Fundação Cascais - PDM - Plano Director Municipal

 
 

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PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DE CASCAIS
Análise Estrutural e Funcional da Fundação Cascais

3.     Uma Vocação Cosmopolita Integrada na Realidade

A história recente de Cascais desde meados da década de setenta, quando as transformações políticas impuseram escolhas e critérios novos na sua governação, modificou radicalmente as premissas da sua gestão urbana.

O envelhecido PUCS – Plano de Urbanização da Costa do Sol, a partir de meados do século deixa de corresponder às expectativas que resultaram da procura crescente que se acentua desde o final da Segunda Guerra Mundial. O resultado, como bem refere o relatório elaborado pela equipa que coordenou a concretização do actual Plano Director Municipal,  foi uma acentuada degradação ou ausência das redes de apoio e de uma configuração urbanística que se caracterizava pelos desequilíbrios territoriais crescentes que arrastavam também os fundamentos funcionais e sociais do Concelho, comprometendo a saúde global dos sistema e o futuro próximo.

Cada um destes sistemas, por seu turno, trazia à população grande implicações negativas ao nível das acessibilidades, dos transportes, do estacionamento, da distribuição de água, do saneamento básico, e dos restantes bens de consumo imediato. O urbanismo planeado, que se procurou com a aprovação do documento que actualmente se encontra em vigor, permitiria assim a criação de uma estratégia territorial e vocacional precisas, das quais resultaria teoricamente um reforço ao nível das referências e, desta forma, uma consolidação económica que suportaria um reajustamento das restantes premissas.

A realidade, no entanto, acabou por assumir-se obviamente diferente daquela defendida pela referida equipa no Concelho de Cascais. As indefinições sentidas ao nível da estruturação de fundamentos, aliadas a uma inconsequente absorvência de modelos estereotipados que se demonstrou serem completamente desadequados à realidade cascalense, promoveram, de facto, “a reafirmação de Cascais na capitalidade de Lisboa”, mas esqueceram por completo a vocação própria de um Concelho onde, há mais de cem anos, a vocação turística se assumia como caminho fundamental.

A consensualidade da vocação turística de Cascais, construída desde que no início da segunda metade do Século XIX o Visconde da Luz inicia o processo de reestruturação sistemática dos mais importantes eixos estratégicos da Vila, e ainda para mais fundamentada na efectiva inclusão desta directiva naquilo que é o paradigma institucional de Portugal no seio da Comunidade Europeia e do Mundo, transformou-se num princípio que, pese embora a sua não assumpção neste Plano Director Municipal, era indiscutivelmente o caminho de excelência que os cascalenses trilhavam desde há muito.

Sendo o turismo a principal expressão dessa realidade, e tomando em especial linha de conta os inúmeros atractivos naturais que Cascais e o restante território concelhio oferece a todos aqueles que nele habitam ou o visitam, fácil se torna perceber que a assumpção da vocação concelhia neste PDM deveria passar, rentabilizando os recursos próprios e uma história já longa e profícua, pela consideração deste sector como principal caminho em direcção a um progresso e a um desenvolvimento que estivesse em consonância com aquilo que eram os interesses dos cascalenses.

A necessidade de travar um processo paulatino de degradação que vinha desvalorizando, de forma apática, os principais factores incentivadores de uma visita à Costa do Estoril,  através do incremento da qualidade de vida na própria região, e de uma valorização da sua oferta turística de relevo, parecia ser o caminho natural definido por um poder local interessado na revalorização do seu material de trabalho, e na rentabilização das potencialidades próprias do local, que garantiriam um esforço financeiro e político menor, bem como uma consequente melhoria ao nível da representatividade que deve suportar a sua soberania.

Nesta perspectiva, e integrando na gestão municipal a necessidade de se promover a sustentabilidade da actividade promocional de fomento turístico, fácil é perceber que o caminho a percorrer deveria conter em si próprio os fundamentos de uma intervenção que, em larga escala, permitisse a Cascais remodelar por completo a sua estruturação interna, requalificando a vida dos seus munícipes, como única forma coerente de se requalificar também na sua oferta turística externa. Na actualidade, e ao contrário do que aconteceu noutras épocas, o turismo de qualidade deverá sempre sustentar-se numa qualidade de vida que permita aproximar os cidadãos que habitam no espaço com os seus mais cosmopolitas visitantes, promovendo uma interacção que garanta a ultrapassagem dos obstáculos e a reciprocidade ao nível dos interesses e das alternativas.

Pedro Luís Cardoso, num artigo recentemente publicado num jornal regional do centro do País, referia a actividade turística como único caminho de futuro num Portugal marcado profundamente pelas vicissitudes de uma integração comunitária desigual e pouco alicerçada. Para este ilustre cascalense, numa situação facilmente aplicável a Cascais, as antigas definições de qualidade turística foram grandemente transformadas com a mudança de século e de milénio. As políticas da promoção exclusiva do sol, da praia e do mar, numa alusão concreta àquilo que foi comum às áreas de vocação promocional do nosso País, estão hoje evidentemente ultrapassadas por um sol que conscientemente sabemos que faz mal; por uma praia suja e que dificilmente conseguiremos limpar; e por um mar que, embora ainda o maior de todos os recursos do Homem sobre o planeta terra, se encontra altamente poluído, provocando problemas de saúde que obrigam a que muitos, cada vez mais, o venham a evitar.

O Concelho de Cascais, marcado pelo sol, pela praia e pelo mar, com as costas voltadas para a Serra de Sintra, para o Parque Natural Sintra-Cascais e para as belezas incomensuráveis da sua ruralidade, é assim um espaço condenado a um turismo de parca qualidade do qual não pode resultar nenhum benefício para a qualidade de vida dos cidadãos.

A vocação turística de Cascais, se assumida de forma coerente neste importante documento que marca a gestão urbana do Concelho, passará assim obrigatoriamente por um cuidado especial com os três elementos fundamentais desta actividade. A requalificação integral das praias, hoje mais importantes pela sua envolvência e pelos seus elementos de apoio do que propriamente pelas suas características terapêuticas, deveria assim abrir a orientação vocacional do Plano Director Municipal, que enquadraria com toda a certeza os elementos necessários à criação de estruturas de acesso, de exploração e de movimentação, que em interacção com os habitantes, recriassem um bem-estar e uma qualidade que potenciasse a reabilitação urbana pela qual todos auguramos.

Por outro lado, a assumpção desta realidade, num quadro conjuntural que progressivamente vai transformando Portugal num País eminentemente vocacionado para o sector terciário, obviamente contribuiria para a criação de corredores turísticos que permitissem a Cascais a objectivação de parcerias estratégicas com outros Concelhos, localidades ou Freguesias da Área Metropolitana de Lisboa.

Hoje, numa época em que o turismo e as suas principais componentes se efectivam a partir de uma dinâmica muito genérica que abarca praticamente todos os sectores da vida em sociedade, a transdisciplinaridade institucional, apoiada na necessária inserção do Concelho naquilo que são as principais viabilidades desta grande região, é fundamental para Cascais a recriação de contactos que efectivem o estabelecimento deste aproveitamento estratégico. O Plano Director Municipal que se encontra agora em vigor, mais do que definir o caminho vocacional do Concelho, deveria fornecer orientações que permitam aos promotores um investimento congruente seguro e verdadeiramente produtivo.

Quando este documento aponta, na sua visão estratégica do Concelho de Cascais entre 1994 e 2004, para a grande importância turística deste município exclusivamente baseada na proximidade dos Concelhos limítrofes de Sintra e de Mafra, está a assumir a necessária terceirização das nossas estruturas, e a efectiva reconversão da vocação cosmopolita de Cascais para um espaço de dormitório no qual a mais valia se situa precisamente ao nível da ocupação urbana do espaço. A totalidade da zona interior do Concelho, e principalmente aquela que se situa a norte da Auto-estrada, deverá ser entendida estrategicamente como o espaço fundamental na criação de fundamentos para o aproveitamento dos potenciais naturais desta região.

Em primeiro lugar, e inserido numa estratégia global que o Turismo de Lisboa tem vindo a divulgar, os operadores locais deveriam usufruir de meios e de acessos que lhes garantissem uma proximidade relativa maior face à Capital. De facto, Lisboa, com toda a sua oferta de qualidade a nível cultural e artístico que hoje apresenta, assume-se cada vez mais como pólo principal de uma região que, quer queira quer não, de si depende. Basta pensar, na lógica do visitante, que dificilmente conseguiremos receber e hospedar na Costa do Estoril um turista que não reserve alguns dias para visitar a Capital. Esta ilação, baseada na necessidade de assegurar para Cascais uma posição de destaque e especial relevo na espacialidade de Lisboa, obriga a que se estruturem e se fundamentem os resquícios de uma monumentalidade que tem sido esquecida ao longo dos anos, e que, contrapondo-se à lógica do mar, do sol e da praia, complementa o menu informativo que augura à Costa do Estoril um excelente reforço das suas capacidades de hospedagem. 

Por outro lado, a delimitação deste corredor estratégico de desenvolvimento turístico na região norte do Concelho, obviamente alicerçado na especificidade cultural e monumental daquele espaço, implicaria a requalificação e o aproveitamento de muito daquilo que hoje se considera “desordenado”, “envelhecido” e “ultrapassado” no actual PDM. A monumentalidade histórica de génese rural, por nós entendida desde há muito como complemento indispensável a um aproveitamento turístico de qualidade, deverá ser rentabilizada, criando-se estratégias e espaços que, pela especificidade técnica que os compõem, se transformarão em pólos congregadores de uma nova oferta e, consequentemente, de uma procura turística que se enquadra nas modernas directivas daquele sector de actividade.

O Concelho de Cascais, ao contrário do que parece estar subentendido no actual relatório do Plano Director Municipal, possui uma riqueza patrimonial difícil de conceber por parte de todos aqueles que não nasceram ou vivem no seu seio. As velhas edificações, muitas delas milenares nas suas raízes genéticas, em conjunto com uma comunidade humana na qual a apetência natural para a adaptabilidade se tem vindo a acentuar desde o início da sua existência política e institucional, formam uma frente contínua de potencialidades que impelem obrigatoriamente o poder político a assumir de forma institucionalizada a sua vocação.

Para que seja possível concretizá-la, e sobretudo para que dessa concretização resulte uma harmonia que traduza qualidade de vida para os habitantes e para aqueles que o visitam, o Concelho de Cascais terá obviamente de recriar as condições básicas de absorção política, económica, social e cultural que permitam, por um lado, a plena integração dos visitantes, nesta lógica de aproveitamento dos seus potenciais naturais, e por outro, a miscenização cultural indispensável à manutenção de uma identidade municipal que culturalmente impeça os novos cascalenses de se apartarem das raízes do seu novo espaço de habitação.

A favorecida localização costeira de Cascais, beneficamente apoiada na fácil acessibilidade a Lisboa e a Sintra, não deverá ser factor condicionante da assumpção da complementaridade cultural das duas principais zonas que compõem o Concelho. A zona de costa, com as suas praias banhadas pelo sol e com os seus alvos areais, jamais será destino turístico de qualidade enquanto o interior continuar a possuir problemas graves de saneamento, de distribuição de águas, de acessibilidade, de estacionamento, e de escolaridade. A memória colectiva cascalense, que durante vários séculos suportou a coesão interna do município, deverá ser sujeita a uma adaptabilidade natural que desapareceu com a instalação do caos urbanístico de meados da década de setenta, e que, mais do que qualquer outro factor, contribui negativamente para a qualidade de vida dos cidadãos.

Enquanto não existir um interior situado a norte da Auto-estrada que possua condições semelhantes ao litoral, somente possível com  a assumpção neste Plano Director Municipal da vocação turística de Cascais, jamais possuiremos uma identidade que assegure segurança, bem-estar e, consequentemente, consciência colectiva no Concelho. A componente vocacional que temos vindo a sublinhar e que se consubstancia na necessidade premente de garantir a todos uma plena satisfação e um equilíbrio estrutural, fundamenta-se necessariamente neste documento, devendo estruturar as condições que permitam a Cascais a sua completa autonomia e funcionalidade.

A descaracterização que hoje acompanha o pretenso desenvolvimento do Concelho, pouco preocupante se nos ativermos à zona de habitabilidade nobre da região litoral, mas deveras importante quando nos debruçamos sobre o desregrado espaço urbano do interior, tem sido factor de extrema negatividade na efectivação de um movimento verdadeiramente tradutor de modernidade e de equilíbrio. Esta situação, que se sucede como consequência desde sempre previsível da destruição das suas raízes culturais, resultante da entrada de novas populações que não encontram aqui os elementos necessários à sua identificação, acaba por trazer para Cascais sérios problemas ao nível do seu desenvolvimento social. As segundas gerações, já compostas de cascalenses de gema que nasceram e foram criado no nosso espaço, nada conhecem da sua história e das suas gentes, incompatibilizando-se  com  a população vizinha e contribuindo decisivamente para a desagregação das relações de vizinhança e de comunitarismo que sempre nos caracterizaram.

Quando se verifica o aumento da criminalidade e da falta de segurança aliadas a uma progressiva degradação do património edificado, é normal enviar as culpas para as dificuldades estruturais que o País atravessa esquecendo-se quase todos, da falta de empenhamento demonstrado pelas entidades competentes na orientação de políticas locais de recaracterização e de planeamento que, embora sem o intuito de se tornarem definitivas, poderiam contribuir para o alicerçamento dos laços de afinidade entre o povo e o meio físico envolvente. Ninguém destrói a sua própria casa de livre vontade, nem contribui para que os outros o façam por si; pelo menos de forma consciente... O que se passa em Cascais, como também noutras partes deste País, é que o município já não pertence aos munícipes, e estes, obviamente por se encontrarem completamente desligados dos órgãos de poder, não sentem pelo espaço em que habitam a mais pequena centelha de amor, acabando por estragar e destruir aquilo que, muitas vezes à custa de muito esforço, construíram aqueles que os antecederam na ocupação desse espaço e a quem foram fornecidos os elementos necessários à efectivação dessa ligação sentimental. Cascais não são só os quilómetros quadrados que o formam; Cascais é, sobretudo, um sentimento comum de união, onde estão integrados o património, a história, a as gentes, a cultura e o meio.

Quando no relatório do actual Plano Director Municipal de Cascais a equipa técnica que o elaborou afirma, de uma forma peremptória, que ali se integram as induções contidas em diversos programas e documentações oficiais, referindo o Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais, o PROTAML, e o Plano de Ordenamento da Orla Costeira, como elementos conglomeradores da reafirmação da especialidade funcional de Cascais, esquece-se do facto de que sem a orientação racional e supra programática que envolve cada uma desta iniciativas, elas se tornam completamente improdutivas e desarticuladas. O Parque Natural Sintra Cascais (ver: http://pagina.de/fc-ambiente) (3), a orla costeira, ou qualquer outro dos grandes empreendimentos de gestão nesta região da Área Metropolitana de Lisboa, aos quais se aliam os mega projectos de uma marina, de um palácio de congressos, de um enorme centro cultural ou de uma qualquer centralidade de transportes, só fazem sentido se existir integral estruturação e planificação entre todos. De que serve uma marina, situada num dos mais paradisíacos pontos turísticos de Cascais se, por um lado, a acessibilidade e o estacionamento não permitirem o seu usufruto e, por outro, se a segurança física e patrimonial daqueles que a frequentam não estiverem assegurados?

A actual revisão do Plano Director Municipal de Cascais, neste momento de charneira entre um Cascais tecnicamente adaptável às vicissitudes e aos interesses de um progresso rápido e despreocupado e um Concelho estruturalmente preparado para responder com qualidade aos desafios do futuro próximo, é assim um dos pontos mais importantes da agenda política deste município nos próximos quatro anos.

A determinação da vocação de Cascais, assumindo de forma plena as consequências da delimitação de uma área e da aposta na recriação dos fundamentos que lhe permitam defender os novos princípios, é crucial para a memória colectiva municipal e, consequentemente, para a qualidade de vida dos munícipes.

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