Fundação Cascais - PDM - Plano Director Municipal

 
 

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PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DE CASCAIS
Análise Estrutural e Funcional da Fundação Cascais

5.     Um Exercício de Determinação: a Génese da Ilegalidade

A vocação turística de Cascais, elemento fundamental da orientação da estratégia urbana contida no Plano Director Municipal, fundamenta-se no já mencionado conjunto de potencialidades naturais do Concelho que se complementam com diversos aspectos morfologicamente resultantes da intervenção do Homem.

A actuação humana em Cascais, como aliás tem acontecido em quase todos os sectores de vida no Planeta, caracteriza-se sobretudo pelas transformações que impôs à paisagem natural e ao ambiente do Concelho. De facto, as bases orientadoras da vertente turística municipal, para além de uma enorme proximidade àquilo que são as características inatas do espaço, fundamenta-se num vasto conjunto de situações que resultaram da intervenção do Homem. Os espaços habitacionais, por exemplo, são aspecto importante desta vocação, uma vez que o parque patrimonial de Cascais, característico pela sua especificidade face a Lisboa e à generalidade das localidades do País, é resultante da modificação, em alguns casos abrupta, que foi imposta à natureza.

Os espaços habitacionais principais, ou sejam, aqueles que traduzem um horizonte cronologicamente mais vasto, são, nesta linha de razões, aqueles que melhor podem fundamentar a vocação do Concelho. Por um lado, e tendo em conta a sua história e a forma prolixa como se desenvolveram, estes aglomerados contém uma memória distante que agrega em si grande parte do sentir da população. Por outro lado, pelas características que foram adquirindo ao longo do tempo, estes espaços estão dotados da monumentalidade que compraz a sua génese antiga, cativando o visitante para um período de permanência mais dilatado e, assim, para a rentabilização dos investimentos avultados que obrigatoriamente deverão ser feitos nesta área.

Os outros espaços habitacionais, ou sejam, aqueles que pelas suas características não possuem as bases que lhes permitiriam inserir-se nesta dinâmica vocacional, deverão ser entendido e tratados no Plano Director Municipal como espaço de apoio. Nestes locais, e tal como tem acontecido, por exemplo, no vizinho Concelho de Oeiras, o tratamento urbanístico deveria incidir na sua requalificação estrutural, criando uma mais valia que sirva de apoio a todas as actividades que o turismo, pela necessidade que possui de se associar a elevados padrões de qualidade, exige.

A reconversão das áreas urbana inseridas nesta classificação, das quais fazem parte grande número das urbanizações projectadas e construídas desde o início da década de cinquenta até à entrada em vigor do actual PDM, deveria obrigatoriamente passar pela criação de espaços verdes de qualidade e pela construção de estruturas de apoio hoje essenciais, como é o caso de ateliers de ocupação de tempos livres, de espaços vocacionados para o apoio às comunidades que se encontram em regime pós-laboral, de centros de reconversão profissional e de escolas, que correspondam, pela sua proximidade ao meio e à comunidade, à necessidade cada vez mais premente de se fundamentar uma cidadania que solidifique a municipalidade.

Nesta categoria de espaços, mais ainda do que nas zonas onde a génese histórica se afigura como traço fundamental, é importante ainda que se proceda a investimentos que sejam sinónimo de uma consolidação de um melhoramento da qualidade de vida dos habitantes. As zonas de recreio e os espaços públicos, pelas características que possuem, influenciam de uma forma assaz curiosa a segurança, o conforto urbano e a harmonia social nos locais de habitação. A terceirização que actualmente caracteriza o Concelho de Cascais, onde a faceta “dormitório” tem vindo a ganhar uma importância inaudita, obriga a que se recriem estas estruturas, sob pena de se passar a assistir a um fenómeno de anomia que contraria os parâmetros que regulam a verdadeira satisfação.

Uma terceira categoria de espaço urbanos, actualmente bastante profusos no Concelho de Cascais, são os que consistem em urbanizações recentemente projectadas e construídas. Principalmente após o início da década de noventa, Cascais conheceu um enorme incremento da sua área construída, tendo-se verificado um drástico e estratégico aumento do número de licenciamentos municipais a urbanizações e a novos fogos residenciais.

Neste tipo de espaços, nos quais a qualidade construtiva é sinónimo de um preço de venda final muito elevado, verifica-se que continuam a não existir as estruturas básicas que envolvem a recriação da referida cidadania que, como explicámos já, é peça fundamental na consolidação da memória colectiva. Muito embora o estatuto económico e social dos novos habitantes destes espaços, lhes garanta, pelo acesso à riqueza, um conjunto de parâmetros de vida que inibem determinados comportamentos, é certo que a progressivas descaracterização que acompanha o facto de grande parte destes novos munícipes não possuir qualquer espécie de ligação ao Concelho e à sua realidade social, tem contribuído também para a preocupante anomia que hoje ajuda a perceber Cascais.

O Plano Director Municipal,  enquanto elemento gerador de dinâmicas novas no seio do funcionamento estratégico do urbanismo cascalense, deverá obrigatoriamente enquadrar os fundamentos desta nova expressão, mostrando de forma muito arreigada, que Cascais só poderá reconstituir-se na sua vocação plena se, em primeiro lugar, conseguir recriar-se enquanto comunidade e enquanto sistema social. Os problemas ainda  recentes de um aumento drástico da criminalidade, normalmente associados a um afastamento concreto entre os cidadãos e o local de habitação, deverão ser respondidos através de um aumento da qualidade de vida genérica de todos os que habitam no Concelho, de forma a assegurar uma satisfação que, pelo seu carácter colectivo, permita a Cascais reconstituir laços próprios de sociabilização.

Uma outra categoria de espaço urbano, essencial na política municipal dos últimos anos e mal enquadrada pela regulamentação do actual Plano Director Municipal, é aquela que se prende com a ocupação clandestina do espaço territorial do Concelho, com os consequentes loteamentos ilegais e, sobretudo, com a pretensa reabilitação que se tem promovido, reconvertendo a ilegalidade em “Génese Ilegal”.

Acreditando que é extremamente difícil abordar de uma forma politicamente correcta aquilo que é o resultado de uma atitude de incúria e laxismo que caracterizou o Concelho de Cascais durante muitos anos, permitindo a consolidação da estruturação de verdadeiras redes de loteamento ilegal do espaço, é fundamental que a actual revisão do Plano Director Municipal possa fornecer orientações que façam divergir a actuação que tem sido levada a efeito.

Em primeiro lugar, e sobretudo no que concerne a espaços como estes nos quais a infra-estruturação praticamente não existe, e nos quais os índices de qualidade se situam abaixo do que hoje se considera o mínimo admissível, é imperioso perceber que esta situação deriva de procedimentos ilegais desenvolvidos por aqueles que hoje os ocupam. De facto, a grande falta de qualidade urbana nos espaços clandestinos, mais do que a qualquer processo de incúria por parte dos serviços camarários, fica a dever-se à forma como determinados cidadãos ultrapassaram a lei, e furtando-se às obrigações determinadas pela assumpção da sua cidadania, construíram as suas habitações ou oficinas de forma precária  e incoerente.

Em segundo lugar, porque grande parte destes espaços se encontram já completamente consolidados, é importante perceber que a sua integração na estratégia dinâmica do Plano Director Municipal é fundamental. Para que isto possa acontecer, sem que daí resulte qualquer espécie de encargo ou penalização para todos aqueles que cumpriram integralmente as suas obrigações legais, é importante que a reconversão seja suportada integralmente pelos prevaricadores, sobretudo no que diz respeito à requalificação arquitectónica e paisagística dos espaços.

Por último, e no que diz respeito às responsabilidades públicas municipais, é fundamental salientar que a última palavra neste processo deverá sempre caber à Câmara Municipal de Cascais e às diversas Juntas de Freguesia do Concelho, as quais deverão saber assumir os encargos inerentes à recriação das estruturas necessárias à consolidação da qualidade de vida daqueles que ali habitam.

A vocação turística do Concelho de Cascais, por muito que continuemos a ouvir o argumento de que foram processados os pagamentos necessários e, por isso  mesmo, os direitos deverão ser também iguais, não se compadece com a existência de vastas áreas do município nas quais a requalificação se faz exclusivamente à conta do erário público e  nos espaço exteriores dos loteamentos. A reconversão deste locais, que deveria obrigatoriamente estar contida nesta Plano Director Municipal, obriga a intervenções profundas e muito prolixas, nas quais a coragem interventiva se demonstra fundamental. Mais do que construir novos espaços que sirvam de apoio à reconversão os que já existem, os espaços clandestinos deverão ser alvo de acções de limpeza integral das suas características que se mostrem inadequadas à vocação do Concelho. O que isto quer dizer, é que o Plano Director Municipal deverá necessariamente recriar determinado número de parâmetros que se verifiquem fundamentais para a inclusão tipológica das habitações no parque patrimonial do Concelho, reservando-se o direito de demolir e obrigar à reconstrução de todas as estruturas que não cumpram estes quesitos mínimos. Este princípio de actuação é obviamente fundamental, sobretudo se atendermos ao facto de que, actualmente, quem está a pagar as consequência negativas para o Concelho de Cascais, destes inúmeros incumprimentos são precisamente aqueles que, mesmo tendo podido aproveitar-se da situação laxista de outrora, teimaram em cumprir integralmente as suas obrigações. Este encargo acrescido que os cidadãos de Cascais suportam para ajudar à consolidação da sua municipalidade, é uma factura pesada que inibe todos aqueles que aqui habitam de perceber uma política municipal que, a todo o custo e com as verbas necessárias à oferta das condicionantes que todos necessitamos para viver melhor, oferece aos incumpridores as regalias próprias que os outros tiveram de pagar.

Como é evidente, e como frisámos já, estamos de acordo com o facto indesmentível de que é muito difícil lidar com este enorme problema. No entanto, e porque o futuro de Cascais passará, após a reaprovação deste Plano Director Municipal, pelas regras urbanísticas por ele impostas, não se pode também fechar os olhos à ilegalidade, promovendo a continuidade do descontrole urbanístico, nem tão pouco a forma pouco cuidada como se promove a legalização maciça de todos estes espaços degradados. As regras contidas neste Plano Director Municipal promovem a continuidade da ilegalidade, sempre encoberta com a capa da génese ilegal mas que, em termos concretos, acaba por resultar na legalização integral dos loteamentos ilegalmente criados, sem qualquer espécie de cuidado prévio com a criação das condições básicas que lhe permitiriam a inserção qualitativa na vocação do Concelho de Cascais. 

O procedimento, que a actual revisão deverá contrariar, permite que os antigos loteamentos sejam considerados em vias de legalização, tornando-se assim legais a totalidade dos lotes, incluindo os construídos e aqueles que ainda se encontram por construir. A generalidade dos edifícios já edificados é assim, pelo menos teoricamente, alvo de um processo de reconversão, que passa sobretudo pelo pagamento das taxas devidas e pela ligação à rede pública de saneamento, enquanto que os lotes não construídos ficam imediatamente aptos para futuros projectos de construção. Neste preciso momento, e é fundamental não esquecermos que nos encontramos no limiar do Século XXI, existem em Cascais dezenas de imóveis legalizados desta forma que estão presentemente em construção. Sendo considerados de génese ilegal, estão à priori dispensados do cumprimento das normas regulamentares urbanísticas que deveriam promover a criação de um fundamento de qualidade para o Concelho.

Numa publicação recente da edilidade,  na qual se abordava de forma propangandística a reconversão das áreas de génese ilegal, a autarquia incluiu diversas fotografias de espaços com estas características tiradas em épocas cronologicamente distintas. O primeiro conjunto de imagens mostra determinado número de bairros ilegais em 1995, quando este Plano Director Municipal ainda não estava em vigor, e quando o trabalho de reconversão da Câmara Municipal ainda se encontrava numa fase incipiente. O segundo conjunto, mostra os mesmos espaços no final do ano de 1999, quando já estava concretizada uma parte significativa do plano de reconversão, e quando as normas do PDM já permitiam a concretização da política urbanística deste executivo. Como é fácil de perceber através de uma análise mesmo pouco cuidada destas fotografias, a generalidade dos espaços apresentados foi, em termos da sua imagem externa, profundamente alterada, sendo agora visíveis as estradas e os passeios, que melhoram substancialmente o seu aspecto exterior. Em relação às casas propriamente ditas, é também bastante fácil verificar que as mesmas se encontram em termos da sua evolução, num estado muito mais acentuado, apresentando na generalidade dos casos acrescentos e evoluções que, contrariamente àquilo que seria de esperar, demonstram que a legalização pressupôs um aumento da área construída e não o contrário. No que concerne às suas características tipológicas, é preocupante a observação de que grande parte dos pormenores arquitectónicos de cada um dos imóveis, nomeadamente as decorações em azulejos, os muros de altura excessivas, as pinturas multicolores, a utilização de aproveitamentos de cantarias, e as inúmeras ameias, torreões, e sinetas, desvirtuando aquilo que são as características básicas da edificabilidade cascalense, se mantêm após ter sido concretizado o processo reconversivo.

Assim, se é indiscutivelmente verdade que se torna difícil abordar uma reconversão profunda das dezenas de bairros ilegais do Concelho de Cascais, sobretudo pelas consequências sociais que tal acção acarretaria, é também fundamental perceber que a verdadeira requalificação destes espaços, pelo menos garantindo um mínimo de capacidade integrativa que permita a sua correcta inserção no tecido social e urbano do Concelho de Cascais, é empreendimento de fácil concretização através da criação de um quadro tipológico neste Plano Director Municipal ao qual se possam ir adaptando os imóveis.

Por último, e ainda no que concerne a este preocupante problema que afecta o Município de Cascais, é fundamental reflectir de uma forma isenta e independente sobre aquilo que serão as taxas de crescimento da população, com base nos parâmetros e nos indicadores que nos fornecem as acções de reabilitação urbana dos espaços clandestinos.

A já referida legalização dos loteamentos, incluindo espaços construídos e por construir, está a promover a continuidade de crescimento das áreas que a edilidade denomina “espaços de génese ilegal”. A realidade visível, principalmente em zonas tão sensíveis como toda a área envolvente de Polima e Outeiro de Polima, é que  as edificações que se encontram agora em fase de acabamentos, e que foram construídas já depois da institucionalização deste Plano Director Municipal, para além de manterem as características tipológicas das verdadeiramente clandestinas que as precederam, alargam de sobremaneira o espaço edificado. De acordo com estudos preliminares realizados com base em censos não oficiais, é possível determinar um crescimento urbano nestes espaços legalizados que rondará os 50% da actual área construída. Ora, como se sabe, um acréscimo desta ordem, pressupõe uma aumento brutal do número de habitantes que, conforme facilmente se verifica, continuarão a ser servidos pelas mesmas estradas, pelos mesmos estacionamentos, pela mesma polícia, pela mesma estação de correios, pelo mesmo hospital, pelo mesmo centro de saúde, pelo mesmo mercado abastecedor, que estava ao dispor de uma população muito mais reduzida que, em 1995, ali habitava.

A reconversão dos espaços clandestinos, actividade de importância crucial para a consolidação da vocação turística de Cascais, deverá iniciar-se através da criação de especificidades técnicas no Plano Director Municipal que suportem uma verdadeira requalificação das áreas degradadas. Para tornar efectivas estas medidas, e obviamente obrigando a um acto de coragem política, é necessário proceder-se a uma imediata paragem na emissão de novos alvarás de construção para estes espaços; à demolição de todas as obras ilegais que continuam a surgir em torno dos espaços entretanto legalizados; à reconversão arquitectónica dos imóveis que se destaquem negativamente pela incapacidade de integração nas características tipológicas do património cascalense; e a recuperação ambiental e urbanística prévia  destes bairros, fornecendo-lhes as condições básicas em termos de qualidade que lhes garanta um verdadeiro enquadramento.

Entretanto, e no que diz respeito à capacidade de efectivo crescimento do número de fogos construídos, nestes espaços clandestinos e naqueles que legalmente estão a surgir em vastas áreas do Concelho, é fundamental frisar a necessidade de esta revisão do Plano Director Municipal se alicerçar num reconhecimento profundo da capacidade de resposta das infra-estruturas municipais.

O saneamento; a rede pública de distribuição de água, de gás e de electricidade; o escoamento viário; o parque escolar; o apoio hospitalar; o estacionamento; e os espaços verdes; antes de qualquer outra medida, deverão ser equacionados, uma vez que sem existir capacidade de resposta a este nível, dificilmente se perspectiva a assumpção eficaz da vocação do Concelho e, sem que isso aconteça, é quase impossível zelar pela qualidade de vida daqueles que aqui habitam ou trabalham.

A continuidade esta política de legalização forçada e apressada destes espaços, mesmo que fundamentada na necessidade de oferecer aos que prevaricaram sem que o poder político tenha tido oportunidade de os fiscalizar, as condições de vida mínimas que lhes garantam qualidade, vai obrigatoriamente acarretar uma diminuição da qualidade de vida dos que, mesmo cumprindo integralmente as suas obrigações, se vêm agora compartimentados entre filas intensas de trânsito para chegarem ao trabalho; impossibilitados de estacionar o carro; impossibilitados de tomar banho devido à grande falta de água; ou influenciados negativamente pelo clima hostil de insegurança que vai grassando em consequência da crescente descaracterização municipal.

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