde a entrada do PDM, como consequência deste facto?

Como refere o PDM, qualquer desperdício a nível do desaparecimento de imóveis ou sítios de interesse patrimonial, social, histórico ou arquitectónico representa uma perda económica, social e cultural para o Concelho de Cascais!

No ponto 2 do mesmo artigo, procurando utopicamente fundamentar ainda mais a protecção que teoricamente garante ao património do Concelho, o Plano Director Municipal refere que na área do Concelho de Cascais, quem tiver encontrado ou encontrar em terreno público ou particular e no leito ou subsolo de águas interiores ou territoriais, quaisquer testemunhos arqueológicos, fica obrigado a dar imediato conhecimento à Câmara Municipal, que por sua vez informará, de imediato, o IPPAR, a fim de serem tomadas as providências convenientes.

Como é fácil de imaginar, o encontrar de vestígios arqueológicas numa propriedade particular, particularmente se se revelarem de grande importância ou significado, corresponde paradoxalmente a um incidente que convém imediatamente ultrapassar. A morosidade do funcionamento público em Portugal, aliado à complexidade de um sistema superiormente hierarquizado e burocratizado, faz de qualquer procedimento prático uma aventura quase inultrapassável. Para o proprietário particular que, no decorrer das obras para a construção de uma qualquer edificação no seu terreno, encontre um vestígio arqueológico,  a primeira coisa que faz é garantir que o mesmo desaparece de forma célere e imediata, pois sabe que a sua divulgação é suficiente para o protelamento das obras por vários anos. Com esta forma de actuar, como é que será possível salvaguardar os interesses arqueológicos e patrimoniais do Concelho de Cascais?

Para agravar ainda mais esta já de si bastante utópica situação, o ponto 3 do mesmo artigo do PDM refere que em áreas onde se presuma a existência de bens arqueológicos é obrigatória a execução de trabalhos prévios de prospecção, sondagens ou escavações, como condição ao licenciamento de quaisquer obras. Infelizmente, em situações paradoxais em que a importância dos vestígios arqueológicos já está comprovada, foram desenvolvidas obras após a entrada em vigor deste PDM, sem que tenham sido desenvolvidas quaisquer diligências que permitissem a salvaguarda da memória inerente aos artefactos. As obras no polémico empreendimento do Abano; o Bairro clandestino da Tira da Vinha, junto à Villa Romana de Freiria; as inúmeras casas que se construíram junto ao povoado romanos dos Casais Velhos; o alargamento da área de intervenção do aeródromo de Tires; para já não mencionar as centenas de construções particulares de pequena monta que consigo levaram uma das mais significativas partes da memória de Cascais, são apenas alguns exemplos de situações em que o património arqueológico de Cascais foi posto em causa.

No ponto 4 do mesmo artigo, o Plano Director Municipal refere que no caso de obras ou trabalhos em curso, quando foram encontrados testemunhos arqueológicos, aqueles devem ser de imediato suspensos até determinação em contrário da Câmara Municipal de Cascais, após audição de parecer do IPPAR. Por outro lado, reitera que a Câmara Municipal de Cascais assegurará a salvaguarda desses testemunhos, nomeadamente recorrendo aos técnicos de arqueologia dos serviços municipais, sem prejuízo de comunicação ao IPPAR. Com bases nestas intervenções municipais, o PDM determina que sejam criados três níveis de protecção referentes às áreas com vestígios arqueológicos:

1.      Nível 1Enquadrando todas as áreas com vestígios arqueológicos cuja localização é simplesmente conjecturável e de verificação a estabelecer por via da obrigatoriedade de realização de sondagens ou escavações, de acordo com o Artigo 41º. da Lei nº 13/85 de 6 de Julho;

2.      Nível 2Pertencem a este nível todas as áreas onde comprovadamente existam vestígios arqueológicos, entendíveis como reservas arqueológicas, conforme o Artigo 40º, nº 1, da Lei nº 13/85 de 6 de Julho., exceptuando aquelas que pelo seu especial interesse científico, artístico ou excepcional estado de conservação, sejam incluídas no Nível 3. As áreas a catalogar no Nível 2 são protegidas de destruição parcial ou total;

3.      Nível 3Pertencem a este nível as áreas com vestígios que possuam especial interesse científico, artístico ou excepcional estado de conservação, incluindo os sítios classificados ou em vias de classificação. As áreas a catalogar no Nível 3 são protegidas de destruição parcial ou total.

Como é evidente após tudo o que foi referenciado, é linear o entendimento de que em Cascais, salvo as excepções que são marcadas pelo facto de ainda possuirmos alguns imóveis classificados pelo IPPAR, não existem classificações de sítios ou jazidas arqueológicos em quaisquer desta categorias. Consequentemente, todo o palavreado contido neste artigo, para além de ser sublinhadamente portador de enorme qualidade e sensibilidade patrimonial, é completamente inconsequente, uma vez que para existir inclusão tipológica nestas categorias era necessário que existisse uma intervenção desenvolvida pelos técnicos municipais de arqueologia. Por outro lado, era fundamental, que as intervenções levadas a efeito, mesmo aquelas que se consideram ser de emergência, deveriam ser alvo da elaboração de um relatório e da sua posterior publicação o que, como se tem verificado nos últimos dez anos, nunca aconteceu.

A actual revisão ao Plano Director Municipal no que diz respeito ao património arqueológico, deverá conter a obrigatoriedade de a Câmara Municipal proceder às escavações, sondagens ou acções de prospecção sistemática de todos os sítios susceptíveis de possuírem vestígios, mas também a publicação dos seus resultados. De que serve a Cascais possuir uma equipa de excelentes arqueólogos municipais se os munícipes nunca viram qualquer relatório de escavação devidamente publicado?

No Artigo 69º do Plano Director Municipal, quando se apresentam as condições de execução de obras em locais ou edifícios de interesse patrimonial (que sabemos já que o PDM não sabe quais são!...), refere-se a necessidade de as obras de restauro garantirem que os elementos arquitectónicos e materiais empregues se adequam aos que apresentava o edifício antes de realizada a intervenção. Por outro lado, e sempre que o promotor deseje intervir nestes casos, é obrigatório que as obras de conservação conservem inalterados os elementos do projecto original e do desenho inicial do edifício, garantindo ainda que as obras de adaptação devem manter o aspecto exterior do imóvel.

As intervenções desenvolvidas de forma caótica no Concelho de Cascais após a aprovação do Plano Director Municipal,  e principalmente aquelas que tiveram lugar no caso consolidado e com características históricas da Vila de Cascais, caracterizam-se pelo total incumprimento destes preceitos, demonstrando que o Plano Director Municipal de Cascais, muito embora teoricamente muito razoável, necessita com toda a certeza de um poder político sensível e interessado para que possa  ser implementado.

O caso muito grave do edifício onde funcionava a antiga “Marelina”, na Rua Visconde da Luz; o edifício já mencionado da Avenida Dom Carlos I; as antigas cocheiras da Rua do Gama; a recuperação do imóvel onde se situava o “Restaurante João Padeiro”; a destruição completa do antigo núcleo da Rua Regimento dezanove de Infantaria, incluindo a “Casa do Retratista”; são apenas alguns exemplos das centenas de atentados patrimoniais que têm sido levados a efeito em Cascais, contrariando o Plano Director Municipal, e mostrando a sua inconsequência.

Os Artigos 76º e 78º, referentes à preservação dos núcleos históricos, são paradigmáticos ao nível da demonstração do estado de caos completo em que se encontra o património do Concelho. Referindo a imagem global dos núcleos, e sublinhando o facto de que é fundamental preservar e valorizar a imagem que resulta da paisagem construída, o PDM refere que se devem garantir a permanência e o enriquecimento progressivo das suas características morfológicas, nomeadamente as estruturas urbanas, as formas de agregação, as tipologias construídas, os materiais e cores, os ritmos e as dimensões de vãos. Para demonstrar a exequibilidade destes princípio, quando refere as obras permitidas, o Plano Director Municipal explica que nos espaços urbanos históricos é possível demolir, restaurar, ampliar, adaptar, conservar, reconstruir, reformar exteriormente e construir novos edifícios. Será que existe alguma diferença entre o que se pode fazer nos núcleos históricos e aquilo que é possível na generalidade dos outros lugares?!...

No Artigo 83º, quando se referem os aspectos relacionados com a utilização comercial dos edifícios com interesse histórico e patrimonial, o Plano Director Municipal determina que deve ser dada uma especial atenção aos projectos de instalação de superfícies de comércio, de forma a adequarem-se à expressão arquitectónica das edificações em que se integram e contribuírem para a sua valorização estética.

Como é possível observar por exemplo no já analisado edifício histórico que se situa na Avenida Dom Carlos I, em Cascais, é fácil perceber o carácter inconsequente desta medida.

Por último, na alínea 4 do mesmo artigo, frisa-se no PDM que o uso de portas metálicas enroláveis não é permitido, excepto nos casos tecnicamente justificáveis. Nestes casos, as portas de enrolar não podem ter caixas de recolha à vista e têm de ser pintadas em cores adequadas com o restante edifício.

Ninguém em cascais, incluindo aqui os fiscais municipais e os nossos eleitos autárquicos, deve ter percebido que este artigo existia no PDM, caso contrário não se percebe como é possível que quase todos os imóveis possuam este tipo de equipamentos...

 

(1)     HENRIQUES, João Aníbal Henriques, Para Uma Política Patrimonial de Carácter Municipal: O Plano Director Municipal de Cascais, Cascais, Fundação Cascais, 1995;

(2)     VIRILIO, Paul, Nem Tudo Terá Que Ser Uniforme em Cascais, Jornal Público, Edição de 02 de Julho de 2000;

(3)     A Fundação Cascais procedeu, de uma forma sistemática e aprofundada, a uma análise do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais e da actuação da sua Comissão Directiva ao longo dos últimos anos. As considerações finais deste trabalho, às quais se juntam algumas propostas concretas que permitam ajudar a redefinir um modelo coerente e consistente para abordar a riqueza ambiental do Concelho de Cascais, estão contidas e acessíveis através deste site.

(4)   HENRIQUES, João Aníbal, História Rural Cascalense, Cascais, Junta de Freguesia de Cascais, 1997;

(5) SÁ, Elisabete e MEDINA, Susana, Se Cascais Fosse Só Ricos Não Seria Eleito, Jornal A Capital, 8 de Abril de 2000, Pág. 5;

 

   

 

 

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